Um foco de neve caiu em minha face, aquele era considerado o inverno mais frio de todos os tempos, vestia uma camada grossa de roupas felpudas e quentinhas. Levei as mãos até meus lábios ressecados e puxei a pelinha fina, percebi que assim como Brianna todos olhavam para mim constantemente e aquilo me deixou desconfortável.
-Seus lábios estão sangrado _Diz o rapaz ao meu lado, o ignoro e passo a língua sobre eles.
O gosto de ferro me fez suspirar, eu precisava sair dali o mais rápido possível .Estávamos reunidos á beira de um lago congelado, éramos no total cinquenta pessoas, fazíamos uma oferenda as forças da Natureza para
que possamos passar o inverno com farturas, saúde e protegidos dos espíritos malignos. No centro do lago havia algumas oferendas como frutas, trigo, ervas, flores, couro e prata. E na frente da oferenda um jarro de cobre. O Ancião falava algumas coisas que para mim eram sem nexo. Senti um hálito quente soprar em minha nuca e logo um arrepio que fez o meu sangue gelar.
Olhei para trás e não havia ninguém, uma energia negativa pairava sobre nós assim como a neve, voltei minha atenção para o Ancião.
-Peço proteção ao mau que nos rodeia e nos perseguem a tanto tempo. Que as forças da Natureza nos protegem dessa maldição.
Um vento forte me atingiu em cheio, que quase perdi a respiração , ninguém parecia incomodado com vento que passou rápidamente e de repente senti algo quente escorrer pelo meu nariz , uma gota de sangue caiu na neve branca.
Devagar sai de lá e fui para dentro da casa cujo lugar é onde nos reuniamos para comer , conversar e festejar .
Subi as escadas adentrando o banheiro feminino , limpei o nariz e passei água no rosto , me olhei no espelho vendo minha face magra e pálida com olheiras profundas.
No verão minha face era mais viva e bonita , meus olhos negros como a noite era um charme , tão negros que pareciam de bonecas .
Logo um boato se espalhou na pequena cidadezinha de que meus olhos refletiam a alma de quem o olhasse profundamente , fui chamada de bruxa e apedrejada porém o Ancião me protegeu das maldades e ofensas de seu povo.
Passei a língua na minha gengiva que doía fortemente , abaixei a cabeça e respirei fundo e vi a porta se abrir e um vestido cor-de-rosa entrar no meu campo de visão , levantei a cabeça devagar .
--Você está bem Eleonor ?
Briana perguntou certamente mais curiosa do que preocupada . Ela havia sido minha amiga até ter medo e se afastar . Olhei em seus belos olhos azuis claros e deu um sorriso .
--Está tudo ótimo
Me aproximei de Brianna , ainda lhe encarando , a moça deu um passo para trás abaixando olhar pois não conseguia encarar meus grandes olhos negros.
--Olhe nos meus olhos Brianna ...
Minha voz saiu suave como sussurro . Ela levantou a cabeça e olhou nos meus olhos, a flor que segurava nas mãos caiu no chão daquele banheiro imundo como se estivesse hipnotizada.
Seus olhos eram dóceis e gentis , puros e sem maldade porém havia uma pitada de inveja , senti uma sensação de paz era como se eu mergulhase e um mar imenso . Seus olhos se arregalaram , Brianna não estava vendo mesmo que eu via e então , vi o medo neles.
Comecei a me afogar no mar calmo que se manchou de vermelho sangue. Sai do transe quando o grito de Brianna cortou o silêncio , ela se afastou de mim e colocou as mãos no no rosto.
--Tá queimando ......Nãooooo ..... Para por favor .
--Brianna ....-- me aproximei tentando acalmá-la . Senti novamente o gosto de ferro na minha boca e o cheiro forte de enxofre . Várias pessoas adentraram o banheiro apertado , todos queriam ver o que acontecia ali .
O Ancião abriu caminho enquanto avaliava a cena . Brianna parou de gritar , apontou o dedo para mim e gritou
-- É ela , ela é o mal que nos rodeia , é escuridão que tanto tememos .
Meus olhos se arregalaram , eu sentia um mal emanando naquela sala, eu seria mesmo o mal ou apenas uma garota assustada.
--Maldita Bruxa -- Um homem alto se aproximou e me segurou pelos cabelos me levando para fora enquanto os outros gritavam em comemoração.
--Não por favor , eu não fiz nada....-- Tentei provar inocência em vão , quem era eu ao lado de quarenta e nove pessoas . Eu era a culpada .
O homem me jogou no chão, senti meu rosto bater na neve fria ,tão fria que levantei o rosto de imediato .
--Tira-lhe o casaco ? --O homem alto , loiro e de barba mal cortada mandou. O Ancião estava quieto somente observando .
Um outro homem arrancou minhas veste , me tirou as botas e a luva deixando-me apenas com o vestido fino de algodão azul . O vento frio batia em minha face como milhares de agulhas.
--Não podem fazer isso comigo , Ancião? -- O Ancião virou o rosto para não me olhar nos olhos . Procurei meu pai e meu irmão na pequena multidão que me apontava o dedo e me condenavam.
--Pai ? -- O chamei ao vê-lo no canto, ele fez o mesmo que o Ancião, porque simplesmente todos estavam contra mim .
As lágrimas molhavam minha face, o homem que havia me puxando pelos cabelos, me segurou pelo braço e me levantou, seu nome era Andrey. Me arrastou até o centro do lago e me jogou na frente da oferenda.
O jarro de cobre já estava cheio de sangue, sangue de cabra. Meu coração acelerou, eu podia sentir a tentação, olhei para o redor, eu podia ver as
veias da suas jugulares pulsar.
-- Peça perdão pelos seus pecados -- _Disse Andrey .
--Eu não fiz nada de errado --Me virei ainda de joelhos e o olhei.
-- Não me olhe nos olhos sua vadia - Andrey me deu um chute.
Senti o ardor no local do seu chute, Andrey em seguida colocou sua bota em meu pescoço.
A única coisa que passava na minha cabeça era "por que eu? o que eu tinha feito de errado?"
Coloquei minhas mãos em sua bota e tentei tirá-los do meu pescoço. Eu começava a ficar sem ar, minha garganta doía. As pessoas gritavam coisas sem sentido.
Andrey arriou os braços para o alto, se mostrando. Meus olhos começaram a lacrimejar e meu rosto pálido agora está vermelho. E então de repente senti o peso da bota de meu agressor cessar, foi tão rápido que meus olhos não conseguia acompanhar.
Matt estava em cima de Andrey, o segurado pelo pescoço, mas logo foi segurado por alguns homens
que ali estavam.
Respirei fundo e tentei me levantar, meu pai não estava mais lá, ele havia lavado suas
mãos.
-- Solte ele -- Falei temendo que Matt se machucasse.
-- O que vocês estão fazendo? Estão loucos? --Perguntou Matt indignado.
-- Ela é o mal que nos rodeia, temos que a sacrificar -- Uma mulher na multidão pronunciou com desdém.
Meu coração estava doendo, eu não queria estar passando por isso, ser julgada por algo que nem fiz. Coloquei as mãos ao redor dos meus braços, o frio estava me matando, a fumaça fria saia do meu nariz a cada respirada que eu dava.
E novamente senti o cheiro insuportável de enxofre, a morte pairava sobre nós, involuntariamente olhei para o céu, a energia negativa deixava o ar melancólico.
--O verdadeiro mal aqui é, todos vocês, bando de hipócritas lunáticos --Matt disse furioso.
O mesmo foi empurrado com força.
--Não se interfira, rapaz --Andrey ameaçou.
A minha pele estava cada vez mais fria, meu queixo começou a bater de frio. Não sei quanto aguentaria aquela tortura. Olhei para Brianna ela não estava sorrindo, seu olhar era triste mas ela deveria estar sorrindo, ela que havia me colocou nessa situação.
-- Vamos acabar logo com isso -- Andrey pegou uma adaga e se aproximou de mim.
Não adiantava correr, esse seria o meu fim? Um soluço escapou de minha garganta.
-- Por favor, eu não fiz nada, eu não fiz nadaaaa... -- Gritei, porque não acreditavam em mim.
Em um milésimo de segundo a ponta da adaga rasgaria minha pele e atravessaria meu coração. Mas não foi isso que aconteceu, Matt havia segurado a adaga em sua mão e o seu
sangue pingou no gelo.
--Oh! --A multidão soltou uma expressão de espanto.
Andrey o olhava com raiva, o mesmo se virou para o lado e olhou para a multidão levantando os braços.
-- Estão vendo meu povo, ela é a enviada do demônio, esses olhos pretos como a noite, manipuladores são os olhos do Demônio e ele é seu servo --
Andrey olhou para mim e
sorriu. As pessoas concordavam com ele.
Matt não poderia me ajudar, ninguém poderia. A neve havia cessado e de repente Matt foi acertado por uma pedra, perdendo o equilíbrio e caindo inconsciente.
-- Nãoooo... --Gritei antes de levar um soco de Andrey e nada mais vi, além da escuridão.
;Acordei com a água fria sendo jogada em meu corpo. Não estávamos no lago e sim na frente dele. Eu estava amarrada em uma pilastra improvisada de madeira assim como Matt.
Não teríamos salvação, ninguém nos ajudaria.Senti a dormência passear pelo meu corpo. Se não morresse ali morreria congelada. Meu vestido azul grudado no corpo me fazia sentir mais frio toda vez que o vento batia. A
garganta doía, Brianna me olhava de perto com sua mão direita segurando o pingente em seu pescoço.
A vida é cruel e terrível, porque tinha de ser assim. Queria ver as flores desabrochar em plena primavera. A lágrima que descia em minha face congelava antes de pingar no chão.
Andrey pegou uma tocha com fogo e então percebi o que ele faria, aos pés de Matt havia um punhado de madeira.
Ele não podia fazer isso, quanta crueldade.
--Por favor, não. Não faça isso Andrey --
Implorei, eu queria que ele parasse.
Meu coração batia acelerado, minha respiração ficou pesada. Matt abriu os olhos e olhou para mim assustado.
-- Não... Não por favor -- Ele pediu por sua vida.
Aquilo me matou, Matt não merecia isso, eu não merecia. Matt era tão doce, ele era uma boa pessoa e tinha um sonho, um sonho que nunca se realizaria.
--Nãoooo... Nãooo ... --Grite quando Andrey já estava colocando fogo na madeira.
As lágrimas molhavam toda minha face. Se eu pudesse fazer algo, mas nada eu podia
fazer.
--Eleonor eu te amo. Você não é o mal, você é a doce flor do inverno...
--Não, para por favooooor --Gritei em desespero, ver a pessoa que você mais ama morrer é algo que ninguém quer passar.
O fogo começou a subir rapidamente, Matt começou a gritar de dor enquanto o fogo queimava sua pele, seu grito viveria para sempre em minha memória.
--Não Matt... Aaaaaahhh -- As pessoas aplaudiam, sorriam e comemoravam. Como podia ser tão mal. Brianna chorava, por que ela chorava?
--Aaaaah Deus... -- Chorei enquanto Matt se agonizava, o cheiro da carne sendo queimada invadia minha narinas, eu fechei os olhos e implorei por alguém. Pedi perdão pelo
que eu não havia feito, implorei, mas ninguém viria ao meu chamado.
E de repente senti uma força sobrenatural se apossar daquele local. E assim a madeira quebrou e Matt e eu caímos ao chão. As pessoas murmuravam algo e algumas
gritavam de susto.
Brianna jogou água em Matt, mas já era tarde demais. Andrey ia chegar
perto com uma arma na mão, porém um vento forte os jogou para trás. Me aproximei de Matt e o puxei para o centro do lago. O deitei em meu colo, todo o seu corpo estava
queimando, a pele de seu rosto havia derretido e mostrava a carne vermelha.
Minha alma morreu, a dor que eu sentia era inexplicável.
-- Matt... --Pronunciei seu nome em meio ao choro.
Toquei minha mão no que era antes o seu rosto, acariciei sua carne exposta. Então olhei em seus olhos intactos de um verde tão intenso.
-- Mos...tre...me... -- Ele tentou falar enquanto se afogava com seu próprio sangue .
--Mostre...me... - Ele pediu mais uma vez.
O olhei nos olhos e seus olhos se acalmaram, estavam dóceis novamente. E o mostrei o
que queria. Matt agora cavalgava em um cavalo branco, em meio a uma floresta coberta de flores
amarelas.
Seu sorriso estava estampado em seu rosto. E então vi a aura de sua alma, estava azul, um azul tão claro e límpido. Ele sorriu e cavalgou em direção oposta à floresta, sua alma
descansaria em paz.
Solucei e desviei o olhar, coloquei minhas mãos sobre as pálpebras de Matt e fechei seus olhos. Meu irmão não respirava mais, ele havia partido para sempre.
-- Por que? Me digam, por queeee?-- Gritei, estava com raiva.
Percebi que eles se afastaram com medo e então, olhei para onde olhavam, na floresta as árvores balançavam de um lado para outro, os pássaros voaram em direção opostas e o vento forte nos deu o ar de sua graça novamente.
--É o Diabo...
-- Meu Deus nos ajude...
Esses eram alguns murmúrios que as pessoas exclamavam assustadas. E então, uma fera gigante surgiu da floresta, soltando uma rosnada tão alta que arrepiava até os ossos.
Seu corpo era de um lobo, seus dentes grandes e pontiagudos estavam à mostra, suas garras afiadas e fatal, e seus olhos de um vermelho vivo, uma cicatriz em seu olho direito e em sua cabeça um chifre quebrado. O chão tremeu violentamente.
As pessoas começaram a gritar e a correr desesperadas. Eu queria que todas elas morressem.
O grande lobo negro pulou sobre mim, aterrisando á minha frente e atacando com destreza.Eu ainda mantinha o corpo de Matt em meus braços. O lobo mordia e arrancava as cabeças das pessoas como se fosse a coisa mais fácil. O gelo se rachava não suportando o tamanho do seu peso.
Os gritos deles me faziam sentir energizada. E quando vi Andrey ser estraçalhado, um sorriso surgiu em meu rosto. Aquele era como uma vingança, uma terrível e dolorosa vingança.
--Perdão... -- Brianna se jogou de joelhos à minha frente.
Meus olhos se encontraram com os dela. Ela estava apavorada, assim como eu estava amarrada enquanto via meu irmão em chamas.
-- Diga-me o que você viu? -- Perguntei em um sussurro de voz.
As lágrimas encharcaram a face vermelha de Brianna. Ela tremeu ao escutar mais um grito de morte.
-- Eu vi minha alma pegar fogo, eu me vi presa em uma floresta de galhos secos e sem vida, em uma floresta onde não havia luz, eu vagava entre o vazio e a escuridão - Ela chorou - Enquanto você nadava em águas profundas e calma. Eu não podia permitir que seus olhos vissem minha alma... eu... por favor.
Brianna chorou, tudo aquilo era culpa da moça de cabelos loiros e vestido rosa. Do olhar doce e meigo porém, cheio de inveja.
-- Pedi por favor e não adiantou. Vocês sãoo mal que rodeia esse mundo, cheios de ganância, arrogância, crueldade e inveja. Vocês que não mereciam andar sobre essa terra e por isso pagarão pelo que fizeram com Matt --Falei em um tom elevado.
O grande Lobo já havia terminado sua carnificina e está parado atrás de Brianna.Sua respiração alta cortando o pequeno silêncio que tinha sobre nós depois de alguns segundos.
E no mesmo instante em que meus lábios se formaram um sorriso, o lobo rasgou Brianna ao meio com suas garras enormes.
O sangue quente molhando meu rosto, passei a língua nos lábios, sentindo o gosto daquele maldito sangue de Brianna.
E de repente o corpo de Matt começou a virar cinzas e foram levadas pelo vento, eu queria sentir o corpo de Matt.
Olhei ao redor, havia sangue, pedaços de corpos e tripas espalhados por todo o chão. O lobo estava tingido de vermelho e sua boca pingava sangue. Seus olhos flamejantes me encaravam.
Uma lágrima solitária escorreu em minha face. Me levantei e olhei nos olhos do lobo, e então ele me estendeu sua pata e abriu, havia uma capa preta para que eu me cobrisse do frio, encostei minha cabeça na dele e em seguida vesti e montei em suas costas.
Assim como eu havia dito, suas almas não existiria em três séculos, porém Brianna iria vagar no vazio pela eternidade.
Todos tiveram uma morte merecida? Por mim sim eles mereciam. E assim eu também permaneceria solitária e amaldiçoada em busca de um lugar onde eu poderia ser eu mesma, a neve voltou a cair com intensidade.
Teria eu a certeza de que levaria Matt no que sobrará do meu coração para todo o sempre.
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NARRADOR ON
E assim que Eleonor partiu para as montanhas em busca de liberdade e um lugar onde as
pessoas não a julgassem, uma flor vermelha que exalava fogo nasceu no centro do lago
congelado. Eleonor não sentia mais o mal, será que ele havia ido embora ou agora fazia
parte de sua alma?
The End
:-) ♥️
Espero que gostem e não se esqueçam da estrelinha ....