Sarah
Não sei o que deu em mim ao tomar liberdade com o Benjamim, pai das meninas, e falar aquelas coisas. Na verdade eu acho que nem pensei, acredito que nesses momentos devemos deixar que nossa consciência nos guie, afinal, ela sempre nos castiga quando fazemos algo errado, então não há nada melhor que deixar que ela mesma faça as escolhas.
Mas fico feliz de ter ajudado de alguma forma, eles precisavam de um empurrãozinho.
Decidimos esperar eles voltarem, dar um pouco de privacidade e torcer para que as coisas se resolvam. Mas meu plano principal era distrair à Laurinha, pois esperta como ela é, logo desconfiaria do que estava acontecendo.
Então, um pouco depois do pai das meninas sair, resolvemos andar pelo no bairro, na verdade, eles decidiram e apenas eu concordei.
Estava apreensiva em encontrar minha família enquanto caminhávamos, mas fomos caminhar assim como eles queriam. Afinal, não posso ficar com medo para sempre, uma hora vai acontecer, só não precisa ser agora.
— Tem um parque aqui perto, acho que as meninas vão amar — digo e ele assente.
Fomos andando para lá, não era muito longe, pelo que me lembrava.
A Laurinha vai saltitando na frente, numa leveza e tranquilidade que só as crianças conseguem ter. A Liz estava no carrinho dela e o Philip empurrava.
Olhei para ela e a mesma estava olhando a paisagem e ria quando via a irmã pulando enquanto caminhava em nossa frente.
— Quer dizer que você conhece esse bairro? —ele pergunta enquanto andamos, me tirando do meu pensamento.
— Mais do que gostaria — digo e começo a andar de costas, ficando de frente para ele. — Sabe aquela rua? — aponto com o dedo, ele olha e assente. — Era ali que eu me escondia quando brincávamos do lado de fora, sabe, eu e a minha irmã.
— Espera, você... — ele me olha e para de andar.
— Aqui foi onde eu cresci, o meu bairro, e o meu pai ainda morava aqui quando fui embora — digo voltando para o lado dele, e assim começamos a andar juntos.
— Uau, que cidade pequena.
— Pois é, depois dizem que Aracaju que é pequeno — digo e reviro os olhos.
— Então, esse era o parque que vocês brincavam? — ele diz assim que chegamos no local. Ele olhava por cima tudo que estava ali. Eu sorri ao perceber que aquele bairro era o mesmo que eu cresci.
— Sim, nossa mãe nos trazia aqui no fim de tarde, ficava conosco para um lado e para o outro, empurrava o balanço para que pudéssemos brincar — sorri. — E quando outras crianças viam, ela só ficava sentada conversando com as mães e as babás, eu gostava de ficar de longe a olhando, ela tinha um sorriso tão bonito — me perco em meus pensamentos.
— É muito bom quando temos memórias boas — ele diz como se tivesse alguma história para contar, mas fica em silêncio.
— Sabe o que eu me lembro? — digo mudando de assunto. Estar aqui ativou muitas memórias. — Tinha um teatro que eu ia sempre depois das aulas da faculdade, eu amava o cinema mudo que faziam, eles ficavam calados em toda cena e só ouvíamos o som do piano, e era tão maravilhoso o ouvir tocar — digo dando uma pausa. — Era um teatro antigo, acho que nem existe mais — eu conto empolgada. Vejo ele sorri e da uma risada fraca. — O que foi?
— Era eu — ele sorri.
— Como?
— O pianista — ele diz. — Eu ia tocar lá toda noite depois da faculdade.
— Uau — digo impressionada. — Então você toca piano.
— Não mais — ele diz sério.
Ficamos em silêncio depois disso, percebi que talvez fosse uma zona perigosa, um assunto delicado que talvez não devesse me intrometer.
— Sabe, eu não mantenho uma relação boa com meus pais, na verdade não nos falamos, minha mãe ainda tenta falar comigo, mas ela não entende — ele fala de repente e fica pensativo.
Estamos esse tempo todo em pé conversando e admirando a paisagem que nem percebemos que a Laurinha não havia saído correndo para brincar. Ficou apenas olhando as crianças esperando a nossa autorização.
— Pequena — a chamo. — Pode ir brincar com as crianças, mas fique onde eu possa te ver — ela assente. — Combinado?
— Sim tia, brincar e não me esconder — ela diz e me abraça.
Sentamos no banco que tinha na praça, a Liz ficou no carrinho conosco e a Laurinha foi correndo brincar.
O parque era como me lembrava, cheio de cor e alegria.
— Meus pais nunca entenderam meu amor pela arte — ele diz assim que sentamos, retornando ao assunto. — E eu tocava piano naquele teatro, ele ficava perto de casa, foi assim que paguei a faculdade, mas nunca contei a eles que o emprego era para pagar a faculdade, na verdade, eles nunca souberam que eu estava fazendo faculdade, era uma surpresa — ele faz uma pausa.
— Não precisa se não quiser — digo e seguro a sua mão.
— Tudo bem — ele sorri para mim. — Eu nunca contei isso a ninguém porque sinto vergonha do que aconteceu — ele respira fundo antes de continuar. — Um dia eu cheguei tarde em casa depois do espetáculo, meus pais estavam me esperando na sala, tinha várias malas juntas perto da porta, achei que eles iriam viajar ou coisa do tipo, mas eles me esperavam de pijama. Estranhei tudo aquilo, mas quando eu entrei eles fizeram um discurso de que era para o meu bem e o quanto eu era irresponsável e sem futuro — o Philip respira fundo antes de terminar. — Ele me deu uma condição para ficar em casa com eles.
— Qual seria? — pergunto.
— Achei que ele fosse pedir para que eu me matriculasse na faculdade, ou que arrumasse um emprego mais sério, como ele mesmo dizia — ele diz e faz uma pausa em seguida. — Mas não. Ele queria que eu meu casasse.
Olho espantada para ele.
— Casar? Você não aceitou, eu suponho.
— Não, eu disse que não me casaria nunca. Ele ficou bravo por eu ter negado a tal pretendente. Sim, eu tinha até noiva — ele fala balançando a cabeça em negação.
— E o que aconteceu?
— O meu pai me expulsou de casa aquela noite, minha mãe tentou interceder por mim, como sempre tentava fazer, ela chorou.
— Nunca mais falou com eles depois disso?
— Com o meu pai não — digo. — A minha mãe e a minha família vivem dizendo que eu tenho que seguir em frente e esquecer o passado, mas...
— Mas eles não entendem.
— Tem coisas que não dá para explicar, então eu parei de tocar, terminei a faculdade fazendo outros trabalhos, e nunca mais falei disso, até hoje — ele me olha nos olhos e é como se eu pudesse sentir tudo através daqueles belos par de olhos.
— Fico feliz por ter contado — sorri para ele.
A Liz resmunga no carrinho atrapalhando o clima sério que havia se formado.
— Deixa que eu pego ela — digo para ele. — Quer brincar também? Vamos ali com a tia Sarah.
Me distancio dele e vou com ela no braço andar um pouco.
Vimos a Laurinha brincando com seus novos amigos, ou talvez antigos, já que ela mora aqui e já deve ter os visto. A Liz sorri para a sua irmã que acena para nós.
Com a Liz mais calma volto para o banco onde deixamos o seu tio.
Ele estende na grama um pano, uma toalha de mesa ou talvez uma das fraldas de pano da sobrinha, e espalha os brinquedos das meninas para que a Liz pudesse brincar.
Coloco a Liz sentada no chão brincando e me junto ao Philip no banco novamente para observa-las.
— O que será que está acontecendo na sua casa? — pergunto a mim mesma em voz alta. Talvez fosse uma pergunta retórica, mas ele respondeu.
— Espero que ela esteja inteira — ele fala e me causa uma incógnita.
— Acha que ele a machucaria? — pergunto preocupada.
— Estava falando da minha casa — ele diz me fazendo rir. Respiro aliviada. — E não, ele não faria nada com a Mônica, mas não posso garantir o mesmo pela minha irmã.
— Sério? Ela não parece fazer o tipo maluquinha.
— Você não viu nada ainda.
Ri da forma que ele falou da irmã.
Passamos mais algumas horas ali no parque, até a barriga roncar avisando que já estava na hora do almoço.
— Tio, estou com fome — Laurinha diz correndo até nós e fazendo uma carinha triste enquanto para e alisa a barriga.
Algumas crianças já haviam ido embora, e outras estavam indo também. Acho que a fome chegou para todos juntos.
— Está bem, vamos almoçar então — ele fala atendendo a pedidos e ouvindo meus pensamentos. Ou meu estômago.
— Iupe! Esse está sendo o melhor dia de todos — Laurinha fala animada.
Arrumamos as coisas da Liz e colocamos ela no carrinho de novo.
Começamos a andar para sair do parque. A Laurinha dessa vez não parecia ter pressa de caminhar, e ficou ao meu lado por todo o caminho, enquanto seu tio levava o carrinho da Liz.
— Que tal almoçar fora hoje? — Phil sugere.
— Sim! — Laurinha responde por todas nós.
— Só depois de um banho, você está pingando de suor — digo fazendo careta.
— Tá bom, titia — ela diz tristinha.
Assim que entramos na casa o Phil fala que vai da banho nas meninas, me ofereço para ajudar e ele aceita.
Eu fico com a Liz e ele com a Laura. Foi um banho tranquilo, diferente do que dei na Laura a primeira vez, e terminamos rápido, estamos famintos também.
Arrumo a Liz com um macacão fofo e coloco uma tiara nela, o Phil veste a outra sobrinha com um vestido e um laço no cabelo.
Pegamos as sacolas das meninas e colocamos no carro. Depois do almoço iríamos voltar para casa e ver se estava tudo bem com os pais delas.
Seguimos até um lugar que o Philip disse que era caminho de casa, ele para em um restaurante com uma cara familiar para mim, mas resolvo não contrariar ele e entro no lugar.
Sentamos a mesa e fazemos nosso pedidos.
Para a Liz havíamos preparado uma mamadeira, ela ainda não come de tudo e sabemos que nos restaurantes não tem muita opção para ela.
— Pode deixar — digo ao Phil que já se ajeitava para pegar a Liz da cadeirinha dela.
Pego a bebê e a ajeito no meu colo, ela segura a mamadeira sozinha e bebe rapidamente o líquido que ali tinha.
— Você tem muito jeito com crianças — ele diz.
— Eu tenho uma afilhada, troquei muita frauda e dei muita mamadeira para ela — digo sorrindo ao lembrar. — Ela é filha dos meus melhores amigos, eles estão esperando o segundo filho e não acho que chegarei a tempo do nascimento dele — digo meio triste ao lembrar.
— Uma pena, é uma das melhores experiências na vida, fazer parte da vida de um ser tão pequeno assim — ele diz babando pela sobrinha.
Sorri para eles.
O almoço logo foi servido e as meninas sentaram nas cadeiras do restaurante, tinha cadeiras apropriadas para as idades delas.
Amassei um pouco da minha comida para dar a Liz e o Phil ajudou a Laurinha a cortar a comida do prato. Elas ainda pareciam famintas e me pergunto se fiz bem em dar banho antes de oferecer algo para elas comerem.
Enquanto comíamos senti como se tivesse alguém nos observando e começo a olhar ao redor.
Philip também percebe vários olhares das pessoas no restaurante, todos passavam e apontavam como se estivesse vendo uma celebridade, algumas famílias olhavam com admiração, outros com curiosidade, mas sorriam gentilmente. Mas tinha uma mesa no canto, cheio de pessoas engravatadas, e no meio de todas essas pessoas eu vejo uma em especial, que me era muito familiar.
— Tia Safira! — exclamo assustada.
Continua...
- - -♡- - -♡- - -♡- - -♡- - -♡- - -♡- - -♡- - -
Beijos, Larissa.