Helô estava radiante. Finalmente voltaria a delegacia. Além de compartilhar a vida com Stenio, essa era a outra parte da vida que lhe trazia felicidade. Ela sempre quis ser delegada, lembra-se como se fosse ontem de quando cursava a faculdade de direito e fascinou-se pela palestra de um delegado num congresso.
Stenio fez questão de levar Helô para o trabalho, ele estava um pouco apreensivo. A delegada percebeu e logo tratou de acalmá-lo, afinal, todas as medidas para que ela tivesse uma rotina mais tranquila no trabalho haviam sido tomadas pela equipe.
O casal se despediu e Helô foi recebida com uma surpresa de boas-vindas em sua sala. Ela ficou muito feliz, pois além de voltar à aquele trabalho que lhe completava, ela também estava tendo a noção do quanto era querida, com todo o cuidado que estava recebendo.
No escritório Stenio estava tendo um bom dia. Todos os casos estavam indo bem, e enfim Helô estava fora de perigo. Ele sabia o quanto voltar ao trabalho faria bem a ela. Entretanto ele deixou combinado que a levaria para almoçar todos os dias para se fazer presente no dia dela e se certificar que estava tudo bem. Ao sair do escritório, o advogado sentiu a cabeça pesar e o lado direito da têmpora doer, mas não deu a devida importância.
Helô estava concentrada em um caso quando ouviu batidas na porta que estava entreaberta. Quando a morena levantou a cabeça deu de cara com o sorriso de Stenio, que a observava.
O advogado adentrou a sala e ficou de frente para ela. "Você fica tão linda nessa mesa, toda concentrada, doutora delegada"
Helô sorriu e meneou a cabeça. Ele sabia como desconcerta-la. A delegada levantou-se, pegou a bolsa e deu a volta na mesa ficando de frente pra ele. O casal trocou um selinho e Yone entrou pigarreando.
"Oi, Yone. Tudo bem por aqui? A delegada te deu trabalho?" a cumprimentou simpático.
"Tudo certo, doutor Stênio. Ela deu um pouquinho de trabalho, mas tudo sob controle." Entrando na brincadeira de Stenio
"Ai que engraçados - revirou os olhos - A gente tá indo almoçar, Yone. Daqui a pouquinho to de volta."
Helô e Stênio foram almoçar em um restaurante que ambos gostavam muito perto da delegacia. Enquanto aguardavam os pedidos chegarem, Helô notou Stenio massageando a têmpora direita. Ela já havia percebido que ele estava falando menos que o normal.
"Tá doendo?" - indagou a delegada
"O que?"
"A cabeça, tu não para de mexer"
Ah, to com uma dorzinha chata aqui Helô, eu acho que preciso trocar de óculos.
Helô abriu a bolsa, pegou a necessaire que continha remédios, e entregou um analgésico para o advogado. Quando voltaram para a delegacia a delegada percebeu que Stênio seguia com dor. Ele era transparente pra ela.
"Stenio, marca o oftalmo. Se cuida cara - passando a mão pelo rosto dele
"Eu gosto de saber que você se preocupa comigo" - Ele pegou uma das mãos dela e deu um beijo.
Helô deu um selinho longo no namorado e se despediu. Ele voltaria para buscá-la mais tarde.
2 meses depois
Helô seguia em ritmo calmo na delegacia, afinal já estava no sexto mês de gestação. Stênio seguia cuidando do escritório e da namorada como deveria, com muito amor, carinho e mimos. A obra do novo apartamento estava quase finalizada e o local já passava pelos últimos ajustes para ser entregue. Stenio andava ansioso e atribuía a isso as constantes dores de cabeça que sentia.
Laís chegou ao escritório e foi direto para a sala de Stênio, tinha uma notícia um tanto desagradável.
'Stênio, o Arnaldo Preza faleceu" - O informou consternada.
"O que?" - se sentando na cadeira em choque
Arnaldo Preza era um grande advogado criminalista do Rio de Janeiro. Stênio e ele sempre se encontravam no fórum e por diversas vezes saíram juntos. Eram bons colegas de trabalho e tinham a mesma idade.
"Como foi isso Lais? pelo amor de Deus eu vi ele na semana passada!"
Laís contou a Stênio que um aneurisma cerebral se rompeu e ele faleceu de maneira fulminante. O advogado não pode evitar ficar pensativo sobre suas dores de cabeça, precisava marcar o médico que Helô ainda insistia. Pois mesmo após a consulta com o oftalmologista, as dores não passavam e estavam cada vez mais recorrentes.
Stenio foi para casa sem paz nesse dia. Ele queria desabafar com Helô, mas achava que não tinha direito por ela estar grávida. Precisava fazer exames e estava com medo do que poderia descobrir. Logo agora. Logo quando estava vivendo o melhor momento de sua vida. Uma lágrima escorreu quando pensou na possibilidade de não conseguir criar sua filha.
Alguns dias se passaram e Stenio não conseguia tirar a morte precoce de Arnaldo da cabeça. Naquele dia, durante o jantar, o advogado estava monossilábico. Helô falava praticamente sozinha. Após Creusa retirar a mesa, Helô perguntou o que estava ocorrendo.
"Helô, a gente precisa se casar" - soltou Stenio sem nenhuma conversa prévia sobre o assunto, surpreendendo Heloísa.
"Stênio... - iniciou Helô claramente desconfortável - tá tudo tão bom assim, essa história de casar não deu certo com a gente e.."
"Helô - a interrompeu - é sério, eu to falando sério. Eu também não quero festa de casamento e nem nada assim. A gente só precisa de um contrato de união estável ou uma passada no cartório mesmo" minimizou, o que acendeu um alerta em Helô.
"Eu não entendo por quê, eu to amando ser sua namorada, não faz sentido mudar isso! Nunca ouviu falar que não se mexe em time que tá ganhando?" - argumentou a delegada.
"É pela sua segurança e pela segurança da Vitória" - uma veia de preocupação havia saltado na testa do mais velho.
"Porque você ta falando isso?" - Perguntou Helô sentindo o corpo todo gelar
"Caso aconteça alguma coisa comigo, um inventário te daria um trabalho imenso, tudo será mais fácil se você tiver plenos direitos aos meus bens e...
Para! - interrompeu - Você tá me assustando. Você tá sofrendo algum tipo de ameaça Stenio? - Indagou com medo da resposta.
"Não meu amor, é só pra eu me tranquilizar. Me desculpa por te preocupar. Não tem nada demais. Você aceita o meu pedido?" - tentando parecer mais relaxado
"Claro que não! Stenio eu te conheço! O que é que tá acontecendo?"
Stenio parecia procurar as palavras o que estava deixando Helô impaciente.
"Fala Stenio, fala agora."
"Eu ainda to sentindo aquelas dores de cabeça e..."
"Eu sei disso - o interrompendo - já te pedi pra ir ao médi.. pera ai? você tá doente? - sentindo o ar faltar -
"Não, com certeza não, mas aconteceu uma coisa que me deixou pensativo... o Arnaldo, lembra?"
"-Claro, dr. Arnaldo Preza, mais um dos advogados que adoram soltar os meus presos - revirou os olhos - o que tem ele?"
Stenio contou a Helô o que tinha ocorrido e ela ficou atônita. Em seguida levantou-se da cadeira e abraçou Stenio que ainda estava sentado.
"Me desculpa por não ter notado sua angústia com essa dor antes. Eu te negligenciei" - Helô sentiu seu coração doer ao se lembrar que Stenio tinha dificuldade de receber cuidado, apesar de amar cuidar dos outros. Ele aprendeu a se virar sozinho muito cedo. Seus pais não eram do tipo que despejavam carinho no filho, eram bons pais, entretanto muito conservadores e preocupados em fazer dele um homem forte e de caráter, o que acabou o moldando como uma pessoa com dificuldade para pedir ajuda. Ele havia desenvolvido um mecanismo de defesa. Se virava sozinho, sempre foi assim.
"Amanhã nós vamos juntos numa consulta pra ver isso, e você vai ver que não tem nada aí - Tentando tranquilizá-lo, e automaticamente se tranquilizar. - Você está bem, você vai viver muitos e muitos anos ao meu lado, e vai ser o melhor pai do mundo pra nossa filha" - passando a mão pela cabeça dele enquanto ele respirava profundamente abraçado ao corpo da namorada.
Stenio se levantou e a abraçou fortemente. Ela sabia o quanto ele precisava de conforto naquele momento. Stenio não era de falar muito de si, e ela sabia que precisava cada vez mais mudar isso nele. Ele também precisava de cuidados.
Helô preparou 2 canecas de chá e foi para o quarto antes de Stenio, que estava terminando uma petição no computador. A morena preparou um banho para ele na banheira. Quando o advogado chegou ela ja o esperava de lingerie sentada na ponta da banheira.
"Que visão." - Stenio abriu um sorriso enorme.
"Vem, você tá precisando relaxar um pouquinho. Sentir na prática o quanto você é importante pra mim"
Para Stenio era difícil receber o que ele sempre proporcionava, mas naquele momento era o que ele mais precisava. Ele estava grato por Helô conhecê-lo tão bem.
O advogado entrou na banheira e a namorada permaneceu sentada na borda. Ela lhe estendeu a caneca com o chá de camomila, jogou um sal de banho de lavanda nas costas dele e começou a massagear com as mãos úmidas para derreter o sal. Stenio sentia uma sensação absoluta de relaxamento.
"Entra aqui comigo" - pediu demonstrando carência após um tempo recebendo aquela massagem dos deuses, ou melhor, da deusa.
Helô acatou o pedido, entrou na banheira com cuidado, e se sentou de costas pra ele. Stenio a abraçou por trás e começou a fazer carinho na barriga dela, como tanto gostava.
"Eu to sonhando muito com ela ultimamente." - referindo-se a filha enquanto fazia carinho na barriga de Helô
"Sério? - surpresa - tu nunca me contou!" - virando-se pra ele com um brilho no olhar, mostrando que queria que ele prosseguisse.
"Ah, eu sempre sonho ninando ela de madrugada, - sorriu apaixonado - é engraçado porque eu converso muito com ela, e ela sempre me olha como se me entendesse.
"E como ela é no seu sonho?" - perguntou Helô na maior curiosidade -
Ela é linda... perfeita, Helô. O cabelo dela não é tão escuro, os olhos são castanhos, expressivos, e mesmo em sonho, eu sinto um amor tão grande. É diferente de tudo, Helô, e é um sonho! Imagina quando ela tiver em casa com a gente, eu não sabia que eu precisava tanto viver isso. Eu nunca vou ter como te agradecer por me dar uma filha.
"Eu também tô vivendo esse momento de uma maneira mais especial do que eu esperava." - Helô confessa - sempre que eu compro uma roupinha eu imagino ela dentro, morro de amor. E tem o fato de que eu to sempre com uma companhia. Vou sentir falta dela aqui dentro, mas ao mesmo tempo eu não vejo a hora de ter ela aqui. De ver como vai ficar nossa misturinha- sorriu apertando os olhos, ela sorria com os olhos quando estava muito feliz, e Stenio se sentia o homem mais sortudo do mundo por ter aquela infinitude de perfeições imperfeitas, que Heloísa representava, nos braços dele.
O advogado ouvia a namorada falar com carinho da filha. Há tempos ela não era a mesma Helô que nunca quis ser mãe e quase teve um surto quando descobriu que seria. Helô e Stenio repousavam as mãos na barriga dela, ele por baixo e ela por cima das dele, quando Vitória se mexeu.
"Ela tá se mexendo, amor - percebeu eufórico -. Ele havia sentido ela algumas vezes, mas nunca tão forte. Stenio abaixou a cabeça em direção a barriga de Helô e conversou com a filha. Ta se mostrando pro papai e pra mamãe, filha?
O advogado virou Helô e a sentou em uma perna, dele a deixando de lado. O homem abaixou-se e começou a beijar a barriga dela. "Vitorinha, chuta pro pai chuta"
"Além de me engravidar, fica pedindo pra criança me chutar?" - fingindo indignação -
"Ah se todo chute fosse esse né vitória?"
Vitória se mexeu novamente
"Tá vendo, Helô! ela não só entende como sabe que eu sou o papai"
"É eu to vendo seu empenho nas suas conversas diárias com ela"
Stenio mirou Helô profundamente e a beijou com muito carinho. Eles acabaram se amando ali mesmo. Inverteram papéis. Nesse dia Helô cuidou e Stenio se deixou cuidar.
No dia seguinte Helô levantou-se mais cedo que Stenio e orientou Creusa a fazer um café mais leve pra ele. Ligou para Yone para avisar que não iria a delegacia e decidiu que o levaria a um pronto atendimento. Não iria arriscar esperar uma consulta marcada, mesmo que demorasse pouco.
O casal chegou ao hospital no meio da manhã e logo Stênio foi chamado. Na consulta ele relatou todos os sintomas e o médico pediu que ele fizesse uma ressonância magnética do crânio. Perguntou se ele poderia fazer no mesmo dia e ele respondeu que sim.
Stenio nunca havia feito uma ressonância. Pensou no tubo, onde precisaria entrar, e teve medo. Quando o médico perguntou se ele gostaria de ser sedado, ele pareceu pensar, então Helô tomou a frente e respondeu que ele iria sim. Quando saíram do consultório, Stenio perguntou a ela por que havia respondido por ele, quando demoraria muito mais para eles irem pra casa, caso ele fosse sedado.
"Ta maluco, Stenio? não lembra de quando o elevador do nosso prédio parou no começo do segundo casamento? você quase morreu lá dentro"
"Lembrava não, Helô" - ele continuou andando como se realmente não lembrasse. Ele não gostava de como ficava quando se sentia vulnerável.
"Sei" - o observou de soslaio.
Flashback on
"Helô, o que tá acontecendo?" - Ele se apoiou na estrutura metálica que revestia o elevador quando ele parou de repente, causando um baque, e a queda da luz. Ambos ligaram a lanterna do celular.
"Deve ter dado queda de energia" - observando ao redor.
"Meu Deus do céu! - batendo na estrutura - Alguém ajuda por favor! EI!!" - assustado
"Stenio calma não vai adiantar, vamos sentar e esperar" - tentando manter o controle para ajudá-lo
"Helô - hiperventilando - Eu preciso sair daqui, eu não quero ficar" - ofegando -
Helô percebeu que se tratava de uma crise de pânico.
"Fica calmo, Stenio! Respira vai." - Ela começou a inspirar e expirar com ele, mas ele não estava acompanhando.
"Stenio senta!" - Ele se sentou no chão e Helô o abraçou enterrando a cabeça dele no peito dela -"Respira comigo, eu to aqui!"
Só após ser segurado por Helô ele começou a se acalmar. Em menos de 3 minutos as luzes se acenderam e o elevador voltou a funcionar. Quando Helô o mirou ele estava todo vermelho e suado. Ela se levantou, deu a mão pra ele, que se levantou e saiu do elevador devagar.
Helô o levou para um banho rapidamente, onde o acompanhou. Após o banho ele se deitou na cama com os sinais vitais normalizados. Helô se deitou no peito dele e fez cafuné até que ele dormisse. Naquele dia ela descobriu mais uma das fragilidades escondidas por Stenio.
Flashback off
O advogado foi sedado e o exame foi realizado, dali a dois dias ficaria pronto. Stenio demorou a acordar da sedação e Helô acabou cochilando na cadeira ao lado dele. Quando ele despertou, ainda sonolento, ele a chamou e ela acordou rapidamente.
"Vamos, Helô?" - num tom de voz baixo, típico de quem tomou remédio para dormir
"Vamos. Você ta bem?" - notando o quanto ele falava arrastado
"Meu corpo ta pesado"
Helô chamou um técnico para ajudar Stenio a se levantar. O profissional o colocou de pé, mas o advogado não estava conseguindo segurar o próprio corpo. Stenio foi colocado em uma cadeira de rodas e foi levado até o carro. No condomínio o zelador do prédio ajudou Helô a levá-lo pra casa. O advogado dormiu a tarde toda. E mesmo que não quisesse pensar no assunto, Heloísa estava ansiosa e preocupada com o que veria no exame de Stenio em dois dias.