Charlotte estava nervosa.
Havia feito exatamente o que seu irmão mandou, estava, desde a noite anterior, trancada em seu quarto. Havia organizado todos os seus vestidos numa grande mala, sabia que Marcel chegaria logo e não queria desperdiçar um segundo.
— Charlotte ! — ouviu o chamado do irmão no andar debaixo e, só então abriu a grande porta, correndo até as escadas e deparando-se com uma terrível cena.
Willian estava sendo carregado por dois homens que ela nunca havia visto, eles, bem como seu irmão, usavam roupas totalmente negras. Seu marido estava totalmente machucado, ensaguentado e desmaiado, mas ela não sentiu por ele nenhuma compaixão.
— Senhorita Capman, é um prazer conhecê-la — falou Thommas, sorrindo para a mulher mais bela que havia visto em sua vida.
Mesmo vestida de forma tão simplória, Charlotte conseguia atrair os olhares de qualquer um naquela sala, no entanto, os rapazes mal a encaravam, afinal, Marcel não estava num dos seus melhores dias e todos sabiam da triste história da mulher, a última coisa que queriam era assustá-la.
Levaram o senhor da casa para cima e, quando retornaram, traziam consigo as malas de Charlotte , que olhava para tudo incrédula.
— Irmão, o que está acontecendo? Quem são esses? — perguntava ela, parada ao lado de Marcel, sendo envolvida por um abraço.
— Quem são não importa e não deve mencionar nada que viu, Lottie, por favor, faça o que Thommas pedir — ele falou, indicando o rapaz mais baixo a frente, que voltou a se aproximar.
— Senhorita, assine aqui — ele pediu, entregando a pena já banhada em tinta e os papéis.
— O que é isso? — ela perguntou, olhando para seu irmão com dúvida.
— A anulação do seu casamento — respondeu Marcel, sorrindo como nunca antes.
***
Judith estava preocupada.
Marcel não aparecia em casa desde a noite anterior e, segundo os capatazes, Willian também não estava no casarão e Charlotte se recusou a atendê-los.
A senhora Capman sentia o corpo estremecer ao pensar nas inúmeras possibilidades e torcia para que, na melhor das hipóteses, Marcel só estivesse em alguma festa com nobres ou homens da coorte.
Quando viu a carruagem se aproximar, seu coração gelou. Mesmo ao longe, conseguia ver as malas presas ao bagageiro e, quando as filhas saíram correndo para recebê-la, soube que seus maiores pesadelos haviam se concretizado.
Diferente da mãe, Chelsea e Brista estavam em êxtase. Apesar de Brista nunca ter tido uma relação tão amigável com a irmã, também sentia falta dela e vê-la ali havia aquecido seu coração. Chelsea, que sempre foi muito apegada a Charlotte , se derramou em lágrimas quando a viu descer da carruagem ao lado do irmão e, sem demora, as tres meninas da família Capman se uniram num abraços fraterno, que foi envolvido por último pelo irmão, que finalmente se sentia um pouco menos culpado. Mais uma vez, suas pequenas irmãs estavam a salvo e, agora, ele estava decidido que cuidaria de seus matrimônios pessoalmente.
— Lottie! O que faz aqui? Mamãe disse que não tinha tempo e... por que tantas malas? — Chelsea foi a primeira a notar.
Charlotte estava feliz, sentia-se leve e, finalmente, sentia-se segura. Seu pesadelo havia acabado, porém, sabia que não sairia dele sem sequelas. Sua reputação, certamente, estaria arruinada e tinha plena consciência de que isso poderia respingar sob suas irmãs, apesar de Marcel afirmar que não.
Ela sabia como a sociedade podia ser cruel com as mulheres, viveu essa crueldade na pele.
— O que está acontecendo aqui? — Judith finalmente se pronunciou, assustando as três garotas. — O que significa isso, Marcel?
Marcel Capman respirou profundamente, sentindo as mãos tremerem de raiva mais uma vez. Sabia que sua mãe estava ocultando os atos desprezíveis de Griffin de seu pai, que ela o apoiava em todas as loucuras e que, por causa dela, ele não soube antes dos horrores que sua irmã estava passando.
— Fiz o que deveria ser feito, mãe — ele tomou a frente, escondendo o corpo pequeno de Charlotte com o seu próprio, tomando corajosamente a frente da irmã.
— Não vê o que isso pode causar? — Judith gritou levando a mão aos cabelos bem presos e, depois, ao coração. — Suas outras irmãs serão arruinadas! Não pensou nisso, Marcel?
— Arruinadas? Você deixou Charlotte sofrendo um inferno por dois anos porque acha que Chelsea e Brista não conseguiriam se casar se o matrimônio da irmã mais velha fosse anulado? — ele perguntou, incrédulo. — Sabia de tudo o que ele fazia com ela e o acobertava? Esteve contra a filha que saiu de dentro de você! Não se envergonha disso?
Por um momento, Judith sentiu as pernas fraquejarem. A voz potente de Marcel adentrou seus ouvidos como o som mais sórdido e chegou ao seu coração como facas afiadas. Mas não se arrependia, seu filho era homem, jamais entenderia como o mundo pode ser cruel com as moças.
— A filha que trará a desgraça para as outras duas! — ela bradou, apontando o dedo em riste para Charlotte . — Uma mulher seca! Sem valor algum! Não serve para a única coisa que Deus nos criou para fazer, é amaldiçoada!
As palavras fizeram Brista e Chelsea arregalarem os olhos. Charlotte encolheu o corpo e abraçou-se na esperança de se consolar, pela segunda vez, estava sendo desprezada e amaldiçoada por sua própria mãe.
Marcel, num acesso de fúria, ergueu a destra para Judith, mas parou com ela no ar ao ouvir a voz de Charlotte , baixa e sussurrada, sofrida.
— Não precisa se preocupar, mamãe — ela iniciou, as palavras saiam como espinhos de sua garganta. — Não ficarei aqui, deixe-me na casa que fica na estrada, irei me manter distante, isolada de todos, a última coisa que desejo é prejudicar minhas irmãs.
— Lottie — Brista falou, tocando os ombros da irmã com delicadeza. — Não precisa fazer isso, minha irmã...
— Ela não irá, eu não vou permitir que Charlotte seja afastada de todos nós, mais uma vez, pela ganância da nossa mãe! — Marcel gritou, fazendo todas as mulheres na sala se encolherem tamanha a raiva em sua voz.
Quando percebeu que as havia assustado, o rapaz massageou as têmporas e, antes que pudesse falar qualquer coisa, a voz grossa e alta do senhor Capman soou por toda a casa.
— Basta! — George sentia o peito doer tamanho o estresse que toda a gritaria havia lhe causado.
Os empregados, vendo o estado de nervos de Marcel, correram até o campo para buscá-lo e, quando ele chegou à sala, encontrou a cena que jamais imaginou que veria. Marcel gritava furiosamente com a mãe enquanto suas três filhas estavam encolhidas num canto, extremamente assustadas. Depois de dois anos, estava vendo o rosto delicado de sua doce filha Charlotte , percebendo as mudanças que o sofrimento havia lhe causado.
George culpou-se por alguns instantes, mas preferiu não pensar naquele momento. Precisava resolver o problema antes que Marcel fizesse alguma besteira, sabia como os nervos do filho eram descontrolados quando se tratava de suas irmãs e, pela forma como ele falava, as coisas eram muito mais sérias do que uma traição.
— Marcel, vamos até o escritório, converse comigo, irei resolver essa situação — George falou, passando pelo filho com rapidez, sem dirigir olhar algum para sua mulher.
Quando os dois homens da casa sumiram na saleta, Judith caminhou até a sala do chá e começou a andar de um lado para o outro, tentando pensar numa solução plausível, afinal, seu marido certamente ficaria enfurecido quando soubesse da verdade.
Na sala de estar, Charlotte era amparada por Chelsea e Brista, que tentavam animá-la, afirmando que ela não precisava partir, mas a ruiva estava mais que decidida a fazer aquilo, pelo bem das irmãs. Ao menos assim as visitas da casa grande não estariam em contato direto com o escândalo que aquilo traria a casa Capman.
As horas se arrastaram enquanto os dois homens conversavam. Judth sentia o coração gelar e a cabeça doer, tomou diversas xícaras de chá enquanto aguardava. Chelsea continuava com Charlotte e Brista havia sumido dentro da casa, afinal, suas demonstrações de afeto eram efêmeras e, para ela, aquelas foram mais que suficientes.
Quando a tarde estava quase no fim, finalmente, os dois homens saíram do escritório. George Capman caminhou até sua filha mais velha e a abraçou, acariciando seus cabelos e desculpando-se por falhar em seu papel de pai, mesmo que Charlotte não concordasse com aquela fala.
Depois disso, Judith ouviu seu marido chamá-la e, assim que se colocou na sala, abaixou a cabeça, envergonhada.
— Jamais imaginei que poderia fazer algo assim, minha esposa, minha confiança em você jamais será a mesma — iniciou, voltando-se para a filha mais uma vez. — Minha filha, se deseja tanto, mandarei que preparem a segunda casa do campo para você, mas não será permanente, somente para que cure seu espírito, então, voltará ao nosso convívio, queira sua mãe, ou não.
Apesar de discordar, Judith nada disse, seu marido raramente tomava uma postura tão altiva, nesses momentos, ela sabia que devia somente se calar.
— Obrigada, meu pai — foi a única coisa que Charlotte conseguiu dizer.
Mesmo com a dor que as palavras de sua mãe lhe causaram, ela se sentia abraçada pelo pai e pelos irmãos, se sentia amada e querida por eles. Estava decidida a passar ao menos algum tempo na casa do campo, que ficava próximo ao fim da propriedade do pai. Sentia-se suja e, como sua mãe havia dito, amaldiçoada, queria, sozinha, encontrar a cura para suas feridas.
— Seis empregados irão fazer-lhe companhia, pode escolher, dois homens e quatro mulheres — George continuou, mas foi interrompido por Charlotte , que ergueu a mão, pedindo a palavra.
— Só mulheres, por favor, pai... — pediu, implorando-o com o olhar.
Marcel tocou o ombro do pai e assentiu, então, George confirmou com a cabeça.
— Eu mandarei um grupo de capatazes ficar de guarda um pouco mais distante da casa, nem irá notar a presença deles, irmã — Marcel tomou a frente, acariciando os cabelos de Charlotte e beijando-lhe a testa.
— Obrigada... — ela falou, abraçando-o com carinho. — Você me salvou, irmão...