— DYLAN!!! — grito, sentindo cada corda vocal ranger com o esforço. Meu corpo afunda dentro da água ao mesmo tempo em que minha voz emudece.
Imagino que posso afundar e não emergir mais, assim como aconteceu com o Dylan, mas me mantenha atenta a tudo à minha volta, tentando ser precavida pelo menos um pouco.
Sinto náusea só de pensar em me afundar dentro desta água mais uma vez, mas algo em meu subconsciente reverbera pedindo socorro: é uma voz rouca e trêmula, fraca pela pressão da água, contudo, eu reconheço. Dylan me chama. Entendo que é apenas fruto da minha mente mirabolante, mas sei e sinto que é o acinzentado pedindo ajuda.
Meus cabelos molham quando mergulho e nado a passadas rápidas e fortes. Emerjo alguns segundos depois para ver mais ou menos a localização em que vi Dylan pela última vez, mas uma onda me acerta e eu sucumbo para trás, quase alcançando meus pé nas lages de pedra que consigo ver devido ao impulso para o fundo.
Franzo o cenho. Eu não fazia ideia que havia pedras por aqui.
Meus pulmões clamam por oxigênio, então volto à superfície. Uma ardência irritante se desenvolve em meu nariz devido à água que entrou pelas narinas.
Chacoalho a cabeça e ao longe fito Aubrey remando com sua prancha até perto de mim, porém, mais uma vez, a vinda de uma onda me atrapalha. Antes mesmo de receber seus jatos d'água, mergulho para dentro do mar, observando o momento em que sua força carrega Aubrey para mais perto da praia.
Meus olhos ardem. Minha cabeça lateja. Quero sair daqui.
Um desejo desesperador de encontrar oxigênio me faz impulsionar para cima e recuperar o ar para os pulmões, quando estou do lado de fora da água. Penso em voltar para a terra firme quando quase me bate a impotência, mas um movimento mais à frente chama minha atenção aturdida. Vejo ondas se desenvolverem no local, como se algo mexesse no fundo, o que me faz imaginar de forma imediata que seja o acinzentado.
Não penso duas vezes até começar a nadar na direção das ondulações.
Quando alcanço o local, volto a mergulhar, para lá no fundo encontrar Dylan babélico. Seus cabelos acinzentados se movimentam no ritmo da água. Ele parece quase inconsciente, se não fosse por seus olhos que piscam em minha direção, observando-me nadar a seu encontro.
A imagem aperta meu coração.
Alcanço-o e enlaço um dos meus braços em seu dorso, assim trazendo seu corpo para perto do meu, facilitando minha tentativa de tirar-nos do fundo da água.
A pressão do mar vem ao meu favor ao passo em que emergimos. Seu corpo mais leve possibilita que eu o leve para mais perto da praia, onde Aubrey vem às pressas em nossa direção, com o cenho franzido em preocupação.
É inevitável não tossir.
Meu corpo todo treme, dos pés à cabeça.
— Vocês estão bem? — pergunta ela, passando um dos braços do Dylan por cima dos seus ombros esguios, me ajudando a levá-lo para mais longe da água.
Respiro com dificuldade, sentindo ardência no nariz por ter respirado um pouco de água. Sinto meu corpo levemente mole, minhas pernas fracas e minha cabeça latejar.
Chacoalho a cabeça. Isso é momentâneo, logo passa…
Fito o rosto do acinzentado, vendo a forma lenta com a qual ele entreabre os olhos. Pelo canto de olho, capturo o momento em que suas orbes azuis procuram por mim, e quando me encontram, seu corpo parece relaxar levemente.
Um sentimento de satisfação ocupa meu peito com essa ação indireta.
— Eu acho que sim. — Sorrio enviesado, vendo Aubrey retribuí-lo ainda aparentando preocupação.
— Vamos deixá-lo aqui, antes que ele acabe desmaiando.
Com cuidado sentamos Dylan na areia, e só agora percebo a linha de sangue que escorre de sua testa.
Arregalo os olhos.
— Céus, Dylan! — Me ajoelho à sua frente, retirando os fios molhados da sua testa para ver com mais clareza o corte sobre a sobrancelha direita.
Não é nada exagerado, contudo a pequena abertura banhada de água salgada me faz imaginar a ardência que posso estar no local.
— Puta merda, eu não posso ver sangue… — Aubrey tampa os olhos e vira de costas para nós, evitando olhar para o machucado do Dylan.
— Você não vai desmaiar, né? — Não sei se pergunto para o acinzentado, que me fita com os olhos opacos, ou para a acastanhada, que se distancia um pouco e se senta na areia.
— Não, não se preocupe — Aubrey responde, pegando a garrafa que antes bebíamos, para começar a sentir o álcool que ainda resta no recipiente.
Volto meus olhos para Dylan, que desliza a língua por seus lábios entreabertos, tornando úmido o local que antes estava rachado pela água do mar.
— Você está bem? — pergunto baixinho, quase em um sussurro, moldando suas bochechas com minhas mãos trêmulas. Forço seu rosto para que ele me olhe direito.
Demora alguns segundos para ter sua atenção para mim, mas quando acontece, um arrepio cruza por toda a minha epiderme. Seus olhos azuis me fitam com tanta intensidade, que sinto ser capaz de vermos nossas almas.
Um frio circular rodopia por minha barriga ao passo em que me ajeito para retirar minhas mãos do seu rosto, contudo as mãos brancas e ásperas do acinzentado as moldam sobre o local, segurando-as com gentileza. Seus olhos nunca abandonam os meus durante sua ação inesperada, o que me causa leve ansiedade para saber o que ele quer com tudo isso.
Minha mente mirabolante só imagina um futuro encostar de lábios, mas a única ação desta é quando, aos poucos, ele solta:
— Obrigado, Thea.
Respiro fundo, soltando o ar que eu nem havia ao menos percebido estar segurando. Meus ombros relaxam-se ao passo em que eu assinto com a cabeça, deixando um sorriso fraco moldar minha boca. Por fim, Dylan me permite tirar minhas mãos do seu rosto.
— Por nada — digo, falsamente convencida.
Dylan maneia a cabeça e sorri enviesado.
— Agora você está me devendo uma — aponto, vendo seus olhos brilharem em minha direção. Fito-o com minuciosidade. — Você achou mesmo que eu faria isso sem cobrar depois? Há!
Ele nega com a cabeça mais uma vez, agora sorrindo com provocação. Quando penso que algo soará de sua boca, a voz embriagada do Collins reverbera mais ao longe de onde estamos.
— ME CHAMA DE SAL GROSSO. ME JOGA NO COCHO. E ME LAMBE, SUA VACA! — grita com a voz embolada, ainda deitado de olhos fechados e braços abertos.
Franzo meu cenho, fazendo o possível para não rir, mas é impossível, uma vez que o acinzentado o faz com uma careta de dor no rosto.
— Ele está bêbado? — pergunta com a voz rouca, levando sua mão em direção ao machucado na testa.
— E a Cíntia também. — Aponto para a acastanhada, deitada alguns centímetros longe do Noah, que começa a se mexer e murmurar baboseiras. — Se não fosse eu, você teria morrido, porque aqueles dois ali só acordariam no seu funeral… — Elevo um pouco o tom, um pouco brincalhona, mas ainda com seriedade na voz.
Nem menciono a Aubrey, porque quero aproveitar meu momento de heroísmo.
— Certo, salvadora da pátria. — Dylan ergue as mãos na altura dos ombros, como forma de rendição. — Agora eu preciso achar aquela prancha antes que eu tenha que pagar por ela. — Ele tenta se levantar, mas eu seguro seus ombros, impedindo sua saída.
— Depois eu te ajudo a achá-la, antes vamos cuidar desse machucado… — digo, e começo a varrer a praia com os olhos, até que acho meu camisão perto dos bêbados.
— Não precisa — Dylan nega com desinteresse.
— Fica aqui — retruco, entre dentes. Quando vejo seus olhos arregalarem, sorrio forçado, me levantando e indo em direção à minha roupa, já de cara fechada. — Você acha que consegue ir andando até a estrada?
— Acho que agora não. Estou um pouco tonto. — Uma careta engraçada ocupa seu rosto ao passo em que me aproximo, já segurando o pano nas mãos.
— Mas está tonto por causa da pancada na cabeça ou pela fraqueza que dá por causa do corte? — Franzo o cenho, ajoelhando-me à sua frente e esticando os braços para perto do seu rosto, contudo, em um movimento de reflexo, Dylan se afasta do meu toque. Fito seus olhos, deixando os ombros cairem. — Eu preciso limpar o ferimento pra ver se vai ser preciso dar postos.
O acinzentado respira fundo, até que se dá por convencido. Seu rosto aos poucos se aproxima de mim, deixando-me limpar em volta da abertura coberta de sangue quase seco.
— Acho que só pela pancada mesmo… — diz por fim.
Cubro meu dedo indicador com o tecido e com leveza deslizo o pano em volta do ferimento. Dylan contrai o rosto antes mesmo de eu tocá-lo, possivelmente sentindo ardência no local, mas faço o possível para não machucá-lo ainda mais.
Respiro fundo, afastando qualquer pensamento negativo da consciência.
Sinto uma sensação estranha na boca do estômago e por um momento penso que posso passar mal, não pelo sangue sendo expulso do corpo pela fenda, mas pelo motivo que o fez se manifestar. Com toda certeza não é uma situação que eu queria apreciar mais uma vez depois de dez anos, mas veja bem… aqui estou eu novamente.
— Aubrey, você poderia pegar a mala de primeiros socorros que há lá no porto? Dylan não vai conseguir sair daqui agora e precisamos tirar a água salgada do machucado.
— Claro, vou lá. — Ela deixa a garrafa de lado e se impulsiona para levantar. Depois de alguns segundos, só resta eu e Dylan na praia, sozinhos com dois bêbados capotados na areia.
— Thea, não sei se estou fazendo errado em perguntar isso, mas por que você estava tremendo tanto? — Sua pergunta me acerta em cheio, o que me faz acidentalmente apertar sua carne viva. — Porra!
— É, você fez errado… — respondo, engolindo em seco. Meu estômago se contorce na barriga. — Mas eu vou te responder, porque futuramente quero que você se sinta confortável comigo pra conversar também.
Não sei porque digo isso: se é pela necessidade de saber mais do seu passado, ou por sentir que realmente posso confiar nele ao ponto de contá-lo algo que apenas meus amigos saibam.
— Mas eu já me sinto confortável contigo. — Seus olhos se encontram com os meus, um turbilhão de segredos rodopiando dentro de suas orbes.
Sorrio fraco.
— Não neste sentido. Digo sobre estar confortável para falar sobre você, sobre seu passado e essa escuridão que parece flutuar sobre seus ombros. — Continuo a dizer, e quando vejo seus ombros nus enrijecerem com minhas palavras, acrescento: — Mas como falei, quero que você se sinta voluntariamente disposto a me contar os detalhes. Não precisa ser agora.
Mesmo que no fundo eu esteja com meu cerne corroído pela curiosidade de saber sobre seu passado oculto, me mantenha paciência, porque, por todo o seu silêncio até aqui, deduzo que não seja algo realmente fácil de dizer. Só espero que ele não seja um serial killer que esteja fugitivo. Aí seria demais.
O barulho de passos apressados nos tira da bolha levemente tensa em que nós dois estávamos. Quando ergo meus olhos para saber quem é, observo Aubrey correndo em nossa direção, com o rosto vermelho e na mão a mala que eu pedi para ir buscar.
— Aqui… a… male-ta… — Ela quase se engasga com as palavras, tentando falar e respirar ao mesmo tempo.
— Obrigada, meu bem — agradeço, vendo-a sorrir desengonçada.
Pego a maleta para mim, logo abrindo-a e vendo os utensílios dispostos nela. O suficiente, deduzo sem ao menos saber como devo usar isso corretamente.
Franzo o cenho.
— Como q… — Sou interrompida.
— Pessoal, eu vou ter que ir para casa. Meu pai ligou para dizer que eles terão de viajar daqui algumas horas, e eu preciso estar lá para ajudá-los na arrumação das coisas — diz ainda de forma ofegante, apoiando as mãos nos joelhos, usando-os como suporte. — Vocês vão ficar bem? — pergunta ela, fitando-me, evitando olhar para o corte do acinzentado.
— Não se preocupa, Aubrey. — Sorrio para ela. — Vou só limpar o ferimento e esperar o Dylan melhorar para depois levá-lo ao hospital.
— OK, então. — Ela vai até sua prancha e a coloca debaixo do braço. — Tchau, até amanhã!
Assim que a acastanhada nos deixa para trás, volto minha atenção ao Dylan. Observo a forma como suas pernas estão esticadas para frente, com o calção de pano fino grudado às coxas torneadas, deixando evidente sua musculatura um pouco contraída.
Um sorriso esperto molda meus lábios.
Sabe, acho que agora é uma boa hora para deixar de ser a amiga santa, não é?
— Thea… — Capturo pelo tom de sua voz que o acinzentado acabará de perceber minha mudança repentina de agir, contudo não digo sequer uma palavras.
Ainda de joelhos sobre o chão, dou leves passos para mais perto do seu corpo. Encurto nossa distância o suficiente para que eu possa passar uma das minhas pernas sobre as suas, logo sentando-me sobre as coxas ainda humildas.
Levanto meu rosto para capturar sua reação, observando a confusão tomar forma em seu belo rosto sujo de sangue seco. Seria sexy se não fosse desastroso.
— Não me olhe dessa forma. Só estou aqui porque fica mais fácil de cuidar do corte. — Reviro os olhos, falsamente emburrada.
Dylan estreita o olhar. Seu tronco se ergue um pouco mais, aproximando-se de mim enquanto escuta minhas palavras.
Quando seu rosto para a meros trinta centímetros do meu, ele me encara diretamente, seus olhos fixos em mim.
— Assim está melhor? — pergunta, sua voz séria ao falar.
— Perfeito — respondo prontamente, sorrindo.
Umedeço os lábios, ainda encarando-o diretamente. Não me movo um milímetro sequer, pois quero que ele me espere, quero que ele se sinta angustiado com minha recusa em se aproximar, porque eu definitivamente não irei fazê-lo. Nossa distância só se encurtará quando ele der a iniciativa. E quando a minha intenção parece fazer sentido em sua mente, lentamente nossa distância vai aumentando, quase fazendo-me rir sacana.
Que merda.
Dylan limpa a garganta, desviando o olhar e agora fitando a maleta. Uso isso como uma deixa para começar logo a tratá-lo.
— Vamos ver o que eu posso fazer aqui… — Pego a maleta e a abro, observando novamente algumas mini-caixas dentro dela. — Já que não temos água e sabão aqui, vou ter que passar o antisséptico assim mesmo. Acho que não dá de pegar uma bactéria mortal, dá? — pergunto brincalhona, mesmo não tendo certeza de minhas palavras.
— Você falando assim até parece que nem corro o risco mesmo… — Dylan diz baixo, mas o suficiente para eu ouvir, já que estou literalmente sentada sobre ele.
Sorrio enviesada, respirando fundo.
— Eu só estou falando isso porque quero marter a calma, OK? Não consigo fazer nada direito sob pressão… — Engulo em seco, abrindo a caixinha do esprei e tirando o frasco de dentro. Agito o recipiente, em seguida tiro a tampa e o aproximo do corte que não sangra mais.
No mesmo passo em que espremo o antisséptico sobre o ferimento, Dylan desliza sua mão por minha cintura, segurando-a com leveza. Tento ignorar seu toque enquanto passo meu camisão em volta do machucado, limpando as gotas que se espalharam ali, mas um leve carinho começa, como se de alguma forma ele quisesse transmitir conforto através daquele leve toque. É até um pouco irônico, porque o ferido aqui é ele, mas quem realmente aparenta estar machucado sou eu.
Sinto um nó se formar em minha garganta.
— Thea, você não precisa mais me contar sobre… — Interrompo-o, terminando de passar o esprai.
— Há exatamente dez anos, em um verão assim como esse, eu e meu pai saímos para surfar literalmente aqui, nessa bendita praia — digo, uma camada tênue de lágrimas ofuscando minha visão, atrapalhando-me na busca de achar o gaze para cobrir o corte já desinfectado.
Fungo, umidecendo meus lábios.
Dylan me observa, sem mostrar reação. Não sei se está espantado com minha súbita forma de contar meu passado, ou se apenas espera calado que todas as palavras entaladas em minha garganta sejam liberadas. De qualquer forma, continuo a falar, as imagem em forma fotográfica e borrada passando diante de mim, levando-me àquela época.
— Eu me lembro que estava sentada ali. — Aponto na direção em que Cíntia e Noah estão desmaiados — A praia estava cheia porque estava tendo competição de surf. Meu pai era um dos finalista.
Pisco algumas vezes para afastar as lágrimas, e é como se eu voltasse a exatamente aquele dia.
— Eu estava feliz observando todos se divertindo. Me recordo que, enquanto meu pai caminhava em direção do mar para disputar a final, eu tomava uma água de coco amarga. Era bem ruim mesmo, igual como o dia ficou depois de algums minutos. — Sorrio pela coincidência merda.
Quando percebo que acabei ficando inerte, foco minha visão em Dylan, capturando a forma silenciosa com a qual ele me entrega o gaze. Me sinto levemente grata por sua ajuda, então sorrio minuciosamente ao fitá-lo nos olhos.
— E o que aconteceu?
Sua mão acaricia minha cintura, torna-me mais confiante para continuar a falar, mesmo assim, um tom arrastado ocupa minhas cordas vocais.
— Enquanto meu pai ficou sentado esperando que uma boa onda vinhesse para ele conseguir alguns pontos significativos, eu avistei, a alguns metros longe dele, a barbatana dorsal de um tubarão se aproximando significamente lento de onde ele estava… — Desempacoto o gaze e com cuidado, coloco sobre o corte na testa do Dylan, capturando o momento em que seus olhos se arregalam com o rumo em que a história se dirige.
— OK, isso está começando a me preocupar.
Acabo sorrindo da sua forma de dizer, porque, aos poucos, não me sinto tentada a chorar como antes eu estava.
— Meu pai não viu que o tubarão estava se aproximando dele, então quando sentiu que estava em uma boa posição para pegar a onda que estava vindo, ele remou... e foi. — Continuo a dizer, colocando um esparadrapo sobre a escumilha para não deixá-la cair. — Eu tentei alertar meu pai de que ele estava correndo perigo, mas como estava maior festejo na praia, minha voz acabou sendo abafada. Ele não me escutou.— Me afasto um pouco do Dylan, frazendo um pouco de ar para os pulmões. Minha cabeça lateja um pouco pelo esforço de colocar para forma um acontecimento que me atormenta até hoje. — Não demorou dez segundos e o tubarão abocanhou o pé do meu pai.
— Caralho! — Dylan xinga alto, logo arregalando os olhos ao perceber o que soltou. — Foi mal…
Sorrio fraco.
— O chefe da equipe que regatou meu pai disse que possivelmente o tubarão só atacou meu pai por ter se assustado com o movimento repentino dele. Eu até que concordo, porque o tubarão nadava bem devagar e quando meu pai foi para pegar a conda, ele atacou. Então talvez tenha sido uma forma de se alto proteger, sabe? — Encolho os ombros, deixando um bico se formar em meus lábios.
A mão em minha cintura continua um carinho lento, passando-me um conforto bom. Os olhos do acinzentados me observam com leveza, parecendo temer fazer algo e eu acabar desabando aqui na sua frente, mas Dylan ainda não me conhece direito. Eu não choro na frente de outros, prefiro deixar para quando eu estiver trancada em meu quarto.
...na verdade não tenho certeza de que conseguirei segurar-me agora.
— Seu pai ficou bem? — pergunta ele, passando a mão livre sobre o curativo que eu acabará de terminar.
— Ele teve que amputar metade do pé, mas ficou bom logo — respondo, largando a maleta já fechada ao nosso lado, sobre a areia. Dylan respira fundo, aproximando-se um pouco mais de mim. — Acho que no fundo ele se manteve firme por minha causa, porque eu chorava todas as vezes em que o via tendo dificuldades.
Meu olhos voltam a lacrimejar. Tento evitar que as lágrimas escorrem por meu rosto, entretanto é inevitável evitar a primeira.
Fungo, olhando para cima na intenção de cessar o futuro choro que se aproxima com força.
Dylan rapidamente limpa uma lágrima grossa que desliza por minha bochecha, logo sendo acompanhada por mais outra e depos outras.
— E-eu prometi que não surfaria nunca mais — digo, com a voz entrecortada.
Meu peito treme e a vista embaraça.
Dylan puxa meu corpo contra o seu e me abraça, disponível a ficar mesmo durante minhas lamentações.
— Ver meu pai com medo de entrar no mar me aterroriza até hoje, Dylan… — Encaixo meu rosto na curva do seu pescoço. Tento capturar seu aroma amadeirado, mas os narizes comprometidos não me permitem fazê-lo, e eu me odeio por chocar mais uma vez.
— Shhhi… — Suas mãos deslizam por minhas costas e sobem por meus cabelos e ombros. Seu calor me conforta enquanto me derramo em lágrimas.
Fico grata por ele não dizer uma palavra sequer, porque seria o estopim para que mais questionamentos vinhessem à minha mente. E eu não os quero hoje, nem nunca mais. Quero me ver livre desse peso que sinto no peito todas as vezes em que penso em surf e lugares fundos. Eu me odeio por ser incapaz de esquecer tudo o que aconteceu na porra de dez anos atrás.
— Quando eu era mais nova, meu sonho era se tornar uma surfista profissional, mas depois que isso aconteceu… — Não termino minha fala, chacoalhando a cabeça um pouco.
— Mas vejo que agora você é a melhor jogadora de vôlei de toda Surville — Dylan diz, e eu preciso me afastar do seu corpo para poder ver o leve sorriso que ocupa em seus lábios.
— É… — Limpo as últimas lágrimas, deixando-me com o rosto seco novamente. Sinto que meus olhos estão inchados e meu nariz, vermelho. — Eu sempre fui boa em tudo o que eu faço, sabe? — Passo uma das mãos pelo topo da minha cabeça, jogando os cabelos para trás.
Dylan entreabre a boca, em seguida sorrindo com minha forma bipolar de agir.
Não que eu seja bipolar, é claro que não, mas sinto que esse momento tétrico já passou da hora de acabar. Thea O'Connor não é tão molenga assim.
— Pelo o que vejo, a Thea que eu conheço voltou… — Suas sobrancelhas arquearam-se, demonstrando falta surpresa.
— Não importa a situação, eu sempre volto.
***
A ventania aumenta gradativamente, tornando aos poucos o ar mais frio e refrescante, sinal de que nem mesmo o verão é eterno.
Gosto dos dias frios do inverno, mas nada substitui o calor gostoso que o verão proporciona. Além de nos deixar mais livres para vestir uma bela roupa curta, sem ao menos precisarmos de casacos enormes, não somos impossibilitados de andar pelas ruas com liberdade, porque é isso que acontece quando se está nevando horrores. Então, nos verões encontro meu verdadeiro lar.
— Você acha que eles irão reclamar ao saber que não achamos a prancha? — pergunta Dylan, se jogando na areia ao meu lado.
— Acho que reclamar é um eufemismo — digo, tentando sorrir um pouco.
Cíntia e Noah foram embora a um tempo. Eu e Dylan já estávamos a uma hora procurando a bendita prancha quando nos demos conta de que não a encontraríamos tão cedo, então resolvemos nos sentar aqui na praia e esperar. Talvez as próprias ondas a tragam de volta para nós.
— Você está melhor? — perguntamos em uníssono, logo sorrindo em sincronia.
— Você pri… — Novamente falamos juntos.
Eu tampo minha boca e arregalo os olhos, surpresa. Dylan cai para trás e acaba gargalhando.
— Eu acho que nós dois já estamos bem. — Me deito ao seu lado, deixando minhas mãos repousarem sobre a barriga.
— Sim…
Sua voz forma baixos ecos em minha cabeça, até que se perde no silêncio.
O céu sobre nós aos poucos toma tons alaranjados, pronto para o pôr do sol.
Sinto meu corpo mais leve agora que parte de mim não é mais um segredo entre Dylan e eu. Gosto de saber disso, é libertador de certo modo.
— Você acha que, algum dia, vai conseguir me contar um pouquinho sequer da sua vida em Nashwood? — pergunto, ainda olhando para o céu.
Admiro as nuvens que oscilam entre o roxo e o laranja, porque é magnífico ver como cores tão diferentes combinam estando no mesmo espaço.
Pelo canto de olho consigo ver o momento em que o corpo do Dylan se vira minuciosamente em minha direção, seu rosto acompanhando o movimento.
— Já tem um tempo que quero contar mais de mim para você, mas ainda não acho que seja o momento ideal — ele diz, sua voz baixa em certo ponto. Sinto a hesitação emanando ao meu lado, nele.
Abandono a vista à minha frente para poder observar o rosto bonito ao meu lado. Seus traços bem marcantes, feito por um pintor graduado na faculdade dos deuses.
— OK — É tudo o que digo, conformada.
Dylan respira fundo, seu rosto se aproxima aos poucos de mim. Nossos olhos se encontram no caminho e uma agitação bizarra cresce em meu peito, ansiosa.
Espero por ele, aguardo sua chegada, e quando Dylan me alcança, nossos narizes se tocam, nossos olhos se fecham e paralisamos ali, apenas sentindo a presença um do outro.
Me sinto quente e acolhida naquela posição: o sol se pondo à nossa frente enquanto nossos corpos quase se tocam.
Não me lembro de ter sentido uma sensação melhor do que essa, mesmo contando com todas as vezes em que transamos, porque daqui para frente acho que não é só meu físico que se sentirá necessitado pela presença dele.
Eu alcancei outro patamar.
***
Espero que tenham gostado do capítulo de hoje, de verdade ❤
Me desculpem pelo atraso na atualização, mas é que daqui pra frente realmente não terei uma data fixa para todas as atualizações, mas espero que vocês possam me acompanhar mesmo com toda essa demora nas publicações...
Eu tenho um perfil no Instagram e fico bastante ativa por lá, o user é @autoraiggy
E então, devo continuar?
Até a próxima 🤍