O impecável uniforme estava vestido, os sapatos devidamente amarrados, as tranças do cabelo escuro ajeitadas e o café da manhã providenciava maior energia para o seu organismo. Tudo estava pronto. Teoricamente. Wednesday voltaria para Nevermore faltando apenas onze dias para a formatura, após um longo ano afastada.
Aquele tecido tão familiar novamente em contato com sua pele, a sensação de já ter que sair de casa —mesmo antes das sete da manhã— e a consciência de que não poderia escapar de ver pelo menos vinte conhecidos. Ela mal acreditava.
— Pronta, querida? —Morticia chegou no quarto perguntando— Seu pai está querendo te dar uma carona.
— Acredito que sim. Vou descer —Assegurou e a mulher assentiu com um sorriso no rosto, logo se retirando.
Wednesday deu uma longa e última olhada no espelho depois de pegar a mochila. Estava diferente, era fato, mas pelo menos ainda sentia-se fisicamente parecida com a versão de si do ano anterior —apenas mais pálida e magra. Piscou lentamente, jogando os pensamentos longe, e enfim saiu do quarto. Desceu a escada um tanto trêmula, mas quase pode sorrir ao ver seu pai com uma única cinerária azul escuro em mãos.
— Um pequeno agrado para a minha belíssima filha —Gomez falou enquanto entregava a flor.
— Ela não vai durar nem até o fim do dia.
— É simbólica. Representa proteção. Um lembrete que, independente do que acontecer, estamos com você.
— Agradeço —Falou genuinamente e colocou a pequena planta no bolso da mochila em que teoricamente ficaria uma segunda garrafa de água— Podemos ir?
— Claro! —Exclamou e foi na frente, depois de beijar a esposa romanticamente.
O caminho até o colégio foi breve, não levara mais que quinze minutos, e na entrada Enid esperava. Assim que Wednesday saiu do carro, ela sorriu abertamente e seguiu até a mesma.
— Bom dia, Willa! Bom dia, senhor Addams!
— Bom dia, Enid! Boa aula pra vocês —Desejou e deu partida, saindo de lá.
— Bom dia, mas está muito cedo —Wednesday justificou o mau humor.
— Sem problemas. Pronta?
A garota de olhos castanhos assentiu após segurar com firmeza a mão da namorada, que o fez de volta. Lado a lado, praticamente colaram os ombros e entraram. Quase no mesmo segundo que pisaram no corredor, atraíram muitos olhares e os murmúrios preexistentes aumentaram exponencialmente. De qualquer forma, a Addams manteve a cabeça erguida, olhando para frente mas nunca nos olhos de outra pessoa. Até que fora abordada.
— Ei, como você tá? —Rowan, um colega de turma, perguntou.
— Ela tá aqui pra estudar e ficar com os amigos, não responder pergunta de curioso —Enid defendeu, pondo-se de frente.
— Relaxe —Wednesday pediu baixinho— Eu estou bem —Respondeu por alto.
— Foi mal, não queria ser inconveniente —Pediu receoso e ela negou.
— Já me conformei que vou ter que responder essa pergunta várias vezes. A menos que você diga de uma vez no meu lugar —Wednesday sugeriu, já o induzindo a ajudar.
— Faço parte do jornal de Nevermore, vai ser moleza espalhar qualquer mensagem —Gabou-se tirando um bloquinho do bolso.
Ela deu um leve sorriso, como se não soubesse daquilo ou sequer tivesse cogitado, o que era uma grande mentira.
— Ótimo. Então, eu estou bem, não preciso ou quero ouvir condolências, detesto olhares de pena e sou bem apoiada. Apenas quero terminar o ensino médio e me formar, como qualquer outra aluna —Falou tudo quase em um fôlego só e ele anotou com maestria.
— Tenho perguntas. Sabe sobre os rumores que se espalharam pela escola depois do acidente?
— O suficiente.
— E que foi Ajax Petropolus, membro do grupinho da sua amiga Enid, que tá de mãos dadas com você, que induziu boa parte?
— Primeiro, a Enid é minha namorada. Segundo, sim, eu soube. Inclusive, já conversamos sobre. Agora é passado.
— Pode confirmar quais boatos são reais?
— Talvez em outro momento. Fim da entrevista. Pode ir —Determinou e o menino obedeceu sem nem pensar duas vezes, feliz com o que havia conseguido.
— Você é tão esperta que às vezes me assusto —Enid apontou sorrindo— Há quanto tempo tem isso planejado?
— Pensei ontem à noite. Sabia que ele seria uma das primeiras pessoas a me abordar, por conta do jornal e ser um curioso nato, então quis tirar algum proveito.
— Vamos sair do corredor logo. Até ele terminar de escrever isso e publicar já vai ser amanhã.
— Gosto da sua personalidade guarda-costas.
— Prefiro o termo namorada preocupada.
— Como quiser, cara mia.
E então, seguiram até a sala, em que os amigos esperavam sentados. Eugene e Tyler mal acreditaram quando a Addams passou pela porta.
— Vocês estão... chorando? —Wednesday perguntou assim que se aproximou dos meninos.
— Caiu um cisco no meu olho! —Tyler disfarçou.
— Precisa que eu verifique?
— Nada! Tudo bem.
— E quanto à você, Ottinger?
— Só to feliz que esteja aqui mesmo.
Geralmente ela cortaria o carinho, mas dessa vez aceitou, concordando com a cabeça. Enid observava a interação com um sorriso bobo no rosto.
— Nem disfarça mais a boiolagem —Ajax brincou.
— É a minha namorada ali, eu posso.
— Joga na cara mesmo! Foi assim que eu te criei —Yoko incentivou— Vamos sentar com eles, vocês vão ficar afastadas nas aulas... Como que vai ser isso?
— Eu amaria estar junto mas tenho medo de, sei lá, ela enjoar. Já me comprometi à acompanhar nos corredores.
— Aquela garota literalmente caminha com você quase todo santo dia há meses e tá com medo dela enjoar por você sentar perto dela? Conta outra, Sinclair —Divina falou indignada— Vamos logo! —Determinou e os outros amigos a seguiram, sendo bem recebidos pelo grupo de Wednesday.
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Um pouco diferente do esperado, o dia havia sido tranquilo. Pouquíssimos cumprimentos de outras pessoas, clima agradável e Wednesday chamando Enid para acompanhá-la todo o tempo e ninguém desconfortável com. No entanto, a Addams chegou em casa cansada. As aulas foram intensas se comparadas ao seu ritmo em casa. De qualquer forma, depois de almoçar e tomar um bom banho frio, ela fez os seus deveres diários, tal como aproveitou para estudar. Quando percebeu já era noite então jantou, se preparou e dormiu rapidamente.
Porém, logo após pegar no sono, Wednesday começou a sentir cheiro de piscina com cloro e o ambiente mais úmido. Murmúrios pareciam vir de todo lado então ela abriu os olhos de novo. Ela estava na casa de Xavier, assim como todos em Nevermore. Olhavam para ela com medo. Novamente era o ano passado.
Por instinto, encarou o chão e assustou-se. Pugsley estava deitado pouco à frente de seus pés, completamente imóvel e molhado. A única reação da irmã foi ajoelhar-se ao lado dele, mas já era tarde. O menino não respirava. Enquanto os outros continuavam a encará-la, como se fosse culpada ou estivesse os ameaçando, a garota de olhos castanhos travou. Não sabia o que fazer. Aquilo sequer parecia real.
De repente, ela ouviu —um tanto abafado— o barulho de ambulância e viu os meninos envolvidos na brincadeira chegando com enfermeiros, que a afastaram e começaram a tentar reanimar o garoto. Sem resultado. Sem pulso.
— Você era da família? Viu o que aconteceu? Precisa de ajuda? —Os enfermeiros metralhavam perguntas.
Depois disso, a memória clara era de que o desespero tomara conta. Wednesday começou a correr. Chorava, gritava, pedia para quem pudesse ouvir que o trouxesse de volta. Apesar de estar em linha reta, no escuro, sabia que em algum momento chegaria em casa. Aquilo não costumava mudar.
Então, Wednesday piscou e estava novamente em sua cama, acordada no meio da madrugada, sentindo falta de ar, seu corpo molhado —de suor e lágrimas— e seu coração batendo forte e rápido dentro do peito.
De novo.
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Olá, seres.
O que acharam?