Peguei um dos livros em cima da mesa do escritório do papai e apertei como se fosse a última coisa no mundo que eu poderia segurar. André estava falando algo atrás de mim, mas estava abafado. Eu suspirei alto e com a mesma força que eu usei para apertar aquele livro, eu o joguei em André.
- Você é louca! - gritou ele.
O livro o acertou em cheio no braço esquerdo e André gemeu, enquanto passava a mal suavemente no local. Eu rolei os olhos.
- Uma louca boa de mira. - murmurei, enquanto cruzava meus braços em uma distância segura dele. André me olhou, ainda passando a mão no braço dolorido e respirou fundo. Ele está lindo. - minha mente disse.
Depois que ele foi embora, eu chorei e gritei para mim mesma que a culpa tinha sido minha. Eu não era esperta ou mais velha o suficiente para atender às necessidades dele. Quando começamos a namorar, eu tinha apenas 15 anos e ele era o cara mais gato da escola. André estava no último ano quando começamos a conversar sobre ele não ser mais virgem e eu ter medo desse novo passo.
Eu sabia que todas as minhas amigas não eram mais virgens e apesar de ser a mais atirada das quatro, essa era uma coisa que eu realmente tinha problemas para lidar. Elas sabiam e não me pressionavam ou falavam sobre o assunto, já André me pressionava psicologicamente sobre isso. Eu achava que no dia que ele fosse embora, eu ia saber lidar com isso um dia. Eu pensei que eu tinha medo. Mas não era medo. Ele só não era o cara certo.
- Rose. - repreendeu-me ele, em um tom ríspido. André passou a mão no cabelo espetado. Ele colocou a outra mão no bolso da calça e suspirou. - Eu preciso que você me dê uma chance. Eu não sou mais aquele babaca, já tem tempo desde o que aconteceu. Nós nunca conversamos sobre isso.
Minh boca abriu em protesto.
André deu um passo em minha direção, mas eu apenas recuei. Ele me olhou, com aqueles olhos esmeralda pedintes e sedutores. Eu odiava aquele olhar, ele sempre conseguia o que queria com ele. Assim como Lissa.
- Você foi embora. - eu gritei, apontando para ele. André fechou os olhos, tentando manter a calma. - Você me traiu com aquela vadia velha e foi embora.
- Ah, qual é Rose! - disse ele, sorrindo. - Ela não é tão velha assim.
Senti meu rosto queimar em protesto, assim como todo o meu corpo. Senti o grito preso em minha garganta e o olhar divertido de André me fez ficar ainda mais chateada com toda a situação. Em outro impulso, peguei o jarro de cristal em cima da mesinha de canto, perto do sofá de couro e joguei em cima de André.
Ela cambaleou para o lado, enquanto eu gritava por ter errado a mira. André arregalou os olhos para mim e depois ajeitou sua roupa ao corpo, tentando respirar. Ele quase tinha sido atingido e por Deus, ele sabia que eu poderia tentar de novo.
- Continua esquentadinha. - disse ele. - Eu gosto disso.
- Cala a boca. - gritei. - Seu babaca arrogante. Eu não vou me casar com você.
- Isso nós vamos ver, Rose. - disse ele, aproximando-se de mim. Seus olhos verdes estavam fixos nos meus. Seu perfume estava tão próximo quanto ele. - Eu vou te ter de volta. Isso eu prometo.
- Nem ferrando. - rosnei, perto de seu rosto. André tinha uma expressão debochada.
Empurrei seu corpo para longe de mim e passei por ele como uma bala. Ouvi sua gargalhada, enquanto ainda não tinha batido a porta do escritório de Abe e caminhei em passos largos para fora dali. Eu sabia que em alguma parte daquele lugar Dimitri e Alberta estavam escutando todo esse barulho e me admirava por Dimitri não ter vindo intervir.
Talvez ele esteja mesmo com raiva de você, Rose. - pensei.
Bufei, ouvindo mais uma vez a porta bater. Eu estava quase perto do meu quarto e sabia que André estava indo embora. Minha cabeça parecia uma montanha russa. Todas as emoções que eu pensei não sentir mais por André estavam de volta com força total.
Mas a única coisa que eu consegui fazer foi abrir a porta do meu quarto e trancá-lo atrás de mim.
***
A primeira coisa que nós esquecemos quando alguém sai da nossa vida, são os olhos. Depois você começa a esquecer algumas expressões e por fim, o rosto. Você lembra da altura, do cheiro, dos gostos e até do som da gargalhada. Mas o rosto, por mais que se esforce e torture sua mente tentando lembrar, você não lembra.
Dizem que a paixão dura em média 4 meses, depois desse tempo, você finamente está amando. Mas nosso coração é tão burro, que falamos as palavras antes desse tempo.
Por isso a paixão nos leva a fazer coisas estupidas.
E você é a única pessoa nisso que vai se auto destruir com essa obsessão.
Naquela manhã, meus pais foram juntos para o trabalho. A mamãe estava ansiosa com o desfile e acabou adiando mais uma semana antes do grande dia. Ela parecia tensa, mas não se importou em vir me checar. Apenas disse para Alberta deixar a comida que eu teria que sair um dia.
Abe também não se deu o trabalho de vir me procurar, ele disse que um dia eu entenderia. Mason não atendia ao telefone, mas algo me dizia que ele sabia dos planos de André. Já que eram amigos.
Me remexo naquele ninho de edredons que me acolheu nas últimas 48 horas e suspiro. Minha mão está melhor do corte e Dimitri me socorrendo vem à minha mente como uma bomba de cores e cheiros, todo o tempo. Com certeza, eu não esqueci aqueles olhos.
Oh, camarada Belikov. - eu sussurro para mim mesma.
Ele veio me checar no dia seguinte de todo o caos com André. Fechei meus olhos lembrando dos detalhes.
Foi a conversa mais próxima e longe que eu tive com alguém. Dimitri não me pressionou a sair do quarto ou tentou derrubar minha porta. Mas ao contrário dos meus pais ele foi atencioso. Mas do que eu gostaria de admitir
Foram 3 batidas na minha porta, durante a hora do almoço. Eu levantei minha cabeça em um pulo do travesseiro, porque eu tinha adormecido em cima de um dos meus cadernos de desenhos. O cheiro do giz ainda estava por toda parte entre meus lençóis e minha roupa ainda não havia sido trocada.
Olhei para a porta disposta a ignorar, mas alguém passou um caderno amarelado pela brecha debaixo da porta. Ouvi um pigarro e depois um barulho sútil. Eu conhecia aquele pigarro. Dimitri fez várias vezes quando me pegou em alguma situação chata durante esses dias com ele.
Eu apertei meus olhos, cambaleando até o caderno e me sentando na porta. Escorei-me ali e mordi a boca esperando que ele estivesse saindo.
Mas ele não o fez.
- Sabe... - começou ele, adivinhando que eu estava trás da porta. Eu sorri com aquilo. Graças a Deus ele não estava vendo meus cabelos desgrenhados. - Você deveria comer.
Eu continuei em silêncio.
Dimitri poderia ter entregue aquele caderno amarelado para o meu pai como prova do que eu fazia no anexo, mas ele não o fez. Ele me entregou debaixo da porta, mesmo sabendo que não teria uma resposta minha.
Dimitri respirou pesadamente para que eu escutasse.
Eu o imaginei com as pernas agarradas ao corpo e a cabeça escorada na porta, além de um sorriso fraco e sua máscara inexpressiva. Eu quase poderia sentir o cheiro de seu pós barba.
- Não foi legal o que seu pai fez. - disse ele. - Te proibir de fazer o que você ama ou te obrigar a ser quem não é. - Dimitri ficou em silêncio por uns segundos. - Eu sei que agora você não quer falar com ninguém sobre isso, então pensei que uma bandeira de paz seria algo legal para seu dia.
Eu sorri.
Então, Dimitri continuou.
- Eu queria poder te dizer isso te olhando nos olhos, mas eu acho que você poderia me jogar alguma coisa. Devo estar mais seguro aqui.
Eu mal ouvi minha própria voz se formar quando finalmente abri a boca.
- Está sim.
Dimitri ficou em silencio por mais um tempo e uma gargalhada fraca surgiu do outro lado da porta.
- Você deveria comer alguma coisa. - repetiu ele.
- Obrigada por não contar. - eu disse, tentando ignorar a observação de Dimitri.
Ele respirou novamente. Dessa vez, despretensioso.
- De nada.
Nós ficamos em silêncio juntos por um longo tempo. Até que minha cabeça bateu na porta, não tão forte. Mas confortável. Dimitri fez o mesmo, para que eu escutasse que ele estava ali. O silêncio com ele era bom, apesar de saber que ele devia ter mais pena do que carinho.
Pobre garota rica com um casamento arranjado. - pensei.
- Você me acha uma pessoa ruim? - perguntei, quase que em um sussurro.
Podia jurar que Dimitri estava fazendo aquela coisa legal com as sobrancelhas que só ele sabia fazer.
- Você me acha um babaca arrogante?
Eu suspirei.
- É fácil conversar com você.
A resposta demorou um pouco, mas o ouvi respirar.
- Porque estamos com uma porta de distância?
Eu sorri
- Isso também. - eu disse. - Mas você... É diferente.
Eu pigarreei. Dimitri permaneceu calado enquanto surgia um silêncio curioso entre nós.
- Deve ser porque não gosta muito de mim. - ele disse, com um tom irônico.
Eu arfei.
- Na verdade, é porque eu gosto. - falei. Eu suspirei pesadamente. - Você foi o único que me enxergou. Além de não me bajular como os outros ou tentar me levar pra cama.
Dimitri gargalhou. Aquela gargalhada limpa.
- Hey, você que tenta fazer isso. - disse ele, com um tom leve. - Isso é assédio, sabia?
- Só é assédio se você não me olhar daquele jeito. - eu disse, o mais perto da porta que consegui. Dimitri ficou em silêncio e eu poderia jurar que sua respiração tinha acelerado. E então, eu continuei. - Você não me pediu para abrir a porta.
- Você não está pronta ainda.
- Quando eu saí por essa porta, eu vou ter que lidar com a realidade.
- Você não precisa ter a realidade que estão impondo para você, Rose.
- Precisar e querer não fazem parte da minha realidade, Dimitri. - eu disse, recebendo o silêncio dele como resposta. Ajeitei minha cabeça a porta. - Você não entenderia.
- Então, me explica. - disse ele, na voz rouca e cheia de sotaque. - Eu gostaria de entender.
Eu fiquei em silêncio por mais um tempo e suspirei em seguida.
- Obrigada pelo caderno, camarada. - eu disse, sentindo minha voz embargada pelas lágrimas novamente.
- Por nada, Roza. - disse ele, em seguida.
Poderia jurar que ele estava levantando-se devagar e indo embora, porque o silêncio veio seguido do barulho de passadas lentas pelo corredor.
Depois disso, eu só voltei para a cama e me afundei ainda mais em lágrimas silenciosas que não eram o meu estilo. Só me dei conta do tempo, quando escutei o barulho de carro e pessoas falantes. Quando finalmente estava seguro, eu peguei um dos cadernos que eu tinha na minha escrivaninha e sentei na janela. Alberta colocou mais comida na minha porta, mas ainda sim, eu me recusei.
Quando começou a anoitecer eu chequei meu telefone. Tinham ligações de Lissa e Mason, mas não era com nenhum deles que eu queria falar. Tomei um longo banho quente e senti a água da banheira por longos minutos em meu corpo. Sequei os cabelos com o secador e deixei que eles ficassem soltos.
Escolhi um vestido branco de renda, com caimento até meus joelhos e amarrei minhas botas de cano curto. Coloquei meu caderno de desenho embaixo do braço e peguei um lápis caído perto do tapete azul bebê. Quando finalmente abri a porta, não tinha nada além de silêncio e escuridão no corredor. Meus pais ainda não estavam em casa e Alberta tinha tirado todos os pratos de comida que eu neguei comer.
Comecei a caminhar sutilmente pelas escadas e depois pela casa, indo até os fundos para chegar ao anexo mais rápido e sem que ninguém me visse. As luzes do jardim estavam começando a ascender e já estava mais tarde do que eu achei que fosse.
Minhas botas começaram a pisar em alguns galhos secos quando eu finalmente vi as luzes do anexo e a porta entre aberta. Eu subi os degraus da varanda em passos saltitantes e pisei em algumas madeiras soltas.
Se eu bem conhecia Dimitri, ele sabia que eu estava chegando apenas pelo barulho da madeira solta.
- Oi. - eu disse, parada na porta do Anexo. Dimitri apenas levantou os olhos na minha direção e me analisou cuidadosamente.
Eu tinha meu caderno de desenho debaixo do braço e alguns lápis em uma das mãos. Ele me olhou um tanto curioso e depois, voltou-se para o seu bule e xícara. O chá escorria lentamente, assim como sua respiração. Já eram sete em ponto e Dimitri parecia tão surpreso que o silêncio poderia gritar isso.
Eu não brincaria com o único lugar no mundo que eu usava para fugir.
- Eu vou ficar aqui fora. - murmurei, alto o suficiente para que ele escutasse. - Obrigada por não me expulsar.
Ele me olhou novamente, enquanto a louça do bule batia sob a bancada. Eu apenas sorri, fraco. Meus olhos ainda estavam doloridos de tanto chorar no dia anterior e Dimitri estava concentrado nisso.
Ele não expressou nada e então, eu voltei-me para fora do anexo. Me acomodei no banco de madeira e apoiei meu caderno em meus joelhos, puxando-os para mim.
Estava tão encolhida ali e era ótimo.
A lua estava facilitando ainda mais a vista para um bom desenho. Eu gostava de desenhar tudo, mas a vista que o anexo tinha para as luzes da cidade, eram ainda melhor.
- Rose? - Dimitri me chamou.
Borrei um dos traços finos e me perguntei quanto tempo eu estava concentrada naquilo. Mas Dimitri ainda tinha a xícara em sua mão, então não tinha tanto tempo.
Ele se aproximou do banco, e eu pude ver a xícara verde na sua outra mão. Seu cheiro de pós barba me inundou e até distraiu um pouco. Ele observou o que eu fazia, mas não perguntou.
Apenas colocou a xícara extra entre nós.
- Espero que goste. É a receita da minha mãe. - ele disse, depois de alguns minutos.
Tirei meus olhos da folha ainda com poucos traços e suspirei. Ainda encolhida. Ele se ajeitou ao banco e colocou suas costas no encosto.
- O que é? - perguntei. Seus olhos encontraram os meus.
- Não seria estupido de fazer chá para você, Roza. - ele disse, sorrindo de lado. - Eu te espantaria assim.
Eu sorri, depois de dois dias trancada no quarto e de conversar com ele por uma porta. Era melhor olhando nos olhos dele.
- Não é essa sua intenção? - perguntei. Dimitri apenas olhou sua própria xícara e balançou a cabeça para os lados.
- É chocolate quente. - disse ele. - Com um segredo russo.
Eu peguei a xícara, ainda segurando fortemente o lápis. Dimitri me observou enquanto eu bebericava o chocolate e lambia os lábios.
- É bom. - eu disse, sorrindo. - Obrigada!
- Sabe... - começou ele. - Você pode entrar se quiser.
- Na xícara?
- Na cabana. - ele disse, divertido.
- Eu nunca chamei assim em voz alta. - murmurei, desviando de seus olhos.
- Vinha muito aqui?
- Sim.
- Para ficar sozinha?
- Para ser eu mesma. - falei.
Dimitri me olhou curioso, mas relaxou seu rosto quando entendeu o que eu queria dizer.
Era estressante ser perfeita a todo momento. Não poder brigar, xingar ou fazer o que eu queria. Não poder ter dúvidas ou ser só mais uma pessoa normal.
Por isso era tão bom ir à escola.
Eu era normal lá.
- Não sabia que desenhava. - disse ele. - Muito menos que tinha um contrabando no chão.
Eu sorri.
- Você nunca perguntou.
Dimitri sorriu, bebericando seu chá.
- Não é como se nós dois tivéssemos uma relação cordial.
- Temos uma relação? Own, camarada! Eu sabia que debaixo de todo esse corpinho gostoso você tinha algum sentimento por mim.
- Você me deixa com raiva, isso já é alguma coisa.
- Eu te deixo nervoso. - corrigi ele, com um sorriso safado. Dimitri sorriu também, mas fraco.
- Mais do que imagina. - ele disse, afundando-se em sua xícara.
- Promete não contar para a minha mãe o que eu faço aqui? - perguntei baixinho. - Nem sobre a conversa que tivemos antes de sair do quarto?
- Claro, Roza! É o nosso segredo. - disse ele, aproximando seu corpo de mim, divertido.
Eu sorri, sentindo todos os pelos do meu corpo se animarem.
- Podemos ter mais segredinhos. - sussurrei. - Alguns mais sujos que outros.
Dimitri me analisou calorosamente e pareceu estar pensando. Mas, por um momento ele sorriu triste e se levantou do banco.
- Boa noite, Roza! - disse ele.
Observei as costas largas de Dimitri e depois voltei para os meus desenhos. Era incrível como um cheiro de pós barba e uma xícara de chocolate quente já me curaram de 2 dias de choro e porta trancada.
***
Caminhei lentamente até em casa. Algumas luzes já estavam apagadas, o que me fez ter uma atenção ao caminho de pedra. Deus me livre ralar um joelho ou coisa do tipo.
Dimitri não tinha me visto sair, mas algo nele parecia aliviado por eu ter finalmente aparecido. Como se ele tivesse esperando que eu fizesse alguma coisa estúpida. Ele ficou lá no anexo, provavelmente lendo alguma coisa chata, enquanto me deixava confortável no meu canto.
Eu ainda não estava pronta para entrar enquanto Dimitri estava no anexo. Era o meu lugar especial antes dele chegar, então seria estranho ver as coisas dele ali como se fosse seu lar. Na verdade, era seu lar.
- Rose? - disse Abe, com uma voz rígida e forte.
Eu suspirei e voltei alguns passos para ir até a . A lareira estava acesa e ele tinha uma das mãos apoiadas ao mármore, perto dos porta-retratos. Eu suspirei quando cheguei perto de Abe. Parei próxima ao sofá e preferi manter uma distância segura entre nós dois.
Tínhamos passado por muitas coisas nesses últimos dias e nosso relacionamento não andava sendo o dos melhores.
- Achei que tinha fugido. - disse ele, com desdém.
Eu arfei.
- Ainda não.
- Rose, entende tudo que tenho feito esses últimos dias? - perguntou ele. Abe virou para me olhar e parecia mais cansado e nervoso que o normal. - É pelo bem da família.
- Família? - perguntei, com a voz tremula. - Me obrigar a casar com um babaca é me fazer bem?
- É tradição. - disse ele. - Você ainda é turca, Rose. Pode ficar se dando ao desfrute com caras por aí, mas ainda tem suas origens e deve honrá-las. Eu estou fazendo o melhor para a MADA e para a família.
- Por que não obriga Mason a se casar então?
- Porque ele não é um irresponsável como você. - gritou ele. - Você quer bolsas, festas e sapatos, e graças à MADA e à qualquer outra propriedade que eu herdei você os tem. Vai continuar pensando sobre isso quando se casar ou quando eu morrer. Eu não vou deixar um império para você destruir com suas futilidades.
- Se eu sou fútil, a culpa é toda e completamente sua, velho. - gritei. Minha voz ecoou na sala e eu podia jurar que todos estavam escutando aquilo. - Você me mimou e me deu tudo, eu não sei nem aonde ficam tesouras aqui e tudo isso é responsabilidade sua.
- Eu te criei mal, garota. - disse ele, apertando as mãos em punhos. - Você não tem firmeza, não tem capacidade de gerenciar nem a si própria.
Eu sorri sem humor.
- Dane-se. - eu disse, levantando os braços. - Você não vai me obrigar a casar com o André.
- Vou. - disse ele, dando um passo em minha direção. - Porque se não casar com o André, você não vai ver um centavo de tudo que é meu.
- O que? Você está me deserdando?
- Estou. - disse ele, engolindo a seco. Eu abri a boca para tentar emitir algum som, mas ainda estava muito confusa com tudo aquilo. - Se você não casar com o André ou alguém capaz de assumir sua responsabilidade nas empresas, você não vai ter sua parte da herança.
- Papai. - eu disse, sentindo cada tom tremulo. - Isso é loucura.
- Sua avó estava certa. - disse ele. - Mulheres não são capazes de ter essa responsabilidade, muito menos você.
- Está me ofendendo.
- Você me ofende trocando tudo isso por desenhos e vestidos, Rose. - disse ele, eu senti meus olhos queimarem com lágrimas prontas. - Não é a filha que eu achei que fosse. Alá, salve o Belikov por aturar suas loucuras, Kiz.
Eu pisquei algumas vezes para espantar aquelas lágrimas teimosas e voltei-me para longe de Abe. Eu queria correr, mas meu corpo não estava me obedecendo muito bem naquele momento. Andei devagar até as escadas e cada degrau foi um enorme sacrifício.
Minha relação com Abe sempre tinha sido boa, eu queria e ele me dava. Mas depois que eu comecei a ficar próxima dos 18 anos, ele parecia estar desesperado para que eu quisesse assumir a administração das empresas ao invés de ir para alguma faculdade. Ele tinha feito direito, assim como Mason. Mas ele sempre manteve todo o conhecimento sobre as empresas da família e foi aumentando o negócio.
Eu não sabia nada sobre isso e também não me inteirava sobre.
Achei que até meus 18 anos, as pressões cederiam e eu poderia aproveitar mais alguns meses de irresponsabilidade e bebedeira. Mas Abe não deixaria, ele nunca deixaria. Mason conseguiu fazer sua faculdade dos sonhos, porque era a mesma que ele tinha feito. Ele deu orgulho para Abe.
Enquanto eu ia sempre ser a rosa negra da família. A Roza negra de Dimitri. - pensei.
Fechei a porta do quarto atrás de mim e dei uma boa olhada em todo o meu cantinho desarrumado, sentindo a visão embaçada. Eu queria correr dali, não queria nada daquilo. Uma vida perfeita, com dinheiro e poder. O que adianta ter tudo isso e ser obrigada a passar o resto da vida com alguém que não ama. Não que eu não amasse André, em algum canto do meu coração, ele ainda era meu amor de infância. Mas ele tinha me traído e era difícil superar algo assim.
Eu senti algo fechar minha garganta.
Era o medo me sufocando, da mesma forma que sufocou quando eu abri a porta e vi Natasha em cima de André. Flashs daquela coisa começaram a vir como uma síndrome do pânico e minha garganta estava cada vez pior. Eu mal conseguia respirar, eu mal conseguia lembrar meu nome.
Eu queria que Dimitri estivesse aqui, o olhar dele naquele quartinho de suprimentos na escola e o jeito que ele perdeu o controle. Sua boca sendo puxada para o lado quando eu fazia alguma piada idiota ou quando ele estava zombando de mim.
O vento no meu rosto no dia que estávamos em Malibu.
Senti minha respiração normalizar aos poucos e o ar vir para mim, finalmente. Respirei fundo mais uma vez, com medo de não consegui mais fazer isso e pisquei forte. Bufei em algum momento deixando meu coração voltar ao ritmo normal e dei alguns passos até meu celular na mesinha de cabeceira.
Ele estava quase sem bateria, mas eu não me importei com isso, até desbloquear a tela e tomar a decisão mais estúpida que eu poderia naquele momento. Minhas mãos suaram contra o aparelho e até mancharam a tela, enquanto eu clicava no número.
Esperei pouco mais de três bips, até uma voz embargada de sono atender do outro lado da linha. Eu senti as lágrimas em meu rosto, frenéticas e quentes.
- O que você quer? - perguntou ele, do outro lado da linha. - Eu já estava dormindo, Mazur.
- Eu sei que deve estar bem bravo e eu entendo, mas eu preciso de você. Por favor, Cris.
- Eu estou. - disse ele, com a voz dura. - Mas você está com voz de choro e você não costuma fazer muito isso, então...
- Cris... - eu comecei. - Me ajuda.
- O que houve? Aonde você está? Está ferida?
- Sim. - eu disse, controlando minha voz. - Mas eu preciso de você. Por favor, me encontra na estrada que fica atrás da mansão.
- Está louca, Mazur. - perguntou ele. - Está tarde, eu não sabia que tinha alguma festa hoje.
- Não tem. - eu disse. - Mas eu vou precisar da sua moto.
E então, Cristian suspirou. Ele sabia o que eu ia fazer.
Eu ia fugir.