Me olhei no espelho e me perguntei: Por que?
Por que eu havia feito aquele vestido idiota? Por que eu o vestia quando sentia meu coração tão pequenininho? Por que, desde pequena, um dos meus sonhos era me casar? Por que isso ainda não havia acontecido?
Sentada no chão de frente para o meu reflexo me fazendo perguntas das quais eu não sabia responder. Até que alguém bate à porta. Estranhei por já ser tarde da noite.
Peguei a primeira coisa que vi pela frente, uma escova de cabelo, caso precisasse me defender, e fui ver quem era.
Meu coração deu um salto, totalmente contra a minha vontade, quando vi Nicolas sorrir e acenar.
— O que faz aqui essa hora? — Perguntei ao deixá-lo entrar.
— Vi as luzes acesas e pensei em... passar para uma visita. — Algo estava diferente em sua voz, ou talvez no tom da mesma. Como se estivesse mais melódica, ou mais suave como veludo.
— Ah sim, claro. — Ri sem jeito.
Ele pareceu notar na minha roupa.
— Por essa eu não esperava. Não dá azar ver o vestido antes do casamento? — Ele deu uma risada. Suas bochechas enrubesceram quando ele se deu conta do que tinha dito.
— E como acha que a noiva vai saber se está bom ou não?
— Eu me referia ao noivo.
Dei de ombros sem entender como eu ainda não tinha corado.
— Vou me casar com um dos manequins, e eles não possuem olhos. — Brinquei.
Deslizei a mão pelo meu pulso para tocar a pulseira, um costume adquirido com o tempo.
Mas ela não estava lá.
— Minha pulseira! — Exclamei. Comecei a procurá-la desesperadamente. — Perdi minha pulseira.
— Calma, nós vamos achá-la. — Ele deixou a sacola que carregava na mesinha perto das poltronas e passou a me ajudar.
Refiz meus passos por toda a loja e nada. Procuramos em cada cantinho pela bendita, até sacudi meu vestido para ver se ela não estava presa no pano.
Eu não podia perder aquela pulseira nunca. Era muito significativa e...
— Não está em lugar nenhum. — Suspirei sentindo meus olhos arderem com a ameaça de um choro.
— Deve estar na sua casa ou no seu carro.
— Eu sou tão desastrada — resmunguei. — Não consigo fazer nada direito!
Nicolas se aproximou de mim.
— Ei, isso não é...
Seus olhos focaram em algo atrás de mim. Antes que eu pudesse me mexer ele tocou meu cabelo e desprendeu dele a pulseira.
Depois sorriu enquanto a segurava na minha frente.
— Viu só, eu disse que acharíamos.
Senti alivio ao ver os pingentes balançando.
Nicolas silenciosamente tomou meu pulso para colocar a pulseira. Mesmo quando terminou ele não soltou minha mão e permaneceu observando a correntinha.
— Sabe o que lírios brancos significam? — Sua voz soou baixa.
— Amor incondicional... e verdadeiro — respondi.
— É. — Seus olhos subiram e focaram nos meus. Tão castanhos e profundos que era quase possível ver o que ele queria dizer. Quase.
Contive meu coração galopante, desfiz o contato visual e puxei minha mão devagar.
Ele limpou a garganta e sorriu.
— Para alguém que teve três amores não verdadeiros você sabe bastante. — Agora sua voz era zombeteira.
Bati no braço dele com a escova que eu tinha na outra mão.
— Como você é bobo — respondi fazendo-o gargalhar.
Nos sentamos nas poltronas e ele revelou o que tinha na sacola. Eram os abençoados croissants de chocolate.
Ele pegou um e me deu.
— Não é melhor trocar o vestido?
— A dona não vai se importar — falei dando uma grande mordida no meu croissant.
Caramba, aquilo era tão bom!
— E de que outro país esse é? — Nicolas riu lembrando do vestido "de Londres".
— Esse aqui, Nicolas Montagnier, é o meu vestido de noiva — admiti.
Ele se recostou na poltrona com um ar diferente nos olhos.
— Eu o fiz há um tempo, achando que se tivesse o vestido já pronto meu noivo viria logo — caçoei de mim mesma. — O que tive foram três experiências frustrantes. Talvez eu não saiba amar.
Nicolas descruzou os braços.
— Não acredito nem um pouco nisso — disse sucinto.
— Por que? O que te faz não acreditar?
Ele se inclinou para frente.
— Dá para ver nos seus olhos que você ama o amor. — O encarei surpresa. — Não creio que alguém que ama esse sentimento não saiba como senti-lo.
Aquilo atingiu uma parte no meu coração que parecia estar adormecida.
Eu nunca tinha escutado palavras semelhantes ditas com tanto sentimento... ainda que escondidos.
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Quase duas semanas se passaram desde que eu havia visto Nicolas.
As palavras dele ecoavam todos os dias na minha memória. E por falar em memória, eu ficava relembrando todas as vezes em que estivemos juntos. Como se eu estivesse procurando por algo, por uma resposta.
Confusa, era como eu me sentia. Minha concentração oscilava e meus olhos insistiam em observar a porta da loja. Isso sem contar em quantas vezes por dia meu coração disparava quando o sininho tocava.
Quem sabe ele tivesse cansado de me aturar falando sobre casamentos e blá, blá, blá. Ou talvez se deu conta de que não valia a pena.
Ou talvez eu devesse bater minha cabeça na parede e parar de ficar criando paranóias.
Paranóias essas que me levaram a cozinhar. Isso mesmo, a bancada da cozinha expunha diversos croissants de chocolate. Não eram perfeitos como os que ele havia comprado, mas estavam com um cheiro bom pelo menos.
— Uhuh! Parece que alguém está animada por aqui. — Carmen inspirou o aroma doce.
— Ou apaixonada — Divalu teceu seu comentário cantarolando.
— Boa noite para vocês também senhoras! — Rebati.
Minha mãe e suas amigas se reuniram na mesa para mais uma sexta-feira de jogos. Em cima da mesma haviam os aperitivos que Dona Helena havia posto e seu próprio licor de cereja sem álcool.
— Alice, querida, deixe essa cozinha e venha se juntar à nós — Cecília disse enquanto embaralhava as cartas do baralho.
Minutos depois o apartamento já estava repleto de conversas, risadas e exclamações. Havia certa leveza e diversão no ar.
Bem, isso antes de o meu celular tocar.
— Alô...
— Será que.... Você pode descer por um instante?
— Claro, eu já vou.
Então meu coração começou a dar pulos. O elevador parecia ter demorado anos para chagar ao térreo.
Respirei fundo antes de sair do prédio.
Nicolas estava parado bem de frente para a porta, o cabelo escuro um pouco bagunçado, como se ele tivesse passado os dedos por ele várias vezes. Ele também parecia inquieto, mas ficou imóvel quando me viu.
— Oi — quebrei o silêncio.
— Oi. — Sorriu.
Passei duas semanas sem ver aquele sorriso, e lá estava ele.
— Eu... precisava falar com você. — Podia ter sido impressão minha, mas suas bochechas se avermelharam um pouco. — Eu pensei em vir antes, mas eu não sabia se você teria tempo.
— Eu tenho tempo para você — disparei, porém logo me dei conta do que tinha dito. — Quero dizer... estou com tempo sim. O que você queria dizer mesmo? — Me repreendi mentalmente.
— Eu queria dizer que.... Temos companhia.
— Como? — Perguntei sem entender nada.
Nicolas ri e aponta para algo atrás de mim.
As quatro senhoras que antes estavam no meu apartamento agora estavam espremidas perto do portão de pedestre tentando escutar a nossa conversa.
— É feio ficar xeretando a conversa das pessoas — falei.
Elas nem tiveram a decência de sentir, ou até mesmo fingir, vergonha.
— Disseram o quanto você era bonito rapaz, eu só não imaginava que era tanto assim — Divalu brincou.
Nicolas nem teve tempo de agradecer o elogio, porque Carmen foi logo dizendo:
— Imagino que seja um cavalheiro!
Ele tentou falar de novo, mas minha mãe foi mais rápida.
— Com certeza ele é — minha mãe respondeu.
— Conhecem o rapaz há dez segundos e já estão grudadas nos braços dele. — Cecilia, para a minha surpresa, sorriu.
— Ora, se é amigo da Alice é nosso amigo também — Divalu rebateu dando um sorriso cheio de dentes para Nicolas.
Ele estava envergonhado, mas parecia estar se divertindo com tantos comentários.
— Estávamos jogando, quer se juntar à nós? — Dona Helena sugere me fazendo engasgar.
— Desculpe, senhoras, mas eu sou...
— Muito ocupado? — Foi a vez de Cecília perguntar.
— Não, não é...
— Jovem para querer jogar conosco? — Carmen indagou.
— Certamente não. Eu não...
— Não gosta da companhia de senhorinhas? — Divalu fez uma expressão fofa.
— Eu aceito jogar com vocês! — Ele disse, se rendendo por fim.
— Maravilha! — Mamãe comemora.
As quatro arrastam o pobre Nicolas para dentro do prédio. Ele olha para trás buscando por mim.
O olho com uma expressão de "me desculpa por isso". Ele apenas sorri.
Nicolas nunca tinha entrado no meu apartamento, talvez por isso foi tão estranho tê-lo parado ao lado da mesa. Ele observava as coisas ao seu redor, assim como havia feito quando entrou na loja.
Quando estávamos todos reunidos na mesa começamos a jogar. Nicolas não sabia o que fazer e, só por isso e nada mais, fui sua dupla. Não que eu também soubesse muita coisa comparada às nossas rivais.
Ele ficou meio tenso no início, porém começou a relaxar e ficar mais confortável.
Eu tentava não ficar olhando para o rosto dele, que agora carregava um brilho divertido e jovial.
Nicolas, o empresário ocupado e elegante, estava sentado ao meu lado na mesa do meu apartamento jogando cartas.
Ele gargalhou de algo que uma das senhoras havia dito. Aquele som ecoou ao meu coração, misturando-se com as batidas descompassadas, criando um sentimento assustadoramente belo que me fez arrepiar.
A sensação que eu tinha quando olhava para ele, ou quando estava com ele, era a mesma de estar em um avião decolando, era como escutar a música favorita, ou como a emoção de ver o nascer e o pôr do sol.
Não dava para definir, mas era bom.
No final de tudo havíamos perdido três partidas seguidas.
— Somos uma bela dupla. — Ele parecia feliz apesar da derrota.
— Nós levamos uma surra. — Ri cruzando os braços.
— Ainda somos uma bela dupla. — Ele piscou para mim.
Bati com o meu braço no dele.
Enquanto Nicolas se despedia das senhoras embalei para ele um dos croissants que eu havia feito.
Dessa vez garanti que a porta estivesse bem fechada e que apenas nós dois desceríamos. Paramos frente a frente ao chegar na rua.
— Desculpe por fazer você passar por isso. — Apontei para cima indicando o apartamento.
— Não se preocupe, eu me diverti.
Abaixei os olhos para não ficar encarando o sorriso dele.
— Eu fiz isso hoje. Não está como os que você compra, mas... — Entreguei o embrulho em suas mãos. Ele logo adivinhou o que era. — Não precisa comer se não estiver bom. — Ri.
Nicolas gargalhou.
— Tenho certeza de que está mil vezes melhor do que os da loja — respondeu ele. — Obrigado, Alice.
Sorri em resposta. Então me lembrei de que ele não havia dito o que ele queria dizer quando chegou.
— O que você queria dizer mais cedo?
Nicolas abaixou a cabeça, sua expressão já mudada. Ele mordeu o lábio antes de falar:
— O que eu queria dizer era... que eu vou mudar de cidade.
Não. Não era isso que ele ia dizer. Eu sabia que não era. Mas mesmo assim aquilo me abalou.
Primeiro porque ele não disse o que realmente queria dizer, o que me levava a pensar se ele confiava no, seja lá o que fosse, que existia entre nós. Ou se ele confiava no que ele sentia, se é que sentia.
Segundo, ele claramente não estava confortável. O que também me fazia pensar se eu não estava confundindo tudo.
E terceiro, o que eu responderia?
— Vai mudar de cidade?
Nicolas piscou algumas vezes.
— É, eu vou.
Ri sem jeito e não pude me controlar ao dizer:
— Por que? O que há de errado com essa cidade?
— Não. Não tem nada de errado com essa cidade, eu até... gosto muito dela. — Seus olhos não desviaram dos meus, permaneceram fixos como se pudessem enxergar o que se passava no meu coração. — Muito mesmo.
Apertei minhas mãos nervosamente.
— Se gosta tanto assim, por que não fica?
Ambos sabíamos que a conversa não era sobre a cidade, mas nenhum dos dois tinha coragem de admitir isso.
— Porque não acho que eu seja tão importante para ela, talvez eu só piore o trânsito, sabe. — Nicolas engoliu em seco. Eu queria tanto que ele fosse mais claro.
Tomei fôlego várias vezes para falar, em nenhuma delas saíram palavras.
— Acho que eu só estou deixando a cidade mais cheia e... confusa — ele disse depois do meu silêncio.
Balancei a cabeça.
— Não parou para pensar na possibilidade de você estar fazendo bem a ela? — Disparei. — De que você possa ser uma das pessoas mais importantes que ela tem para si?
Nicolas estava surpreso com as minhas perguntas, sequer piscava.
— Tenho receio de criar raízes nessa cidade e isso não ser o que ela quer.
Receio. Era isso o que ele sentia. E se sentia isso, se tinha receio, é porque não confiava completamente.
Afastei o sentimento dolorido que me atingiu.
— Ela te assusta? A cidade?
— Não — ele disparou estendendo as mãos levemente. — Ela não me assusta nem um pouco. — Por que agora as palavras dele carregavam tanta certeza se ele estava tão cheio de dúvidas?
A conversa estava me deixando frustrada e mais confusa ainda.
— Talvez.... Talvez ela só não saiba como receber você — falei num fio de voz. Eu só sabia que ele havia escutado pela forma como ele abaixou a cabeça.
Era isso mesmo? Ele simplesmente iria embora?
Reuni toda a coragem que eu ainda sentia naquele momento e me aproximei dele, até abraçá-lo.
Nicolas hesitou antes de me abraçar de volta.
Absorvi a sensação de ter meu coração batendo junto ao dele, de estar tão próxima dele e tão distante ao mesmo tempo.
Nada do que eu pudesse dizer explicaria aquele momento, e o sentimento que ele trazia consigo.
Me afastei o suficiente para olhar em seus olhos.
— Se sente que tem que ir, então boa viagem. — Cada palavra doeu.
— Eu nunca vou esquecê-la.
— Ainda estamos falando sobre a cidade? — Perguntei mesmo sabendo que ele não responderia isso.
Nicolas tomou minha mão e beijou o dorso da mesma. Depois me deu aquele sorriso e foi embora me deixando com todas as nossas incertezas ainda no ar.