Já faz tanto tempo
Que eu te vi
Sinto saudades do seu sorriso
Sinto saudades do seu rosto
John Mayer - Without You
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Eu não lembro de muito, mas lembro bem da escuridão. O vazio me preenchia e eu pouco a pouco fui deixando de ter medo naquele lugar.
Era como se a minha própria existência estivesse me abandonando pouco a pouco. Normalmente aquilo não me apavorava, mas aí, eu lembrava dos olhos escuros de Kai. Lembrava dele prostrado com a alma quebrada e tentava sair de onde eu estava, mas eu não conseguia. Não havia nada.
Não era escuro, já que eu conseguia me ver. Via meu corpo, minhas mãos, e minha roupa ainda suja, mas não havia mais nada além disso. Tudo era negro, não importava a direção em que eu olhava.
Passaram-se dias, semanas, meses? Eu não poderia saber... nada mudava e meu corpo não reclamava. Não reclamava de fome, não reclamava de frio ou de cansaço. Mesmo assim eu tentava dormir.
Uma eternidade de um vazio sem fim, aquele era o meu destino. Me deitava e me acalmava e deixava a paz me embalar novamente, mas a imagem de Kai me atormentava. Seus olhos, seu toque, sua voz querendo me provocar e com isso uma nova onda de ansiedade se instalava em mim.
Não sei quanto tempo eu fiquei assim. Eu sentia como se fosse uma eternidade. Eu já estava esquecendo... esquecendo quem eu era..., mas então uma luz surgiu.
– Você consegue me ouvir? – era a voz de uma mulher, mas eu não reconhecia aquela voz – Não desiste agora, está bem?
Não desistir de que? Eu não entendia.
– Se concentra na minha voz – a mulher voltou a falar – eu vou te tirar daqui, vou tirar você e seus filhos.
Meus filhos... aquilo me despertou e me desesperou me causando uma nova crise de ansiedade. Eu precisava tentar salvar meus filhos... eu fui uma covarde, como pude fazer isso com eles? Como eu posso ser chamada de mãe quando condenei meus próprios filhos?
Escutei alguém gritar. Aquela era a voz do Nilo? Isso não fazia sentido. Por que o Nilo estaria aqui?
– Vocês não podem fazer isso comigo – ele vociferou – eu não a matei! Príncipe corvo, isso é injustiça!
– Mas não é por ela – a voz do mesmo homem que havia conversado com Kai uma vez surgiu – isso é por você ter mexido com o meu protegido.
– Ele é só um ser humano – Nilo gritou.
– Não – a voz de outra mulher surgiu – ele não é só um ser humano.
– Por que você também o está defendendo Rainha Carmesim? Um ser tão poderoso como você não poderia se rebaixar assim.
– Sabe o que é Nilo? – a voz da tal Rainha Carmesim pareceu sair divertida – é que antes de ser Hansha, eu era um ser humano. Além do mais, Lissa me ofereceu um ótimo negócio como pagamento. Vamos fazer essa troca logo.
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Acordei em um navio. Trix estava ao meu lado, eu não entendia nada. Olhei para a minha barriga e me admirei por ver uma pequena saliência redondinha e instintivamente passei a mão ali.
– Finalmente acordou – Trix falou me abraçando com força.
– O que aconteceu? – perguntei ainda sem entender a minha situação por completo.
Trix explicou, sem me ocultar nada. Sem me ocultar a dor que eu havia causado em Kai e sem ocultar a dor que foi para ela cumprir o meu último pedido de não me seguir. Falou como Lissa, a líder das Kitsunes se recusou a ver Kai daquela maneira e o como entraram de maneira perigosa entre as barreiras próximo das ilhas de pedra. Depois foram até Khur, chamaram por Khalil, que era o espírito do fogo, através do vento e pediram para que ele as levasse, em nome do Príncipe Corvo até o vampiro Nilo. Lissa em uma onda de fúria que ela nunca tinha visto em ninguém antes matou quase em um piscar de olhos todos os vampiros que estavam com Nilo e o levou até a entrada de Himura sozinha. A entrada para o submundo no meio das ilhas de pedra.
Aparentemente, Lissa fez um acordo com o Príncipe Corvo para me trocar. O selo havia sido feito e uma vida não poderia sair dali, mas a troca poderia ser feita. Nilo ficou no meu lugar por ter emboscado Kai e eu saí do selo com vida.
Quando conheci o Príncipe Corvo e a tal Rainha Carmesim, eu me assustei e recuei com o tamanho do poder deles, mas não foi diferente quando eu conheci Lissa. Reconheci a sede de sangue que a garota tinha e descobri que ao lado de Kai tinha seres muito mais perigosos do que simples lâmias.
Pouco a pouco eu fui ficando mais à vontade. As Kitsunes eram receptivas e divertidas e com o tempo meu medo de Lissa, do Príncipe Corvo e da Rainha Carmesim foram sumindo. Me faziam comer sem medo de ficar sem nada e não me deixavam trabalhar, mas fiquei fascinada com a facilidade que a menina Star tinha de conduzir qualquer coisa sob as águas e de prever qualquer tempestade e pedi, em uma onda nostálgica, para ficar ali com ela. Navegar sempre havia sido uma das melhores coisas da vida.
Deixamos Trix em Khur para que ela assumisse a liderança assim como ela havia pedido. Ela disse que sabendo que me teria, mesmo estando do outro lado do mundo, então ela teria forças para seguir em frente.
A Rainha Carmesim olhava tudo de longe quase sempre. Uma figura misteriosa e maravilhosamente bela aos olhos, até mesmo a faixa em seus olhos era um convite para seguir admirando-a. O Príncipe Corvo estava sempre com ela, mas parecia mais sociável.
Lissa, Layla, Senka e Star eram imparáveis e era impossível não rir com elas ao lado. Pareceram me aceitar no meio delas de maneira natural, como se a minha presença ali no meio sempre tivera existido.
Me falaram que me levariam para fazer compras, dançar, comer..., mas nada de beber. Repetiram tantas vezes que iriam me fazer viver de verdade que eu me perguntei em que momento eu poderia ver o Kai, se é que ele ainda me aceitaria de volta.
– Não esquenta – Layla me empurrou de leve com o ombro e sorriu – tenho certeza que mesmo deixando inúmeros corações partidos, Kai simplesmente não vai conseguir te recusar.
Estávamos caminhando em um imenso jardim e na nossa frente havia um palácio tão grande que se perdia de vista. Então era aqui que ele vivia? Meu assombro não podia ser maior.
Olhei o jardim, e tudo ao redor. Tudo era bem cuidado, tudo era bonito, limpo e acima de tudo, tudo era a cara do Kai.
E então, Lissa olhou para mim e apontou com a cabeça para a entrada do palácio e finalmente eu o vi.
Eu paralisei, eu não sabia o que fazer. E se ele me rejeitasse? E se não me amasse mais? E se eu fosse um fardo para ele? O que eu iria fazer? Voltar para as ilhas? E depois?
Antes que eu pudesse dar mais um passo para trás, ele correu na minha direção.
Quando ele correu, desesperado, sem se importar com quem via aquilo, meu coração pareceu voar. Ao se aproximar, seus braços passaram ao redor de mim. Deixei-me afundar em seu peito, sem conseguir soltar uma única palavra. Ele me segurou forte, como se agora que ele finalmente me tinha, ele nunca mais me quisesse soltar.
– Desde que você partiu... – sua voz saiu rouca e quebrada. Eu soube por sua voz, que ele estava chorando.
Ele parou e eu podia senti-lo tentando organizar seus sentimentos. Tive a impressão de que ele estava de certa maneira confuso.
– Eu descobri algumas coisas – ele seguiu forçando a voz. Seus braços me apertaram. Qualquer que fosse a distância que nos separou, havia se dissipado naquele abraço apertado – Você... me apoiou. Acho que essa é a melhor maneira de colocar isso – ele parecia não saber como dizer o que estava dentro dele, como se nem ele pudesse acreditar que aquilo tudo fosse real e ele não era o único a se sentir assim – Quando você não está do meu lado... é difícil para mim – ele sufocava e forçava de novo a voz para seguir falando – é difícil lidar com isso. Tudo isso. Talvez seja difícil lidar com a vida, eu acho – meu coração inchou com cada palavra que ele falou – Você me salvou.
Eu podia sentir o calor do seu corpo tocando cada parte do meu. Eu não conseguia nem sequer parar de chorar para ao menos tentar responder.
– Eu... – sua voz sufocou de vez e ele ficou vários segundos sem conseguir falar nada. Seu coração batia com tanta força em seu peito que senti a necessidade de também apertá-lo um pouco mais contra o meu corpo – Eu fiz o que eu deveria fazer? Eu nos guiei pelo caminho certo?
Eu acenei.
– A alma de um mundo livre em que eu e meus amigos tanto acreditávamos está viva em você – respondi com a emoção transbordando meu corpo. Então, depois de um momento de reflexão e tentando controlar a voz, eu continuei – Na verdade, eu acho que está ainda mais forte agora... Passamos por muita coisa, mas isso nos uniu. Uniu nossos mundos e me uniu a você e eu nunca mais irei embora se assim você não quiser.
– Ouvir você dizer isso me deixa feliz – sua voz era calorosa e rouca – Por favor, de agora em diante, tente não me excluir da sua vida. Estou aqui para te ajudar. Você não precisa mais fazer isso sozinha. Fique comigo.
Meu corpo ficou tenso com um soluço involuntário. Eu tinha ficado com tanto medo naquela escuridão. Fiquei com tanto medo de nunca mais vê-lo que tudo aquilo ainda parecia improvável para mim.
– Estou apaixonado por você, Ayana – ele sussurrou – talvez desde o início de tudo. Eu te falei muitas vezes isso, mas nunca tinha tido a real noção da necessidade que eu sinto de ter você comigo. Nunca tinha entendido a extensão real do meu sentimento até te perder.
Eu também estava apaixonada, eu também o amava e só me mantive forte por lembrar dele, por lembrar que ele estava vivo. Tudo aquilo parecia tão surreal para mim que nem notei que minha boca seguia aberta. Ele olhou para mim, fechou minha boca delicadamente e me deu um sorriso torto em meio a tantas lágrimas que eu nunca o havia visto derramar antes.
– Não me deixe mais – ele abriu um pouco mais o sorriso, um sorriso aliviado em meio a tantas dores – eu quero viver, e quero você ao meu lado para isso.
Novamente senti meus olhos arderem pelas lágrimas. Kai manteve seu sorriso terno e colocou sua mão na minha bochecha. Quando ele voltou a falar, sua voz mal passava de um sussurro
– Você é uma das maiores razões para eu querer viver – ele voltou a secar mais uma lágrima minha que rolou pelo meu rosto.
– Eu? – meus olhos se abriram um pouco mais. Como eu poderia ser tão importante na vida de alguém a esse ponto? Eu poderia realmente ser uma das razões de viver do Kai? Eu seria capaz de dar a ele o suficiente para ele ser feliz?
Ele novamente abriu a boca como se fosse dizer algo, então a fechou. Não havia mais necessidade de palavras. Uma de suas mãos pousou lentamente na minha cabeça e ele me puxou para mais perto. Senti sua respiração quente momentos antes de seus lábios pressionarem os meus.
Lá, aninhada em segurança em seus braços envolventes, eu me sentia contente. Eu me sentia feliz.
Seu cabelo roçou minhas bochechas manchadas de lágrimas, me fazendo cócegas. Eu podia sentir seu desejo por mim de uma forma tão profunda e poderosa que meras palavras nunca fariam justiça.
Seu calor pressionou contra mim, acalmando até os lugares mais profundos do meu coração. Todas as feridas que eu sofri nas mãos da tristeza começaram a se fechar. Seu amor parecia ser o único remédio de que precisavam.
Por fim meu coração se abriu por completo. O toque de Kai era suave como as ondas de um lago, mas quando nos beijamos, senti nele uma paixão que queimava tão quente quanto uma forja. Eu podia sentir nossos corações, nossos sentimentos, os nossos pequenos infinitos se entrelaçando e embora esse sentimento tenha desaparecido quando nossos lábios se separaram, o amor que fluiu entre nós permaneceu no meu coração, sua radiância inalterada.
Eu amava o Kai assim como ele me amava. Essa era uma verdade imutável, assim como o céu era azul e o fogo era quente... nós nos amávamos.
Um leve sorriso brincou no rosto de Kai enquanto nos olhávamos, mas quando ele falou foi com a voz forte e poderosa que eu ouvi muitas vezes antes, quando ele comandava os homens.
– Você vai ficar do meu lado. Eu não vou deixar você ir mesmo que queira, então esteja preparada.
Eu não tive medo de suas palavras, suas palavras contradizendo tudo o que já havia me dito antes não me mostrava uma ordem, me mostrava um pedido desesperado. Seus olhos estavam fixos nos meus e através dele eu senti um eco do momento que acabávamos de compartilhar.
– Sim, meu rei – minhas lágrimas seguiam descendo, mas agora elas eram a felicidade transbordando por meu corpo.
Ter uma vida enfim feliz foi muito mais do que eu jamais poderia ter pedido. Eu não sabia quanto tempo a felicidade duraria, mas eu queria acreditar que mesmo quando ela fosse embora, seria por pouco tempo, seria apenas para voltar com mais forças depois e eu queria ter ele ao lado para compartilhar cada um desses momentos.
– Minha rainha... – ele me beijou novamente fazendo com que mais nada importasse além de nós.
Depois ele desceu seu beijo até meu pescoço e em pouco tempo ele se ajoelhou em frente à minha pequena barriga e a beijou. Eu podia jurar que sentia nossos filhos mexendo com a chegada dele apesar de ser improvável com apenas 4 meses.
– Bem-vindos de volta, meus amores – ele sussurrou enquanto eu acariciava seus cabelos.