Sniper Americano

By lcbisi

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Entre 1999 e 2009, um atirador de elite da Marinha dos Estados Unidos bateu o recorde de mortes em combate co... More

Nota do autor
PRÓLOGO: O MAL NA MIRA
1 RODEIOS E OUTRAS FORMAS DE DIVERSÃO
3 ABORDAGENS
4 CINCO MINUTOS PARAVIVER
5 ATIRADOR DE ELITE
6 DISTRIBUINDO MORTE
7 NO MEIO DO CAOS
8 CONFLITOS FAMILIARES
9 OS JUSTICEIROS
10 O DIABO DE RAMADI
11 Homem abatido
12 Tempos difíceis
13 Mortalidade
14 Em casa e fora da marinha
Agradecimentos
Sobre o Autor

2 COMO UMA BRITADEIRA

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By lcbisi

BEM-VINDO AO BUD/S

—NO CHÃO! Cem flexões! AGORA!

Mais ou menos 220 corpos caíram no asfalto e começaram a subir e descer. Todos usávamos uniforme camuflado de combate e capacetes recém-pintados de verde. Era o começo do treinamento do BUD/ S. Estávamos destemidos, empolgados e nervosos pra cacete.

Íamos levar uma surra e estávamos adorando.

O instrutor nem sequer se deu ao trabalho de sair do gabinete dentro do prédio, que ficava pertinho dali. A voz grave, ligeiramente sádica, atravessava o corredor com facilidade e chegava ao pátio onde estávamos reunidos.

— Mais flexões! Quero ver quarenta! QUA-REN-TA!

Meus braços ainda não haviam começado a arder quando ouvi um assobio estranho. Ergui os olhos para ver o que era.

Fui recompensado com um jato de água na cara. Alguns dos outros instrutores haviam aparecido e estavam tirando nosso couro com mangueiras de incêndio. Quem fosse burro e olhasse para cima levava um jato de água.

Bem-vindo ao BUD/S.

— Abdominais! VAMOS!

* * *

BUD/ S É O CURSO de introdução pelo qual todos os candidatos devem passar para se tornarem Seals. Atualmente, é ministrado no Naval Special Warfare Center, em Coronado, Califórnia. Começa com a "Indoc", ou Doutrinação, feita para apresentar aos candidatos o que será exigido. Três fases vêm a seguir: treinamento físico, mergulho e guerra terrestre.

Com os anos, surgiram vários documentários e histórias sobre o BUD/S e o rigor do treinamento. Quase tudo o que dizem sobre ele é verdade. (Ou, ao menos, grande parte. A Marinha e os instrutores amenizam um pouco o tom para a transmissão nacional de reality show s e outros programas de TV. Ainda assim, mesmo a versão mais leve é bem verdadeira.)

Essencialmente, os instrutores lhe dão uma surra e depois batem mais um pouco. Quando terminam, acabam com a sua raça e, mais uma vez, dão uma surra no que sobrou.

Acho que você entendeu.

Eu adorava. Odiava, desprezava, xingava... mas adorava.

CADA VEZ PIOR

LEVEI QUASE UM ano para chegar àquele ponto. Eu havia entrado na Marinha e me apresentado para o treinamento básico em fevereiro de 1999. O treinamento foi moleza. Eu me lembro de ligar para meu pai em dado momento e dizer que era fácil comparado com o trabalho no rancho. Isso não era bom. Entrei na Marinha para me tornar um Seal e encarar um desafio. Em vez disso, engordei e fiquei fora de forma.

Veja bem, o treinamento tem como objetivo preparar a pessoa para ficar sentada dentro de um navio. Eles ensinam um monte de coisas sobre a Marinha, o que é bacana, mas eu queria algo mais parecido com o treinamento básico dos Fuzileiros Navais — um desafio físico. Meu irmão entrou para os Fuzileiros Navais e saiu do treinamento bem durão, em plena forma física. Quando eu saí, provavelmente teria sido reprovado no BUD/ S se tivesse entrado direto. Desde então, a Marinha mudou o procedimento. Agora, há um campo de treinamento separado para o BUD/S, com mais ênfase em entrar em forma e mantê-la.

O treinamento dura mais de seis meses e é extremamente exigente em termos físicos e mentais; como já mencionei, a taxa de desistência pode passar de 90%. A parte mais famosa do BUD/S é a Semana Infernal: 132 horas sem parar de atividades físicas. Alguns dos exercícios foram mudados e testados com o passar dos anos, e imagino que continuarão evoluindo. A Semana Infernal permaneceu, em suma, sendo o teste físico mais rigoroso e provavelmente seguirá sendo um dos pontos altos — ou baixos, dependendo da sua perspectiva. Quando eu estava lá, a Semana Infernal aconteceu no fim da Primeira Fase. Mas falarei sobre isso mais tarde.

Felizmente, não fui direto para o BUD/ S. Precisei passar por outro treinamento primeiro, e a carência de instrutores nas aulas do BUD/S evitou que eu (assim como muitos outros) sofresse maus-tratos por um bom tempo.

De acordo com o regulamento da Marinha, eu tinha que escolher uma especialidade, a Qualificação Militar, chamada de MOS (Military Occupation Specialty), como é conhecida na arma. Isso caso não passasse no BUD/ S e não me qualificasse para os Seals. Escolhi inteligência — inocentemente, achei que acabaria como James Bond. Pode rir. Mas foi durante aquele treinamento que comecei a malhar mais a sério. Passei três meses aprendendo os fundamentos das qualificações de inteligência da Marinha e, mais importante, entrando em forma. Por acaso, vi um bando de Seals de verdade na base, e eles me inspiraram a malhar. Eu ia à academia e trabalhava cada parte vital do corpo: pernas, peitoral, tríceps,

bíceps etc. Também passei a correr três vezes por semana, de seis a doze quilômetros por dia, pulando três quilômetros a cada sessão.

Eu odiava correr, mas comecei a desenvolver a mentalidade certa: fazer o que fosse preciso.

* * *

FOI LÁ QUE também aprendi a nadar, ao menos a nadar melhor.

A região do Texas de onde eu vim é longe da água. Entre outras coisas, tive que aprender a dominar a braçada lateral — fundamental para um Seal.

Quando o curso de inteligência acabou, eu estava entrando em forma, mas provavelmente ainda não era suficiente para o BUD/S. Embora não tivesse pensado assim na época, tive sorte de faltarem instrutores para o BUD/ S, o que causou um acúmulo de estudantes. A Marinha decidiu me designar para ajudar os intendentes dos Seals por algumas semanas até que uma vaga fosse aberta. (Intendentes são pessoas nas forças armadas que cuidam de várias tarefas ligadas a pessoal. São equivalentes aos funcionários do departamento de recursos humanos das grandes corporações.)

Eu trabalhava meio período com eles, das oito da manhã a meio-dia ou de meio-dia às quatro da tarde. Quando não estava em serviço, eu malhava com outros candidatos. Fazíamos treinamento físico — o que os professores de educação física das antigas chamavam de calistenia — por duas horas. Você sabe como é: abdominais, flexões, agachamentos.

Passávamos longe da musculação. A ideia não era ganhar músculos: a pessoa queria ficar forte, mas ter o máximo de flexibilidade.

Às terças-feiras e quintas-feiras, fazíamos natação de exaustão: basicamente nadar até afundar. As sextas-feiras eram para as corridas longas: de quinze a vinte quilômetros. Era puxado, mas no BUD/ S esperava-se que a pessoa corresse uma meia maratona.

Meus pais se recordam de uma conversa que tivemos mais ou menos naquela época. Eu tentava prepará-los para o que poderia vir pela frente. Os dois não conheciam muito os Seals, o que talvez fosse bom.

Alguém havia mencionado que minha identidade poderia ser apagada dos registros oficiais. Quando contei isso para os meus pais, imaginei que fossem fazer cara feia.

Perguntei se concordavam com isso. Não que os dois de fato tivessem uma escolha, creio eu.

— Tudo bem — insistiu meu pai.

Minha mãe ouviu calada. Eles estavam bastante preocupados, mas tentaram disfarçar e jamais disseram coisa alguma para me desencorajar. Então, finalmente, após cerca de seis meses de espera, malhação e mais um pouco de espera, as ordens chegaram: apresente-se ao BUD/S.

LEVANDO UMA SURRA

SAÍ DO BANCO traseiro do táxi e ajeitei o uniforme de gala. Peguei meu bolsão, respirei fundo e comecei a percorrer o caminho do tombadilho, o prédio onde eu deveria me apresentar. Eu tinha 24 anos e estava prestes a realizar um sonho.

E levar uma surra durante o processo.

Estava escuro, mas não era bem noite — passava das cinco ou seis da tarde. Eu meio que esperava ser atacado assim que entrasse pela porta. A pessoa escuta todos aqueles rumores sobre o BUD/ S e sobre como o treinamento é puxado, mas nunca sabe a verdade. A expectativa piora as coisas.

Vi um sujeito sentado atrás de uma mesa, fui até lá e me apresentei. Ele registrou a minha entrada, me arrumou um quarto e cuidou das outras palhaçadas burocráticas que precisavam ser resolvidas.

O tempo todo, fiquei pensando: Isso não é muito difícil. E: Vou ser atacado a qualquer momento.

Naturalmente, tive dificuldade para dormir. Não parava de pensar que os instrutores invadiriam o quarto e me dariam uma surra. Eu estava empolgado — e ao mesmo tempo um pouco preocupado.

A manhã chegou sem o menor transtorno. Só aí descobri que eu ainda não estava de fato no BUD/S; não oficialmente. Eu estava no que era conhecido como "Indoc" — ou Doutrinação. O objetivo era preparar o candidato para o BUD/S. É como se fosse o BUD/S com rodinhas laterais. Se os Seals usassem rodinhas.

A Indoc durou um mês. Eles gritaram conosco um bocado, mas não foi nada comparado ao BUD/S. Passamos um tempinho aprendendo os fundamentos daquilo que esperavam de nós, como correr por obstáculos. A ideia era que já dominássemos as medidas de segurança

quando a situação ficasse séria. Também ajudávamos em pequenas tarefas, enquanto outras turmas passavam pelo treino para valer.

A Indoc foi divertida. Eu adorava o lado físico, de forçar o corpo e melhorar as habilidades físicas. Ao mesmo tempo, pude ver como os candidatos eram tratados no BUD/ S e pensei: Ai, merda, é melhor eu tomar jeito e malhar mais.

E então, antes que eu percebesse, a Primeira Fase começou. Agora o treinamento era real, e eu estava levando uma surra. Regularmente e com muita intensidade.

E isso me leva ao ponto onde começamos este capítulo, com o jato de água na cara enquanto eu malhava. Eu vinha fazendo treinamento físico havia meses, mas aquele era bem mais rigoroso. O engraçado é que, embora eu soubesse mais ou menos o que aconteceria, não tinha entendido por completo como seria difícil. Até passar pela experiência de verdade, você simplesmente não sabe.

Num dado momento daquela manhã, pensei: Puta merda, esses caras vão me matar. Meus braços vão cair e vou me desintegrar bem aqui no chão.

De alguma forma, consegui ir em frente.

A primeira vez que a água me atingiu, virei o rosto. Aquilo chamou muita atenção — atenção do tipo ruim.

— Não vire o rosto! — berrou o instrutor, acrescentando algumas palavras pouco elogiosas sobre a minha falta de personalidade e de habilidade. — Vire para cá e leve o jato de água.

E eu obedeci. Não sei dizer quantas centenas de flexões e outros exercícios fizemos. O que sei é que tive a impressão de que iria falhar. E isso me incentivou — eu não queria falhar.

Continuei encarando aquele medo e chegando à mesma conclusão todo dia, às vezes em várias ocasiões num só dia.

* * *

AS PESSOAS QUEREM saber mais sobre a dificuldade dos exercícios, quantas flexões tínhamos que fazer, quantas abdominais... Respondendo a essas perguntas, o número era cem para cada exercício, mas a quantidade em si é quase irrelevante. Pelo que me lembro, todo mundo conseguia fazer cem flexões ou o que fosse. Eram a repetição constante e o estresse contínuo, as ofensas que acompanhavam os exercícios, que tornavam o BUD/S tão puxado. Só vivendo para saber.

É um equívoco comum imaginar que os Seals são todos caras enormes com um máximo de condicionamento físico. Em geral, essa última parte está correta: todos os Seals que fazem parte das equipes estão em excelente forma. Mas eles vêm em vários tamanhos. Eu tenho 1,88 metro e pesava oitenta quilos; outros que serviram comigo variavam de 1,70 até 1,98 de altura. O que tínhamos em comum não eram os músculos, mas a determinação de fazer o que fosse necessário.

Passar pelo BUD/ S e se tornar um Seal tem mais a ver com resistência mental do que qualquer outra coisa. Ser teimoso e se recusar a desistir são a chave do sucesso. De alguma forma, eu acabei encontrando a fórmula certa.

PASSANDO DESPERCEBIDO

NAQUELA PRIMEIRA SEMANA, tentei passar despercebido o máximo possível. Ser notado era uma coisa ruim. Fosse durante o treinamento físico ou um exercício, ou apenas aguardando na fila, a coisa mais ínfima poderia torná-lo o centro das atenções. Se você apresentasse uma postura relaxada na fila, eles logo notavam. Se um instrutor mandasse fazer algo, eu tentava ser o primeiro. Se fizesse direito — e eu sempre tentava fazer —, eles me ignoravam e partiam para outra pessoa. Não consegui passar completamente despercebido. Apesar de todos os exercícios, apesar de todo o treinamento físico e tudo o mais, eu tinha muita dificuldade na barra fixa. Com certeza você conhece o exercício — a pessoa ergue os braços, segura na barra e eleva o corpo. Depois abaixa. Repete. Repete. Repete.

No BUD/ S, tínhamos que ficar pendurados na barra e esperar até que o instrutor mandasse começar. Bom, na primeira vez que a turma se aprontou para o exercício, ele, por acaso, estava bem perto de mim.

— Vamos! — ordenou o instrutor.

— Ugghhhh — gemi ao me puxar para o alto.

Grande erro. Logo fiquei marcado como frouxo.

Antes de mais nada, eu não conseguia fazer tantas repetições assim, talvez seis (que foi o exigido, para falar a verdade). Mas agora, com toda aquela atenção, eu não podia simplesmente passar despercebido. Eu tinha que fazer barras perfeitas. E muitas repetições.

Os instrutores me marcaram, começaram a me obrigar a fazer mais barras e me deram um monte de exercícios a mais.

Aquilo surtiu efeito. A barra se tornou um dos meus melhores exercícios. Eu passava das trinta repetições sem dificuldade. Não me tornei o melhor da turma, mas também não virei uma vergonha.

E a natação? Todo o trabalho que fiz antes de entrar para o BUD/ S deu resultado. Nadar, na verdade, se tornou o meu mel hor exercício. Eu era um dos nadadores mais rápidos da minha turma, se não o mais rápido.

Mais uma vez, as distâncias mínimas não mostravam como a situação era de fato. Para se qualificar, você tinha que nadar quase um quilômetro no oceano. Quando o BUD/ S chega ao fim, um quilômetro não é nada. O candidato nada o dia inteiro. Percursos de dois quilômetros eram comuns. E houve a ocasião em que fomos levados por barcos e deixados a treze quilômetros da praia.

— Só há um jeito de voltar, rapazes — disse um dos instrutores. — Comecem a nadar.

DE REFEIÇÃO EM REFEIÇÃO

PROVAVELMENTE, TODO MUNDO que ouviu falar dos Seals ouviu falar da Semana Infernal. São cinco dias e meio de surra contínua com o objetivo de ver se a pessoa tem a resistência e a determinação necessárias para se tornar o guerreiro supremo.

Cada Seal tem uma história diferente para contar sobre a Semana Infernal. A minha, na verdade, começou um ou dois dias antes dela, lá na arrebentação, perto de algumas pedras.

Alguns de nós estávamos num pequeno bote inflável de borracha para seis pessoas e tínhamos que leválo até a praia, depois das pedras. Eu era o ponta, o que significava que minha função era sair do bote e segurá-lo firme enquanto todo mundo desembarcava e o erguia.

Bem, no momento em que eu me preparava, veio uma onda enorme na arrebentação, levantou o bote e o desceu em cima do meu pé. Doeu pra caramba, e ele ficou dormente na hora.

Ignorei a dor o máximo possível e, no fim das contas, concluí a missão. Mais tarde, quando o serviço acabou, fui falar com um colega cujo pai, por acaso, era médico e pedi que ele examinasse o pé. O homem tirou um raio X e descobriu que o meu pé estava fraturado.

Naturalmente, ele quis engessá-lo, mas não permiti. Aparecer no BUD/S com um gesso significaria interromper o treinamento. E, se eu engessasse o pé antes da Semana Infernal, teria que voltar ao início — e de maneira alguma eu passaria de novo por tudo o que tinha acabado de passar. (Mesmo no BUD/S, você pode sair da base na folga com autorização. E, obviamente, não fui a um médico da Marinha para examinar o pé porque ele teria me mandado voltar na hora — eu teria sido "recuado", como se fala.)

Na noite em que a Semana Infernal deveria começar, fomos levados a um salão, e nos ofereceram pizza e uma maratona de filmes — Fal cão Negro em perigo, Fomos heróis, Coração valente. Todos nós relaxamos de um jeito nada relaxante, pois sabíamos que a Semana Infernal estava prestes a ter início. Era tipo uma festa a bordo do Titanic. Os filmes nos deixaram empolgados, mas sabíamos que o iceberg estava lá fora, se agigantando no escuro.

Mais uma vez, minha imaginação me deixou nervoso. Eu sabia que, em algum momento, um instrutor irromperia pela porta com uma metralhadora M-60 disparando balas de festim, e eu teria que correr lá fora e fazer uma fila no triturador (área de malhação no asfalto). Mas quando?

Cada minuto que passava deixava meu estômago mais embrulhado. Fiquei ali sentado dizendo "meu Deus" para mim mesmo. Sem parar. Muito eloquente e profundo.

Tentei cochilar, mas não consegui dormir. Finalmente, alguém irrompeu no salão e começou a atirar.

Graças a Deus!

Acho que nunca fiquei tão feliz em ser maltratado na vida. Corri lá para fora. Os instrutores jogavam granadas de luz e som e seguravam mangueiras abertas no máximo. (Granadas de luz e som geram um clarão intenso e um barulho muito alto quando explodem, porém, não ferem ninguém.)

Eu estava empolgado, pronto para o que algumas pessoas consideram o teste supremo para os aspirantes a Seals. Mas, ao mesmo tempo, eu pensava O que diabos está acontecendo?, pois, embora soubesse tudo a respeito da Semana Infernal — ou imaginasse saber —, não entendia para valer, já que no fundo nunca tinha passado por aquilo.

Fomos separados. Eles nos mandaram para postos diferentes, e começamos a fazer flexões, abdominais, polichinelos...

Depois disso, todo mundo correu junto. Meu pé? Era o menor dos sofrimentos. Nós nadamos, fizemos treinamento físico, levamos os botes para fora. Na maior parte do tempo, apenas íamos em frente. Um dos rapazes ficou tão exausto ao ponto de pensar que um caiaque que estava verificando os nossos botes era um tubarão, e começou a berrar um alerta. (Na verdade, era o comandante. Não sei se ele encarou isso como elogio.)

Antes do início do BUD/S, alguém me dissera que a melhor maneira de encarar o treinamento era de refeição em refeição. Dê o máximo de si até ser alimentado. Eles alimentam a pessoa de seis em seis horas, como um relógio. Então, eu me concentrei naquilo. A salvação estava sempre a menos de cinco horas e 59 minutos.

Ainda assim, em várias ocasiões achei que não conseguiria passar no treinamento. Fiquei tentado a me levantar e correr até o sino que encerraria a tortura — se você toca o sino, é levado para tomar café e comer uma rosquinha. E para se despedir, porque tocar o sino (ou ficar de pé e dizer "desisto") significa o fim do programa para você.

Acredite ou não, meu pé fraturado começou a melhorar aos poucos, conforme a semana passava. Talvez eu tivesse me acostumado tanto à sensação que ela se tornou normal. O que eu não suportava era o frio. Deitado na arrebentação, pelado, congelando a bunda — aquilo foi o pior. Eu dava os braços para os caras dos dois lados e tremia como uma britadeira; o corpo inteiro vibrava loucamente de frio. Eu rezava para que alguém mijasse em mim.

Todo mundo rezava, tenho certeza. Urina era a única coisa quente disponível àquela altura. Se, por acaso, você olhasse para a arrebentação durante uma aula do BUD/S e visse um monte de caras amontoados, era porque alguém ali estava mijando e todo mundo aproveitava o calor. Se aquele sino estivesse um pouco mais perto, talvez eu tivesse me levantado, ido até lá e tocado, e teria ganhado o café quente e a rosquinha. Mas não fiz isso.

Ou eu era teimoso demais para desistir, ou simplesmente preguiçoso demais para me levantar. A escolha é sua.

* * *

EU TINHA TODO tipo de motivação para seguir em frente. Eu me lembrei de todas as pessoas que me disseram que eu não passaria no BUD/S. Persistir era o mesmo que dar uma banana para elas. E ver todos os navios saírem da costa era outro incentivo: me perguntava se queria terminar lá fora.

Nem pensar!

A Semana Infernal começou num domingo à noite. Lá pela quarta-feira, comecei a achar que passaria. Àquela altura, o objetivo principal era, acima de tudo, permanecer acordado. (Eu tinha dormido cerca de duas horas naquele tempo todo, e não foram consecutivas.) Boa parte da surra havia parado, e agora era mais um desafio mental do que qualquer outra coisa. Muitos instrutores dizem que a Semana Infernal é 90% mental, e eles estão certos. Você precisa mostrar que sua mente tem a resistência necessária para levar uma missão adiante mesmo que esteja exausto. Essa é a ideia por trás do teste.

A Semana Infernal é sem dúvida um método eficiente de selecionar o pessoal. Não percebi isso na hora, para ser honesto. No entanto, em combate compreendi. Não dá para andar até o sino, tocá-lo e voltar para casa quando alguém está atirando em você. Não dá para pedir: "Me dê aquela xícara de café e a rosquinha que vocês prometeram." Se desistir, você morre e alguns dos seus companheiros também.

Os instrutores no BUD/S sempre diziam coisas como: "Acha isso ruim? Vai ficar bem pior quando você for para as equipes. Vai sentir mais frio e cansaço assim que chegar lá."

Deitado na arrebentação, pensei que eles estavam mentindo. Mal sabia eu que, em poucos anos, acharia a Semana Infernal uma moleza.

* * *

SENTIR FRIO PASSOU a ser meu pesadelo.

Digo isso literalmente. Depois da Semana Infernal, eu acordava com calafrios o tempo todo. Podia estar embaixo de uma pilha de cobertores e ainda assim sentia frio, porque repassava todo o treinamento na cabeça.

Tantos livros e vídeos foram feitos sobre a Semana Infernal que não vou gastar mais do seu tempo ao descrevê-la. Só digo uma coisa: passar por ela é bem pior do que ler a respeito.

RECUADO

APÓS A SEMANA Infernal, há uma breve fase de recuperação chamada de semana da caminhada. Àquela altura, você apanhou tanto que o corpo parece estar permanentemente machucado e inchado. Você fica de tênis e não corre — apenas anda rápido para todos os lugares. É uma concessão que não dura muito tempo: depois de alguns dias, você começa a apanhar pra cacete de novo.

— Ok, engole o choro! — berravam os instrutores. — Já passou!

Eles dizem isso quando você está machucado e quando não está.

Após sobreviver à Semana Infernal, pensei que estava seguro. Troquei a camiseta branca pela marrom e comecei a segunda parte do BUD/ S, a fase de mergulho. Infelizmente, num dado momento, acabei pegando uma infecção. Não muito tempo depois do início da segunda fase, eu estava numa torre de mergulho, um aparato especial de simulação. Nesse exercício, eu tinha que treinar com um sino de mergulho para realizar o que se chama de ascensão por flutuação, enquanto mantinha a pressão equilibrada nos ouvidos interno e externo. Há alguns métodos para se fazer isso; uma solução comum é fechar a boca, tapar as narinas e soltar o ar aos pouquinhos pelo nariz. Se a pessoa não esvaziar o pulmão da maneira certa, terá problemas...

Fui informado a respeito disso, mas por causa da infecção eu não conseguia fazer a coisa direito. Como eu estava no BUD/S e era inexperiente, decidi simplesmente tentar ser forte e arriscar. Foi uma decisão errada: mergulhei e acabei estourando o tímpano. Havia sangue saindo dos meus ouvidos, nariz e olhos quando voltei à superfície.

Eles prestaram atendimento médico na hora e depois me despacharam para cuidar dos ouvidos. Por causa dos problemas de saúde, fui recuado — destacado para entrar numa nova turma assim que me recuperasse.

Quando a pessoa é recuada, ela fica numa espécie de limbo. Como eu já havia passado pela Semana Infernal, não tive que fazer tudo aquilo desde o início — não é preciso repetir a Semana Infernal, graças a Deus. Mas eu não podia ficar sem fazer nada até a turma seguinte avançar. Assim que tive condições, passei a ajudar os instrutores, fazer treinamento físico diariamente e correr com uma turma de camisetas brancas (primeira fase) enquanto eles apanhavam.

* * *

UMA COISA IMPORTANTE a meu respeito é que, desde a adolescência, adoro mascar fumo.

Meu pai me flagrou uma vez quando eu estava no colegial. Ele era contra e decidiu que me livraria do vício de uma vez por todas. Então me obrigou a comer uma lata inteira de fumo com sabor de gaultéria. Até hoje não consigo usar pasta de dentes com esse gosto.

Mas com outros tipos de fumo é diferente. Hoje em dia, Copenhagen é a minha marca favorita.

É proibido mascar fumo quando se é aspirante no BUD/ S, mas como fui recuado meio que achei que poderia escapar impune. Certo dia, botei um pouco de Copenhagen na boca e me juntei à formação para uma corrida. Estava bem no meio do grupo, de maneira que ninguém prestaria atenção. Foi o que eu pensei.

E não é que um dos instrutores ficou atrás de mim e começou a conversar comigo? Assim que respondi, ele viu que eu tinha algo na boca.
— Chão!
Saí da formação e fiquei na posição de flexão.
— Onde está a lata? — ele exigiu saber.
— Na meia.
— Pegue.
Obviamente, eu tinha que permanecer na posição de flexão enquanto pegava a lata, então estiquei a mão para trás e a tirei. O instrutor tomou-a e a colocou na minha frente.
— Coma.
Toda vez que me abaixava para fazer flexão, precisava dar uma grande mordida no Copenhagen e engoli-lo. Eu mascava desde os quinze anos e já engolia regularmente o fumo quando terminava, portanto não foi tão ruim quanto você pensa. Com certeza, não foi tão ruim quanto o instrutor queria. Talvez, se fosse de gaultéria, a história teria sido diferente. Ele ficou puto por eu não ter vomitado e me obrigou a ralar por várias horas em exercícios e coisas assim. Eu de fato quase vomitei — não por causa do Copenhagen, mas por cansaço.
Por fim, ele me deixou em paz. Depois disso, passamos a nos dar muito bem. No fim das contas, o próprio instrutor mascava fumo. Ele e outro instrutor do Texas foram com a minha cara no fim do BUD/S, e aprendi muita coisa com os dois ao longo do curso.

* * *

MUITA GENTE FICA surpresa ao saber que lesões não necessariamente desqualificam um candidato de se tornar um Seal, exceto se forem tão sérias que acabem com a carreira na Marinha. Mas isso faz sentido, uma vez que ser um Seal tem mais a ver com resistência mental do que capacidade física — se você tem a fortaleza emocional para se recuperar de uma lesão e completar o programa, há uma boa chance de se tornar um bom Seal.Conheço pessoalmente um Seal que quebrou o quadril de um jeito tão feio durante o treinamento que precisou fazer uma cirurgia para pôr uma prótese. O sujeito teve que aguardar por um ano e meio, mas passou pelo BUD/S.
Alguns caras falam que foram expulsos do BUD/S porque brigaram com o instrutor e meteram a porrada nele. São uns mentirosos de merda. Ninguém briga com os instrutores. As pessoas simplesmente não fazem isso. Acredite: se alguém fizesse, os superiores se juntariam e lhe dariam uma surra tão grande que o sujeito nunca mais voltaria a andar.

MARCUS

VOCÊ FAZ AMIZADES no BUD/S, mas tenta não fazer tantas amizades assim até o fim da Semana Infernal. É quando ocorre a maior perda de pessoal. Na nossa turma, formaram-se 24 caras — menos de 10% do número inicial de candidatos.
Eu era um deles. Comecei na turma 231, porém, por causa do recuo, me formei com a 233.
Depois do BUD/S, os Seals seguem para o treinamento avançado — conhecido oficialmente como Treinamento Qualificatório dos Seals. Enquanto estive lá, reencontrei um amigo que fiz no BUD/S: Marcus Luttrell.
Marcus e eu nos demos bem logo de cara. Era de se esperar: éramos dois garotos do Texas. Não espero que você entenda caso não seja texano. Parece haver uma ligação especial entre as pessoas do estado. Não sei se tem a ver com experiências em comum ou se existe alguma coisa na água — ou talvez na cerveja. Texanos costumam se dar muito bem uns com os outros, e nesse caso a amizade foi instantânea. Talvez não seja um mistério tão grande assim; afinal, tivemos um monte de experiências em comum, desde o gosto pela caça na infância até o fato de termos entrado para a Marinha e conseguido superar o BUD/ S.
Marcus passou no BUD/S antes de mim e fez treinamento avançado especial de enfermagem antes de voltar ao Treinamento Qualificatório dos Seals. Por acaso foi ele quem me examinou quando tive minha primeira embolia gasosa ao mergulhar. (Numa linguagem simples, a "embolia gasosa" ocorre quando uma quantidade excessiva de oxigênio entra na corrente sanguínea. Causada por vários fatores, pode ser extremamente grave. Meu caso foi bem simples.)
A segunda vez também foi durante um mergulho. Eu sempre digo que sou um "... L", e não um Seal. Sou um cara da terra. É melhor deixar o ar e o mar para outra pessoa.
No dia desse incidente, eu estava nadando com um tenente, nós dois determinados a ganhar a barbatana dourada — um prêmio pelo mergulho mais foda do dia. O exercício envolvia nadar sob um navio e plantar minas magnéticas. (Uma mina magnética é um explosivo especial que se gruda no casco de um navio. Em geral, é uma bomba-relógio.)
Estávamos indo muitíssimo bem quando, de repente, na hora em que eu estava bem no fundo, senti uma vertigem e meu cérebro virou um vegetal. Consegui agarrar um poste e me abraçar nele. O tenente tentou me passar uma mina, depois tentou sinalizar quando não a peguei.
Encarei o oceano com um olhar vago. Enfim, recuperei os sentidos e consegui sair dali e continuar.
Ficamos sem a barbatana dourada naquele dia. Quando retornei à superfície, eu estava bem, e tanto Marcus quanto os instrutores me liberaram.
Embora tenhamos ido para equipes diferentes, Marcus e eu mantivemos contato com o passar dos anos. Parecia que, sempre que eu voltava de um desdobramento, ele entrava para me substituir. Almoçávamos juntos e trocávamos informações.

* * *

PERTO DO FIM do Treinamento Qualificatório dos Seals, recebemos ordens informando em qual equipe Seal entraríamos. Embora tivéssemos passado pelo BUD/S, ainda não nos considerávamos Seals de verdade. Somente quando entrássemos para uma equipe ganharíamos os Tridentes — e, mesmo assim, teríamos que provar nosso valor primeiro. (Os Tridentes dos Seals, também conhecidos como Budweiser, são "enfeites" de metal ou distintivos. Além do tridente de Netuno, o símbolo inclui uma águia e uma âncora.) Naquela ocasião, havia seis equipes, o que significava três escolhas em cada costa, Leste e Oeste. Minha primeira opção era a equipe Seal 3, baseada em Coronado, Califórnia. Eu a escolhi porque ela já havia participado de conflitos no Oriente Médio e provavelmente retornaria. Eu queria entrar em combate se possível. Acho que todos nós queríamos.
Minhas duas opções seguintes eram equipes baseadas na Costa Leste, pois estive na Virgínia, onde elas estavam aquarteladas. Não sou um grande fã desse estado, mas gostava de lá muito mais do que da Califórnia. San Diego — a cidade próxima de Coronado — tinha um clima ótimo, mas o sul da Califórnia é a terra dos malucos. Eu queria morar em algum lugar com um pouco mais de sanidade.
O intendente para quem eu trabalhava me disse que garantiria que eu conseguisse a primeira opção. Eu não estava cem por cento certo disso, mas, àquela altura, teria aceitado qualquer designação que me dessem — é claro, uma vez que não dependia de mim.
Mas conseguir a designação não foi nada dramático. Eles nos levaram para uma grande sala de aula e entregaram papéis com as ordens. Eu consegui a primeira opção: equipe 3.

AMOR

OUTRA COISA QUE aconteceu naquela primavera teve um enorme impacto não só na minha carreira militar, mas na minha vida.
Eu me apaixonei.
Não sei se você acredita em amor à primeira vista. Acho que eu não acreditava antes da noite de abril de 2001, quando vi Taya no bar de uma casa noturna de San Diego falando com um dos meus amigos. Ela conseguia fazer suas calças pretas de couro parecerem ao mesmo tempo tesudas e classudas. A combinação era perfeita para mim.
Eu tinha acabado de entrar para a equipe 3. Ainda não havíamos iniciado o treinamento, e eu estava curtindo o que seria uma semana de férias antes de começar para valer a virar um Seal e fazer por merecer a vaga.
Taya trabalhava para uma empresa farmacêutica como representante comercial de medicamentos quando nos conhecemos. Nascida no Oregon, ela fez faculdade em Wisconsin e se mudou para a Costa Oeste alguns anos antes de nosso primeiro encontro. Minha primeira impressão foi de que ela era linda, embora parecesse meio puta com alguma coisa. Quando começamos a conversar, também descobri que Taya era inteligente e tinha um bom senso de humor. Notei na hora que ela era uma pessoa perfeita para mim.

Mas talvez Taya devesse contar essa história. A versão dela é melhor do que a minha:

TAYA:

Eu me recordo da noite em que nos conhecemos — um pouco, pelo menos. Eu não ia sair.

Estava num ponto baixo da minha vida. Eu passava os dias num emprego do qual não gostava. Era praticamente nova na cidade e ainda procurava por boas amiz ades femininas.
E vez ou outra saía com al gum cara, mas sem muito sucesso. Eu havia tido alguns bons relacionamentos e uns poucos ruins, com al guns encontros no meio. Lembro-me de ter pedido a Deus, antes de conhecer Chris, apenas para me enviar um cara legal . Nada mais importava, pensava eu. Eu só rez ava para conhecer al guém que fosse bom e bacana por natureza.

Uma amiga me chamou para sair e ir a San Diego. Eu morava em Long Beach naquela época, a uns 150 quil ômetros de distância. Eu não ia, mas, de al guma forma, ela conseguiu me convencer.

Estávamos dando uma volta naquela noite e passamos por um bar chamado Mal oney's.

Lá estavam tocando "Land Down Under", do Men at Work, aos berros. Minha amiga queria entrar, mas o couvert artístico era muito caro, uns 10 ou 15 dólares.
— Eu não vou pagar isso — fal ei. — Não para entrar num bar que toca Men at Work.
— Ah, para com isso — disse minha amiga.

Ela pagou o couvert, e nós entramos.

Estávamos no bar. Eu estava bebendo, meio impaciente. Então um cara alto e bonito veio e começou a falar comigo. Eu tinha conversado com um dos amigos del e, que parecia ser um babaca. Meu humor já estava bem ruim, mas o cara tinha um certo charme. Ele me disse o nome, Chris, e eu falei o meu.

— O que você faz ? — perguntei.

— Dirijo uma van de sorvete.

— Você está de sacanagem. Está muito na cara que você é militar.

— Não, não.

Ele me contou um monte de outras coisas. Seal s quase nunca admitem para desconhecidos o que de fato faz em, e Chris tinha as mel hores mentiras de todos os tempos.

Uma das melhores era que ele trabalhava como encerador de gol finhos: ele disse que golfinhos em cativeiro precisam ser encerados para que a pele não se desintegre. É uma história bem convincente — se você for uma garota jovem, ingênua e estiver meio altinha.

Felizmente, Chris não tentou essa mentira em especial comigo — espero que tenha sido porque percebeu que eu não cairia nela. El e também já convenceu garotas de que operava um caixa eletrônico, que ficava sentado lá dentro e entregava o dinheiro quando as pessoas inseriam os cartões. Eu nem de l onge era assim tão ingênua ou estava tão bêbada para Chris tentar aquel a história comigo.

Só de olhar já dava para saber que Chris era mil itar: todo sarado, de cabelo curto, falando com um sotaque que diz ia "não sou daqui".

Final mente, el e admitiu que era das forças armadas.

— Então, o que você faz nas forças armadas? — perguntei.

Chris disse um monte de outras coisas, e enfim consegui arrancar a verdade dele.

— Acabei de passar no BUD/S.

Aí falei algo como ok, então você é um Seal .

— É.

— Eu sei tudo sobre vocês.

Veja bem, minha irmã tinha acabado de se divorciar. Meu cunhado queria ser um Seal e havia passado por parte do treinamento. Logo, eu sabia (ou achava que sabia) o que isso significava.

Então eu disse para o Chris:

— Vocês são arrogantes, egocêntricos e narcisistas. Vocês mentem e pensam que podem fazer o que bem quiserem.

É, eu estava sendo o mais charmosa possível .

O curioso foi como el e reagiu. Chris não deu um sorrisinho de deboche ou bancou o espertinho, ou mesmo pareceu ofendido. Ele ficou verdadeiramente... intrigado.

— Por que você diz isso? — perguntou, de maneira bem inocente e sincera.

Contei a história do meu cunhado.

— Eu daria a vida pelo meu país — retrucou ele.

— Como isso é ser egocêntrico? É o contrário.

Chris era tão idealista e romântico em rel ação a ser patriota e servir ao país que foi inevitável acreditar nele.

Conversamos um pouco mais, depois minha amiga apareceu e dei atenção a ela. Chris fez menção de ir embora.

— Por quê? — perguntei.

— Bem, você disse que jamais namoraria um Seal ou sairia com um.

— Ah, não, eu disse que jamais me casaria com um Seal. Não falei que não sairia com um.

Seu rosto ficou radiante.

— Nesse caso — disse Chris, com aquele sorrisinho maroto que ele tem —, acho que vou pedir seu telefone.

Ele ficou por ali. Eu fiquei por ali. Ainda estávamos l á quando avisaram que o bar ia fechar. Quando me levantei para ir embora com a mul tidão, fui empurrada contra ele.

Chris era todo forte, muscul oso e cheirava bem, então dei um beijinho no pescoço dele.

Nós saímos, e Chris nos acompanhou até o estacionamento... E eu comecei a vomitar tudo e mais um pouco por causa de todos os uísques com gel o que bebi.

Como não amar uma garota que perde a linha quando vocês dois se conhecem? Eu sabia desde o início que ela era alguém com quem eu queria passar muito tempo. Mas de início isso foi impossível. Liguei para ela na manhã seguinte para ter certeza de que estava bem.

Conversamos e rimos um pouco. Depois disso, voltei a ligar e deixei mensagens. Ela não retornou.

Os caras na equipe começaram a me provocar. Eles apostavam se algum dia Taya me ligaria por vontade própria. Veja bem, nós conversamos algumas vezes quando ela atendia o telefone — talvez por achar que fosse outra pessoa. Depois de um tempo, ficou óbvio até para mim que Taya nunca ligava primeiro.

Então algo mudou. Eu me lembro da primeira vez que ela me ligou. Estávamos treinando na Costa Leste.

Quando terminamos de conversar, corri para dentro e comecei a pular nas camas dos companheiros. Encarei a ligação como um sinal de que Taya estava interessada de verdade.

Fiquei feliz de contar isso para todos os que disseram que não ia dar em nada.

TAYA:

Chris sempre teve muita noção dos meus sentimentos. De uma forma geral , ele é extremamente observador e isso também val e para as minhas emoções. Ele não precisa dizer muita coisa. Uma simples pergunta ou um jeito sutil de abordar um assunto revela que Chris está cem por cento ciente do que sinto. Isso não quer diz er que goste de conversar sobre sentimentos, mas sabe quando é apropriado ou necessário colocar para fora coisas que eu talvez fosse manter guardadas para mim.

Percebi essa característica logo no início do nosso relacionamento. A gente falava ao telefone, e ele era bem atencioso.

Em vários aspectos, nós somos opostos. Ainda assim, parecíamos encaixar com perfeição. Um dia, ao telefone, Chris me perguntou o que eu achava que nos tornava compatíveis.

Decidi contar algumas coisas que me atraíam nele.

— Acho que você realmente é um bom sujeito, um cara legal mesmo. E sensível.

— Sensível?! — Ele ficou chocado e parecia ofendido. — Como assim?

— Você não sabe o que significa ser sensível ?

— Quer diz er que choro vendo filmes e coisas assim?

Eu ri. Expliquei que ele parecia notar o que eu sentia, às vezes antes de eu mesma perceber. E que ele me deixava expressar aquela emoção e, mais importante, me dava espaço.

Não acho que essa seja a imagem que a maioria das pessoas tem dos Seals, mas era e é uma imagem fiel , pelo menos desse Seal.

11 DE SETEMBRO DE 2001

À MEDIDA QUE ficávamos mais próximos, Taya e eu começamos a passar mais tempo juntos.

Por fim, já dormíamos um no apartamento do outro, em Long Beach ou San Diego.

Um dia, acordei com ela gritando:

— Chris! Chris! Acorda! Você tem que ver isso!

Entrei correndo na sala. Taya tinha ligado a televisão e aumentado o volume. Vi fumaça saindo do World Trade Center, em Nova York. Não entendi bem o que estava acontecendo. Parte de mim ainda dormia.

Então, enquanto eu assistia, um avião voou direto na lateral da segunda torre.

— Filhos da puta! — murmurei.

Olhei fixamente para a tela, furioso e confuso, sem ter plena certeza de que aquilo era real.

De repente, lembrei que havia deixado o celular desligado. Liguei o telefone e vi que havia um monte de mensagens. Resumindo, todas diziam mais ou menos isto:

Kyle, volte para a base, porra. Agora!

Peguei o SUV de Taya, que tinha bastante gasolina, ao contrário da minha picape, e voei para a base. Não sei exatamente a que velocidade fui — posso ter passado de 160 —, mas com certeza foi bem alta.

Perto de San Juan Capistrano, dei uma olhada no retrovisor e vi luzes vermelhas piscando. Parei no acostamento. O guarda que se aproximou estava puto.

— O senhor tem motivo para correr tanto assim? — exigiu saber.

— Sim, senhor. Peço desculpas. Sou militar, e acabaram de me chamar de volta. Compreendo que o senhor tem que me multar. Sei que agi errado, mas, com todo respeito, será que o senhor poderia andar rápido e me dar a multa para que eu possa voltar à base?

— Em que arma o senhor serve?

Filho da puta, pensei. Acabei de dizer que preciso me apresentar. Será que você pode me dar logo a porra da multa? Mas me mantive calmo.

— Sou da Marinha — respondi.

— O que o senhor faz na Marinha?

Àquela altura, eu estava bastante irritado.

— Sou Seal.

Ele fechou o talão de multas.

— Eu levo o senhor até o limite da cidade. Faça esses caras pagarem, porra.

O guarda ligou as luzes e ficou na minha frente. Fomos um pouco mais devagar do que eu dirigia antes, mas ainda era bem acima do limite de velocidade. Ele me levou até o limite da sua jurisdição, talvez um pouco adiante, e depois indicou que eu seguisse em frente.

TREINAMENTO

FOMOS DEIXADOS EM estado de prontidão imediata, mas acabaram não precisando de nós no Afeganistão ou em qualquer outro lugar naquele momento. Meu pelotão teve que esperar cerca de um ano até entrar em ação, e, quando entramos, foi contra Saddam Hussein, e não Osama bin Laden.

Há muita confusão no mundo civil sobre os Seals e a nossa missão. A maioria das pessoas acha que somos comandos baseados estritamente no mar, o que significaria que sempre partimos de navios e atacamos alvos na água ou no litoral próximo.

É bem verdade que grande parte do trabalho envolve coisas no mar — somos da Marinha, afinal de contas. E do ponto de vista histórico, como mencionei antes, a origem dos Seals remonta às Equipes de Demolição Submarina. Estabelecidos na Segunda Guerra Mundial, os UDTs, ou homens-rãs, foram responsáveis pelo reconhecimento de praias antes de serem invadidas e treinavam para realizar várias tarefas na água, como se infiltrar em portos e plantar minas magnéticas em embarcações inimigas. Eles foram os mergulhadores de combate sinistros e fodões da Segunda Guerra Mundial e do pós-guerra, e os Seals têm orgulho de trilhar o caminho aberto pelos homens-rãs.

Mas, conforme a missão dos UDTs se expandiu, a Marinha reconheceu a necessidade de operações especiais que não terminassem à beira-mar. Quando novas unidades chamadas de Seals foram formadas e treinadas para essa missão ampliada, elas acabaram substituindo os velhos UDTs.

Embora "terra" [land] seja a última palavra no acrônimo Seal, ela está longe de ser a última coisa que fazemos. Toda unidade de operações especiais das forças armadas americanas tem sua especialidade. Há muitos pontos em comum no treinamento, e a gama de missões é parecida em muitos aspectos. Porém, cada arma tem uma especialidade. As Forças Especiais do Exército — também conhecidas só como Forças Especiais — fazem um trabalho excelente em treinar forças estrangeiras, tanto em guerra convencional quanto não convencional. Os rangers do Exército são uma grande força de assalto — se você quer tomar um grande alvo, digamos um campo de aviação, essa é a especialidade deles. As forças especiais da Aeronáutica — os paraquedistas — se destacam em tirar gente do meio do combate. Entre as nossas especialidades estão as ações diretas (DAs, de Direct Actions).

Uma missão de ação direta é um ataque muito curto e rápido contra um alvo pequeno, porém de grande valor. Pense num ataque cirúrgico contra o inimigo. Para todos os efeitos, uma missão de ação direta pode ser qualquer coisa, desde um ataque a uma ponte importante atrás das linhas inimigas até uma invasão ao esconderijo de um terrorista para prender um fabricante de bombas — uma "apreensão", como alguns chamam. Embora sejam missões bem diferentes, a ideia é a mesma: bater com força e rapidez antes que o inimigo saiba o que está acontecendo.

Depois do 11 de Setembro, os Seals começaram a treinar para encarar os lugares que mais provavelmente abrigavam terroristas islâmicos: o Afeganistão como número um e, depois, o Oriente Médio e a África. Ainda fazíamos todas as coisas que um Seal deve fazer — mergulhar, pular de aviões, tomar navios etc. No entanto, houve mais ênfase em combate terrestre durante o treinamento do que costumava haver no passado.

No alto escalão surgiu uma discussão sobre essa mudança. Alguns queriam limitar a ação dos Seals a quinze quilômetros em terra firme. Ninguém pediu minha opinião, mas, no que me diz respeito, não deveria haver limites. Pessoalmente, fico feliz em estar fora d'água, mas isso não vem ao caso. Deixe-me fazer o que fui treinado para fazer em qualquer lugar que seja necessário.

O treinamento, pelo menos grande parte dele, foi divertido, mesmo quando era um pé no saco. Nós mergulhamos, entramos no deserto, trabalhamos nas montanhas. Sofremos até afogamento simulado e fomos atacados com gás.

Todo mundo sofre afogamento simulado durante o treinamento. A ideia é prepará-lo caso você seja capturado. Os instrutores nos torturavam o máximo possível — éramos pendurados e surrados — até quase sermos feridos de forma permanente. Eles dizem que todo mundo tem um limite e que os prisioneiros cedem com o tempo. No entanto, eu teria feito o máximo para que me matassem antes de revelar segredos.

O treinamento com gás foi outro tormento. Basicamente, a pessoa é atingida por gás CS e tem que lutar em meio a ele. Essa substância é um "spray incapacitante", ou gás lacrimogêneo — o ingrediente ativo é o 2-clorobenzilideno malononitrila, para vocês que estudam química.

Achávamos que CS era "tosse e cospe" (em inglês, cough and spit), porque essa é a melhor forma de lidar com ele. Você aprende a deixar o choro rolar — a pior coisa é esfregar os olhos. Você vai ficar fungando, tossindo e chorando, mas ainda é capaz de disparar a arma e lutar em meio ao gás. Esse é o objetivo do exercício.

Fomos a Kodiak, Alasca, e lá fizemos um curso de orientação. Não estava no ápice do inverno, mas ainda havia tanta neve no solo que tivemos de usar raquetes de neve. Começamos com instruções básicas sobre nos manter aquecidos — usar camadas de roupa etc. — e aprendemos sobre abrigos, por exemplo. Um dos pontos importantes nesse treinamento, que se aplicava a qualquer terreno, foi aprender a poupar peso em campanha. Você tem que calcular se é mais importante ficar mais leve e ter mais mobilidade ou se é preciso levar mais munição e usar mais roupas à prova de balas.

Prefiro leveza e velocidade. Quando saímos, eu conto gramas, e não quilos. Quanto mais leve, mais mobilidade a pessoa tem. Aqueles filhos da puta baixinhos lá fora são mais rápidos do que qualquer coisa. A gente precisa de toda vantagem que conseguir sobre eles.

O treinamento é muito competitivo. Num certo momento, descobrimos que o melhor pelotão na equipe seria despachado para o Afeganistão. O treinamento acelerou a partir daquele ponto. Foi uma competição acirrada, e não somente lá no campo. Os oficiais puxavam o tapete uns dos outros. Eles iam ao comandante e ficavam se delatando:

O senhor viu o que aqueles caras fiz eram no campo? Eles não prestam...

No final a disputa se resumia a nós e a outro pelotão. Ficamos em segundo. Eles foram para a guerra; nós ficamos em casa.

Esse é o pior destino que um Seal pode imaginar.

* * *

COM O CONFLITO no Iraque surgindo no horizonte, nosso foco mudou. Praticamos combate no deserto e nas cidades. Trabalhamos com afinco, mas sempre havia momentos mais amenos.

Eu me recordo de uma ocasião em que estávamos num treinamento urbano real. O comando encontrava um município disposto a nos deixar entrar e derrubar um prédio de verdade — por exemplo, um armazém ou uma casa —, algo um pouco mais autêntico do que o que se encontra numa base. Nesse exercício, estávamos trabalhando numa casa. Tudo foi cuidadosamente combinado com a delegacia local. Alguns "atores" foram recrutados para interpretar papéis.

Minha função era fazer a segurança do lado de fora. Eu interrompi o tráfego e acenava para os veículos se afastarem enquanto alguns policiais locais observavam a distância.

Enquanto eu estava lá fora, com a arma na mão, sem parecer muito amigável, um sujeito veio andando pelo quarteirão na minha direção.

Comecei a seguir o procedimento. Primeiro acenei para que fosse embora. O cara continuou vindo. Depois virei a lanterna para ele. O cara continuou vindo. Apontei a mira laser. O cara continuou vindo.

Obviamente, quanto mais ele se aproximava, mais convencido eu ficava de que o sujeito era um ator, enviado para me testar. Repassei mentalmente as regras de engajamento, que determinavam como eu deveria agir.

— Você é o quê? O meganha? — perguntou o sujeito ao aproximar a cara da minha. "Meganha" (um termo usado por marginais que significa "policial") não estava nas regras, mas imaginei que o cara estivesse improvisando. A próxima coisa na lista era derrubá-lo. Foi o que fiz. Ele começou a resistir e meteu a mão dentro do casaco, atrás do que presumi ser uma arma, o que era exatamente o que um Seal fingindo ser bandido faria. Então, reagi como deveria, dei uma bela resposta de Seal ao imobilizá-lo no chão com algumas porradas.

Seja lá o que ele tinha dentro do casaco se quebrou e espalhou líquido para todo lado. O cara estava xingando e continuava atuando, mas na hora não perdi tempo pensando sobre tudo aquilo. Quando ele parou de reagir, eu o algemei e olhei em volta.

Os policiais, sentados na patrulhinha ali perto, estavam quase se dobrando de rir. Fui lá ver o que estava acontecendo.

— Esse é o fulano — disseram. — Um dos maiores traficantes de drogas da cidade. Nós queríamos poder ter batido nele do mesmo jeito que você bateu.

Ao que parecia, o sr. Meganha ignorou todas as placas e entrou no exercício sem saber, achando que seguiria em frente como sempre. Há idiotas em qualquer lugar, mas acho que isso explica como ele acabou se tornando traficante, antes de mais nada.

O TROTE E A COLEIRA

POR MESES, O Conselho de Segurança das Nações Unidas pressionou o Iraque a acatar por completo as resoluções da ONU, sobretudo aquelas que exigiam inspeções de supostas armas de destruição em massa, assim como de locais relacionados. A guerra não era dada como certa — Saddam poderia ter mostrado tudo o que os inspetores queriam ver. No entanto, a maioria de nós sabia que ele não acataria. Então, quando ouvimos que seríamos enviados ao Kuwait, ficamos felizes. Imaginamos que iríamos para a guerra.

De uma forma ou de outra, havia muita coisa para fazer lá. Além de vigiar as fronteiras do Iraque e proteger a minoria curda, que Saddam atacou com gás e massacrou durante a Primeira Guerra do Golfo, as tropas americanas implantaram zonas de espaço aéreo restrito no norte e no sul. Saddam estava contrabandeando petróleo e outras mercadorias tanto para dentro quanto para fora do país, violando as sanções da ONU. Os Estados Unidos e outros aliados aumentavam as operações para impedir isso.

Antes de eu ser enviado, Taya e eu resolvemos nos casar. A decisão nos surpreendeu. Certo dia, começamos a conversar no carro e chegamos à conclusão de que deveríamos fazer isso.

A decisão me chocou no momento em que a tomei. Concordei com ela. Era totalmente lógica. Estávamos claramente apaixonados. Eu sabia que Taya era a mulher com quem queria passar a vida. E, no entanto, por alguma razão, não achei que o casamento fosse durar.

Nós dois sabíamos que há um percentual altíssimo de divórcios entre os Seals. Na verdade, ouvi especialistas em aconselhamento de casais dizerem que chega perto dos 95%, e acredito.

Então talvez fosse isso que me assustava. Talvez parte de mim de fato não estivesse pronta para me comprometer pela vida inteira. É claro que eu compreendia quanto o meu emprego exigiria de mim assim que eu fosse para a guerra. Não consigo explicar as contradições.

Mas sei que estava completamente apaixonado e que Taya me amava. E, bem ou mal, fosse guerra ou paz, o casamento seria nosso próximo passo juntos. Felizmente, sobrevivemos a tudo.

* * *

UMA COISA QUE você precisa saber sobre os Seals: quando se é novato nas equipes, você leva um trote. Os pelotões são grupos muito fechados. Quem acaba de chegar — sempre chamado de "novato" — sofre pra caramba até provar que merece o lugar. Isso em geral só ocorre bem depois do início do primeiro desdobramento, se é que acontece. Os novatos pegam as tarefas de merda. São testados a todo momento. E sempre levam uma surra.

É um tipo de trote prolongado que assume várias formas. Por exemplo: num exercício, você pega pesado. Os instrutores tiram o seu couro o dia inteiro. Então, quando você acaba, o pelotão sai para farrear. Quando estamos numa missão de treinamento, costumamos andar em vans grandes, para doze passageiros. Um novato sempre dirige. Isso significa, obviamente, que ele não pode beber quando vamos aos bares, pelo menos não como um Seal bebe.

Essa é a forma mais branda de trote. Na verdade, é tão branda que não chega a ser um trote. Estrangular o novato enquanto ele dirige — isso, sim, é um trote.

Certa noite, logo após eu ter entrado para o pelotão, estávamos na farra depois de uma missão de treinamento. Ao sairmos do bar, todo o pessoal mais velho se concentrou no fundo da van. Eu não estava dirigindo, mas não via problema nisso — gosto de sentar na frente. Já estávamos indo rápido havia um tempo quando, de repente, escutei:

— Um-dois-três-quatro, guerra na van pra cima do novato.

No instante seguinte, levei uma surra. "Guerra na van" significava que a temporada de caça aos novatos estava aberta. Saí de lá com as costelas machucadas e um olho roxo, talvez os dois. Devo ter cortado o lábio uma dezena de vezes durante os trotes.

Devo explicar que as guerras na van são diferentes das brigas de bar, outro clássico dos Seals, que são bem conhecidos por se envolverem em confusões nos bares, e eu não era exceção. Fui preso mais de uma vez, embora geralmente as queixas nunca fossem registradas ou fossem logo retiradas.

Por que os Seals brigam tanto?

Não fiz um estudo científico, porém acho que isso tem muito a ver com a agressividade reprimida. Somos treinados para matar pessoas. E, ao mesmo tempo, aprendemos a nos considerar caras sinistros e invencíveis. Essa é uma combinação muito forte.

Quando você entra num bar, há sempre alguém que cutuca seu ombro ou que insinua de alguma forma que você deveria cair fora. Acontece em todos os bares pelo mundo afora. A maioria das pessoas simplesmente ignora coisas assim. Se alguém faz isso com um Seal, a gente se vira e derruba o cara.

Mas ao mesmo tempo é preciso dizer que, embora os Seals costumem dar fim a muitas brigas, em geral não começam tantas assim. Em muitos casos, elas são resultado de algum ciúme idiota ou da necessidade de algum babaca testar a própria macheza e poder se gabar de ter brigado com um Seal.

Nos bares, a gente não se acovarda num canto ou fica quieto. Entramos extremamente confiantes. Talvez a gente faça muito barulho. E, como a maioria é jovem e está em ótima forma, as pessoas reparam. Um grupo de Seals sempre atrai as garotas, e talvez isso deixe os namorados com ciúmes. Ou os caras querem provar alguma coisa por outra razão qualquer. De uma forma ou de outra, a situação esquenta e as brigas acontecem.

* * *

MAS EU NÃO estava falando de brigas de bar — eu falava sobre os trotes. E sobre o meu casamento.

Estávamos nas montanhas de Nevada. Fazia frio — tão frio que nevava. Eu havia tirado alguns dias de folga para me casar e ia pegar o voo pela manhã. O resto do pelotão ainda tinha um pouco de trabalho para fazer.

Naquela noite, voltamos à base temporária e entramos na sala de planejamento de missões. O sargento mandou todo mundo relaxar e tomar umas cervejas enquanto elaborávamos a operação do dia seguinte. Então, ele se virou para mim:

— Ei, novato. Tire a cerveja e a birita da van e traga para cá.

Fui correndo.

Quando voltei, todo mundo estava sentado em cadeiras. Só havia uma livre, no meio de um círculo formado pelas outras. Não dei muita bola para isso.

— Bem, faremos o seguinte — disse o sargento, diante de um quadro branco na parte da frente da sala. — A operação será uma emboscada. O alvo estará no centro. Nós o cercaremos completamente.

Isso não me parece muito inteligente, pensei. Se atacarmos de todas as direções, acabaremos atirando uns nos outros. Em geral, as emboscadas eram planejadas no formato de Lpara evitar isso.

Olhei para o sargento. O sargento olhou para mim. De repente, a expressão séria dele deu lugar a um sorriso sacana.

Com isso, o resto do pelotão pulou em cima de mim.

Caí no chão um segundo depois. Eles me algemaram à cadeira, e depois começou um julgamento de mentira. Havia muitas acusações contra mim. A primeira foi o fato de que deixei que soubessem que eu queria me tornar um atirador de elite.

— Esse novato é um ingrato! — trovejou o advogado de acusação. — Não quer fazer o trabalho dele. Acha que é melhor do que todos nós.

Tentei protestar, mas o juiz — ninguém menos do que o sargento em pessoa — logo me negou a palavra. Eu me virei para o advogado de defesa.

— O que o senhor esperava? — perguntou ele. — Ele só tem o ensino "fundamentar".

— Culpado! — declarou o juiz. — Próxima acusação!

— Meritíssimo, o réu é desrespeitoso — disse a acusação. — Ele mandou o comandante se foder.

— Protesto! — exclamou meu advogado. — Ele mandou o comandante do pelotão se foder.

O comandante em si é o oficial que lidera a equipe, mas também há um comandante que lidera o pelotão. Uma grande diferença, a não ser nesse caso.

— Culpado! Próxima acusação!

Para cada delito de que eu era considerado culpado — o que significava tudo e qualquer coisa que eles inventassem —, eu tinha que beber Jack Daniel's com Coca-Cola, e depois uma dose pura de Jack.

Eles me deixaram bem bêbado antes de sequer chegarmos aos crimes graves. Num determinado momento, tiraram a minha roupa e colocaram gelo dentro da cueca. Eu enfim desmaiei.

Depois, eles me pintaram com spray e, de quebra, ainda desenharam o coelhinho da Playboy no meu peito e nas costas. É bem o tipo de arte corporal que uma pessoa quer na lua de mel.

Chegou uma hora em que meus amigos aparentemente ficaram preocupados com a minha saúde. Então me prenderam completamente nu com fita adesiva a uma maca de resgate, me levaram para fora e me deixaram em pé na neve. Fui deixado lá por um tempo, até recuperar a consciência. Àquela altura, eu tremia feito uma britadeira, com tanta intensidade que seria capaz de abrir um buraco no teto de um bunker. Eles me colocaram no soro — a solução salina ajuda a diminuir o teor de álcool no sangue — e por fim me carregaram de volta ao hotel, ainda preso por fita adesiva à maca.

Tudo o que me lembro do resto da noite é ter sido levado por um monte de degraus, aparentemente para o quarto do hotel. Devia haver alguns espectadores, porque a rapaziada gritava "não há nada para ver aqui, nada para ver", enquanto eu era carregado.

* * *

TAYA LAVOU A maior parte da tinta e dos coelhinhos quando nos encontramos no dia seguinte. Mas ainda dava para ver um pouco pela camisa. Mantive o paletó todo abotoado para a cerimônia.

Àquela altura, o inchaço no rosto tinha praticamente desaparecido. Os pontos no supercílio (de uma briga amigável entre colegas algumas semanas antes) estavam sarando direitinho. O corte no lábio (de um exercício de treinamento) também estava ficando bom. Provavelmente não é o sonho de toda mulher ter um noivo surrado e pintado com spray, mas Taya parecia bastante feliz.

No entanto, o tempo que tivemos para nós foi uma questão delicada. A equipe foi generosa em me dar três dias para ser encoleirado e passar a lua de mel. Por ser novato, fiquei agradecido pela breve folga. Minha nova esposa não era tão compreensiva e deixou isso bem claro. Apesar disso, nós nos casamos e aproveitamos um pouco. Depois, voltei ao trabalho.

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