Gente, me perdoem, nesse capítulo vou ter de assumir a narração em terceira pessoa em certo momento. Será brusco, porém necessário. E a respeito da medicina citada aqui: nem tudo condiz com o limite da tecnologia da época, mas eu conferi informação por informação para se tornar o mais fiel possível, dito isso, não garanto estar livre de erros.
Eu o beijei, beijei e beijei mais um pouco. Não teria parado tão cedo se não tivesse sido interrompida por meus pais. Minha mãe e Becky pulando em gritinhos de comemoração e meu pai com as mãos no bolso, tentando decidir se sentia incomodado ou emocionado por sua filha estar tão crescida.
Sorri, segurando a mão de Damian e sentindo o meu estômago se embrulhando e o coração acelerando enlouquecidamente. Senti as borboletas agitadas, o farfalhar e os arrepios que se espalhavam por meu corpo. Tudo vinha como um turbilhão de informações e eu não me importava de processar nenhuma delas, somente ele.
Virei o rosto e notei o rubor incontrolável que tomava o rosto de Damian. Ele ajeitava a gola da roupa, afrouxava a gravata e arrumava de novo, olhando para nossas mãos unidas. Me sentia ofegante, como ele também devia estar. Incapaz de conter um sorriso.
Voltei para a sala e comemos bolo de amendoim com doce de leite: tradicional das festas de aniversário em nossa casa. Eu não conseguia parar de rir, a alegria transbordava em meu peito. E pela telepatia e empatia eu podia ver que não era a única a usufruir da emoção.
Eu me empanturrei de bolo e me senti satisfeita e feliz. Mas então eu senti aquela sensação de dor crescente que tomava meu corpo lentamente. Mais um crise. Mais uma maldita crise.
Respirei fundo e sussurrei para que apenas Damian escutasse o que ocorria. Ele segurou minhas mãos e beijou minha testa e então foi discretamente pegar alguma coisa em sua mochila. Logo retornou à mesa e me entregou um comprimido por debaixo dos panos. Olhei para ele e para a pílula e percebi que aquele era meu remédio para dor.
Arqueei uma sobrancelha me perguntando como ele havia conseguido aquilo, e como se capaz de ler meus pensamentos ele sussurrou:
-- Guardei para caso você não se sentisse bem.
Me derreti. Que namorado incrível eu tinha!
n-a-m-o-r-a-d-o
Eu não cansava dessa palavra.
💭//°°
O sentimento do resto da noite havia sido de puro êxtase. Acordei empolgada, tanto que lavei e hidratei meu cabelo, perfumando meu corpo e passando meu uniforme. E não tirei meu colar do pescoço. Pensava e matutava, me perguntando como seria o dia.
Escutei o telefone tocar na sala e corri para lá. Atendi, e lá estava a voz inconfundível do meu namorado.
-- Anya, eu consegui uma consulta com o médico. Ele analisou os resultados e disse que precisa conferir umas coisas. Pode ser hoje à tarde? Resolvemos isso e vamos tomar um sorvete.
Respirei fundo. Boas ou más notícias, tudo combina com sorvete.
-- Okay, te vejo na escola. E obrigada pelo cuidado, azumi.
Desliguei em sua cara, sem saber como proceder após largar uma dessas. Fui até a cozinha onde minha mãe preparava um chá e deixava a casa empesteada com o cheiro forte. Ela acariciava a própria barriga e falava baixinho para o bebê. Sorri, imaginando que esse era um futuro bonito.
Sentei ao seu lado e expliquei com poucos detalhes que iria sair com Damian de tarde, depois da escola. Ela me olhou preocupada, mas no fim acariciou minha cabeça e me deixou sair. Peguei as sobras da festinha e fui lanchando no caminho da escola.
Cheguei na sala me sentindo a pessoa mais feliz do mundo. Puxei Damian para meu lado e sempre que qualquer frustração me roubava o ânimo, segurava o colar e de repente eu não me sentia mais triste.
Estar apaixonada é algo muito fod@. Nada tem muita razão, mas tudo parece ganhar sentido. E é intenso.
Só sei que quando cheguei na escola todos pareciam saber de meu namoro. Becky era uma linguaruda.
💭//°°
Depois da aula, esperei por Damian na porta, e logo ele chegou, segurando uma pasta com o resultado de meus exames. Entramos em seu carro e pedimos ao chofer que nos deixasse no hospital. O carro andava e a cada minuto eu ficava mais nervosa. O que o doutor Kraven diria a respeito de meus exames?
Me encolhi, ansiosa, e Damian pareceu ter notado minha agitação, pois segurou minha mão com força e me puxou para perto no banco do carro. Murmurou baixinho:
-- Vou ficar com você, independente do que aconteça, okay? Eu estou aqui.
Segurei firme e respirei fundo, mas temia o porvir.
Fomos até o escritório, e batemos na porta.
Escutei a voz abafada do médico do outro lado da porta, pedindo para entrar. Abri a porta lentamente, e vi Dr. Kraven sentado solene e encucado com algo que lia nos papéis de exame. Nos papéis de meus exames.
Ele indicou as cadeiras em frente a sua mesa, num convite para nos sentarmos, e assim que o fizemos, e ele disse:
-- Anya, por favor me permita ser bem direto.
Engoli em seco e segurei a mão de meu namorado por debaixo da mesa. Um tique nervoso se espalhou por minha perna, que tremia, e ele começou.
-- O teste de DNA para doenças genéticas estava incluído no pacote, e o que você tem está longe de ser uma doença. Na verdade, o seu DNA tem uma gama de informações a mais, como se tivesse sido moldado e programado para desenvolver características no útero da sua mãe, mas tenha saído do controle. – Ele colocou os óculos na mesa, e massageou a ponte do nariz, como se estivesse confuso sobre quando se meteu em uma confusão tão grande. Meu coração só faltava parar de bater. -- Tudo isso está muito vago, e vou precisar ir até à origem do seu problema: o cérebro, e tão faremos outros exames. De preferência, agora.
*Início da 3ª pessoa.*
Kraven os guiou até a sala do primeiro exame, sem lhes explicar exatamente o que seria. Damian acompanhava sua namorada e a monitorava, vigiando suas reações. Ela notou seu olhar e riu um pouco, querendo apertar suas bochechas por ser tão fofo quando preocupado. Por fim, comentou.
-- Não sei que exame ele pretende fazer, mas não me deixe escapar. Descobrir agora pode ser a diferença entre o tratável e o terminal.
Damian deu um sorriso.
-- Com sua autorização de agora sei que vou poder forçá-la a cuidar de sua saúde. Você tem o hábito de negligenciar ela, sabia? Me irrita muito.
Anya acabou rindo também, e sustentou a alegria até que entraram na sala. Só pelo maquinário ela entendeu.
-- Um eletro? – Anya perguntou em fio de voz. Não, ela não se submeteria a isso novamente.
O médico assentiu, e ela como se tivesse entrando em transe, começou a tremer, sem controle. Tampava os ouvidos e agarrava o próprio cabelo, desesperada. Não fazia nem menção de fugir, só tremia, e chorava, em conflito.
Não pensava mais nada, apenas chorava, desaprendera a falar. Damian agarrou seus ombros e tentou a chamar para a realidade. Gritou seu nome, mas ela não era capaz de distinguir os sons. Não parava de tremer, como um animal sendo levado ao abate. Como um cão revolvendo-se para escapar do enforco.
Seu namorado a pegou no colo e colocou na maca, dando beijinhos em seu rosto e a acalmando enquanto falava em sussurros. Quando sua respiração finalmente começava a regular, o médico acreditou ser a oportunidade ideal.
Passou o gel gelado e colocou o primeiro fio.
Ela voltou a se debater, descontando nisso uma força hercúlea, que causava comoção na mesma proporção em que a feria. Ela não era capaz de entender mais nada, apenas a vontade de escapar do passado que perseguia. Queria despertar de um sonho terrível.
Quando deu por si, Damian estava em cima dela, prendendo os braços que lutavam, e usando as pernas para prender seu tronco. Ele estava ofegante, tentando despertar ela do transe em que se enfurnou.
Finalmente Anya pode escutar a voz que clamava por seu retorno, e sentir as lágrimas quentes que caíam em seu rosto. Despertou do estupor, a respiração pesada e sofrida, sua consciência no limiar. Mas acordada.
Damian notou isso e deu um suspiro de alívio, abraçando-a com força. Deixou-a descansar um pouco antes de dizer.
— Como pôde me assustar assim? O que aconteceu?
Ela riu fraco, sentindo sua energia desaparecendo.
— Não sei, acho que só me perdi em uma época ruim.
Ele assentiu, embora não parecesse estar plenamente satisfeito com a resposta dela. Isso seria conversa para outro dia: hoje ela iria fazer os exames, e precisaria de disposição.
O médico deixou que ela tomasse fôlego e caminhasse a seu tempo. Deu um remédio para que ela adormecesse e quando o fez, iniciou os exames. Damian permaneceu bem desperto e não saiu de seu lado em nenhum momento, velando seu sono. Seus olhos não cansavam de apreciá-la.
Sua namorada.
Deixou escapar um sorriso involuntário, quem diria que seu amor de infância o corresponderia desse modo. Quis acariciar seus cabelos, mas permaneceu estático, querendo gravar a imagem dela para sempre. Tinha medo do que os exames mostrariam a eles.
Não queria perdê-la antes mesmo de poder tê-la.
O médico monitorava os registros e atividades elétricas do cérebro. Em certo momento, quando se deu satisfeito, virou-se para o menino e começou:
-- Você arranjou uma garota complicada. Mas vocês formam um casal muito bonito. Ela te olha com paixão, e você parece devolver o olhar com mesma intensidade. Me lembra da minha juventude.
Damian sentiu o rosto esquentar, à medida que o rubor subia. Ela e tudo relacionado a ela tinham esse efeito. Resolveu aproveitar a abertura para tirar algumas informações do médico a sua frente.
-- Doutor, o que acha que ela pode ter?
Ele cruzou os braços e inclinou a cabeça:
-- Difícil dizer. Mas o cérebro dela trabalha de forma diferente do comum, isso é fato. Talvez tenha um tumor pressionando uma área de grande atividade. Mas tudo é apenas teoria. No fim, tudo o que você precisa saber e fazer é apoiá-la. Ela vai precisar disso mais do que nunca.
O resultado do eletro saí rapidamente, mas o raio-X demora um pouco mais. Venha aqui semana que vem que vou te dar um diagnostico mais preciso.
Damian apenas concordou com a cabeça e voltaram ao silencio sepulcral.
💭//°°
Fizeram o raio-X com a rosada ainda desacordada, e após tudo estar terminando se despediram de Kraven para ir tomar sorvete.
Entraram numa boa sorveteria e pediram 3 bolas. Anya, que ainda estava meio sonolenta, despertou por completo apenas para apreciar sua seleção de sorvete de amendoim, morango e chocolate.
Damian guardou todo o diálogo com o Dr. para si. Ela já tinha tido aflições demais para um dia.
Isso provavelmente não vai ser dito ao longo da história, e como não se enquadra como spoiler, vou contar a vocês. Como um experimento, ela deveria ser mantida viva; ela era a mais eficiente até então, e seus pais tinham morrido, impossibilitando continuar a pesquisa. Mas havia um cientista que não se importava com seu bem-estar, e era justamente esse o responsável pelos eletros.
O exame em si não dói (por isso, a aqueles que precisarão fazê-lo, fiquem de boa.), este médico que era especialmente cruel com a Anya. Machucando-a e punido por seu mal comportamento, agarrando seus cabelos e forçando ela a fazer o que não desejava agressivamente. Como qualquer criança, ela associou o eletro a dor, e o temia.
Não é exatamente relevante, mas queria explicar para que vocês não ficassem totalmente perdidos quanto a essa crise de medo. Posso soar exagerada, mas mesmo eu, que nunca sofri ao fazer um eletro, fico desconcertada com o remoto pensamento de ter que fazê-lo, simplesmente porque foi um período ruim, e meu cérebro associou as informações. Mesmo que as vacinas não doam, eu tenho pânico, por essa mesma razão. Tem coisas que marcam, e ficam como cicatriz recente pra sempre.