Força do Destino [Ranu]

By ThaVassiCabello

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Se dependesse do acaso, Manu e Rafa continuariam frequentando os mesmos eventos sem nunca se encontrar, mas o... More

Prólogo
Malas desfeitas
Secretamente
Culpa
Lua e Estrela
Confiança
Sim, é sobre ela
Rio de Janeiro
Chave
Em pratos limpos
Inevitável
Tomando as rédeas
Minha heroína
Reencontro
Esperança
Primeiros passos
Ciúmes
Contratempos
Revelações
Pequenas grandes atitudes
A dois passos da exposição
Público
Fanfic nova - A Receita Perfeita
Caminhos
Gratidão
O vídeo
Primeiros reflexos
As Redes
Aparição
Privacidade
Fantástico
Partilhar
Transições
Acompanhante
Crítica
A viagem
São Paulo?
O que eu quero
O meu grande momento
Amor a Duas
Decisão
Estar preparada
Atraso
O bar
Moçambique
Muzumuia
Inevitável
Apadrinhar
De Chicualacuala à Maheyisse
Um novo começo
Presente
Futuro
Reprodução
Esqueletos
Sós
Por vir
Colateral
Vontades
Pertencer
Coração
Grávida
Mudanças
Zeradas
Libertando-se
De joelhos
Turbulência
Medos
Labirintos
Sim
Familiar
Segredos
Amores reais
Ponteiros
Traumas
Negativo
Ectópica
Em recuperação
Alinhadas
Processando
Preparativos
Sem volta
Nos trilhos?
Indícios
A verdade
2 Semanas
Tempo de cura
Psicológica
3 semanas
A sogra
4 semanas

Segunda chance

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By ThaVassiCabello

Manu Gavassi
Presente

Após minha sogra sair daquele jeito, claramente contrariada, Rafa abaixou a cabeça e continuou a comer. A mesa permaneceu calada esperando uma reação dela, mas nada veio a seguir. Eu tentei segurar sua mão em apoio, mas pela primeira em muito tempo, ela não me deixou. Rafa se fechou e nossas demais companhias perceberam o peso da situação para ela.

A partir daí, todos apenas trabalharam juntos para amenizar a sensação de mal estar que ela parecia viver internamente. Flavina começou a falar sem parar e passou um resumo de tudo que ela fez enquanto estivemos afastadas. Dani a ajudou contando as peripécias de Sofia, que tinha desmaiado cedo depois de brincar com meu amigo e minha irmã quase o dia todo. Aos poucos, pairava um clima bom entre todos. Se não fosse o fato de eu tanto conhecer minha noiva, diria que ela estava bem, mas não era o caso eu sabia que não.

O jantar se alongou bem mais do que o esperado. Meu sogro parecia aflito de preocupação depois de saber sobre a retirada do ovário, o que era compreensível. Porém, até mesmo ele, entendeu que a filha precisava de algum porto seguro e se calou sobre o assunto. Aposto que por isso ele ficou conosco, tentando ser agradável, interagindo com meu pai e buscando aliviar a pressão que Rafa tanto quis não ter sobre os ombros.

Eu contava para todos os que não estavam presentes mais cedo sobre o fato da Rafa ter me ajudado, e sobre como seria o meu álbum. Estava mergulhada respondendo as perguntas, tentando dar atenção para todos e buscando incluir Dani nas conversas. Eu estava quase feliz por ela parecer melhor, por meu sogro aparentar mais naturalidade, por minha família e amigo terem entendido o momento delicado e se comportarem tão bem. Flavina falava e eu estava absorta em como ela sempre foi uma excelente amiga e companheira para a Rafa, pra mim, pra toda essa família. Um verdadeiro pilar. Foi quando eu senti saudade da Marcela, do Tato. Veio forte. Saudade de nos ver juntos, das risadas, das conversas carregadas de sentimentos e, claro, das besteiras.

-- Preciso deitar um pouco...- Rafa disse baixinho quase no meu ouvido, roubando meus olhares, sentidos, sentimentos. Era sempre assim, ela tirava tudo de mim.

-- Tá se sentindo bem? Quero dizer...sem contar toda essa situação de merda? - ela deu um meio sorriso, tristeza brilhando ali. Meu coração quebrou um pouco. Ele sempre foi tão dependente dela.

-- As coisas vão se ajeitar...- a afirmação resignada me causou estranheza. Era da Rafa que estávamos falando, ela não é do tipo centrada, paciente e conformada. -- Eu não tô sentido nada além de cansaço. Só quero deitar e ficar quietinha até dormir.

Assenti. Meus pensamentos ainda confusos, tentando entender esse jeito novo dela de encarar as coisas.

-- Tudo bem. - sorri do jeito que deu. Não queria questionar qualquer coisa agora, ela não precisava disso. -- Nós podemos ir, princesa. - sua mão pousou na minha e ela me deu um sorriso meio culpado. Franzi o cenho perdida no significado daquele gesto.

-- Preciso ficar sozinha. - ouch. meu cérebro parou por alguns segundos. -- Só quero pensar e me conectar comigo mesma. - explicou enquanto eu a olhava sem compreender o motivo dela estar se fechando tanto. -- Pode fazer isso por mim? - era golpe baixo pedir desse jeito. Normalmente ela não faria isso, mas por alguma razão Rafa sentiu que precisava me manipular usando esse meu instinto de fazer tudo e qualquer coisa por ela. Apenas assenti. -- Mesmo? Não vai ficar brava? - neguei sem saber como reagir.

-- Não, amor. - o que mais eu podia dizer? -- Só não esquece de tomar os remédios, tá bem? - passei minha mão por seu rosto e ela me beijou rapidamente. Aliviou um pouco o meu coração, mas não o suficiente.

-- Eu vou tomar...obrigada. - e me beijou novamente pra logo levantar. Aquilo foi estranho demais. Uma sensação esquisita se formou no meu estômago sem eu entender o motivo. Talvez porque ela estava distante. -- Tá meio tarde pra mim, pessoal. - ela disse olhando para todos. -- Vou deitar um pouco e descansar. - percebi seu pai olhando pra mim de um jeito questionador. -- Flá, foi o melhor jantar que eu comi em meses! - sua voz carinhosa. -- Obrigada por cozinhar pra gente.

-- Obrigada vocês por terem vindo pra cá. - Flá olhou rapidamente pra seu Tião e Dani. -- Nós estávamos com saudade disso, da nossa família.

Rafa assentiu. Percebi como essa fala tocou seu coração. Ela se sentiu afetada, talvez porque Tato não estava ali.

-- Boa noite, gente! - ela disse pra logo abaixar e me dar outro beijo, saindo enquanto todos respondiam o seu "boa noite" um pouco tardiamente. Uma situação realmente de merda. Um clima pesado pra caramba.

Levou muito pouco tempo pro pessoal reagir. Acho que uns 10 segundos após ela sair da sala, os olhos de todos já estavam sobre mim. Coloquei os dois cotovelos na mesa e descansei o rosto nas mãos.

-- Um ovário? - seu Tião cochichou parecendo não saber ao certo o que pensar. -- Ela tirou um ovário e ninguém contou nada pra gente? - sua voz continuou baixa. Ele parecia mais chocado do que bravo. -- Ela podia ter morrido e a gente nem iria saber, Manu!

Revirei os olhos. De novo essa merda? Que porra eles pensam que estão fazendo? Em uma avaliação rápida, eu estava cansada. As últimas semanas foram complicadas pra mim em diversos sentidos. Todas as energias gastas pela tentativa frustrada, gravações, saúde da Rafa e procedimentos. Era exaustivo.

-- Eu tô cansada. Pra ser sincera, tô exausta. - senti como ninguém ali esperava que eu respondesse isso. Suspirei enquanto negava, tentando deixar sair naquele simples gesto toda coisa ruim que eu estava sentindo. -- Os últimos meses têm sido pesados. Tudo começou com um sonho da Rafa que eu abracei...mas nós fomos descobrindo a endometriose dela e entendendo que não seria tão fácil e simples como imaginamos. - confessei. A atenção de todos em mim. -- Tá certo que desde o começo eu sabia que não seria um mar de rosas por causa de todos os procedimentos que precisaríamos fazer, mas jamais imaginei que iria ter que mudar tanto minha vida profissional e focar tanta energia pra isso. - meu pai me olhou com os olhos cheios. Eu pude ver que ele sentia vergonha por não ter estado ao meu lado naquele momento. -- Nós não fazíamos ideia de que Rafa perdeu os bebês por um problema real além do que o Rodolfo a fazia passar. Ela tinha medo que falassem que ela não poderia ser mãe, então nunca investigou a perda dos bebês como deveria. - neguei sentindo um engodo na garganta. -- Não tem sido um caminho fácil. - suspirei pesadamente. -- Eu tive um problema sério por tomar uma dosagem errada de hormônios e estar me cuidando mal pelo excesso de trabalho. Rafa estava trabalhando em dobro na parte final da novela e deu o jeito dela pra ficar comigo e garantir que eu ficasse bem. - encolhi os ombros. -- Nós estávamos desgastadas individualmente e, pra completar, a primeira tentativa não deu certo. Isso nos devastou. - senti meus olhos encherem de lágrimas só de lembrar. Minha mãe me lançou um olhar carinhoso e eu fechei os olhos por alguns segundos pra segurar o choro que queria sair. -- Foi quando descobrimos que a endometriose dela era mais extensa do que o estimado pela nossa médica. - continuei. -- Rafa precisou fazer mil exames, iniciar um tratamento mais potente e por fim descobriu a necessidade de retirar um dos ovários. - dei de ombros. -- Foi tudo rápido demais, meu sogro. - olhei diretamente pra ele. -- Nós fomos reagindo e tomando decisões de acordo com o que surgia. - expliquei enquanto secava uma lágrima teimosa. -- Foi tão aterrador que percebemos que estava nos afetando como casal, então nós resolvemos pausar as tentativas enquanto eu gravava o álbum orquestrado, pra respiramos um pouco. - suspirei, me dando conta que eu nunca me abri dessa forma pra tantas pessoas ao mesmo tempo. -- Foi a melhor decisão com toda certeza porque tivemos um tempo pra nós, pra entender se era realmente isso que queríamos...mesmo diante de toda a dificuldade que poderia vir. - recostei na cadeira e olhei pra eles. As sensações indo e voltando sem eu conseguir controlar ou entender direito. -- A gente conversou muito, fomos sinceras uma com a outra e por isso tentamos novamente. Porque compreendemos que ter um bebê é o que queremos, apesar dos pesares. Nós estamos realmente apaixonadas pela ideia de ter um filho, compartilhar essa dádiva tão singular da vida. - olhei pro meu sogro novamente. -- Rafa não me disse nada, mas eu sinto que ela organizou essa viagem porque sabia que iríamos tentar novamente e queria todos por perto. - revelei. -- Rafa queria a paz e o conforto que ela sempre teve com vocês. Eu sei que a todo instante a possibilidade de não poder ter um bebê passa pela cabeça dela. - senti as lágrimas querendo escapar. -- Ela morre de medo de não conseguir e o motivo dela ter escolhido vir pra cá e reunir todos nós é que ela quer apoio, quer sentir que tá segura. - soltei uma risada triste. -- Mas olha pra nós...além dessa situação do Tato, até agora ela não recebeu nenhum acolhimento do senhor e da dona Genilda. Nós somos importantes pra ela, mas vocês são as três pessoas que ela mais ama no mundo e não estão sendo gentis e compreensivos com ela. Chegamos e tudo isso estourou bem na nossa cara. Ela tá desolada e eu tô muito cansada. - suspirei novamente. A mesa inteira me olhava num misto de compreensão, tristeza, culpa. Sendo sincera, eu não me importava com os sentimentos deles naquele momento. -- Sei que normalmente eu não divido o peso das coisas ruins com ninguém, é o meu jeito. Normalmente precisam abrir minha concha pra eu falar dos meus sentimentos negativos, mas nesse momento não se trata de mim...é especialmente sobre ela. - meu pai já deixava umas lágrimas caírem. -- Não sei se consigo sozinha segurar essa barra, provavelmente não. Por isso tô me colocando nessa posição e pedindo a ajuda de vocês. - vi o olhar da minha irmã mudar. Ela sabia que eu não fazia esse tipo de coisa. Pedir ajuda era algo muito raro pra mim. -- Até ontem eu tinha certeza que era capaz de ser tudo pra Rafa, mas isso é bobagem, ela precisa de vocês, da família dela. Eu não posso fazer isso sozinha. - e as lágrimas que eu prendia caíram. Minha irmã levantou e sentou na cadeira da Rafa. Senti como ela me abraçou de lado toda sem jeito por conta da posição. Um silêncio sepulcral tomou conta daquela chácara sempre tão ruidosa.

-- Eu...não sabia de nada disso. - meu sogro disse com a voz emocionada, ele parecia envergonhado, mas ainda um pouco perdido por tantas informações. -- Não encare como uma cobrança, mas não tinha jeito de saber com cês escondendo da gente.

Neguei enquanto afastava Cat com carinho pra continuar essa conversa de tantos espectadores.

-- Vocês parecem um cachorro correndo atrás do próprio rabo, seu Tião. - quase gritei e vi seus olhos arregalarem. -- Nós não escondemos de vocês, pelo amor de Deus! - minha voz saiu irritada e vi como a expressão do homem mudou completamente. -- O que a Flavina disse era totalmente verdade. Rafa queria engravidar e contar pra vocês como uma surpresa, como qualquer filha conta pros pais. Qual é o grande crime nisso? Me diz! Ela não fez isso para esconder, não era um segredo sujo. Não teve maldade porque jamais imaginamos que vocês agiriam dessa forma patética. - ele engoliu seco. -- Acontece que a vida da gente é cheia de acontecimentos inesperados. Quem nunca foi surpreendido na vida? Nós fomos! As coisas foram acontecendo sem que pudéssemos prever. - confessei. -- A partir de certo ponto a Rafa não queria preocupar vocês e tampouco colocar mais pressão em cima de si mesma. - defendi. Minha voz aumentando. -- Ela não queria que toda a atenção ficasse sobre ela e certamente não fazia ideia de que uma escolha íntima nossa tivesse que ser aprovada por vocês ou por qualquer pessoa. - ele abaixou a cabeça. -- Eu admiro demais a ligação da família de vocês, mas não somos um culto, uma irmandade, somos uma família e no meio disso somos um casal, um casal que toma suas decisões sem precisar do aval de um clã. - suspirei tentando me conter. Eu sentia meu corpo tremer de nervoso e ira. -- O que vocês fizeram a Rafa passar hoje depois de tudo que ela vem sofrendo é injusto. Sinceramente, me perdoe, mas tendo sofrido junto com ela nas últimas semanas, o comportamento de vocês beira o desrespeito. - percebi que ele limpou os olhos. -- Só não sugeri que fôssemos embora porque sei que afastar vocês jamais será a solução, que só vai piorar os sentimentos dela e toda essa situação que não deveria sequer estar existindo.

-- Nós não sabíamos e en...

-- Seu Tião...- cortei, falando um pouco mais alto do que ele. -- Nós não temos que pedir permissão pra vocês. Nós não temos que contar tudo pra vocês. Nós não precisamos que vocês concordem com nossas escolhas. O senhor entende isso? - ele suspirou e assentiu devagar, parecendo extremamente envergonhado. -- Vocês precisam nos respeitar. É simples. Rafa e eu estávamos absurdamente felizes e otimistas quando chegamos aqui, mas vocês tiraram toda essa energia questionando nossas decisões como se fossem capazes de nos fazer mudar de ideia ou mandar nas nossas vidas.

-- Filha! - minha mãe zangou e eu a olhei de um jeito tão chateado que a fez amuar na cadeira.

-- Eu cansei de tentar ser compreensiva e evitar conflitos. - expliquei enquanto limpava minhas lágrimas. -- Rafa saiu destruída daqui e não vou permitir mais isso. Ela ama vocês. Demais. Tudo que ela quer é o apoio dos pais nesse momento. Ela queria reunir todos e contar do pedido, contar que estamos noivas, que vamos casar. Acontece que vocês destruíram esse momento pra ela...pra nós. - neguei. Uma raiva que não faz parte de mim tomando conta. -- Eu nem tive a chance de contar eu mesma pros meus pais. Vocês me tiraram isso. - neguei, me dando conta do que realmente aconteceu no dia de hoje sem que eu percebesse. -- Me desculpem...- meus pais negaram como se eu não tivesse porque me desculpar. Meu coração começou a bater forte e mais forte. Fechei os olhos sabendo que todos estavam sem reação pra tudo que eu vomitei. Eu não era assim. Minha cabeça latejando. -- Ela só quer contar que está grávida pra vocês e sentir em retorno a felicidade de quem ela ama. - abri os olhos e foquei no meu sogro. -- Agora ela provavelmente pensa que não será uma notícia feliz pra vocês de forma alguma.

-- Isso não é verdade. - ele afirmou com a voz trêmula e eu encolhi os ombros enquanto levantava da cadeira.

-- Nesse momento, é difícil acreditar, mas ainda é tempo de vocês conseguirem mudar isso. Não por mim, por ela. - desfoque dele e olhei pra todos sentados naquela mesa. -- Me desculpem pelo desabafo, por terem de ouvir tudo isso e presenciar esse momento tão raro meu, mas eu não sinto muito por ter dito tudo que eu disse. Eu sempre deixei claro que amo a Rafa com todo o meu coração e não poderia deixar de falar tudo isso. Ninguém mais vai tratá-la assim. As coisas já estão sendo muito difíceis pra ela e eu não vou deixar que ninguém a magoe, não importa quem. - suspirei e olhei pra Flavina. -- Qualquer coisa, eu tô no quarto de hóspede no final do corredor.

-- Tá tudo bem com vocês? - Dani mostrou preocupação.

-- Rafa só precisa de um pouco de espaço. - ela assentiu e eu dei um beijo na minha irmã, pra depois me despedir e sair daquele lugar. O que eu deixava pra trás? Eu não sei, mas não estava me importando.

***

Algo me despertava aos poucos. A sensação gostosa passando por meu corpo e à medida que eu tomava consciência do que estava acontecendo, um sorriso abria no meu rosto.

Eu podia sentir. Sua boca quente e molhada nas minhas costas, na minha nuca, nos meus ombros. Meu corpo todo arrepiado com seu braço firme ao redor da minha cintura.

-- Sei que tá acordada, amor...- sua voz soou baixinha e rouca no meu ouvido. Mordi o lábio fortemente pelas sensações que me causou. -- Vai me explicar porque acordei sozinha, hm?

Minha mão passeou por seu braço, buscando sua mão. Um carinho leve sobre a pele macia dos seus dedos.

-- Não sabia ao certo quanto tempo eu deveria ficar longe. - minha voz saiu rouca, o sono ainda parte do tom. Escutei imediatamente uma risadinha nasal bem ao pé do meu ouvido e arrepiei novamente.

Ela sentiu. Seu nariz passou levemente no meu pescoço e Rafa deixou um beijo demorado próximo ao lóbulo da minha orelha.

-- Me desculpa. - sua boca ainda na minha pele, abafando o som. -- Apaguei tão rápido que nem acreditei, mas adivinha? - seu braço apertou ainda mais ao redor da minha cintura. -- Eu Sonhei com você, pequena - e outro beijo demorado foi deixado, agora no meu pescoço. -- A gente tava numa praia. Cê tava linda toda sorridente e dançando pra lá e pra cá igual cê fica quando tá bêbada. - ela riu como se estivesse lembrando a cena. -- Eu não conseguia parar de olhar pra você.

Meu sorriso podia rasgar o rosto. Depois de tudo que aconteceu durante o dia, era tão bom estar aqui desse jeito, ouvindo sua voz leve, descontraída e feliz.

-- Amor? - insistiu diante do meu silêncio e eu girei devagar pra logo vê-lá sorrir ao olhar pra mim. Será que meu coração nunca vai deixar de errar batidas com esse sorriso? -- Tá com sono ainda? - seus dedos começaram a acariciar meu rosto. -- Eu deixo cê dormir mais um pouquinho.

Neguei enquanto segurava seu rosto e diminuía a distância entre nós. Rafa foi afoita para me beijar, mas eu desviei, mordiscando seu maxilar.

Minha noiva (noiva!) me olhou como se eu fosse tudo que ela deseja no mundo e buscou novamente a minha boca, dessa vez conseguindo um beijo lento, quente e bem familiar para nós. Era tanto amor e cuidado pairando em cada ato que tornava quase impossível não sentir que fazíamos parte de algo realmente excepcional. Talvez nós duas separadamente estejamos longe disso, mas juntas, sem dúvida, somos o extraordinário.

-- Sabe o melhor de tudo? - perguntou com a boca ainda na minha, continuando a me beijar. -- Acho que era o dia do nosso casamento...- abri um dos olhos em diversão, enquanto ela ria levemente pela minha expressão e não parava com os beijos na minha boca. --...Eu amei a sensação de liberdade que eu senti com o vento batendo. - ela riu como se pudesse sentir aquela liberdade nesse exato momento, comigo. -- Acordei e ainda podia sentir o vento batendo no meu rosto, o cheiro do mar...meu coração tava pulsando de felicidade. - de repente, ela se afastou e olhou pra mim como se eu fosse seu tudo. -- Cê acha que pode ter sido uma espécie de revelação do nosso futuro? - abri e fechei a boca pensando na possibilidade. Eu tinha acabado de acordar e meu cérebro ainda estava em outro ritmo.

-- Acho que...sim?

Ela sorriu largo e eu fiquei imediatamente feliz por ter concordado.

-- Ótimo! - e juntou nossos lábios duas vezes, super animada. Eu não estava entendendo muito bem de onde ela tirou tanta energia e como a Rafa que saiu daquela sala de jantar era essa mesma Rafa de agora. -- Acho que vamos optar pela praia então. Cê concorda?

Eu estava um pouco perdida, pra dizer o mínimo.

-- Eu amo praia! - ela assentiu com um sorriso gigante.

-- Então vai ser isso. Cê se importa se eu escolher as flores e cores? - pisquei algumas vezes tentando entender o que estava acontecendo ali.

-- Não...- ela me beijou novamente. -- Princesa? - murmurei na sua boca e Rafa me olhou em expectativa. -- Tá tudo bem? - seu semblante mostrou que ela não entendeu a pergunta. -- Você não estava muito bem agora há pouco no jantar e de repente tá toda serelepe...perdi alguma coisa?

Ela riu. Dessa vez alto, os olhos brilhando. Sorri junto sem sequer saber o motivo.

-- São quase 11h da manhã, amor. - meu queixo caiu em total incredulidade e ela gargalhou.

-- Que? - eu estava chocada. -- Você só pode estar brincando comigo, Rafa.

Ela negou ainda rindo.

-- Pelo jeito cê precisava bem mais que eu de boas horas de sono, pequena. - e me beijou pra logo enfiar o rosto no meu pescoço. Seu lugar preferido no mundo. O que eu estava perdendo?

Minha cabeça girou por algum tempo. O cérebro trabalhando nas possibilidades após aquele desabafo que fiz para todos de um jeito tão impulsivo e sincero.

Suspirei, seu corpo aquecendo o meu, sua respiração na minha pele. Talvez eu possa me arrepender das consequências de ter aberto tanto o meu coração, mas não me arrependo de ter feito isso. Eu precisava. Estava preso, engasgado, estava me fazendo mal tentar ser paciente e evitar conflitos quando o comportamento dos pais da Rafa estava tão contrário à tudo que eu sei que eles são como pessoas e como família. Eles não são pessoas ruins, fechadas, duras...ao contrário, muito ao contrário.

-- Acordei do sonho era bem cedo ainda...- contou. Eu sabia por seu tom que havia algo que eu precisava saber além do fato dela ter acordado cedo demais. --...te procurei na cama e nada. Fiquei preocupada quando vi que tinha amanhecido e cê não tava ali. - ela deixou um beijo no meu pescoço como se precisasse garantir que agora eu estava com ela. --...fui nas varandas ver se você tava em alguma rede dormindo, daí lembrei que esse quarto tava vazio porque Mar não veio ainda e óbvio que cê tava apagada. - ela soltou uma risadinha. --...tava dormindo tão pesado e parecia precisar tanto que eu fiquei com medo até de me aproximar, resolvi comer alguma coisa e tomar um chá antes de te chamar...- senti seu corpo movimentando e ela sentou no meu quadril. Percebi que seja lá o que fosse, Rafa queria que tivéssemos algum tipo de conversa mais séria agora. -- Encontrei a mãe sentada na mesa da cozinha... - Ok. Foi instantâneo o sentimento de apreensão em mim. -- Ela parecia não ter dormido, estava com uma cara horrível e eu fiquei lá parada na entrada da cozinha sem saber o que fazer ou que dizer, mas quando eu tava pra abrir a boca e tentar explicar pra ela porque eu não contei sobre o bebê, o casamento ou as dificuldades que nós passamos por causa da minha endometriose, ela só me pediu desculpas. - franzi o cenho e ela me olhou com um carinho tão grande que eu não entendi. -- Eu também não entendi ela ter feito isso do nada, fiquei sem reação, mas tudo que eu pude pensar é que ela teve mais tempo pra refletir e ver as coisas com outros olhos. Só que não foi isso.

-- Não? - ela negou. -- O que foi então?

Seu sorriso foi crescendo e eu estava entendendo menos ainda.

-- Foi você. - meus olhos arregalaram.

-- Eu? - ela sorriu.

-- Uhum. - e pegou minhas mãos nas suas. -- Aparentemente você fez todo um discurso sobre como estava exausta pelos últimos meses...

-- Rafa? Eu não...

-- Tá tudo bem. - cortou. -- Eu também me sinto exausta às vezes.

Suspirei. Caramba. Ela ouviu tudo então?

-- A mãe ouviu tudo... - deu de ombros, como se pudesse ler minha mente. -- Ela contou que me viu passar desolada pro quarto e que foi atrás de ver na sala de jantar se tinha acontecido algo...então ela ouviu você. - Rafa suspirou enquanto encolhia os ombros. -- Te ouviu contando das situações que passamos e como isso nos afetou. - sua voz quebrou um pouco. -- Ouviu sobre o fato de eu morrer de medo de não poder ser mãe e como isso tá mexendo comigo. - ela parou e me olhou por alguns segundos. -- Ouviu cê confessando que não consegue segurar essa barra sozinha...- senti o coração parar. --...porque sabe que não pode ser tudo pra mim, porque preciso da minha família. Ela ouviu, Manu. Ouviu você defender nossos planos e nosso direito à privacidade, mesmo deles.

-- Ela quer me matar? - brinquei pra quebrar o clima sério que se formou e Rafa negou com um sorriso.

-- Não, mas pensou nisso quando cê sugeriu que poderia me levar embora.

Mordi o lábio envergonhada. Ela riu.

-- Eu disse que não era a solução, meu bem...- expliquei.

-- Não é, mas ninguém poderia te culpar se cê tivesse me pedido pra irmos embora...e cê não fez isso mesmo preocupada comigo e irritada com eles, por isso eu pedi pra você casar comigo, por isso eu sei que errei a vida toda antes de te encontrar...

-- Porque não quero te afastar da sua família?

Eu estava confusa.

-- Porque além de pensar em mim pra tudo, cê sempre leva em consideração como eu vou me sentir em cada puta situação...Foi por esse motivo que eu te perdoei por cada escolha que cê fez sozinha, porque no fim cê não fez nenhuma dessas escolhas pensando em você, só em mim. - e deu de ombros enquanto eu me surpreendia com a revelação. Eu não fazia ideia que esse era o motivo pelo qual ela sempre me desculpou. -- Cê pode ser completamente idiota às vezes, Manoela...mas ninguém nesse mundo me amou com tanta empatia, muito menos de um jeito tão bonito. - senti minhas bochechas queimarem e ela prendeu o riso. -- Minha mãe vê isso também. Ela continua achando que é cedo...- revirei os olhos e ela riu. -- Mas disse que vai nos apoiar e será a avó mais feliz do mundo quando essa criança nascer...e sabe porquê?

Meus olhos estavam cheios. Parte alívio, parte emoção, parte felicidade.

-- Porque ela é sua mãe e te ama mais do que tudo nessa vida?

Rafa negou. Percebi como ela estava prestes a chorar nesse momento. Seus olhos grudados nos meus, suas mãos segurando as minhas com mais força.

-- Porque é com você que eu vou ter um bebê. - Oi? -- Isso mesmo que cê ouviu. - confirmou com um sorriso emocionado. -- Dona Genilda disse que jamais viraria as costas pra mim, mas que percebeu depois te ouvir...que eu tinha razão, que ninguém mais nesse mundo seria a pessoa certa pra ser a outra mãe do meu filho, e que provavelmente é realmente cedo demais...- algumas lágrimas caíram e ela limpou com um meio sorriso. --...mas que ela acredita que cê vai fazer dar certo porque é tudo que cê tem feito desde que nós duas nos apaixonamos. - sorri sentindo o coração disparar. -- Fazer dar certo é o que cê tem feito de melhor, não importa o quê ou quem tá contra, é isso que cê pegou pra ser responsabilidade sua na nossa relação e ela acha que eu tenho sorte, muita sorte...porque tenho você. A mãe acha que cê tem sido a minha sorte na vida. - Rafa sorriu em meio às lágrimas. -- Ela tem certeza absoluta que cê é a grande força do meu destino, sempre ali comigo, doando tudo de si, mesmo quando isso significa apertar um idiota numa festa lotada de paparazzi, viajar pra África, abrir mão da série autoral que cê sempre sonhou, diminuir os compromissos profissionais, deixar São Paulo pelo Rio, abraçar o sinal de Deus pra eu ter um bebê...- a essa altura ela já não conseguia limpar as lágrimas que caíam e eu tinha sérias dificuldades para segurar as minhas. -- Minha mãe te ama, Manu...e te admira tanto que eu deveria sentir ciúmes, mas tudo que sinto é orgulho...não sei bem se por ela conseguir enxergar o ser humano inacreditável que cê é ou por você ser esse ser humano lindo e essa noiva incrível que meus pais respeitam e amam. - deixei as primeiras lágrimas caírem e ela sorriu com ternura, esticando o corpo para me ajudar a secar o rosto e me beijando repetidas vezes.

-- Desculpa...- resmunguei. -- Não tava tão preparada pra essa montanha russa de emoção...acabei de acordar. - ela riu e se afastou um pouco. O sorriso lindo lá, junto com aquele brilho que faz os verdes dos seus olhos saltarem em uma tonalidade única.

-- Não tenho o que desculpar. - o tom era carinhoso, mas firme. -- Eu que peço desculpas pelo comportamento dos meus pais e agradeço por ter dito todas essas coisas pra todo mundo...eu não sei como te agradecer, amor.

-- Sua mãe iria te apoiar cedo ou tarde...

-- Não. - afirmou com propriedade. -- Eu sei que não. Foi por causa disso que eu me fechei ontem e que saí da mesa daquele jeito, eu não sabia o que fazer.

-- Rafa, seus pais são doidos por você e eu tenho certeza que eles logo dariam o braço a torcer, eu só não tinha mais energia pra ficar pisando em ovos até esse dia chegar.

Rafa só negou, o semblante um pouco mais sério e pensativo.

-- Ela jamais te contaria isso, mas...- Rafa respirou fundo, como que buscando coragem e eu semicerrei os olhos. -- Eu não fui totalmente sincera com você.

Franzi o cenho sem entender.

-- Do que tá falando?

Percebi suas mãos um pouco suadas nas minhas e acho que parei de respirar aguardando o que ela teria pra dizer.

-- Depois de perder o segundo bebê, eu fui ao médico...

Meus olhos saltaram.

-- Rafa?

-- Eu sei, eu sei...mas eu só...eu não queria aceitar que pudesse ser verdade.

-- O que ser verdade?

-- Que eu não poderia ser mãe.

-- O que? - praticamente gritei e Rafa pulou assustada. Um silêncio preencheu o quarto. -- Um médico disse que você não...?

-- Era um médium na verdade...

Eu ri. Porra!

-- Um médium? - ela me deu um tapa pelo tom debochado que usei.

-- Nós acreditamos em mediunidade, Manoela. - zangou.

-- Eu também, mas puta que pariu, que porra de susto que você me deu.

Ela me olhou por instantes.

-- E se for verdade, Manu? Minha mãe acha que é.

-- Vem cá! - ela se aproximou do meu rosto, e eu segurei o seu com as duas mãos. -- Você pode engravidar, amor. Eu sei que sim. Eu sinto.

Seu sorriso abriu lentamente. Os olhos nos meus.

-- Sabe o quê? - neguei. -- O maior medo da minha mãe quando descobriu sobre estarmos tentando, era o que seria da minha frustração por não conseguir engravidar e a possibilidade disso acabar com o nosso amor ou com a nossa relação. - ela riu como se achasse graça de algo. -- Ela tava preocupada com a gente, mas no fim só resolveu apoiar porque acredita muito mais no fato de cê fazer tudo dar certo pra gente do que nos poderes do médium com quem se consultou a vida toda.

Eu ri.

-- Isso não é possível, Rafa...

-- Tô te falando!

-- É muita responsabilidade ser...como que é? A força do seu destino...- brinquei e ela soltou uma risada.

-- Só me promete uma coisa? - olhei atenta. -- Se por acaso eu não conseguir mesmo ter um bebê, não deixa eu me perder de mim...nem de você.

-- Meu amor, isso não vai acontecer.

-- Me promete, Manu.

Suspirei, revirando os olhos.

-- Eu prometo, sua teimosa.

Ela riu, pra logo me beijar.

-- Seu pai também tá de boa?

-- Aparentemente, sim. Ele não falou nada sobre o assunto, só respirou aliviado quando viu a mãe e eu conversando sobre as obras da chácara.

-- Ele tava preocupado com a sua saúde. Seu Tião tem esse jeito dele, mas ele é tão amoroso com você. Fala com ele, amor.

Foi a vez de Rafa revirar os olhos.

-- No caso dele acho que é só falarmos que vamos casar antes do bebê nascer. Ele se importa demais com essas coisas mais tradicionais.

-- Porque você não disse pra ele logo então, mulher? - resmunguei sem entender.

-- Porque quem decide isso somos nós, não é da conta dele o que vamos fazer.

-- Sério?

-- Ele é precisa entender que nós não somos tradicionais. Não vou usar nosso casamento como se estivéssemos fazendo essa escolha porque ele acha que é o mais correto.

-- Isso lá é hora pra militar, Rafaela?

Ela riu.

-- Manu? Eu tô falando sério.

-- Eu também. Ele não tá preocupado só com isso. Seu Tião é o contrário da sua mãe. Ele acha que nosso casamento vai terminar e você vai ficar com um filho pra cuidar.

Ela sorriu toda boba.

-- Nosso casamento, é? - eu ri. Senti meu rosto queimar.

-- É...no futuro.

-- Em seis meses!

-- Quer mesmo casar comigo em seis meses?

-- Manu?...eu casaria amanhã se pudesse.

-- Você pode. - ela riu e meu beijou.

-- De jeito nenhum que vou abrir mão de tudo que eu tenho direito.

-- Mas você casou antes...infelizmente.

-- Exatamente. É a primeira e única vez que eu vou casar sentindo tudo isso que sinto por você...então tem que ser especial do nosso jeitinho.

Meu sorriso abriu tão largo que Rafa riu.

-- E como é isso que você sente por mim? - Rafa levantou a sobrancelha em diversão.

-- Confuso. -- eu ri e ela me acompanhou. Que filha da puta.

-- E vai casar comigo porque te deixo confusa?

-- Deixa de ser idiota, Manoela. Cê sabe muito bem o que eu quis dizer.

-- Ahnnn...não sei, não. - ela suspirou parecendo buscar palavras.

-- É confuso porque eu nunca me senti tão segura de mim mesma antes, mas às vezes eu me sinto perdida em você. Jamais me senti tão livre, mas ao mesmo tempo sinto que sem você não faz muito sentido. É confuso, entende? Mas nunca foi tão confuso e tão bom.

Sorri e a beijei. Rafa sorriu no beijo e aquilo mexeu com algo muito profundo dentro de mim. O amor é louco demais. O único sentimento nessa vida que faz com que apesar dos problemas que nunca faltam, a gente escolha a mesma pessoa todas as manhãs pra continuar caminhando junto.

-- Não sei se sua mãe tá certa sobre esse negócio de destino, meu bem...mas nesse exato momento, sinto que não importa o que a gente venha a enfrentar, não tem nada capaz de nos separar.

A mulher que eu amo sorriu largo e me beijou repetidas vezes em um misto de carinho e animação.

-- Nós somos um time agora, indivisível.

Suspirei sentindo uma paz me invadir. Rafa tem razão, de fato chegamos nesse ponto. Não perdemos as nossas características individuais, mas amadurecemos o suficiente pra balancear nossas personalidades, desejos, planos.

-- Como minha família tá? - lembrei deles de repente e ela riu.

-- Seu pai e meu pai saíram pra comprar as bebidas e as carnes pra mais tarde. - olhei surpresa. -- Eles também vão contratar um churrasqueiro, conhecido nosso aqui da cidade. - sorri com a sua animação repentina. -- Flavina resolveu que merecemos uma comemoração mais animada de noivado, segundo ela um jantar é muito caído pra essa família doida. - eu ri. -- Normalmente, o Tato cuidaria dessa parte, mas ele ainda não apareceu.

Senti um aperto no peito ao lembrar dele. -- Ele te respondeu?

-- Não teve saída, né? - confessou. -- A mensagem que mandei foi bem profissional. - suspirei sem acreditar nessa situação. -- Mandei pra Mar a mesma coisa que enviei pra ele. Ela ficou apreensiva, mas expliquei que precisamos sentar os três e definir como será daqui pra frente. - Rafa suspirou parecendo irritada. -- Do jeito que tá, não pode ficar. Ele é meu irmão e eu o amo, mas ao mesmo tempo ele trabalha pra mim e eu preciso saber se posso contar com ele.

-- Você sabe que pode.

Ela negou. -- Meu irmão sabe que eu não consegui engravidar da primeira vez, eu contei que iríamos tentar quando voltássemos...ele sequer me mandou uma mensagem perguntando se tudo estava bem, se eu estava bem. Meu irmão, Manu...jamais deixaria de perguntar. Então, eu não sei. - e suspirou tristemente. -- Mar falou que ele deixou de assinar uns contratos importantes também, que era pra ele ter retornado as ligações dela ou os e-mails e ele sumiu. Eu tenho 04 contratos com empresas de grande porte pendentes porque precisam da assinatura dos dois pra validar.

Suspirei. Que merda.

-- Vai dar problema pra você se ele não aparecer?

-- Acho que ele vai aparecer, mas caso não, eu mesma assino. - deu de ombros. -- Só vão ter que enviar outro contrato.

Neguei.

-- Como tá seu coração com isso?

Ela mordeu o lábio e olhou pra baixo por alguns segundos. Meu coração quebrou por notar como isso estava doendo pra ela.

-- Péssima. - confessou. -- Acho que se eu ainda fosse a mesma de antes, já teria transformado a vida dele num inferno só de raiva.

Eu ri. Ao menos um escândalo ela com certeza já teria feito.

-- Mas você não fez nada por enquanto...

-- Não. - encolheu os ombros. -- Eu não quero piorar as coisas pra minha família. Dani tá sofrendo, Sofia tá com saudade, Mar tá ficando sem saber o que fazer em alguns aspectos, meus pais querem dar uma surra nele...- nós rimos. -- Eu tô tentando ver pelo lado dele, amor. Não acho que justifique, mas eu posso entender.

-- Pode? - ela assentiu.

-- Quando a gente era pequeno ele sempre levava a culpa por toda a merda que eu fazia. Ele sempre me protegeu porque sempre achou que seria ele a levantar nossa família. Diferente de mim naquela época, o Tato tinha o sonho de se formar e seguir a carreira dele, mas a gente não tinha dinheiro pra investir. Foi quando tudo começou a acontecer pra mim e não pra ele. A grana só começou a entrar quando eu comecei com os meus trabalhos. No início era pouco, mas já estava ótimo, porque a gente foi tendo as nossas coisas. Os trabalhos foram aumentando, fomos mudando de vida, ele teve a oportunidade de se formar porque eu tinha dinheiro pra bancar. Todo mundo da família que trabalhava pra mim era de um jeito informal, e daí tivemos o primeiro problema por isso. Ele sentia que eu fazia favores pra eles, que não era como um pagamento. Eu não fiquei feliz com isso, mas a gente optou por regularizou tudo do jeito que dava. Óbvio que depois do BBB a situação deu uma guinada absurda e nós organizamos mais ainda, viramos uma empresa. Agora tá tudo certinho, mas ele sempre sentiu que ao invés de um trabalhador era só o irmão da Rafa. Ele sempre teve dificuldade com isso, pra ele ninguém o reconhece profissionalmente, como se ele fosse um encostado na irmã famosa e rica. Eu já fiz tudo que podia, ele tem vínculo empregaticio, carteira assinada, benefícios. Ele e todos da família que trabalham pra mim são pagos pelo trabalho deles, não é esmola.

-- Uma empresa familiar é sempre complicada, meu bem.

-- Eu sei, mas nós sempre fomos unidos apesar dessas rusgas. Depois que nós crescemos de um jeito surreal pós BBB, ninguém coloca problema em nada, só ele. O motivo? Tato cisma que não tem merecimento dele no que ganha, cisma que tudo gira em torno de mim, até o amor dos nossos pais.

-- Eu nunca percebi isso.

-- É que depois que eu me apaixonei por você, apesar dos tantos planos e projetos que nossa empresa colocou em prática, deixei que ele ficasse à frente dos negócios. Querendo ou não, ele sentiu que estava gerenciando toda a empresa, mesmo que estivesse longe disso. Eu posso ter esse meu jeito, mas sempre fui muito organizada e correta com as coisas da empresa.

-- Você ter um filho muda o que nisso?

-- Ele sabe que com a gravidez vou me afastar um pouco da carreira de atriz e focar mais na minha empresa, na minha marca.

Suspirei.

-- Acho que tudo isso pode somar pra ele, mas não acredito que o Tato esteja agindo assim por isso.

-- Pelo que então?

-- Porque na cabeça dele, você ter um filho, coloca fim na única coisa que ele tem e você não...uma família.

Rafa abriu e fechou a boca algumas vezes.

-- Tá falando sério? - assenti.

-- Eu sei que é egoísta porque ter um bebê é algo que o Tato sabe que você quer muito, mas às vezes a gente cresce com um trauma e desenvolve certezas internas e comportamentos muito tóxicos por conta deles.

-- Não é culpa minha. - defendeu-se.

-- Não estou dizendo que seja, mas seu irmão te ama e sempre fez tudo que podia pra você ser feliz e se dar bem na vida. Não é justo você dizer como se ele fosse um mero funcionário.

-- Eu não fiz isso.

-- Você fez. - ela trincou os dentes e eu quis rir. -- Ele pode ser um trabalhador na sua empresa, mas é muito além disso. Tato sempre esteve ao seu lado, trabalhou por você, pelo bem da família de vocês. Essa empresa é sua e você tem todo o mérito nisso, mas é dele também, que ajudou em tudo quando você não fazia ideia de como fazer...

-- O que tá querendo dizer, Manu?

-- Que é muito fácil pra você se colocar no lugar de apontar dedos e afirmar que tudo tem a ver com poder e dinheiro. Não tem, Rafa. - ela bufou. -- Pode ser que nem seus pais e nem você fizeram qualquer coisa pra ele se sentir assim, mas talvez ele sinta que você sempre foi o centro de tudo porque de fato você sempre foi, amor.

-- Manu, eu n...

-- Rafa! - cortei. -- Você é a provedora da família toda. Tudo que seus pais têm, que o Tato tem, que a Marcela e a Flavina têm...tudo veio de você. - ela mordeu o lábio pensativa. -- Isso não é ruim, muito pelo contrário, que maravilhoso que você pôde possibilitar tudo isso pra eles, mas pesou pro Tato porque talvez ele tenha se limitado pra te ajudar a crescer, e agora o único trunfo que ele tem vai deixar de existir.

-- Uma família? - assenti.

-- Desde que conheci sua família, ficou bem claro como às vezes eles separavam vocês entre a galinha dos ovos de ouro que nunca teve sorte no amor e vivia dando coice em todo mundo...e o menino prodígio de família, centrado e inteligente, que sempre foi amoroso e esteve ao lado da irmã, lutando por seu sucesso mesmo que tivesse de ficar longe da sua esposa e filha por meses.

Ela riu. -- Nunca percebi que éramos tão caricatos assim.

-- Com o tempo as coisas foram mudando.

-- Cê acha que a mãe e o pai ainda veem desse jeito?

-- Não. Você amadureceu, Rafa. A empresa cresceu. Muitas coisas mudaram de lá até aqui.

Ela assentiu pensativa.

-- Pelo que cê disse, vou ter que ir além do que tava imaginando...

-- Provavelmente. - Rafa suspirou pesadamente. O corpo caindo completamente em cima do meu.

-- Acha que tô pronta? Que a Mar e a Flá estão prontas?

Busquei seus olhos e assenti com um sorriso encorajador.

-- Vocês fazem isso há anos e as meninas arrasam demais. - ela sorriu, sabia que eu tinha razão. -- Eu sei que dá medo, mas é o que falamos pros seus pais ontem...se for pra pensar em estar ou não prontas, vocês nunca vão resolver isso de vez. Todas vocês estão em uma situação cômoda, vão ter que fazer mudanças, mas vai dar certo.

-- E se ele ficar ainda mais magoado?

-- Ainda assim você vai estar fazendo o que é certo.

-- Dar pro Tato uma segunda chance?

Neguei. -- Dar pra vocês dois uma segunda chance.

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Muitas coisas aconteceram nesse capítulo, embora teoricamente tenhamos apenas duas grandes cenas. entenderam o que vai rolar?

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ENCONTROS By K.

Fanfiction

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