breathe again

By oceanlou

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Helô estava absolutamente cansada das infinitas brigas com o advogado. Apesar de amá-lo precisava encarar a r... More

and my burden to bear is a love I can't carry anymore
but what kind of heart doesn't look back?
still I'm searching for something
break my heart built from all I have torn apart
it hurts to be here, what am I gonna do?
it hurts to be here, I only wanted love from you
all I have, all I need
all those words came undone
facing the ghosts that decide if the fire inside still burns
he's the air I would kill to breathe
holds my love in his hands
I'll breathe again

open up next to you and my secrets become your truth

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By oceanlou


Stenio seguiu o rastro de sangue com os olhos, observando de onde ele vinha. Quando seus olhos repousaram em Helô ali, deitada ainda de lado no chão, com sangue escorrendo dela, ele teve certeza de que sentiu o coração parar de bater.

Não existiam mais barulhos ao redor, era como se ele não ouvisse nada, não enxergasse nada. Tentou se levantar do chão, mas percebeu o equilíbrio cedendo, precisou se abaixar novamente. Não havia um raciocínio lógico, ele só queria chegar até ela, tocar nela. Como se o simples toque movido pelo desespero pudesse fazer a bala recuar, o sangue voltar, ela ficar bem.

Sabia que era ilusão, mas também sabia que não podia perder Helô. No reino de coisas impossíveis, a vida sem ela era a maior impossibilidade de todas. Quem seria ele sem Heloísa Sampaio?

Se aproximando agora mais rapidamente, ou mais rapidamente que seus próprios ferimentos permitiam, ele puxou a mulher para o seu colo, aninhando-a de maneira desajeitada em seus braços.

­ - Vai ficar tudo bem, me ouviu?­ – ele passava a mão pelo rosto dela sem parar, tentando fazer a delegada abrir os olhos que seguiam fechados - Helô, fala comigo, por favor, abre o olho.... por favor... por favor, me xinga por ter vindo, me manda embora, me diz qualquer coisa...por favor.

Ele chorava encostando a cabeça na dela, revezando entre carinhos no rosto e beijos espalhados por cada canto que ele podia alcançar. Sentiu, mais do que ouviu um leve suspiro vindo dela, e se afastou apenas o suficiente para ver ela abrindo os olhos, de maneira leve, fraca. Não tinha forças para muito mais do que isso.

Foi só então que ele se deu conta que ela ainda tinha as mãos presas às costas. Na intenção de procurar algo para livrá-la daquilo, ele tentou colocá-la de lado, mas percebeu a delegada tentando falar algo.

- Que foi? – ele se aproximou dela de novamente, tentando entender ­Consegue repetir pra mim? Helô...

- fi...- teve um acesso de tosse fraco, mas que pareceu tirar todo o seu ar, até que ela conseguiu murmurar novamente – fica.

­ - Eu preciso procurar algo pra te soltar – ele tentou fazer ela entender, mas ela apenas balançou a cabeça de forma negativa.

- Fica – parecia ser a única coisa que ela conseguia dizer. Talvez o braço já nem fosse um incomodo tão grande, ela deveria estar sentindo dores piores no momento. Dores que ele não conseguiria ajudar.

- Tá bem, eu fico...vai ficar tudo bem – ele já não sabia que falava para ela ou para si mesmo, tentando se convencer que tudo ficaria bem. Mesmo com o sangue escorrendo e ela ficando cada vez mais pálida em seus braços ­ - AJUDA AQUI, POR FAVOR, AJUDA!! – gritou ele desesperado, recebendo olhares dos policiais ao redor que, finalmente entendendo o que estava acontecendo, correram para pedir que os paramédicos entrassem.

- Stenio... – a voz dela era fraca, ele precisava fazer um esforço imenso para entender – eu me lembro...

Ele olhou para ela confuso, sem entender ao certo o que ela queria dizer, buscando na memória algo que ela pudesse querer se lembrar agora. Ela parecia entender a confusão que ele trazia no olhar.

- Com carinho. Eu me lembro da gente com carinho – completou ela, olhando para ele, tentando, mesmo no meio do caos, sorrir. Como se fosse natural para ela tentar acalmá-lo, mesmo com tudo desabando.

Ele fechou os olhos e sentiu o coração apertando. Se lembrou da discussão que eles tiveram na porta do apartamento dela, ele se lembrava de perguntar se ela ainda conseguia se lembrar deles com carinho, mas não havia dado brecha para ela responder. Na época teve medo da reposta. Agora, com ela aqui em seus braços, se arrependia da pergunta. Helô estava desfalecendo em seus braços, mas o respondia agora. Ele nunca deveria ter duvidado.

Yone chegou correndo com um objeto nas mãos, e cortou as amarras do pulso de Helô, completamente em choque.

­ - A ajuda já está chegando, delegada! Vai ficar tudo bem – ela olhou para Stenio, avisando ­ - não deixa ela dormir, não deixa ela fechar esse olho por nada!

Ela saiu correndo deixando-o ali, segurando a delegada, enquanto acudia outros policiais feridos, tendo que assumir o comando na ausência de Helô.

- Me perdoa, por favor, me perdoa. – Ele dizia rápido, tocando o rosto dela com as mãos - É minha culpa, isso é minha culpa.

- Shhhh – o esforço que ela fazia para falar era imenso, ele percebia - tá tudo bem.... tá tudo bem...não é culpa sua.

- É sim – ele dizia, chorando ainda desolado.

- Olha pra mim – ela finalmente levou a mão até o rosto dele, mas foi visível que o movimento causou dores no braço machucado dela - Não é. Não é culpa sua.

Ele apenas aproximou o rosto do dela, passando o nariz pelo rosto da amada e sentindo que ela fazia o mesmo com ele. A intimidade do momento, ainda que no meio do caos, traziam uma paz que nenhum dos dois iriam cansar de sentir. Percebeu Helô em silêncio e assustado afastou o rosto do dela, mas a encontrou o encarando com carinho.

- Fica aqui comigo – ela finalmente continuou - eu nunca quis que você fosse.

- Eu nunca quis ir – ele devolveu depositando um beijo na testa dela.

- Stenio... – ele percebeu a lágrima escorrendo pelo rosto dela – eu tô com medo.

Ele não conseguia se lembrar de nenhuma situação em que essas palavras tivessem saído da boca dela. Como se "medo" e Heloísa Sampaio não pertencessem na mesma frase, era errado. Soava estranho.

Era desesperador.

- A gente vai fazer uma viagem, tirar umas férias...sair daqui. – Ele começou a fazer os planos, olhando para ela - Você escolhe o lugar e a gente vai. A Laís cuida do escritório, a Yone da delegacia...A gente não vai mais brigar – ele riu quando viu ela olhando para ele com cara de quem duvidava muito - ou vai brigar menos. Eu juro pra você.

- Eu gosto da ideia – ela tentou empurrar o corpo para perto dele, tentando mais contato - tá frio...

- Helô, não fecha o olho tá? – ele a puxou para mais perto, unindo ainda mais os corpos, tentando aquecê-la - Olha pra mim. Só fica olhando pra mim.

Ela se aconchegou no peito dele, buscando a segurança que ela não sentia em si mesma agora. Como se a vida dela dependesse do toque de Stenio, da proximidade de Stenio. E talvez, mais do que nunca...dependesse mesmo.

Ela se afastou o suficiente para correr os dedos pelos lábios dele.

- Você foi a melhor coisa que me aconteceu na vida. – Ela não teve um pingo de dúvida no olhar ao dizer essa frase. Não parecia justo ele não saber. Não parecia justo esconder isso dele. Ela o viu prestes a falar, mas com o mesmo dedo que ainda repousava ali, ela o impediu - Obrigada.

- Pelo quê? – perguntou ele, soando confuso.

- Por ter vindo. Por estar aqui. – Ela desceu a mão até o queixo dele, como tanto gostava de fazer - Por sempre estar aqui.

- Por você? Sempre. – Ele começou a fazer carinho no cabelo dela com a mão – Por você eu faço tudo, meu bem.

Ele percebeu o riso que ela deixou ao ouvir o apelido que ele a tanto tempo não usava. Se assustou quando percebeu ela querendo fechar os olhos.

- Eu tô cansada – ela disse, com os olhos praticamente fechados.

- Eu sei, mas fica comigo – ele tentou acordá-la, mas percebeu que ela sucumbia à fraqueza cada vez mais - Só mais um pouquinho.

Ela abriu os olhos e o encarou, firme e ainda assim com leveza. Sorrindo um sorriso de paz, de quem está feliz por estar ali. Ele a olhava confuso. Ela levantou o braço fazendo um esforço, passou a mão pelos cabelos dele, pelo rosto, pela barba por fazer, desceu pelos braços e refez todo o caminho, como se quisesse memorizar os traços, memorizar cada linha.

Ela parecia estranhamente em paz.

- Eu te amo – ela o puxou pelo queixo para baixo, dando um selinho demorado em sua boca - Eu te amo tanto...

Ele demorou alguns segundos para sentir que a mão que antes segurava seu rosto afrouxou o aperto, que os olhos agora estavam fechados e que a respiração dela estava tão fraca que assustava.

Ele demorou alguns segundos para entender que o amor da vida dele o estava deixando.

Ali, no chão frio de um galpão qualquer, ela o estava deixando.

- Helô? Helô? Eu te amo, eu sempre...- ele começou a dar batidas de leve no rosto dela tentando acordá-la - Heloísa pelo amor de deus fala comigo...Você não tem o direito de me deixar depois de falar isso pra mim... ela não podia fazer isso com ele, isso não podia estar acontecendo - HELÔ....ALGUÉM AJUDA... YONE!!!!- começou a gritar ele desesperado, segurando Heloísa forte contra o peito dele.

O advogado jurou ter visto paramédicos correndo com duas macas em direção a eles, mas não podia ter certeza. Sentiu o peso do corpo todo pendendo e as dores que estavam esquecidas desde que havia pegado Helô nos braços voltaram.

Depois disso, ele apagou.

\\

Stenio acordou assustado, tentou mover os braços, mas sentiu dor, não reconhecia o ambiente ao redor e a luz que entrava pela janela incomodava os olhos. Parecia que havia levado uma surra.

Surra.

Aos poucos foi abrindo mais os olhos e reparando no entorno, estava num hospital, o braço atado ao aparelho que provavelmente lhe dava soro e algum medicamento. Se fosse para dor estava na hora de repor, já que sentia cada centímetro do corpo dolorido.

Helô.

Onde estava Helô? Tentou se levantar e apesar da tontura insistiu mesmo assim. Só conseguia se lembrar dela em seus braços desmaiando. O tiro. O sangue.

O eu te amo.

O vazio.

Ele precisava vê-la.

Arrancou os fios que tinha no braço, mas ela dor era ínfima perto do aperto que sentia no peito agora. Uma enfermeira veio até ele correndo assustada.

- O senhor não podia ter se levantado, vamos voltar pra cama.

- A Helô...cadê a Helô – o olhar de desespero olhando ao redor enquanto ele continuava andando sem rumo pelos corredores ­ - eu preciso saber da Helô.

Yone e Creusa ouviram a comoção vinda do corredor, a empregada logo reconhecendo o dono da voz.

- É Dotô Stenio, Dona Yone! -disse ela com os olhos marejados ao descobrir no susto que o patrão havia acordado. Yone se levantou e procurou a fonte do barulho.

Stenio viu o rosto da policial e começou a caminhar rapidamente na direção dela, mas parou no meio do caminho ao ver a expressão ainda triste que ela trazia no rosto.

Não, por favor, não...era a única coisa que sua mente conseguia dizer.

Quando ela se aproximou a enfermeira tentou explicar a situação para ela.

­ - Yone...- disse ele fraco, ainda tonto.

­ - Ele não deveria estar fora da cama ainda, tá sendo medicado. – A enfermeira desesperada se direcionou à policial.

- A Helô, cadê ela.... – Ele olhava para Yone como se fosse desabar de desespero e fraqueza a qualquer momento – Yone, me fala!

- É a delegada, ela é ex-mulher dele. – ela explicou, olhando para a enfermeira, observando-a se compadecer com o olhar. Sabia do que tinha acontecido.

- Ele precisa se acalmar ela devolveu para Yone.

- Parem de falar como se eu não estivesse aqui. – disse ele irritado pelas duas cuidando com as palavras. Ninguém podia ver o desespero dele, caramba? - Cadê ela, Yone?

- Stenio, não é uma... – ela tentou intervir, mas ele devolveu gritando.

- CADÊ ELA??

As duas mulheres se olharam, entendendo que nada do que dissessem acalmaria o desespero do homem à frente delas. Quando a raiva pela falta de informações deu lugar a um olhar desolado, a enfermeira se deu por vencida.

- Vem, eu te levo. – Ela pegou o braço dele e colocou nos ombros.

A enfermeira sabia que não deveria, mas havia uma dor no olhar e na voz do homem que ela não conseguiu não sentir. Como se a vida dele dependesse apenas de saber onde a mulher estava. Um desespero que nunca havia visto.

Ajudou Stenio a caminhar pelos corredores, sendo auxiliada por Yone no outro lado. Quando chegaram até a porta da sala, visão do advogado ficou turva pelas lágrimas. Helô era a pessoa mais forte que ele conhecia, a pessoa mais viva e com vontade de enfrentar o mundo que ele já havia visto.

Enchendo os ambientes de cor, exalando força por onde passava.

Ali deitada numa cama de hospital, com o oxigênio em seu rosto, desacordada, parecia que algo havia sido tirado do mundo. Isso não era certo.

- Ela perdeu muito sangue – Yone começou a explicar a situação de Helô para ele – a bala não atingiu o coração, mas ela perdeu sangue demais. A cirurgia pra retirada da bala demorou horas.

- Ela vai ficar bem? – foi a única coisa que ele conseguiu perguntar, olhando fixamente para ela.

­- A gente não sabe ainda ­ - Stenio olhou para ela com dúvida nos olhos – ela não acordou mais desde a cirurgia. A gente segue esperando.

- Quanto tempo isso? – ele percebeu que não fazia ideia de quando todos os eventos haviam se passado.

- Dois dias – disse ela, olhando para Helô.

Dois dias. Helô estava apagada por dois dias. Era informação demais para a cabeça dele.

- Eu quero chegar perto, eu quero tocar nela – ele soava desesperado agora.

- Não dá, ela está sob observação, o estado dela ainda é grave – A enfermeira explicou – essa área é restrita, vocês nem deveriam estar aqui.

- Mas...- ele tentou argumentar.

- Mas nada, eu preciso te levar de volta pro quarto, vem ­ - a enfermeira esperou um tempo enquanto ele olhava a delegada de longe.

- Vem, você tem visita, Stenio – disse Yone, tentando trazê-lo de volta à realidade.

Ele olhou para ela pedindo pra ficar mais, mas entendeu que precisava ir. Caminhou a passos lentos auxiliado pelas duas mulheres e ficou grato quando chegou até sua cama. Essa pequena caminhada o havia deixado exausto.

- A gente achou isso aqui no galpão... – A policial entregou à ele um pedaço de papel - tá com seu nome....

Ele segurou o que quer que aquilo fosse nas mãos, sem coragem de abrir. Ficou observando a enfermeira se retirar de lá com Yone e ficou sozinho um momento no quarto.

Os últimos dias pareciam irreais, como se ele estivesse vivendo um pesadelo e não conseguisse acordar. As imagens de Helô no chão sangrando e agora deitada numa cama de hospital o atormentavam.

Eram coisas demais para processar.

Ouviu um ruído na porta do quarto e encontrou dois rostos conhecidos.

- Dotô Stenio.... que que fizeram de novo com o senhor – disse a empregada caminhando até ele.

Ela deu um abraço desajeitado, com medo de machucar o patrão. Stenio sorriu pela primeira vez em meio ao caos.

- ô amor da vida, eu já já fico inteiro – ele disse, ainda sem soltar totalmente dela. Apenas Creusa poderia trazer paz e familiaridade para ele neste momento.

- É bom te ver inteiro... ou quase, Stenio ­completou Laís, encarando o sócio - Que que te deu na cabeça de ir sozinho pra lá?

- Eles exigiram que eu fosse sozinho. Eu sabia que era arriscado – ele disse olhando para ela, que fez cara de quem sabia que isso era óbvio - mas eu não ia arriscar a Helô.

- Vocês dois tem sorte de estarem vivos, isso sim – a advogada completou, mas o seu tom de voz era mais suave. Ela sabia que Helô e Stenio fariam sempre de tudo um pelo outro. Ela já havia presenciado isso.

- Como acharam a gente? – finalmente perguntou ele.

De alguma forma isso ainda não havia passado pela sua cabeça. Estava tão focado em Helô que esqueceu de se questionar como tudo havia acontecido.

- Sorte sua que a Creusa te conhece bem – disse Laís, fazendo sinal para a empregada com a cabeça.

- Pois olhe, Dotô Stenio. Eu sabia que tinha alguma errada logo que entrei na casa do senhor – ela começou a explicar e ele não conseguiu não sorrir. Era um alivio ter Creusa ali com ele - Vi que o senhor tava todo esquisito falando que ia sair e já voltava. Pois não consegui sossegar e liguei pra Dona Yone.

- A Yone já estava desconfiada que você tava escondendo algo – Laís interveio - ela rastreou seu celular e chegou até vocês.

- E eles?- disse ele fazendo menção aos mafiosos.

- Você acertou o Montez no ombro, tá se recuperando do tiro e vai ser preso depois – ele podia jurar que viu certo orgulho no rosto da amiga - Pilar quase escapou mais foi pega no meio do caminho.

- Então acabou? ­ - e algum dia acabaria mesmo, pensou ele.

- Por hora, achamos que sim. Foi um baque grande pra máfia a prisão dos dois e de parte da equipe aqui do brasil.

Eles ficaram em silêncio um tempo, até Creusa perguntar com receio.

- E a Donelô, Dotô Stenio? - ela fez uma pausa antes de seguir - O senhor tem noticiais?

- Segue desacordada, Creusa. Mas ela vai sair dessa. Ela é forte. ­ - ela precisa sair dessa, pensou ele novamente em silêncio.

A enfermeira entrou logo em seguida, pedindo para elas se retirarem e deixarem o paciente descansar. Stenio quis argumentar, mas a realidade é que se sentia exausto. Se despediu das mulheres à sua frente, com uma abraço apertado em Creusa, e se permitiu levar pelo sono que o remédio induzia.

Acordou no meio da madrugada novamente, se sentindo levemente melhor, com um pouco menos de dores. A mesma enfermeira que o havia levado até Helô mais cedo adentrou o quarto para efetuar a troca do soro.

- Acordado essa hora? ­– perguntou ela, puxando assunto.

­- E já não dormi o suficiente não? – brincou ele de volta, sorrindo.

­ - Como está se sentindo? – ela mantinha a conversa enquanto aferia os sinais vitais do advogado.

­- Melhor do que hoje mais cedo, mas ainda destruído – ele respondeu sincero.

­- O senhor é mesmo só ex-marido da delegada? – ela havia ficado curiosa pela reação dele vendo a mulher.

- Ela te diria que sim. Exxxxxx marido – disse ele imitando o sotaque carioca da amada – ela não conta as recaídas.

- Ah, sim...- ela respondeu sorrindo – e o que você diria?

Ele olhou para a enfermeira sorrindo.

­- Faz 30 anos que eu amo essa mulher – ele disse olhando pro nada, lembrando apenas do rosto de Helô sorrindo pra ele - não pretendo parar tão cedo.

- Sinto muito que o reencontro não tenha sido como esperado – ela disse soando triste.

Ele não soube bem o que responder, então, ficou em silêncio. Havia algo que o estava incomodando desde que havia visto Helô no hospital.

- Não parecia ela. – disse ele quase sussurrando.

- Oi? – perguntou a enfermeira novamente.

- Ali, tão imóvel, tão pálida... – ele disse mais alto, repetindo a frase de antes - não parecia ela. Não parecia a Helô...a minha Helô.

- Eu entendo – ela estudou as feições do homem por um momento, até se decidir - espera um minuto, eu já volto.

Ele acompanhou o movimento dela saindo do quarto e ficou esperando. Mas ela acabou demorando mais do que ele imaginava e o advogado estava quase cochilando de novo quando ela apareceu, trazendo consigo uma cadeira de rodas.

- Eu tô colocando meu emprego em jogo fazendo isso, se algo acontecer...- ela disse séria.

- eu serei seu advogado ele resolveu brincar, arrancando um sorriso dela.

Ele se deixou ser guiado pelos corredores, observando a apreensão no rosto da enfermeira. Era grato por ela estar se arriscando dessa forma. Quando chegaram na porta do quarto onde estava Helô, ele ficou apreensivo. Parecia que o coração ia sair pela boca.

Ela abriu a porta, o guiando para dentro do quarto.

- Eu volto mais tarde, eu estou cuidando da medicação dela também, quando eu for trocar, te levo de volta pro quarto. – ela disse baixinho, quase sussurrando.

- Obrigado - ele agradeceu sincero e observou ela acenando para ele. Ela estava quase na porta quando ele percebeu que não sabia o nome dela – Qual seu nome mesmo?

- Amanda – disse ela calma,

- Obrigado, Amanda – ela sorriu, voltando até ele.

Ela posicionou a cadeira de rodas mais próximo à cama de Helô e se retirou do quarto. Stenio ficou um tempo olhando ao redor antes de efetivamente olhar para ela, ainda com certo receio.

Ouviu o barulho baixo das máquinas trabalhando ao redor dela. O barulho do oxigênio que a mantinha viva. Respirou fundo e olhou para Helô. Ele daria tudo para estar no lugar dela nesse momento, para ser ali deitado enquanto ela corria pelo mundo, elétrica como sempre havia sido.

Pegou a mão dela na sua e notou o roxo forte no pulso dela, a mão estava mais quente do que ele esperava e isso lhe deu uma breve esperança de que as coisas pudessem melhorar, que ela pudesse acordar logo.

- Ei – ele sussurrou falando com ela – eu senti saudade - percebeu que a frase pareceu errada no passado e corrugiu - Eu sinto saudade.

Puxando a mão dela até sua boca, ele depositou beijos em toda a região machucada que via.

- Volta logo pra mim, por favor – ele chorava, ainda segurando a mão dela – a gente tem tanta coisa pra viver junto, Helô. Volta logo pra mim.

Apenas o silêncio o respondeu e ironicamente, ele enchia o ambiente como nunca. Incomodava. O advogado começou a preencher o silêncio com sua voz, falando com Helô.

- A enfermeira, o nome dela é Amanda, é legal, pelo menos assim eu consigo ficar perto de você – ele começou a fazer carinhos no cabelo dela, ajeitando as mechas bagunçadas no travesseiro - Acho bom você saber que quando você acordar, a gente retomar nosso casamento. Isso não é um pedido, é um aviso, delegada. Na sua casa, na minha, onde quer que seja...a gente vai reatar e a gente vai fazer isso funcionar.

Era tão errado ela não discordar dele agora. Brigar dizendo que isso era absurdo, que já havia tentando duas vezes e não tinha dado certo. Para gritar dizendo que ele apenas tirava o foco dela e depois o encher de beijos.

- Eu queria tanto ver seus olhos agora ele levou as mãos até o rosto da amada, tocando onde podia - abre eles pra mim Helô, por favor.

Segurando a mão dela na dele, ele fez o pedido desesperado que não pode segurar.

- Se você tá me ouvindo, tenta apertar a minha mão, faz uma força, vai...

Esperou uma eternidade com a sua mão na dela, mas não houve nada. Absolutamente nenhum movimento. Ele se inclinou na poltrona, percebendo um papel quase caindo e se lembrou do que Yone havia lhe entregado mais cedo.

A grafia entregava que a carta era de Helô, e o molhado próximo ao nome de Stenio podia ser visto claramente como a marca de uma lágrima. Ele não queria ler, tinha medo do conteúdo.

Percebeu que agora tudo ao redor da situação o assustava: o fato de que Helô poderia não acordar, o que quer que ela tivesse escrito naquele papel em seu momento mais vulnerável. Stenio não gostava das perspectivas que se apresentavam para ele.

Mas agora ele precisava ser forte por eles dois.

Respirando fundo, abriu o papel com cuidado e começou a ler.

Stenio,

Acho que escrever essa carta está sendo a coisa mais difícil que eu já tive que fazer na minha vida, e isso é muito vindo de uma delegada de polícia. Acho que se ela chegar até você, é porque tudo deu errado.

Ou tudo deu certo, se você está lendo, você está bem e, no fim, isso é tudo que importa. Sempre foi isso que importou pra mim.

Imagino que a polícia esteja me procurando. Tentei deixar o máximo de sinais que consegui na minha casa. Não sei se você vai encontrar essa carta, mas espero que não. Espero que Pilar nunca consiga entregar como me disse que ia fazer, que ela nunca mais chegue perto de você. Espero que você nunca precise ler isso, mas escrever me faz te sentir mais perto, me aquece.

As coisas que eu queria dizer não deveriam ser ditas assim. Eram palavras para serem ditas no sofá da sala com você do meu lado, eram pra serem ditas pessoalmente. Nunca consigo usar as palavras com você, mas gosto de imaginar que nesse futuro, que agora me parece tão distante, eu conseguiria.

Que eu teria forças pra te dizer que eu faria tudo de novo. Pra te dizer que sempre foi você e nunca houve mais ninguém. Que fui feliz ao seu lado, que senti sua falta em cada momento que você não esteve ali, e senti teu calor cada vez que estava por perto.

Quem sabe eu teria forças para te dizer que todas as vezes que eu te mandei embora doeram, e que nenhuma delas foi por falta de amor. Que te deixar ir sempre arrancava um pedaço de mim, e que você sempre colava ele de volta ao voltar pra mim.

Quem sabe eu finalmente teria forças para dizer tudo que sempre ficou preso na minha garganta, mas que nem por isso deixou de ser real. Que eu teria forças pra te pedir pra ficar. Pra te pedir desculpas por ter perdido tanto tempo da nossa vida com brigas bobas e separações que nunca deveriam ter acontecido.

Eu te pedi para ir e você foi. Mas eu não sabia que precisava tanto de você, até você voltar. Até você invadir minha vida, meus espaços, cavando seu caminho de volta pra mim. Obrigada por nunca ter desistido de nós, mesmo quando eu achei que não tinha mais jeito.

Sempre fui mais feliz ao seu lado, espero que você saiba disso.

Você tinha razão, a gente esquece as brigas e só o que importa são as minúcias. Em cada momento bom da minha vida eu vejo você, em cada lembrança que me arranca o riso você está lá.

Gostaria de ter viajado mais, tomado mais vinho, ter visto mais orquídeas ao lado da cama, ter aberto mais a porta. Gostaria de muita coisa. Gostaria de não estar escrevendo essa carta.

Gostaria de dizer que gostei do perfume novo, mas é o antigo que eu sinto agora. Acho que é minha cabeça querendo voltar pro começo de tudo, ou pra onde sempre me senti segura. Com você.

Gostaria que te dizer que te amei no início, no meio e no fim.

E que, com certeza, ainda eu te amo.

Fica bem, por favor, fica bem. Por mim, por nós.

Cuida da Creusa, da Drika e do nosso neto. Vocês sempre foram a minha vida. A melhor parte dela. A parte que mais me orgulho.

Obrigada por existir.

Obrigada por ter sido tão meu quanto eu fui sua.

Com amor,

Seu bem, seu zem, seu mal.

Stenio percebeu que havia molhado o frágil papel com as gotas que caiam de seus olhos. Olhando para Helô ali, parecendo tão frágil naquela cama de hospital, ele teve pela primeira vez medo do futuro.

De alguma maneira sempre imaginou que eles terminariam juntos, achariam um caminho, um jeito ou de outro. Segurando firme a carta nas mãos, ele se permitiu chorar soluçando.

Ele sempre tentou obedecer a ela em tudo, mas se o pior acontecesse, sabia que falharia no último pedido.

Ele jamais ficaria bem sem a presença dela.

Hoje, ele tinha a reposta para uma pergunta que ele mesmo havia feito.

Eles não sabiam viver um sem o outro.

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