“Mas eu também cresci forte, para nunca mais cair em seus braços. Aprendi a viver, meio viva”.
— Christina Perri, Jar of hearts.
Alexia não era o tipo de garota que reclamava da vida. Ela tinha tudo o que queria, boa educação, boas roupas e tudo aquilo que meninas de classe média tinham. Mas ela reclamava de outra vida, sua vida amorosa era uma droga, uma bagunça, uma novela mexicana. Sempre se apaixonava pelo cara errado, nunca pelo cara que estava disposto a fazê-la feliz — embora nunca tenha aparecido um —, mas era típico dela. Alguns viam como masoquismo de sentimentos, outros como submissão. Mas ela ignorava a todos. Não importa o quão tentasse fugir, sempre se apaixonaria pelo cara errado.
Talvez eu seja a garota errada, cogitara.
Era mais de meia-noite, a rua de sua casa estava vazia, apenas o barulho da selva de pedra — buzinas, sirenes e ronco de motor — ela gostava daquela sinfonia. Não entendia por que passava horas olhando pela janela, pensava que algo em sua vida fosse mudar se o fizesse. Mas nada mudava, sempre continuava sendo aquela garota inerte. Se sentia patética, queria ser diferente.
Sentia o cheiro da brisa do mar e olhava para a lua, como se ela pudesse responder alguma pergunta que se passava na mente atribulada da garota... Tudo em vão.
Depois de perceber que seus esforços ao olhar para lua eram em vão, resolveu deitar-se. Seu quarto era como o quarto de toda garota da idade dela, não era cor-de-rosa, era branco, gostava do ar de paz que as paredes passavam. Além da enorme parede onde tinha um mapa-múndi gigante desenhado, alguns países estavam brancos, apenas com as bordas em preto, já outros estavam pintados de cores variadas. Mas em suma, as demais paredes de seu quarto eram brancas. Perdera as contas de quantas vezes chorara encostada naquelas paredes. Sentou-se à cama, apagou a luz e pegou seu celular, que ficava embaixo de seu travesseiro.
Alexia costumava checar suas mensagens, sempre esperava que alguém fosse puxar assunto com ela em sua página pessoal em uma rede social. Mas esperava em vão, assim como esperava que a lua desse as respostas para suas lamúrias.
— Talvez eu não seja conversável — disse a si mesma, após checar todas suas mensagens. Havia apenas mensagens de seus colegas de classe e de seu melhor amigo.
Ela tinha um melhor amigo, por incrível que parecesse, tinha um. Ela sempre fora taxada como antipática e chata. Isso era como uma vitória. Sempre pensara que simpatia fosse praticada por interesse, e que sempre teria de dar algo em troca se recebesse alguma simpatia. Mas não conseguia ser simpática — bem, ela tentava.
Olhou o feed de notícias, com um olhar cansado e um olhar de quem não poderia esperar muita coisa. O olhar de sempre. Não tinha animação para quase nada, somente para fotografar, afinal, era sua paixão. Alexia amava fotos, já havia construído vários álbuns. Cada álbum era especial. Cada álbum representava um ano de sua vida, felizmente havia dezessete deles. As demais fotos eram guardadas em caixas, que ela preferia não tocar — não eram suas melhores memórias.
Seus olhos foram de encontro a uma foto. À primeira vista ela sorriu, pois a foto estava bonita, e, como fotógrafa, tinha de admitir que os modelos eram lindos. Ela gostava de pensar que fotos tinham almas, e que o fotógrafo era quem capturava a alma, e a passava para a fotografia. Gostava de fazer parte do ciclo de vida de uma fotografia.
— Perfeitos! — murmurou ainda com um sorriso satisfeito em seu rosto. Estranhamente, alegria de desconhecidos a alegrava. Principalmente quando era estampada em uma foto.
Na foto havia um casal, no meio de um gramado, abraçados, rostos colados como quem havia acabado de trocar um beijo. Fotografia era sua paixão, mas era também sua perdição. Uma lágrima brotou em seu rosto. O sentimento de alegria começou a se esvair, dando lugar a um novo sentimento... dor.
— Até quando? — perguntou-se.
A foto trazia à tona memórias que ela desejava que estivessem enterradas. Ela se vira como a fotógrafa, e não como a moça feliz. E assim com a vida. Sempre a narradora em terceira pessoa, nunca a personagem. Invejava casais com química... Mas claro que tinha razões...
Para ela, nunca seria feliz daquele jeito, sempre seria amaldiçoada a capturar a felicidade alheia em suas fotos, já que a sua não duraria nem um mês...
— Até quando? — indagou entre soluços de seu choro, olhando para o teto de seu quarto. As estrelinhas absorviam a luz da lâmpada e iluminavam o teto branco de seu quarto, era o que ela tinha de mais infantil. Era como uma luz em sua vida sombria. Tão reconfortante quando o brilho de um flash.
Seu rosto caiu sobre o travesseiro. Seus fones de ouvido estavam sobre o criado mudo. O MP3 estava tocando, o som ribombava baixinho, perto de seu travesseiro. Christina Perri cantava Jar of Hearts, perdera as contas de quantas vezes chorara escutando aquela música. Colocou os fones em seus ouvidos e aproveitou a melodia triste para debulhar-se mais ainda em lágrimas. Pobre Alexia, chorava lágrimas tão pesadas que chegavam a doer.
Pobre Alexia... sofria em silêncio. Lamentava não ser amada, mas também lamentava não amar a si mesma. Nunca entendera o porquê de tudo aquilo. Por que tudo aquilo lhe fazia falta?
Os cabelos ruivos escorriam e grudavam em seu rosto molhado por lágrimas. Seu rosto antes branco, agora estava vermelho, o sangue queimava em suas bochechas. Ela odiava a solidão, mas fora castigada a sofrer no silêncio da noite, sufocada em seus próprios sentimentos platônicos.
Uma vez ouvira: “Você colhe o que planta”, se esse fosse o caso ela havia sido uma pessoa horrível anteriormente, pois ultimamente apenas colhia desgraça. Ela estava de luto, não que alguém tivesse morrido, mas ela lamentava, — do fundo de seu peito — os sonhos que haviam morrido quando levara seu último “fora”. Pobre Alexia, chorava sem consolo.
— Por quê? — questionava-se.
Ela nem sempre foi assim, se fechara para o mundo após a sétima rachadura em sua alma. Desde então passou a viver assim meio viva, — como na música da Christina Perri, — sempre sendo oitenta por cento, nunca cem.
Nunca confiava cem por cento em alguém, nunca amava cem por cento alguém, nunca se entregava cem por cento a alguém, nunca... sempre o enorme e pesado oitenta. Em seu âmago a garota torcia para que não baixasse para sessenta, seria mais triste. Imagina como seria você amar alguém quase que pela metade? O quão ruim isso seria...
Não culpava os caras errados que a machucaram. Culpava a si mesma por deixar-se machucar, culpava a si mesma por ser a garota errada. Tão incrédula de si...
Lexi também tinha esperança de algum dia voltar a ter cem por cento de confiança no mundo, e, além disso, ter total e completa confiança em si mesma.
Sempre se sentiu insegura e incerta com a própria aparência, embora parecesse sempre cheia de si. Embora fosse linda. Embora tivesse aceitado seu fardo de não ser amada. Por isso virou fotógrafa, não se sentia bonita o bastante para ser a modelo...
Mas essa era Alexia, a garota oitenta por cento.
Chorou mais forte, sufocou seus gritos no travesseiro, lamentou várias vezes, arrependeu-se cem vezes, morrera mil. Até que sua mente se apagou, ela estava dormindo. Dormir era quase como um alívio para sua dor, um alívio para a dor em seu peito. Ela não queria morrer, não tinha coragem suficiente para isso, mas não queria viver sofrendo, apegava-se a uma gota de esperança: Seus sonhos. Seus objetivos... seu mundo utópico perfeito. Seus sonhos realizados, seu romance cinematográfico nunca vivido...
Dona de seu próprio mundo. Governante de suas vontades. Rainha de seus desejos. Mestra de seus próprios sonhos. Sonhava com um romance perfeito, mas novamente acordaria chorando. Era tudo sonho, era tudo sonho. Sempre amaldiçoando sua imaginação de artista, amaldiçoando suas memórias, e, acima de tudo, sua mente. Sendo assim...
Ela queria dormir para sempre. Talvez assim dominasse tudo o que acontecia ao seu redor.