Medo
Nenhum outro sentimento se compara ao medo.
Medo de perder algo, medo de perder alguma coisa, medo de perder alguém, e esse sentimento tão subestimado, às vezes nos faz fazer coisas que jamais faríamos, nos faz reagir de maneira insana, ou apenas nos paralisa e não deixa que nenhum músculo do nosso corpo se mova, o medo se manisfesta de forma diferente em cada um e o medo coletivo trás o caos para qualquer ambiente.
A gritaria se espalhou pelo Medical Center Cabello rapidamente, cada pessoa procurava uma forma de se proteger, alguns se escondiam de baixo de mesas, macas, cadeiras e dentro de banheiros, a grande maioria não sabia o que estava acontecendo, apenas ouviram dois tiros até o momento e com certeza ninguém queria ser o alvo do terceiro tiro.
A verdade é que nos Estados Unidos ninguém precisava de grandes motivos para entrar em um hospital, escola ou igreja matando as pessoas, esse tipo de notícia era comum no país, e mesmo que você não tivesse feito nada pro atirador, ele com certeza iria meter uma bala na sua cabeça só por atravessar o seu caminho, e foi ouvindo o terceiro tiro que Lauren despertou para a realidade.
— Camila – ela sussurrou no meio das pessoas, atravessando na direção contrária, tentou chamar o elevador mas ele iria demorar demais, então resolveu ir pelas escadas.
— Você está indo pra onde? – Dinah pegou no seu braço puxando para dentro de uma salas do hospital, rezando para todos os deuses que não fosse vista.
— Tenho que achar a Camila, ele está indo atrás dela – Lauren falou tentando se livrar do aperto das mãos de Dinah no seu braço.
— Como você sabe que ele está indo atrás dela? Você já viu ele?
— Não, mas eu acho que já sei quem pode ser, hoje mais cedo um pai de uma paciente que morreu na mesa de cirurgia, ameaçou ela, eu disse para aquela idiota reforçar a segurança, eu estou sentindo que ela está em perigo.
— Droga Jauregui! Vamos lá eu acho que já sei onde ela pode estar.
Ao sair da sala andaram em passos silenciosos até o elevador mais próximo, sabiam que o risco de encontrar o atirador ali era grande, porém não tinham muito tempo pra perder subindo as escadas, cada segundo ali era decisivo assim como em uma cirurgia, quando as portas se abriram e não tinha ninguém ali puderam respirar aliviadas, o coração da doutora Hansen batia acelerado, em todos esses anos de profissão nunca tinha passado por algo assim, sabia que isso era possível de acontecer uma hora ou outra pois já viu muitos colegas de profissão serem ameaçados, desde a garota da recepção por demorar a atender alguém, até um cirurgião que não teve nada haver pelo morte de alguém que estava em estado terminal.
Sua mente buscava lembrar quando e onde foi a última vez que viu Normani, a garota havia se tornado muito especial para ela, em silêncio fez uma oração pedindo que a garota ficasse protegida de todo o mal e que no final de toda aquela loucura elas pudessem se encontrar.
Finalmente a porta do elevador se abriu e elas colocaram a cabeça pra fora procurando algum sinal do atirador, mas tudo o que encontraram foi um corredor vazio e silencioso, elas só precisavam passar pelo recepção, atravessar até o final do corredor e chegar na sala de Camila, naquela altura todo mundo já sabia que tinha um atirador a solta, e provavelmente o hospital estava rodeado de polícias, era só questão de tempo até tudo terminar, mas não saber a forma que iria terminar é o que estava deixando Lauren mais angustiada ainda.
— Vamos – Dinah sussurrou pegando na mão da mais nova, elas saíram lentamente, sem chamar atenção, os olhos verdes de Lauren estavam atentos a qualquer movimento.
Até que um barulho se fez presente em um dos quartos próximo a elas.
— Quem está aí? — Aquela voz masculina só confirmou o que Lauren já desconfiava, era Roger, o pai da garota que morreu nas mãos de Camila.
Rapidamente Dinah e Lauren se esconderam atrás do balcão da recepção, bem escondidas elas conseguiram ver Roger com uma semi automática nas mãos, assim que ele abriu a porta com um chute só, uma garota saiu correndo de dentro do quarto assustada.
— NORMANI! – Dinah gritou, um pouco tarde demais, um tiro foi disparado por sorte acertando o seu ombro esquerdo – Por favor não atira mais – A loira pediu olhando para o homem de olhar frio e vazio – Ela é só uma interna, por favor me deixa cuidar dela? – com as mãos para o alto, a mais velha foi se aproximando lentamente do chão, colocando a mão no peito da morena para estancar o sangue – Vai ficar tudo bem, eu estou aqui com você – ela sussurrou olhando nos olhos da morena.
Mas a frente Lauren observava tudo paralisada, tudo parecia estar acontecendo em câmera lenta, o tiro, a sua amiga ali no chão ensanguentado, Dinah chorando e Roger com uma arma apontada para as duas.
— Você – Ele levantou a arma agora apontando pra Lauren e andou rapidamente até ela, que não teve forças para se mexer – Você acompanhava a doutora Cabello nas consultas e exames, você vai me levar até ela – Seu braço grande e forte apertou o pescoço de Lauren, enquanto a arma ainda estava apontada para a sua cabeça.
— Eu não sei onde ela está, eu juro – De todos os perigos que a carreira de médica poderia oferecer, esse era o que Lauren mais temia, a fúria dos familiares, era difícil controlar uma mente conturbada de alguém que só queria vingança, na universidade ela aprendeu a identificar problemas e resolver, mas não aprendeu a negociar a sua vida com alguém que não queria lhe escutar.
Do lado de fora do hospital já havia várias viaturas, a SWAT já estava de prontidão pra agir assim que tivesse um sinal positivo, um helicóptero rodava o hospital em busca de algo suspeito, tudo estava cercado e naquela altura da situação todo mundo já sabia que essa história só tinha dois jeitos de terminar, ou o atirador se entregava ou mais pessoas iriam morrer, o inspetor responsável pelo caso tinha anos de experiência, já atuou em negociações com atiradores de escola e igrejas, mas era a primeira vez iria negociar com alguém em um hospital, usou de toda a sua sabedoria para conseguir tomar o primeiro, segundo e terceiro andar do hospital, e a sua equipe mais eficaz estava a caminho do quarto andar.
Ao seu lado estava o prefeito da cidade, o capitão do corpo de bombeiros, doutor Alejandro Cabello dono do hospital, doutora Allysson Brooke chefe da psiquiatria, e a doutora Camila Cabello, todos trabalhando juntos e pensando em um plano para evitar mais mortes e tirar todos em segurança, havia ainda muita gente presa dentro do hospital que precisava de atendimento de emergência e urgência, aquela situação tinha que acabar o mais rápido possível.
— Senhores sabemos que o atirador se chamar Roger Sullivan, tem 42 anos, serviu o exército americano no Afeganistão e no Iraque, saiu com um quadro clínico pós traumático depois de perder sua equipe e quase ser morto, dedicou seu último ano a cuidar da sua filha depois que sua esposa faleceu a 2 anos, estamos lhe dando com um homem perigoso que não tem nada a perder.
Ao canto Camila permanecia quieta, calada, observando cada movimento dos agentes, se omitindo de todas as decisões tomadas, sua mente estava longe, ela estava pensando por onde suas amigas estavam, principalmente aonde Lauren Jauregui estava, ela sabia que a garota ainda estava dentro do hospital pois se já tivesse saído com certeza teria lhe procurado, o seu peito doía tanto só de pensar que ela pudesse estar em perigo por culpa sua, ela não queria que nada daquilo tivesse acontecido, ela não queria assumir aquela culpa pra si, porém era difícil fazer a sua mente entender isso.
— Senhor, temos más notícias – Um dos agentes chegou falando baixinho, não queria causar mais desespero ainda – O atirador está no quarto andar fazendo uma pessoa de refém, e tem outra pessoa ferida.
— O quarto andar estava com algumas manutenções de janelas, dependendo da localização do atirador talvez o seu homem consiga ter uma visão melhor – Alejandro estava cooperando com o que podia, afinal ele podia ver nos olhos vazios e tristes da sua filha o quanto toda aquela situação estava lhe atingindo, aquele homem não estaria ali matando pessoas se a filha dele não tivesse morrido na cirurgia, porém Camila fez tudo o que pôde e não teve culpa de nada, pessoas morrem o tempo todo.
— O atirador entrou em contato, ele quer a doutora Camila Cabello lá em 10 minutos, se ela não aparecer ele vai matar a doutora Hansen, e as internas Normani Kordei e Lauren Jauregui – Um dos agentes disse baixo apenas para o inspetor escutar, porém Camila estava concentrada demais em tudo o que chegava até o homem baixo de cabelos brancos e escutou o seu nome fácil.
— Eu vou – Ela levantou rapidamente, mas foi segurada pelos ombros, recebendo um olhar de repreensão do seu pai – Ninguém mais vai morrer por minha causa pai, eu vou e estar decidido.
— Não seja louca, deixa que a SWAT faça o serviço – Alejandro poderia até ter falhado com sua filha nos últimos anos, mas jamais deixou de ter o seu instinto protetor de pai.
— Doutora Cabello eu jamais deixaria a senhorita entrar lá novamente – O inspetor disse tentando acalmar a situação, em todos os seus anos de experiência nunca deixou nenhuma vítima voltar a cena do crime pra negociar com o criminoso, sempre achou brechas para resolver a situação.
— Senhor, o atirador não está perto de nenhuma janela – Um dos agentes comunicou olhando para o seu relógio de pulso em seguida – Temos apenas 7 minutos.
— E se eu entrar e conseguir fazer ele andar pra perto de alguma janela sem que ele perceba, assim vocês teriam uma chance – Um dos maiores pontos positivos de Camila é que ela pensava rápido e sempre achava uma saída para situações que pareciam impossíveis.
— Eu já disse que você não vai entrar lá – Alejandro já estava ficando vermelho de tão irritado, a pressão em cima dele também era grande, afinal era ele que iria lidar com todo o desastre depois que tudo acabasse, é tipo quando passa um furacão e deixa a cidade destruída e depois as pessoas tem que ver quem morreu, o que quebrou, o que ainda pode ser concertado, e todo o trabalho duro fica pro responsável, aquele hospital era a cidade de Alejandro.
— Eu vou entrar naquele hospital, independente se vocês vão deixar ou não, porém se vocês deixarem podemos traçar um plano nos 5 minutos que me restam, se não deixarem eu vou entrar lá mesmo assim sem a porra de um plano – Com a voz firme e o olhar seguro, Camila esperou a resposta de todos que estavam na sala, não tinha muito o que ser feito, eles estavam ficando sem tempo.
Faltavam apenas 2 minutos para acabar o tempo que Roger havia concedido, mas para as quatro pessoas que estavam ali parecia horas e horas, Dinah ainda estava sentada no chão com Normani em seu colo, ela conseguiu estancar o sangramento porém a morena ainda precisava de atendimento, não sabia como ela estava suportando tanta dor, mas agradecia por Normani ser uma mulher forte e pelo tiro ter sido no ombro e aparentemente não atingiu nada vital.
Normani tremia muito, talvez de dor ou de medo, mas isso era algo que ela não sabia diferenciar, os braços grandes e fortes da doutora Hansen rodeavam a sua cintura e vez ou outra ela beijava a sua cabeça falando que tudo ia ficar bem, porém ela não conseguia deixar de pensar e olhar para a sua amiga que estava com uma arma na cabeça a mercê de um maluco e esperando para que um milagre divino acontecesse.
— Parece que a doutora Cabello só pensa nela mesmo né – Roger resmungou já impaciente – Mas é claro que ela não liga pra ninguém além dela mesmo, ela deixou minha menina morrer, apenas uma criança.
— Ela não deixou sua filha morrer Roger, tenho certeza que ela fez tudo o que podia, mas ela é humana, ela não é Deus – Já cansada e um pouco desanimada com o seu futuro ali Lauren respondeu o homem sem se importar com as consequências.
— Cala a porra da boca sua idiota – Ele aumentou o aperto no pescoço de Lauren fazendo assim lhe faltar o ar.
— Roger, eu estou aqui, pode soltar ela – Aquela voz foi um alívio momentâneo para Lauren, mas ela sabia que ter Camila ali era quase certeza de ter mais uma morte, aquele homem não iria deixar ela sair viva.
— Não é assim tão fácil doutora, você acha que manda aqui? Eu que mando aqui agora – Ele falou dando alguns passos a frente, ainda com Lauren em seu braço e a arma na sua cabeça.
— Olha pra mim – Camila pediu dando alguns passos para trás – Sou eu que você quer e não ela, a Lauren não tem culpa de nada aqui, na verdade ninguém tem culpa, tenho certeza que sua filha não ia querer que você fizesse isso.
— Não fala da minha filha sua desgraçada – Totalmente fora de si ele continuou andando pra frente e Camila dava alguns passos pra trás ouvindo as instruções que vinha da sua escuta, que estava coberta pelos seus cabelos.
— Me diz o que você quer? Você quer justiça? – Camila continuou de mãos para cima mostrando que não iria revidar ou fazer nenhuma besteira, ela só queria que o homem continuasse lhe escutando – Eu sei o que você está passando Roger, eu perdi a minha mãe quando eu era apenas uma adolescente, foi a pior dor que eu já sentir – Sua voz falhou porque ela nunca havia falado aquilo em voz alta, nem mesmo nas suas sessões de terapia, e por um segundo Lauren percebeu que elas nunca tinha conversado sobre a mãe da mais velha, ela conhecia o seu pai, o grande doutor Alejandro Cabello, mas não a sua mãe – Ela morreu em uma mesa de cirurgia também, e eu passei anos culpando aquele médico que a operou, por isso me tornei a melhor médica que eu podia ser, estudei o caso dela e vir com meus próprios olhos que ela não poderia ser salva, então comecei a culpar Deus por levar ela, a verdade é que nós seres humanos temos a necessidade de culpar algo ou alguém pra não aceitar os fatos, e o fato é que não temos o controle de todas as coisas – "agora" ela ouviu na sua escuta, em seguida ela olhou bem no fundo dos olhos daquele homem, e respirou fundo pedindo para que tudo ocorresse da maneira planejado ou então estaria todas mortas – Eu sinto muito Roger.
Um tiro atravessou a janela.