Afim de esquecer o pesadelo em forma de casal, engatinho saindo do esconderijo e monto na bike pedalando ágil, concebendo assim um deslocamento mais curto do que o regular.
━━━━━ Cheguei! ━━━━━ Aviso e sou recepcionada com o vácuo similar ao de mais cedo. Nas pontas dos pés, enxergo mamãe adormecida no estofado da sala.
Esforço-me ao máximo na tentativa de não fazer barulho e ao chegar até uma distância considerável da mais velha, a cubro dos pés a cabeça com a manta atirada no braço do sofá.
Subo as escadas apressada e entro no quarto em busca de uma muda limpa de roupa. A festa provavelmente já começou, e sabendo da impontualidade dos demais jovens, chegando cedo desfruto de um ambiente vazio e mais recluso.
O clima quente me refaz pensar o que usar e sem opções, agarro um vestido de póa verde menta. As mangas bufantes trazem um charme a mais e me agarro nisso, tomando a decisão de vesti-lo.
Destranco a porta do lavabo e adentro me despindo das peças. Descalça, sigo até a estreita ducha. Passo minha toalha na parte envidraçada do box. Ligo o registro e a gélida água cai sobre minha pele fina, relaxando de imediato meus músculos tensos.
{...}
Como previsto, a residência que era pra estar reunindo jovens bêbados e drogados, agora está vazia me possibilitando transitar de um lado pro outro sem esbarrar em alguém.
Paro ao lado de uma mesa de bebidas, caçando por alguma bebida não alcoólica nessa vasta variedade de líquidos que sequer pingaria uma gota em minha boca.
━━━━━ Procurando algo menos forte? Toma. Não vou tomar isso, de qualquer jeito ━━━━━ Elliot estende uma garrafa de suco e não hesito em aceitar. Minha garganta implora por algum líquido.
━━━━━ E a Rue? ━━━━━ Ele morde os lábios, tentando procurar alguma resposta objetiva, mas certeza que isso fugira um pouco da ponta de sua língua, já que ficamos em completo silêncio por instantes.
Não sei ao certo se ele não sabe aonde ela está, ou só não quer me contar.
━━━━━ Tenho que entregar isso aqui pra ela. ━━━━━ Ergo o saco com a encomenda de Fezco, e o loiro arranca a encomenda de minha mão sem ao menos questionar sobre o conteúdo.
━━━━━ Belo vestido. Até mais, amiga da Rue!
Giro os calcanhares e com o corpo ereto espio alguns cantos ocupados da casa. Caminho sem rumo concreto e em certo ponto, ao sentir um incômodo em minhas pernas atiro meu corpo ao primeiro sofá avista, afudando.
Involuntariamente inalo a fumaça do baseado de alguém e rolando meus olhos disfarçadamente pro canto oposto, observo Fezco com o cigarro entre os dedos e sua incrível e corriqueira pose séria.
Levanto do assento ajeitando a saia do vestido que pudera amassar ou levantar com o atrito do estofado.
━━━━━ Fica! Você é a mais normal daqui. ━━━━━ Arregalo os olhos com o pedido inusitado e solto uma fraca risada, brevemente comentando.
━━━━━ Vou levar isso como um elogio. Fezco. Preciso te pedir desculpas....
━━━━━ Se for sobre ontem, 'tô tranquilo. Não ligo pro que falam de mim, não mais.
O cara é um traficante, eu deveria saber que nada, ou quase nada, nesse mundo é capaz de abalar seu consciente ainda mais um comentário vindo de uma adolescente.
Mas não custa nada admitir seu erro. Meu erro deve ser essa busca constante pelo perdão, acabando muitas vezes perdoando ações imperdoáveis.
A notificação de múltiplas mensagens soam no celular e apanho o eletrônico do meu colo segurando-o com as duas mãos.
cassie 📲
pq você tá conversando com o fezco??
não entendi o medo | visualizada
ele é um traficante e quase matou o nate, esse é o medo. precisa de mais lexi???
medo dele ser traficante ou esse é seu ego falando mais alto depois que fez bateu no seu protegido? | visualizada
me encontra em algum quarto | visualizada
━━━━━ Tenho que encontrar alguém. Já volto. ━━━━━ Sem mais detalhes, subo para a área dos quartos com a impressão notória de um semblante fechado no rosto do garoto que até então sorrira.
Destranco a porta e adentro o quarto contemplando a imagem da loira estirada no alcochoado.
━━━━━ Estou aqui. Agora você pode explicar o que significou tudo isso? ━━━━━ Cassie arqueia as sobrancelhas, na dúvida. Nossa troca de mensagens foi breve e objetiva, mas meu cérebro não processa a ideia de que minha irmã possa dizer as mesmas duras palavras do diálogo virtual, só que na minha frente.
━━━━━ Você está pedindo para me afastar do Fezco, sendo que Cassie... Eu vi você com o Nate. Como você consegue?
━━━━━ Maddy e Nate terminaram e por que você 'tá me tratando como se eu fosse um monstro?! ━━━━━ Seus olhos enchem d'água e cogito a ideia de a amparar, mas suspiro fundo atiçando alguma força natural para prosseguir.
━━━━━ Não é essa a questão. Você não precisa de mais nenhum homem na sua vida, e sim de uma terapia. Você ama ser amada, Cassie. E isso é doentio... Olha aonde essa necessidade te levou. ━━━━━ Cuspo as palavras ríspida, na esperança de tocá-la. Elas soam como uma faca e o corte talvez sare as feridas preexistentes na garota.
Cassie e eu sofremos com a ausência de uma figura paterna e isso resultou na mania incessante de querer alguém do sexo masculino babando nela o tempo todo, e para suprir isso ela não mede esforços.
Raramente opino na vida de minha irmã, principalmente na amorosa, a qual é conturbarda. Mas a gota d'água é essa sua atual hipocrisia. Ficar com o Nate Jacobs, personificação de homem encapetado e querer vir com lição de moral com quem converso ou deixo de conversar?
Passo a mão no rosto sentindo a umidade encharca-lo e deixo a loira perdida em seus próprios pensamentos, talvez desse jeito ela repense.
━━━━━ Precisando de carona? ━━━━━ Fezco estaciona seu carro e o barulho dele destravando a porta não passa despercebido por mim, mesmo com a música eletrônica estralando não tão distante.
A ideia de ir andando me proporcionaria reflexões da conversa desgastante que acabo de ter, então faço uma cabaninha com as mãos em consequência dos faróis do automóvel me cegarem as vistas.
Dou a volta, e adentro na parte vaga do banco traseiro. Faye repousa sua cabeleira loura no banco encourado e dou um meio sorriso, simpática.
━━━━━ Lexi Howard, senti sua falta. ━━━━━ A atenção do ruivo se mantém cem por cento na avenida e ao passar pelo farol vermelho, nos entreolhamos pelo retrovisor.
Seu lindo par de olhos azuis se perdem na imensidão de meu olhar castanho e sinto um incômodo na barriga de supetão.
━━━━━ Mas nem demorei. ━━━━━ Provoco, jogando o cabelo pro lado oposto.
━━━━━ Eu juro. ━━━━━ Em rendição, ele levanta uma de suas mãos, antes fixas no volante.
━━━━━ É nessa rua aqui. Desce mais um pouquinho... Aqui! ━━━━━ Abro a boca num perfeito "o" ao ver a pessoa que menos esperava. Meu pai.
Os braços do moreno envolvem um hidrante, e na calçada frascos de bebida vazios dando indícios da noite do mais velho.
━━━━━ Pai... Como assim? Por que agora? ━━━━━ Bato a porta do automóvel e em céleres passos sigo até meu pai. Contrariando tudo que eu pensei, Fezco sequer acelera, se mantendo atento a cena de pai e filha.
━━━━━ Eu acho que perdi minha própria filha... ━━━━━ Abaixo a cabeça, negando a receber qualquer carinho.
━━━━━ Não tem como perder algo que você nunca teve. 'Brigada pela carona, Fez. Até qualquer dia.
Com um propósito, entro pelos fundos a fim de despedir de meu pai. Eu quero vê-lo, mas não quero que ele me veja. Tudo pra mim sempre fora mediano, desde das coisas mais banalizadas pras mais importantes.
Menos o amor. Não existe meio termo para essa palavra, não no meu vocabulário.
Ou o amor te salva, ou te destrói.
Na cozinha, aproximo meu corpo na gélida pia e olho pelas frestas da janela. Meu olhar enxerga mais o verde do jardim do que qualquer outra coisa, mas no fundo duas cabeças se sobressaem.
Meu pai e Fezco.
━━━━━ Quem 'tá lá? ━━━━━ Pulo pra trás num susto e mamãe se põe ao meu lado, bebericando seu chá á moda britânica. Com um pouco de leite.
━━━━━ O motivo do meu Daddy Issues.
Será impossível, mas quero fechar os olhos e mentalizar para que tudo isso não passe de um pesadelo. No quarto, deito-me na cama e abraço meu travesseiro tão forte quanto uma criança assegura seu doce de um furto.
Porque no fim do dia, não passamos disso. Crianças medrosas. Com medo que possamos perder nosso bem mais precioso. Bem, isso foi arrancado de mim desde pequena.
E por isso
Minha vida é uma eterna criança traumatizada.