O dia amanheceu chuvoso. Não estava como de madrugada, com trovões e o Thor voltando de Asgard. Muito pelo contrário. As gotas de chuva caíam pela janela da tailandesa, provocando o mínimo de barulho possível. Rosé havia acordado primeiro do que Lisa, que estava agarrada à ela. A loira apenas abraçou a garota mais ainda.
— Queria poder ficar o tempo todo assim com você.
Rosé estava realmente apaixonada. Fôra como um ladrão que invade sua casa. Eles não avisam e Lisa também não avisou sobre essa invasão indesejável, porém, aceitável.
— Está garoando. — Murmurou. Lisa se revirou nos braços de Rosé, se deitando em cima dela. — Lisa?
Rosé cutucou a garota, mas ela não acordava. Parecia uma pedra. Lisa estava fazendo Rosé ficar sem ar. Sério... sem ar mesmo.
— Lisa... LISA!
A garota acordou, olhando para os lados. Ao perceber que estava esmagando ela, Lisa se jogou para o lado rapidamente, só assim a loira pôde respirar tranquilamente.
— Está tudo bem? — Ela se ajoelhou.
— Sim, tranquilo.
Rosé se sentou na cama, limpando seus olhos. Lisa olhou atentamente à cada movimento da loira.
"Meu Deus, como uma pessoa acorda desse jeito? Parece a Cinderela.", pensou Lisa.
— Lisa? — Rosé tirou a tailandesa do transe. — Está babando por quê? — Seu cenho se franziu levemente.
— Eu não estou babando.
A loira se aproximou de Lisa e limpou os lábios dela com o polegar. Rosé passava gentilmente seu dedo pela extensão dos lábios da garota.
— Eca...
— Por que tocou nos meus lábios? — Lisa cruzou os braços. — Nunca mais faça isso.
— Tá com raiva? Compra um hamster.
Lisa revirou os olhos e se levantou da cama, sendo seguida por Rosé. As duas entraram no banheiro. A tailandesa parou em frente ao espelho, enquanto a Park a observava da porta.
— Hey... seu pai não ia ao centro?
— Não. Ele sempre faz isso. Fala que vai me acordar para sair, mas nunca vai. E ainda está chovendo, então não vai dar.
Lisa entrelaçou suas mãos, enquanto olhava para Rosé pelo reflexo do espelho. A Park brincava com seus dedos.
— Vai sair do banheiro ou não? — Perguntou Lisa.
— Não... vou escovar os dentes.
Rosé foi até a pia e pegou sua escova de dentes. Nem se lembrava de quando tinha trazido o objeto para cá. Ao olhar no espelho, ela pôde notar que Lisa a observava. A Park amava ver a garota irritada. Rosé passou pasta de dente na escova, a colocando na boca em seguida.
— Vai ficar me olhando? — Perguntou com dificuldades por conta da escova. Lisa assentiu. — Posso saber o motivo?
— Você não quer sair do meu banheiro.
— Não vejo seu nome escrito aqui. — Rosé olhou para os lados.
Lisa apontou para cima. Rosé arqueou a sobrancelha, olhando para o local apontado. O nome de Lisa estava escrito lá, em médias letras amarelas.
— Pranpriya? — Rosé abafou um riso. — Manobal?!
Rosé se apoiou na pia, chorando de rir. A garota cospia pasta para todos os lados possíveis. Lisa se aproximou dela e bateu em seu ombro.
— Para de rir!
— Manobal. — Rosé limpou uma lágrima que estava presente em seu olho esquerdo. — Manobal...
— Você é muito idiota.
— Como quiser, Manobal.
— Não vai parar com isso, né?
— Não, Manobal. — Silêncio. Rosé olhou para a cara da garota e começou a rir de novo. — Manobal. — Ela se ajoelhou no chão, já ficando sem ar de tanto rir. — Mano, o que seria de você no quinto ano? Você ia ficar irritada com cada moleque.
— Sabia que seria uma péssima ideia colocar meu nome ali. — Lisa se sentou no chão, abraçando os joelhos em seguida.
— Hey... — Rosé engatinhou até ela. — Foi mal. É que seu sobrenome é engraçado.
Lisa abaixou sua cabeça, a colocando entre os joelhos.
— Calma... — Rosé fez um carinho na cabeça dela. — Era só brincadeira.
— Tudo bem... zoavam meu nome na minha antiga escola também. Chegavam com essa porcaria de "Manobal, pega no meu pau". — Fez sinais de aspas com os dedos. — Decidi mudar meu nome por conta disso.
O maxilar de Rosé se enjireceu. Poderia ser algum tipo de trauma para ela, mas não havia pensado nisso. Dava para ver que Lisa havia ficado péssima por conta dessa brincadeirinha sem-graça.
Lisa continuou com sua cabeça entre os joelhos. Foi quando ela sentiu a mão de Rosé rodear sua cintura.
— Não liga não... seu nome é bonito. — Sorriu para tentar acalmar a tailandesa. — Tudo em você é bonito. Me perdoe pela brincadeirinha, Manoban.
Lisa corou levemente, encostando sua cabeça no ombro de Rosé. Elas ficaram assim por um bom tempinho, até resolverem se levantar para escovar os dentes.
Depois de algumas horas. Lisa e Rosé resolveram assistir um filme. Rosé queria terror, enquanto Lisa queria comédia.
— Terror é melhor!
— Não! Comédia é muito melhor! — Lisa retrucou.
As duas estavam na sala, brigando igual loucas. Anong estava na cozinha, preparando pipoca para as meninas. Se duvidasse, até os vizinhos ouviriam elas berrando. Ao entrar no cômodo, viu que as duas continuavam nessa discussão.
— CALEM A BOCA! — Se aproximou, vendo as meninas se sentarem. — Vai ser romance e ponto final! Pega a pipoca, Lisa. — Anong entregou a vasilha para ela. — Ainda bem que o Sunan saiu. Vocês estariam tremendo na base. Nem sei porque, aquele homem é mais galinha do que tudo.
— Mãe!
— Quieta, mocinha. Não quero ter que pegar a Mariana. Vocês vão assistir A Escolha Perfeita.
— E desde quando isso é romance?
— Calada, menina.
Rosé comeu um pouco de pipoca, tentando não rir. Anong conseguia ser um misto de duas coisas: irritação e diversão.
— Vão assistir esse e pronto.
Anong pegou o controle e colocou o filme. Logo, ela foi para o quintal. Nos dias de chuva, a mulher gostava de observar os pingos caindo. Servia como um calmante para ela.
— Vamos assistir esse logo. — Lisa se rendeu.
O filme começou. Lisa tentava pegar cada informação importante do filme. A garota riu muito em algumas partes, deixando Rosé feliz. Só que chegou na parte do banheiro, onde Chloe ouve Beca cantando.
— Ela não se importa de entrar no box de outra pessoa? — Lisa cobriu os olhos.
— Shh. Calada aí.
Lisa notou que Beca não sabia se expressar muito bem. Ela afastava todos que podiam gostar dela. Naquele momento, a tailandesa parou de assistir o filme e entrou em seu próprio mundinho. Ela se sentia como Beca. Uma garota que não sabia se expressar.
Chegou o final do filme. Beca havia beijado Jesse. Lisa franziu seu cenho. Pelo o que ela tinha entendido, Beca estava afastando Jesse dela mesma. Não querendo se envolver.
— Rosé... ela não estava tentando afastar ele?
— Não prestou atenção no filme? Ela afasta todos, só que ela já demonstrava que sentia algo por ele. Todos perceberam isso. Estava dormindo?
— É que eu não prestei muita atenção. — Ela se espreguiçou. — Que horas são?
— São três e pouquinho.
Lisa se virou para Rosé. A Park olhou Lisa de cima a baixo, tentando entender uma coisa.
— Por que não estava prestando atenção no filme?
— Eu estava ouvindo... mas não estava vendo.
— E por que a Beca te chamou a atenção? Parece que você só pegou a parte dela. Tipo, você ficou presa nessa parte, enquanto eu me irritei, ri, me entristeci um pouco... tem algo na Beca?
— É que... ela mesma disse que afastava os outros. Só pelo fato dela não gostar de filmes, ou seja, o que os adolescentes gostam, isso só comprova o que ela mesma proporcionou sobre si.
Nem todo o adolescente gosta de filmes.
— Mas não é isso. Como uma pessoa que afasta os outros... se dá bem? Ela ficou com o Jesse, mas... como assim?
— Como assim pergunto eu. — Rosé arqueou a sobrancelha. — O que está tentando dizer?
— Ela apenas afasta todo mundo. Mas você me disse que ela já demonstrava que sentia algo por ele... isso foi o que eu não entendi.
— Lisa, todos perceberiam isso se prestassem atenção. O filme todo gira ao redor das Bellas, só que mais da Beca. Ela afasta os outros, mas você percebe que nesse filme é diferente. Ela é retratada afastando os outros, só que eu sei que no fundo ela não quer isso. Se ela quisesse mesmo ficar sozinha, ela nem entraria nessa coisa de Acapella, porque uma hora ou outra ela teria que se aproximar de alguém.
Lisa se encostou no sofá, pensando um pouco.
Na hora de dormir, Rosé estava escovando os dentes, enquanto Lisa estava deitada. A garota passou o dia inteiro pensando naquela frase do filme.
"Ela afasta todos que possa gostar dela. E se eu for igual à ela? Sei que o filme não corre em volta do romance dela, mas e se eu estiver afastando todos que possam ter um laço comigo? Acho que desde que eu cheguei aqui, só fiz isso.", pensou Lisa.
A garota estava perdida em seus pensamentos, quando viu Rosé apagando a luz. A loira se deitou ao lado de Lisa, apenas observando o teto.
— Rosé, e se, hipoteticamente, eu estivesse gostando de alguém? — Ela se deitou para o lado. — Mas eu fosse igual à Beca? Em vez de estar trazendo essa pessoa para perto, eu esteja afastando ela? Tipo, perdendo a chance de amiga com ela para depois ter um tipo de relação?
— Quem seria essa pessoa?
— É o...
"Calma. Eu não posso falar que é ela, não agora.", pensou Lisa.
— É uma pessoa aí.
— Ele é da escola? — Questionou Rosé.
— Sim.
Rosé se sentou na cama e Lisa também. Estava escuro, mas elas conseguiam se ver, graças à luz vinda da janela.
— É garoto? E da nossa sala?
— Sim.
"Eu sabia.", pensou Rosé. "Isso tudo é perda de tempo."
— Pode me dizer quem é?
"Pensa, Lisa... qual outro menino tem em nossa sala?", pensou Lisa.
— É o... Hyunjin.
Silêncio. Rosé cruzou seus braços, encarando Lisa com as sobrancelhas franzidas. A tailandesa engoliu seco, pensando que poderia ter falado algo de errado.
— Hyunjin? O garoto mais gay da nossa sala?
— Sim. — Fudeu. — Tipo assim, eu queria a amizade do garoto, mas acho que posso estar afastando ele de mim. Conversei com ele um pouquinho e pensei que algum dia poderia, sabe... me aproximar?
Rosé começou a engatinhar até Lisa, que permanecia imóvel na cama. A Park aproximou seu rosto do dela.
— Estava gostando dele?
— Gostava. — Lisa deu ênfase na palavra. — Mas... depois que descobri que ele era gay, minha opinião mudou. Ele nunca ficaria comigo. — Riu nervosa.
— Se você diz.
Rosé se deitou novamente e Lisa se deitou ao lado dela.
— Rosé. — Lisa sussurrou. — Acha que eu afasto as pessoas?
— Acho. Boa noite, Lisa.
Rosé se virou de costas para Lisa, fazendo a garota se sentir mal. Ela abraçou seu corpo e se encolheu na cama.
— Não quis dizer isso. — Rosé continuou. — Só estou dizendo que, quando tem alguma pessoa que gosta muito de você, você apenas não deixa ela se aproximar. Você inventa desculpas, mesmo sabendo que a verdade está estampada na sua cara. Tem pessoas que querem se aproximar de você na amizade, mas parece que você também tem preferências para isso.
— E quem tentaria se aproximar de mim na amizade?
— Várias pessoas, Lisa. Várias pessoas.
— Cite uma.
Silêncio. Lisa apenas se virou de costas para Rosé. Talvez a Park estivesse certa. Deveria prestar mais atenção nisso.
— Eu, Lisa. — Rosé quebrou o silêncio. — Você me afasta mesmo sem perceber. Agora, por favor, vai dormir.
Lisa apenas obedeceu. Ela havia notado que a voz da outra garota, estava um pouco estranha. Parecia que queria chorar.
"Será que se eu ganhar a amizade dela primeiro, eu consigo conquistar ela?", pensou Lisa. "Preciso falar com a Lauren."
A tailandesa adormeceu. Por outro lado, Rosé estava acordada. A garota abraçou o travesseiro, descansando sua cabeça naquele local. Seria mentira se falasse que aquilo não doía.
Seria mentira se falasse que não estava se sentindo horrível por conta desse afastamento.
Seria mentira se falasse que não amava a Manoban. Queria quebrar essa separação, mas dependendo da garota, isso demoraria muito ainda.