POV. Yoongi
Eu estava em uma grande sala circular. Tudo ali era preto, inclusive o piso e o teto. A intervalos, havia portas pretas idênticas, sem letreiros, nem maçanetas, separadas por candelabros de chamas verdes. A claridade tremeluzente refletida no piso dava a impressão de que havia fogo verde no chão.
Não ousei me mover. Minha magia me envolvia num brilho pálido e roxo, me dando a certeza de que eu estava dentro da mente de Jungkook. Tinha funcionado. E agora eu tinha dez minutos para sair dali.
Podia sentir a presença do Nogtisune, espreitando, tentando me confundir. Me atrasar.
Não importava a porta que eu atravessasse, ele continuaria a me atrasar.
Com passos determinados, segui em linha reta. Encostei a mão na porta negra, era fria ao toque. Empurrei com força e fui jogado no meio de uma floresta.
Girei nos calcanhares. A sala sumiu. Árvores grossas se erguiam ao redor, parecia ser noite, mas eu não tinha certeza, a copa das árvores eram densas e estavam muito altas.
Era como estar em um sonho. O que eu pensava ser, de repente mudava. Baixei os olhos para minhas mãos cerradas em punhos, querendo controle.
Minha magia brilhou mais forte, enviando um sopro de sanidade. Ergui o olhar.
— Jungkook. - chamei.
O farfalhar das folhas carregou minha voz. Fundo. Cada vez mais fundo.
Então ouvi um cantarolar baixinho. Era Jungkook, cantando em voz suave, constante. Tentando se manter são na própria mente, onde quer que o Nogtisune tivesse prendido ele.
Dei alguns passos para frente, seguindo o som. Quanto mais eu andava, mais alta a voz ficava. Eu estava no caminho certo. Comecei a correr.
Não sabia quanto tempo tinha se passado. Podia ser segundos para mim, mas com a Raposa distorcendo o cenário ao meu redor, não dava para ter certeza.
Corri. Corri pelo pedido de Hoseok. Corri pelo medo de perder o amor de Jimin. Corri por Jungkook, a pessoa que não merecia nada disso. Eu também estava possuído, sabia como podia ser assustador.
Meus pés atingiram o nada, e eu caí.
Era um poço fundo que surgiu no meio do caminho. Ouvi o que podia ser meu grito. O vento contra o rosto, a escuridão me engolindo.
Minha magia me impediu de estatelar no fundo, me parando alguns centímetros acima e então soltando devagar. Fiquei em pé num pulo. Era mais um truque. Mais uma tentativa de me parar.
Ergui o rosto. O poço era fundo. Um círculo de paredes de pedra que seguia até uma luzinha lá em cima, a saída.
Comecei a escalar. Eu estava dentro da cabeça de Jeon, não tinha um corpo de verdade. E mesmo assim meus músculos rangiam, meus dedos começaram a suar, brancos com o esforço de sustentar o peso.
A parede de pedra era irregular e isso ajudava, mas também era escorregadia e com algumas pedras afiadas. Cortei as mãos e o rosto, me impedindo de olhar para baixo. Não curtia muito altura.
Um barulhinho de diversas patas veio do fundo do poço e eu franzi a testa. Agarrando mais firme com as mãos, virei para trás.
Minha boca abriu em horror. Era uma aranha, imensa. Seu corpo gordo e oito pernas longas e peludas enchiam o poço inteiro, enquanto ela subia correndo.
Fechei os olhos e respirei fundo. É só uma ilusão. Não está acontecendo de verdade. Quando eu chegar ao topo. Vou encontrar Jungkook.
Senti a aranha passar por mim, como se eu fosse só um inseto insignificante na parede, suas pernas ao meu redor e então sumindo para cima, me deixando ali.
Soltei o ar, o coração acelerado.
Agora eu estava com raiva. O Nogtisune devia estar me assistindo e se divertindo.
Voltei a escalar, com mais determinação.
A luz foi ficando maior e quando meu braço atingiu o topo, caí de cara num piso branco.
Pisquei, a mudança brusca de claridade me deixando atordoado.
Eu estava num corredor agora. Paredes e piso brancos. Seguiam nas quatro direções, norte, sul, leste e oeste. Comigo no centro da encruzilhada.
Fiquei em pé, virando para cada corredor. Seguiam longos e vazios. E na ponta de cada um havia portas de elevador. Fechadas.
Empinei o queixo. A Raposa não conseguiria o que queria. Eu estava concentrado em Jungkook. Na minha missão de salvá-lo.
E eu ainda podia ouvir sua voz cantarolando baixinho, sem palavras, só o som. Mesmo sem saber, Jungkook estava me guiando.
Tomei o corredor do sul, correndo, meu coração batendo nos ouvidos, ansioso.
As luzes brancas começaram a piscar, o corredor se esticando. Como num sonho que você corre e não sai do lugar.
Rosnei de ódio. Finquei as unhas nas palmas das mãos, a magia me empurrando para a porta do elevador.
Bati contra o metal frio, a respiração descompensada.
Ao mesmo tempo que a porta era de um metal grosso, ela ondulava com transparência, me permitindo ver o interior do elevador.
Jeon estava encolhido no cantinho, os joelhos contra o peito, os braços ao redor da cabeça, chorando baixinho e cantarolando.
— Jungkook? - chamei.
Ele virou o rosto de imediato.
— Yoongi? Yoongi! - levantou com pernas vacilantes e correu até a porta - Eu não consigo sair- ele... ele não me deixa sair!
Seu rosto vermelho, encharcado de lágrimas. Os olhos verdes tão escuros e mortos, cansados, desesperados.
— Por favor, por favor, eu não quero morrer! - ele gritou, soluçando - Eu não consigo-
— Eu vou te tirar daí! - garanti - Se afasta da porta!
Jungkook obedeceu e a porta voltou a ser de metal, impedindo nossa visão um do outro.
Coloquei ambas as mãos na porta, as palmas bem abertas. Me concentrei em destruir essa barreira, em libertar Jungkook. Tirar ele desse sofrimento. Era como Hoseok dizia, só deixar claro o pedido e a magia obedece.
Mas nada aconteceu.
O brilho arroxeado na minha pele piscou e desapareceu. Encarei minhas mãos com olhos arregalados. Não. Não agora.
— O quê... - sussurrei, meu coração batendo contra as costelas.
A risada do Nogtisune ecoou fria, percorrendo todo o corredor.
— Yoongi? - a voz de Jungkook soou baixinha.
Fechei os olhos, colando a testa na porta. Senti vontade de chorar. A angústia tomando meu peito e sufocando minha garganta.
Minha magia não funcionava. A Raposa tinha controle sob essa mente, esse cenário. Então ela não funcionaria.
— Está tudo bem. - menti - Vai ficar tudo bem. Eu vou te tirar daí.
— Yoon... - vi Jungkook se ajoelhar dentro do elevador, as mãos fracas na porta, a cabeça baixa - eu sinto muito.
— Jungkook, não. - vociferei, furioso comigo, com a Raposa, com tudo - Eu vou te tirar daí.
Jungkook balançou a cabeça, as lágrimas pingando no chão, os cabelos balançando com os soluços trêmulos.
— Eu devia ter percebido que ele estava em mim... - falou - eu devia...
Apertei os olhos, não conseguindo assistir essa cena. Isso não podia estar acontecendo.
Senti minhas bochechas molhadas. Eu estava chorando.
O Nogtisune ria, a presença invisível ao nosso redor. O som rouco e profundo, triunfante.
— Não, não, não. - comecei a dar socos na porta - Tem que ter um jeito. Tem que ter-
As luzes brancas piscaram de novo e o elevador deu um solavanco.
Por um momento, minha visão misturou com o que acontecia no mundo lá fora. Vi Hoseok se inclinar para perto de mim, os olhos escuros preocupados
— Yoon... - Hoseok sussurrava, urgência em sua voz - por favor.
— Yoongi... - Jungkook chamou, fungando - está tudo bem. Você fez tudo que pôde.
— Não! - gritei.
— Diz pro Jimin... - Jungkook sussurrou.
— Eu vou te tirar daí! - berrei.
Continuei dando socos e chutes na porta. Minha magia tinha que funcionar. Jungkook não ia morrer. Eu precisava salvar... Tinha que salvar.
— Eu sinto muito... - Jeon pediu num sussurro suplicante.
— Jungkook, por favor. - engasguei com meu próprio choro.
Os dez minutos estavam acabando. Eu podia sentir.
Minha visão embaçou e vi Jimin andando de um lado para o outro na sala da mansão.
— Os dez minutos estão acabando, o que eles estão fazendo? - ele perguntava.
— Jungkook está começando a sangrar. - Soobin apontou para o nariz de Jeon.
Minhas mãos ainda na sua cabeça, o sangue vazando de suas narinas. E das minhas também. Sentia o gosto de ferro.
— Yoongi... - Hoseok chamava baixinho.
Seu rosto desapareceu e eu agora via a porta de vidro do elevador, Jungkook ajoelhado, encostado nela.
— Diz pro Jimin... - ele pediu, a voz sumindo.
Foi como se eu visse a desesperança tomar seu corpo. Vi quando ele desistiu e aceitou que esse era o fim.
Jungkook estava morrendo. Eu estava morrendo. A Raposa ria monstruosamente, as luzes piscavam.
Jungkook deitou a cabeça na porta, sua força esvaindo.
Senti meus músculos ficarem rígidos, minha magia começar a crescer no meu peito. Como se a força de Jungkook tivesse atravessado a porta e passado para mim. Me enchendo de energia e determinação.
Meus olhos arderam em roxo, minhas mãos explodiram e eu gritei.
A porta de vidro quebrou.
Jungkook levantou a cabeça, surpreso.
E então nós dois acordamos.
[não revisado]