Rebeca POV:
O resto da noite foi repleto de um clima de tensão. O aniversário de Willow havia ido por água a baixo, precisei ligar para todos os convidados desmarcando a festa porque minha filha nem queria dar as caras. Ela estava extremamente magoada, por minha culpa.
— Todo mundo sabia que esse dia iria chegar, Rebeca. — Minha mãe me olhava com seriedade.
— Eu não esperava que fosse tão cedo.
— Mentira tem perna curta, minha filha. Você sabe disso mais do que ninguém.
— Não acha melhor tentar ir falar com ela? — Ana sugeriu. — Ela já tá a muito tempo dentro do quarto.
— Ela não vai querer falar comigo agora. — Balancei a cabeça.
— Como você não previu isso, Rebeca? — Minha melhor amiga continuava tensa.
— Eu não lembrava da existência daquela merda de caixa, Ana, muito menos daquela maldita carta. Achei que tinha jogado fora.
— Agora você vai ter que dar um jeito nisso. Pelo que eu conheço a Willow, ela não vai mais querer saber de outra coisa a não ser conhecer o Robert.
— Não posso levar ela pra ver ele. — Respondi rápido.
— Tem como você deixar o passado de vocês de lado pelo menos uma vez e pensar na sua filha? — Mamãe me deu bronca. — Caramba, Rebeca, pensa no sofrimento da menina!
— Sua mãe tem razão. — Ana concordou.
— Tá... eu vou dar um jeito nisso, mas não hoje, já tá tarde. — Olhei para o relógio pendurado na parede onde o ponteiro indicava que já era meia noite. — De manhã eu chamo a Willow pra conversar sobre isso. Vou tentar ir dormir agora.
— Aproveita esse tempo pra você descansar sua cabeça e se acalmar pra ter essa conversa com ela. — Minha mãe me aconselhou.
— Eu vou. — Respondi. — Ana, você se importa de depois ajudar minha mãe a descer da cadeira de rodas e se deitar na cama? Hoje realmente não dá pra mim.
— Posso, amiga, relaxa.
— Valeu.
Então fui para o meu quarto, com plena consciência de que essa noite eu não iria conseguir dormir direito. Meus pensamentos estavam todos voltados para Willow.
Willow POV:
Ao ouvir todas as portas dos quartos baterem e ver pela brecha da porta as luzes se apagando, percebi que era a minha deixa. Então, andando de fininho, esvaziei a minha mochila da escola e coloquei várias roupas dentro dela para viajar.
Abri a porta do meu quarto devagar e fui até o quarto da minha mãe para pegar seu cartão dentro da carteira. Ela estava dormindo profundamente, nem ia reparar que eu estava ali.
Então, quando peguei todas as minhas coisas, finalmente fugi de casa. Era uma sensação muito louca. Eu estava com medo, mas também estava me sentindo mais livre que nunca. Todos iam se arrepender de terem mentido para mim.
Na rua, todo mundo me olhava esquisito. Com certeza se perguntavam "O que essa criança está fazendo na rua uma hora dessas?", mas eu nem ligava. Continuei de cabeça erguida e carregando a mochila nas costas até a estação de metrô.
Passei o cartão da minha mãe na catraca e nem precisei quebrar cabeça com senha, pois sempre era a data do meu aniversário. Então peguei o bilhete e fui direto para dentro do vagão. O metrô foi direto até a rodoviária, sem fazer nenhuma parada, me deixando cada vez mais animada para sair do Texas.
Ao chegar na rodoviária, não fazia ideia do que fazer, então decidi acompanhar o tumulto e ver onde ia dar. No balcão, a atendente estava vendo a identidade de todo mundo. Se ela visse que eu estava sozinha e que era de menor, ela não ia me deixar comprar a passagem. Foi aí que comecei a me desesperar. O que eu ia fazer agora? Eu precisava bolar um plano.
Tinha uma senhorinha atrás de mim na fila, ela me lembrava muito a minha avó. Talvez se eu pedisse para ela fazer de conta que estava me acompanhando, eu conseguiria comprar o ticket do ônibus. Agora era torcer para ela aceitar seguir a minha ideia louca.
— Oi, tudo bem? — Falei gentilmente com ela.
— Olá, querida, está perdida?
— Ah, não, eu vou viajar.
— Onde está sua mãe e seu pai? — A senhora ficou preocupada.
— Ah... — Pensei no que dizer. Será que eu digo a verdade ou invento uma história? — Os meus pais são separados e... a minha avó tá muito doente. Então minha mãe pediu pra eu ir passar um tempo com o meu pai.
— Pobrezinha.
— Pois é, ela nem teve condições de sair do hospital pra me trazer até aqui na rodoviária. — Fiz um beicinho.
— Quer saber de uma coisa? Eu pago a sua passagem.
— Ah, não, não precisa.
— Fique tranquila, querida. Tenho dinheiro de sobra. — Ela tirou um bolo de dinheiro da bolsa.
— Tá bem então.
Chegando no balcão, a senhorinha disse para a atendente que era a minha parente e que estava responsável por mim durante a viagem. A moça do balcão nem se deu o trabalho de conferir se éramos mesmo parentes, ela apenas nos deu as passagens e pulou para os próximos da fila. Graças a Deus.
Então nós entramos dentro do ônibus e nos sentamos juntas na fileira do meio, aguardando a hora da partida. Eu já tinha meio caminho andado para conhecer meu pai.
Rebeca POV:
Após uma noite extremamente mal dormida, finalmente a o dia finalmente tinha amanhecido. A primeira coisa que fiz assim que levantei foi ir ao quarto de Willow para conversar.
Sua porta estava destrancada, acho que aquilo era um sinal de que ela estava pronta para me deixar entrar para conversarmos sobre o ocorrido de ontem.
Me sentei na beirada de sua casa e fiquei acariciando seu corpo, mas ela não falou nada e nem se mexeu. Acho que Willow não queria interagir comigo, então era melhor apenas eu falar.
— Oi, Wills... — Falei baixo. — Olha... eu sei que fui muito injusta com você durante todo esse tempo e espero que você me perdoe. Eu realmente queria lhe proteger, mas acabei protegendo da forma errada. Você não merecia crescer sem saber quem é seu pai, e eu mais do que ninguém devia ter lhe contado a verdade desde o início sobre ele.
Ela continuava sem falar comigo. Totalmente compreensível.
— Olha... é algo difícil pra mim, mas... se você quiser, eu te levo até o seu pai. Eu posso fazer você conhecer ele, Wills. Independente da nossa separação. Podíamos pegar um voo para Los Angeles amanhã mesmo. O que acha?
E como eu imaginei, nenhuma resposta. Mas Willow não era tão calada daquele jeito, mesmo estando aborrecida. Então decidi tirar o lençol de cima dela para poder vê-la.
Foi um susto enorme quando vi que Willow na verdade não estava lá. Havia apenas uma pilha de travesseiros onde ela supostamente dormia.
— Willow?? — Comecei a procurar igual louca pelo quarto.
Olhei atrás das cortinas, debaixo da cama, dentro do armário, no banheiro, mas minha filha não estava em nenhum lugar. Me causando ainda mais desespero.
Saí rapidamente do quarto dela e tornei a procurar pela casa inteira. Ela não estava em lugar nenhum.
— WILLOW? — Chamava alto.
— Que gritaria é essa, Rebeca? São sete da manhã.
— É a Willow! Ela sumiu! — Respondi ofegante.
— Ela não pode ter sumido, com certeza deve tá em algum lugar. — Ana tentava me tranquilizar.
— Eu já procurei pela casa inteira, ela não tá aqui, Ana!
— Talvez ela estava lá em baixo no playground. Você já procurou lá?
— Não.
— Então vamo descer pra ver.
Ana e eu descemos o elevador com a expectativa de que encontraríamos Willow lá em baixo e que tudo isso teria sido apenas um susto.
— WILLOW? WILLOW?? — Nós chamávamos por ela, porém não tínhamos nenhuma resposta.
Ficamos procurando por uns trinta minutos, e ela não aparecia. Onde Willow poderia estar?
— Ela não tá aqui... — Desisti de ficar gritando pelo nome dela.
— Tem algum outro lugar que ela pode ter ido?
— Eu sei lá, Ana.
— Vamos tentar ver com o porteiro. Se ela saiu do prédio, ele com certeza viu, ou deve ter arquivado nas câmeras.
— Tá. — Concordei sem esperança.
Fomos à portaria e, como esperado, ninguém tinha visto Willow saindo do prédio. Se eles eram porteiros, o trabalho deles era prestar atenção em quem entra e quem sai do condomínio. Como eles puderam ser tão incompetentes?
— Nós não vimos nada, senhora Miller. — Alejandro, um dos porteiros que estava de plantão naquela noite, respondeu tenso.
— Como que você não viu nada? Como que vocês simplesmente deixaram uma criança de doze anos sair do prédio sem mais nem menos? — Perguntei brava.
— Talvez eu tenha tirado um cochilo de cinco ou dez minutos e ela aproveitou esse momento pra sair.
— Vocês são um bando de imbecís!
— Calma, Rebeca, as coisas não vão se resolver na agressividade. — Minha melhor amiga passava a mão no meu ombro.
— Calma o caralho! Eu não vou me aquietar até eu encontrar minha filha! Eu quero ver as filmagens dessa madrugada!
— Senhora Miller, não podemos liberar as gravações sem a autorização do síndico.
— Tô cagando pra esse síndico! Me mostra logo as câmeras! — Eu já estava começando a me alterar.
— Mostra as filmagens pra ela, Alejandro, por favor. — Ana pediu com gentileza. — Nós estamos muito angustiadas.
— Tá bem.
Então entrei na cabine da portaria e comecei a olhar as filmagens da câmera pelo computador. Depois de alguns minutos acelerando e desacelerando o vídeo, finalmente encontramos algo que poderia nos dar uma pista sobre o sumiço da minha filha.
— Aqui! — Apontei para o vulto no computador que parecia com ela. — É a Willow, tenho certeza!
— Ela parece tá com uma mochila de escola. — Ana semicerrou os olhos para enxergar melhor. — Será que ela arrumou uma mochila de roupas e foi pra casa de alguém?
— Talvez tenha ido pra casa da Gisele! A Alice é a melhor amiga dela! Elas podem estar juntas! — Criei expectativa.
Sem perder tempo, disquei o número de Gisele e esperei ela me atender. Por sorte, minha amiga me atendeu logo de primeira.
— Oi, Beca, tudo bem? — Ela falou.
— Gisele, a Willow tá aí? — Perguntei sem cerimônia.
— Ah... eu não sei... acho que não, Rebeca.
— Você tem certeza absoluta?
— Não vi ela por aqui, mas vou perguntar pra Alice, espera um pouquinho.
Fiquei esperando do outro lado da linha quase tendo um pico de estresse. Minhas unhas já estavam quase na carne viva de tanto roer.
— Oi, Rebeca. — Gisele voltou.
— Oi, alguma notícia?
— Ela não tá aqui.
— Merda. — Bati na mesa do porteiro.
— Tá tudo bem? Aconteceu alguma coisa? A Alice me disse que a festinha dela foi cancelada ontem.
— Ela sumiu, Gisele, eu não tenho ideia de onde ela foi... — Comecei a chorar.
— Meu Deus, Rebeca! Já procurou em todo lugar?
— Já... já procurei.
— Eu tô indo aí. Conheço algumas pessoas que trabalham na delegacia, elas podem ajudar a gente.
— Obrigada. Vou desligar.
— Tá, até já já.
— Nada da Willow? — Ana perguntou triste.
— Nada.
— Vem, vamos subir. Você precisa se acalmar ou senão vai ter um troço.
Então voltamos para o apartamento, sem nenhuma pista do paradeiro de Willow. Ana me deu água com açúcar para beber, mas eu estava tão mal que nem conseguia engolir nada.
Umas horas depois, Gisele apareceu na minha casa. Ela estava tão desesperada quanto eu. Só quem era mãe tinha noção do quão tensa eu estava.
— Alguma notícia? — Gisele se sentou ao meu lado na mesa da cozinha.
— Não. — Esfreguei a testa.
— O que aconteceu, Rebeca?
— Ela descobriu sobre o pai dela. Descobriu tudo.
— Merda.
— É.
— E se ela foi encontrar o pai? — Gisele insinuou.
— Ela não faria isso. A Willow nem sabe como ir de uma cidade pra outra.
— Rebeca, uma coisa que eu aprendi tendo duas crianças é: nunca subestime a capacidade dos seus filhos.
— Concordo com ela, Beca. — Ana disse.
— Você precisa ir pra L.A. — Gisele me encarou com o semblante sério.
— Mas e a minha mãe? Ela não pode ficar sozinha.
— Eu cuido dela, Rebeca. — Minha amiga se ofereceu. — Você precisa encontrar a Willow.
— Tá, só não deixa ela saber que a Willow sumiu, por favor. Isso pode dar um pico de estresse nela e pode acabar dando merda.
— Ela não vai saber de nada, prometo.
— Obrigada.
— Você pode voltar pra L.A comigo, no mesmo voo. — Ana sugeriu.
— É, pode ser.
Eram hora de enfrentar todos os meus traumas do passado para recuperar minha filha. Ela devia estar sozinha uma hora dessas, com fome, com frio e correndo perigo. Eu ia voltar para a Califórnia, nem que eu precisasse encontrar Robert de novo. Tudo o que me importava agora era achar Willow.