Guilherme Bragança
Depois de vinte dias em Madri, finalmente aterrissamos em solos portugueses no final da tarde. Desci as escadas do meu jatinho e encontrei Caetano, meu funcionário, me aguardando. Antes que eu pudesse respirar o ar de Lisboa, ele começou a despejar tudo o que aconteceu durante a minha ausência, como se já não me bastassem os problemas na filial espanhola.
Desde que tivemos um rombo milionário nas nossas contas há alguns anos, arquitetado por um ex-funcionário desonesto, todo e qualquer assunto da empresa passava por mim, até os mínimos detalhes. E, atualmente, Caetano me auxiliava com esses assuntos, sempre me deixando ciente dos pormenores, principalmente durante os períodos em que eu precisava me ausentar da matriz.
A escolha de ser CEO de uma indústria siderúrgica multinacional quando se era um dos herdeiros era, sobretudo, exaustiva. Entretanto, eu não me arrependia um dia sequer de dar continuidade ao trabalho que meu saudoso pai iniciou. Esse era o legado da minha família. Como filho mais velho, após o falecimento precoce de Luís Bragança, assumi todas as suas funções, tanto na empresa quanto como chefe da família.
— Tivemos outros dois imprevistos com os equipamentos de proteção individual de uma das empresas fornecedoras. Basicamente eles alegaram que o problema é nosso e que os forneiros não estão sabendo utilizar o capuz — disse, enquanto caminhávamos até o carro que me aguardava próximo à pista de pouso.
Era só o que me faltava. Estávamos há anos no mercado de trabalho e isso nunca aconteceu.
— Já que o problema é nosso, então cancele o contrato com eles. Não tenho tempo e nem disposição para lidar com principiantes! — respondi.
— Senhor Bragança, se fizermos isso teremos que pagar uma multa milionária por quebra de contrato.
— Entre em contato com o nosso advogado e resolvam, encontrem uma brecha. Vocês são pagos para isso. — Suspirei, irritado. — E caso o Rodrigo ainda não saiba do assunto, deixe-o ciente!
— Sim, senhor.
Sem mais delongas, entrei no banco de trás do carro e afrouxei o nó da gravata. Dessa vez não dispensei Francisco, meu motorista e segurança, pois precisava responder alguns e-mails urgentes e usaria o trajeto para isso. Saímos do aeroporto, seguidos pelos meus guarda-costas em seus veículos, e seguimos para o meu apartamento na Avenida da Liberdade.
Há alguns anos, tomei a decisão de contratar uma equipe de segurança não apenas para mim, mas para a minha mãe e meus irmãos também. Éramos uma das famílias mais poderosas de Portugal, lidávamos com muitas pessoas, com a mídia, e até mesmo ameaças em troca de dinheiro já tínhamos recebido. Então, como responsável pela minha família, eu manteria todos devidamente protegidos, mesmo sob protestos.
A minha mãe e o meu irmão, Gabriel, não se opunham tanto, diferente da minha irmã Geovana, que vivia tentando fugir dos seguranças. Gabriel era o do meio e tinha vinte e oito anos, seis a menos do que eu. Era um bon-vivant, mas quando necessário também sabia ser sério. Era estudioso, inteligente, e além de herdeiro, era diretor administrativo e meu braço direito na empresa. E Geovana era a caçula, uma linda jovem de vinte e dois anos, recém-formada em Moda e que estava passando uma temporada de estudos em Paris.
Ela não quis saber de seguir nossos passos e trabalhar na siderúrgica, e como ninguém, sabia nos dobrar direitinho para que fizéssemos todas as suas vontades. Ao contrário de mim, que puxei totalmente o nosso pai — tanto fisicamente, quanto na personalidade —, Geovana era extremamente extrovertida e simpática. Tinha uma vivacidade incomum, igual a nossa mãe, além de ser sua cópia fiel. Já Gabriel, era uma mistura dos dois.
Nossa mãe era uma bela mulher no auge dos cinquenta e quatro anos. O crescimento e sucesso da empresa também se devia a ela, que trabalhou junto com o meu pai desde o começo de tudo, há trinta e cinco anos. Atualmente ela era responsável por toda a área de recursos humanos e projetos sociais.
Minha família era meu ponto fraco e não havia absolutamente nada nesse mundo que eu não fizesse por eles. Principalmente no quesito segurança. Eu não permitiria que os acontecimentos do passado se repetissem. Nunca.
Senti a tensão surgir com as lembranças e nem percebi o tempo passar. Trinquei a mandíbula e somente percebi que apertava com força o celular na minha mão quando Francisco estacionou na garagem do prédio em que eu morava. Agilmente ele saiu do carro e abriu a minha porta.
— Tenha uma boa noite, senhor Bragança — disse, discreto como sempre, e eu apenas dei um aceno com a cabeça ao sair.
Caminhei até o elevador privativo que me levaria até a minha cobertura, e depois de subir os vinte andares, finalmente cheguei em casa. Estava tudo arrumado e silencioso, exatamente do jeito que eu gostava e que somente a Graça, minha governanta, era capaz de deixar.
Deixei minha mala de qualquer jeito e segui para o meu quarto. Tirei minha roupa, coloquei a bermuda de banho e subi para o segundo andar, na área da piscina. Como sempre, depois de longas viagens eu precisava de alguns minutos de natação para aliviar o estresse. Era uma das poucas atividades que esvaziava a minha cabeça de tudo.
Mergulhei e depois de vários minutos de nados ininterruptos, saí da água. Enquanto me enxugava, peguei meu celular e vi que tinha algumas mensagens e duas chamadas perdidas recentes do Rodrigo, meu primo, grande amigo e diretor de operações da empresa. Além disso, ele tinha 5% das ações da empresa. E se Gabriel era meu braço direito, Rodrigo era o esquerdo.
Nossos pais eram irmãos, e o meu tio faleceu poucos meses depois que Rodrigo nasceu. Por isso, fomos criados praticamente juntos. Ele era apenas dois anos mais novo do que eu e tínhamos um passado igualmente fodido, embora com histórias diferentes.
Retornei a ligação e rapidamente ele atendeu.
— Grande Guilherme! Achei que teria que ir até Madri e trazer você de volta.
— Fala, Rodrigo! Cheguei há pouco e vim direto para casa... qual é a boa?
— Os rapazes marcaram Poker no Suspiria às 21h. Vamos?
Suspiria era um dos maiores e mais exclusivos clubes europeus. Frequentado apenas pela alta sociedade, ele unia cassino, mulheres e bebida.
— Nos encontramos lá! — respondi e após nos despedirmos, encerramos a ligação.
Eu não suportava ficar pendurado em chamadas telefônicas, gostava que fossem rápidas e objetivas. E Rodrigo, assim como todos ao meu redor sabiam disso. Raramente recebia ligações, já que eu estava praticamente sempre disponível por mensagens ou e-mail.
Após um banho demorado, me arrumei e saí de casa. Ao chegar no estacionamento, dei as coordenadas aos seguranças e entrei no meu carro recém-adquirido, um Lamborghini Urus preto de última geração.
Dirigi por aproximadamente meia hora até chegar ao Suspiria e estacionar o carro na vaga privativa. As outras duas vagas ao lado da minha eram destinadas aos meus seguranças. Um privilégio de poucos.
Entrei no clube e como ainda tinha alguns minutos antes de encontrar os rapazes, fui direto ao subterrâneo, local secreto — que nem todos tinham acesso — destinado às dançarinas de strip-tease e ao sexo. Assim que cheguei, fui recebido por Lorena, uma belíssima loira que já trabalhou como dançarina e atualmente era a responsável pelas outras dançarinas. E minha foda fixa.
Do mesmo jeito que eu fazia com todas as pessoas que entravam na minha vida, fosse de forma passageira ou não, investiguei todo o seu passado. Não havia nada além de uma vida simplesmente normal.
Desde que começamos a transar, há pouco mais de seis meses, exigi exclusividade da sua parte e ela lidou bem com isso e aceitou, mesmo sabendo que nunca teria o mesmo de mim. Esse foi um dos motivos de Lorena ter parado de dançar. Somente eu podia ter acesso ao seu corpo. Eu era um homem que controlava absolutamente tudo ao meu redor. Quando queria algo, eu simplesmente pegava para mim. E até quando eu decidisse, seria somente meu.
Ela não tinha pudores. Sabia exatamente como me deixar louco, como me satisfazer, do que eu gostava e como gostava. E poucas, das várias mulheres que eu já tive nos últimos anos, conseguiram isso. Em troca, eu dava a ela uma quantia mensal que era suficiente para os seus caprichos e mordomias.
— Querido, que ótimo ver você por aqui — me cumprimentou, se esfregando como a safada que era.
Apertei sua cintura estreita junto ao meu corpo e ela arfou. Seus olhos castanhos estavam brilhantes, e seus lábios vermelhos, carnudos e convidativos me fizeram imaginar várias obscenidades. Eu tinha Lorena nas mãos, mas sempre deixei claro que entre nós dois seria apenas sexo. Nada além disso, nem mesmo beijo na boca. Era só sexo.
No entanto, receei que ela estivesse nutrindo sentimentos por mim e talvez fosse a hora de colocar um ponto final em nossos encontros. Mas não hoje.
— Tenho alguns minutos antes de encontrar os rapazes — falei em seu ouvido enquanto minhas mãos escorregavam para a bunda redonda.
Experiente e inteligente como era, ela entendeu o que eu precisava.
— Acho que alguns minutos serão suficientes para fazer você gozar gostoso na minha boca — sussurrou e eu não perdi tempo, a puxei apressadamente pelo corredor.
***
Diferente do que a maioria das pessoas pensavam, a sorte era pouco relevante no poker. Além de autocontrole emocional, concentração, habilidade e inteligência, o jogo exigia muita estratégia. E eu, como um homem extremamente estrategista, era considerado um dos melhores jogadores pelos meus quatro adversários.
Nós cinco éramos colegas e jogávamos muito mais por diversão do que por dinheiro, já que como eu, todos eram ricos e influentes. Eu os conheci através do Rodrigo e fui o último a entrar no grupo, há pouco mais de seis anos. Antes, no entanto, eu nunca tinha jogado poker, enquanto eles, que jogavam há muito mais tempo, não tinham a mesma habilidade que eu.
Ser autodidata tinha suas vantagens.
Cerca de três horas depois, todas as fichas dos meus adversários estavam comigo e novamente, venci.
— Porra, Bragança! Desse jeito não dá mais! — Alex, um dos jogadores, zombou de maneira divertida, enquanto os outros gargalharam.
Ele estava se referindo ao fato de eu ganhar na maioria das vezes.
— Deixa de choradeira, Alex! — retruquei, virando o resto de uísque do meu copo. — Preciso ir, foi um prazer ganhar de vocês — debochei, levantando-me.
— Até a próxima! E se prepara para devolver esses vinte mil euros com juros! — Alex grunhiu, levantando-se também.
— Vai sonhando — falei.
— Também já estou indo — Rodrigo disse e após nos despedirmos do pessoal, seguimos para o estacionamento. — Acredito que você já deve estar sabendo sobre o problema com os EPIs.
— Caetano me informou assim que eu cheguei. Preciso que você acompanhe isso de perto junto com o nosso advogado.
— Já estou fazendo isso — respondeu prontamente. — Guilherme, eu não acho que o Caetano seja a pessoa ideal para a função que exerce. Esse cara sabe de muitas coisas... até demais — disse, e essa não era a primeira vez.
Na verdade, Rodrigo e Caetano viviam se estranhando, desde que se conheceram. Eu não entendia essa implicância do meu primo com ele, que era um funcionário dedicado e perspicaz. Nós fizemos faculdade de Administração juntos e dado o seu histórico acadêmico, decidi convidá-lo para trabalhar na empresa. Doze anos se passaram e não houve nada que desabonasse sua conduta nesse período.
— Acho que você implica demais com ele — falei.
— Não é implicância, mas você tem que concordar comigo que ele é no mínimo estranho.
Até então nunca tinha dado importância para essa implicância, mas me preocupei diante da sua insistência. Por via das dúvidas e para evitar qualquer problema, resolvi dar ouvidos ao seu alerta.
— Ok, voltaremos a falar desse assunto.
— Com certeza voltaremos — enfatizou.
— Nos vemos amanhã na reunião! — disse ao entrar no carro.
— Boa noite.
Saí do Suspiria e segui para a minha casa. Com a cabeça trabalhando incessantemente, me distraí quando escutei o início de uma melodia conhecida... a música With Or Without You, do U2, tocou no rádio e eu senti meu peito bater acelerado com as lembranças que me atingiram em cheio.
With or without you
Com ou sem você
With or without you, oh
Com ou sem você, oh
I can't live with or without you
Eu não posso viver com ou sem você
With or without you
Com ou sem você
Lembranças de um tempo em que eu me sentia vivo. Lembranças de quando eu podia sorrir, de quando eu era feliz. O que existia hoje, era apenas uma casca do homem que eu fui um dia. E as batidas que explodiam dentro do meu peito eram a prova de que eu apenas existia.
Eu não tinha um coração. Ele havia sido enterrado no passado e nunca mais sairia de lá.
Ele estava com quem o pertencia.
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Próximo capítulo sexta-feira (15/10) ❤