Já era tarde da noite, talvez umas 4 da manhã, quando eu ouvi batidas na porta do meu quarto. Levantei e abri a porta, dando de cara com a Julieta com um sorriso cínico.
- Sabe quando crianças tem pesadelo e precisam dormir com a mãe? - perguntou.
- Sei, por quê? - cruzei os braços e me apoiei no batente da porta.
- Posso dormir aqui? - fez cara de cachorro abandonado.
Dei passagem para ela, Julieta entrou correndo e sentou na minha cama.
- Qual pesadelo você teve? - perguntei, fechando a porta.
- Com você! - pigarreei e virei para ela.
- Interessante.
Eu queria que tivesse sido um sono, e, de preferência, um bem quente.
- Me conta - continuei, me aproximando.
- Você era um jacare e queria me matar. Eu, Victor Angeles, você queria me matar. O que eu fiz para você? - gargalhei.
- Cada dia que passa você fica mais louca - passei a mão pelo seu cabelo.
- Ok, é tudo mentira. Não sonhei com você, na verdade, nem lembro dos meus sonhos.
- Então o que quer aqui? - cruzei os braços.
- Eu soube que você dormia como veio ao mundo, vim comprovar - ri.
Sei que as coisas que a Julieta fala sempre são piadas, mas algumas eu queria que fosse verdade.
- Como pode ver, é mentira.
- Uma pena, mas isso não impede você de fazer isso agora - deitou na cama e me olhou.
É engraçado, ela é alta com um pijama de pinguim. Na verdade, fica fofa, principalmente quando as cores fazem contraste com o seu cabelo escuro.
- Está pensando em quê? - ela perguntou e eu pisquei algumas vezes, tentando voltar a mim.
Fiquei em cima dela, apoiando o peso do meu corpo nas minhas mãos que estavam na cama, e ela entreabriu os lábios. Percebi sua respiração acelerar um pouco e ela engolir seco.
Julieta arregalou levemente os olhos quando eu aproximei meu rosto do dela e começou a ficar com a respiração ofegante, sua pupila estava dilatada e ela se mantinha parada. Abri um sorriso e aproximei minha boca do seu pescoço.
- Vai dormir, Julieta Smith - sussurrei e beijei a testa dela, em seguida levantei.
Ouvi ela soltar um longo suspiro enquanto eu caminhava para o banheiro.
- E você? - perguntou.
- Eu ia tomar banho antes de você chegar, então é isso que eu vou fazer.
- Tomar banho às 4 da manhã?
Eu não disse nada, apenas entrei no banheiro para tomar banho.
「 ❀ 」
Acordei procurando um corpo alto e magro, mas nada da doida. Abri os olhos e passei a mão no olho, tentando acordar.
- Estava me procurando? Eu estou aqui - apoiei o peso do meu corpo no cotovelo e encarei ela, que estava sentada na poltrona.
- Não, não estava te procurando - menti.
- Ah, isso foi rude de dizer. Tenho sentimentos, sabia?
- Quais sentimentos?
- Amor, paixão, desejo, excitação, ódio, muito ódio. Principalmente quando as pessoas não fazem o que elas já deveriam ter feito e ficam fingindo que algo não acontece quando claramente acontece.
- Isso foi específico.
- Ódio quando uma pessoa sabe que outra pessoa gosta dela, mas finge não ver e segue a vida como se fossem melhores amigos de infância...
- Acho que não entendi - franzi o cenho.
- Nenhuma novidade. Enfim, levanta e vai preparar o café da manhã - falou, levantando e saiu do quarto - Ai a pessoa provoca a outra de madrugada e nem aparece... - fui deixando de ouvir as reclamações dela enquanto ela descia para a sala.
Louquinha de pedra.
Levantei e caminhei para o banheiro. Entrei de baixo do chuveiro, deixando a água cair e pensamentos lúcidos fluírem.
Será que alguma piada da Julieta tem um pouco de verdade? Porque, sinceramente, eu queria realmente que ela quisesse me beijar, mas ela não dá nenhum sinal claro. Conheço a Julieta, se ela quiser algo ela vai falar, assim como quando nos beijamos pela primeira vez. Então, se ela não deu sinal algum, talvez ela não queira nada comigo.
- Victor? - bateu na porta - Deixei meu celular aí?
- Não sei, Julieta - gritei.
- Então olha - bufei. Abri um pouco o box do banheiro e lá estava o celular dela, em cima da pia - Tenho que ver se eu tenho trabalho agora. Pega para mim?
- Não posso, estou tomando banho.
- Se enrola na toalha e me entrega.
- Entra, Julieta. Pega seu celular e saí.
- Prometo não olhar.
Como se ela nunca tivesse visto.
Ouvi o barulho da porta abrindo e logo vi a silhueta dela entrando no banheiro.
- Faz um favor para mim? Pega a toalha e me dá - pedi.
- Eu tento, mas algo me tenta - ri - Como não olhar algo que está na minha frente? É impossível não olhar algo que seja tão gran...visível.
- Para de reclamar e me da a toalha, Julieta.
- Estou indo.
Ela caminhou até a toalha, pegou e veio até mim. Abri um pouco o box, peguei a toalha e amarrei na minha cintura, em seguida saí do box.
- Andou malhando? - perguntou, sorrindo.
- Já pegou o celular? - ela assentiu - Pode ir.
- O que você tem contra mim?
- Nada - franzi o cenho.
- Está me expulsando.
- Julieta, eu quero me vestir.
- Mas eu não estou te atrapalhando. Pode se vestir, eu até te ajudo - cruzei os braços - Ok, entendi. Estou indo.
Caminhou para fora do banheiro e parou na porta.
- Estou saindo, não vou te ajudar se eu chegar lá embaixo. Sua última chance.
- Eu sei me vestir sozinho, mas obrigada.
- Tudo bem, então - saiu e fechou a porta do banheiro - Melhor do que eu lembrava - gritou e eu ri.
「 ❀ 」
Botei o celular na minha outra mão e bocejei, vendo a Mia e a Kisa falando e falando sobre coisas chatas.
- Se o Victor não fosse idiota confessaria - Kisa falou.
- Mas infelizmente ele é.
- 50 anos depois, até a Mia vai estar com a Keyla, e o Victor chamando Julietta de amiga.
- Concordo, tirando a parte da Keyla.
- Eu vou desligar - ameacei.
- A verdade dói, Victor - falou Mia.
- Principalmente quando você ver ela com outro - Kisa falou e sorriu.
- 3...2...1...Desligando.
- Victor! - olhei para a porta, e a doida estava entrando.
- Eu conheço essa voz - Kisa falou, dando um sorriso malicioso.
- Vamos desligar - Mia falou e elas desligaram.
- Achei que estava no trabalho - falei, colocando o celular na mesa e levantando.
- Estava, mas eu pensei: "O Victor tem um restaurante, por que eu não vou lá comer de graça?".
- Você é muito cara de pau.
- Eu sei - deu de ombros.
- Vou lá preparar algo para você, e você escolhe uma mesa, ok?
- Você faria isso, prepararia pessoalmente um prato para mim? - colocou a mão no peito, como se estivesse honrada - Tão romântico - passou a mão embaixo dos olhos.
- Vai, doida, antes que eu mude de ideia.
- Estou indo - abriu a porta e saiu.
Saí do escritório, peguei o elevador e fui para a cozinha, onde o pessoal trabalha a todo momento. Lavei as mãos, peguei um avental, uma touca e fui começar a receita.
- Senhor Angeles, deseja algo? Podemos cozinhar o que você quiser - um dos funcionários perguntou.
- Eu mesmo cozinharei, obrigado. Mas preciso que peça alguém para achar a Julieta, ela está em uma das mesas.
- Sim, senhor - assentiu e saiu.
Comecei a receita pegando o atum para dividir em quatro partes e temperar. Eu vou fazer Atum branco com salada de papaia verde, já que a Julieta gosta de coisas do mar, principalmente frutos do mar, o que não é necessariamente peixe.
Deixei um pouco o peixe de lado para dar atenção a outras partes da receita. Essa receita não é tão elaborada, então não leva tanto tempo para fazer, acabei rapidamente.
Finalizei o prato, ajeitando e deixando bonito, e tirei meu avental e a touca, guardei e voltei para perto do prato.
- Onde a Julieta está? - perguntei.
- Em uma sala privada, senhor.
Não pode dar a mão que ela quer o braço todo.
- Vou levar esse prato, e alguém leve Whisky sem álcool e Bolo com gelatina e marshmallow de cereja.
- Pode deixar.
Peguei o prato com toda delicadeza e fui para o elevador. Assim que cheguei na sala, Julieta estava deitada no sofá, quando me viu sentou e sorriu cinicamente.
- Você é folgada - falei - Eu disse uma mesa, não uma sala.
- Acho que ouvi mal.
- Seu prato - coloquei na mesa e sentei.
- Vai ficar aqui?
- Vou te vigiar, você pode quebrar minha prataria chique.
Alguém deu algumas batidinhas na porta e eu assenti a entrada da pessoa. Um dos garçom colocou a bebida na mesa e a sobremesa e saiu.
- Whisky! - tomou um gole e fez careta - Isso não é Whisky de verdade.
- Eu sei, fui eu que mandei.
- Por que?
- Porque você está trabalhando, folgada.
- Ah, verdade.
- Bom apetite.
Enquanto ela almoçava, eu apenas ficava reparando nela e no jeito dela fingir que não está bom, fazendo pouco caso, isso me arrancava algumas risadas. Quando ela acabou de comer, foi logo para a sobremesa, mas essa sim ela elogiou.
- Isso está bom, eu já disse que amo doce?
- Eu nem sabia disso - debochei.
- Um dia vou comprar uma doceria - soltei uma risada, e ela franziu o cenho - Qual a graça?
- Me lembrou de um episódio de Chaves.
- O que é Chaves? - me olhou.
- Um seriado, passava muito no Brasil. Tem um episódio em que o Chaves cuida dos churros do seu Madruga. Ele vira o cliente, dá o dinheiro, vira o vendedor, pega o dinheiro e come o churros. É difícil de explicar, mas é engraçado.
- Acho que compreendi.
- O que eu quis dizer foi: "Você venderia e você comeria tudo".
- Isso é verdade - checou a hora no relógio do pulso - Eu tenho que ir. Muito obrigado pelo almoço e sobremesa grátis - levantou.
- Última vez, não se acostume, cara de pau.
- Aposto que não será a última vez. Tchau, Victor Angeles - acenou.
- Tchau, Julieta - falei, e ela saiu.
Eu queria que ela tivesse ficado mais.
「 ❀ 」
Já era tarde quando eu cheguei no meu apartamento, eu fiquei um tempo bebendo no bar.
Entrei na sala e a televisão estava ligada, então eu fui lá desligar, mas no caminho eu vi a Julieta encolhida dormindo no sofá.
Sua boca estava entreaberta, seu cabelo caindo pelo seu tronco e ela estava agarrada no travesseiro. Ela não estava vestindo um dos seus pijamas, estava vestindo uma calça jeans e sutiã.
- Julieta - sussurrei, tocando o seu rosto - Acorda.
Ela abriu o olho minimamente e sorriu, depois voltou a fechar os olhos e pegou a minha mão.
- Você não quer subir? - perguntei em sussurro.
- Estou com sono - murmurou - Alec e eu ficamos brincando esperando você chegar, mas ele acabou dormindo.
- Vamos para a cama.
- Estou com preguiça, me deixa aqui - soltou a minha mão.
Tirei o travesseiro dela com cuidado e ela reclamou um pouco, passei os braços pelas suas pernas e pescoço e a peguei no colo. Julieta colocou a cabeça no meu peito e voltou a dormir serenamente.
Eu poderia levar ela para o seu quarto, mas com a minha consciência errada, eu levei ela para o meu e coloquei ela deitada na cama.
- Posso colocar um casaco em você? Está frio - perguntei.
- Pode - sussurrou.
Caminhei para o closet, peguei um dos meus casacos e voltei para o quarto. A levantei um pouco e coloquei o moletom nela, depois coloquei ela de volta na cama.
- Julieta? - chamei.
- Victor, eu estou cansada. Amanhã eu tenho plantão e preciso descansar, então, por favor, me deixa dormir.
- Não durma de calça jeans, você disse que faz mal dormir com roupa apertada.
Ela levantou com má vontade, tirou a sua calça e me jogou, em seguida voltou a deitar na cama e dormir.
- Boa noite, Julieta - sussurrei.
- Não me deixe, Victor Angeles. Deite aqui comigo - murmurou - Não finja que vai ficar quando na verdade não tem intenção nenhuma - parecia muito que ela estava falando coisa com coisa por estar com sono - Não minta para mim como ela fez - sussurrou, me fazendo franzir o cenho.
Eu tinha certeza que ela não estava acordada, mas algo estava incomodando ela mesmo no seu subconsciente.
Não vou dormir com ela, porque sei que se eu fizer isso vou querer outras vezes e será ruim para mim.