Dias atuais
OKANE
Duas semanas.
Faltavam exatamente duas semanas para o meu pai finalmente sair da prisão, depois de quinze anos preso. Finalmente poderíamos seguir a nossa vida em paz, sem o fantasma da condenação e ter uma vida juntos de verdade, como pai e filho. Algo que eu não sabia o que era desde que tenho oito anos.
Nunca me esqueci da minha vingança contra os Colucci. Esse desejo só ficou mais forte ao longo dos anos. Prometi à minha avó, em seu leito de morte há alguns anos, que não desistiria da nossa vingança. Ainda faria o Marcelo pagar por todos esses quinze anos.
Mas ao mesmo tempo, a ideia de ter meu pai perto de mim de novo me deixava feliz e animado. Ele era tudo que eu tinha, a única parte que me sobrou. Eu queria aproveitar um tempo com meu pai antes de pensar nessa vingança. Entender mais um pouquinho dele, conviver com ele e saber como seria ter um pai por perto, como as coisas teriam sido se ele não fosse preso injustamente.
Mas, como absolutamente nada na minha vida é como eu espero que aconteça, essa foi só mais uma das coisas que eu não pude ter.
Como eu disse, duas semanas antes de enfim ser solto, meu pai ficou doente. Sua saúde ficou mais frágil após ser preso, já que as condições na cadeia não eram lá muito boas, mas ele sempre ficava melhor. Achei que agora seria do mesmo jeito, mas não. Ele pegou uma pneumonia, que acabou evoluindo para uma tuberculose, que não foi tratada de forma devida. Quando soubemos o que de fato estava acontecendo, já tinha tomado um estado muito avançado. E ele não resistiu.
E hoje, no dia em que eu deveria estar esperando meu pai sair da prisão, para começarmos uma vida nova, estou enterrando a última parte da minha família.
"Jaime Negrete. Amado pai e amado filho. Nunca será esquecido. Descanse em paz." Dizia a lápide.
Me ajoelho na grama do cemitério, sozinho. Andi, minha melhor amiga, que tinha vindo comigo enterrar meu pai foi ligar o carro e resolveu me deixar sozinho com ele. E além do mais, não é como se fosse haver mais alguém além de mim interessado em se despedir, já que negaram sua existência nessa cidade por quinze anos. Mas ele realmente não será esquecido. Por mim não.
Enrolo o terço que ele me deu na mão. Meu pai não andava sem ele e me deu em seu leito de morte. Ainda me lembro das suas últimas palavras pra mim.
— Não chore, hijo. Apesar de tudo eu fui feliz. Amei, fui amado. Fui quebrado também...mas eu vivi. Tive você...que é meu bem mais precioso e meu maior motivo de orgulho. – e me entregou o terço – Olhe para isso sempre que sentir saudades. Vou estar te acompanhando por onde quer que vá. Não perca tempo, meu filho. Ame, seja amado e seja feliz. Eu te amo...
— Eu vou ser feliz pai, vou aproveitar a minha vida, vou amar, ser amado, do jeito que você quer. Mas antes...Eu vou me vingar, pai. O Marcelo vai pagar por tudo. Eu prometo! Só depois disso é que eu vou poder fazer o que você pediu. – digo, olhando para sua lápide. Deixando algumas lágrimas caírem.
— Hey...– escuto a voz de Andi, e sinto sua mão no meu ombro. – Você precisa sair daí. Vai chover daqui a pouco. Vem, o carro tá ligado...– e me puxa levemente pelo braço, me fazendo levantar.
Conheci a Andi desde o Ensino Médio. Ela veio morar com uma tia, depois de uma overdose na escola em que estudava. Seus pais a mandaram pra reabilitação e logo depois, pra cá. Ela foi estudar na mesma escola que eu e os adolescentes de lá deram um jeito de descobrir sobre seu envolvimento com drogas.
Eles começaram a implicar com ela e fazer bullying com a garota, mas eu a defendia. E acabamos nos tornando melhores amigos. E os alvos do bullying. A drogada e o filho do presidiário.
— Pra onde quer ir agora? – pergunta quando entramos no carro.
— Pra casa. Minha casa.– respondo pondo o cinto.
— Tem certeza? A gente pode ir pra algum lugar. Eu não quero te deixar sozinho nesse momento, amigo...
— Eu preciso, Andi. Eu tenho que me acostumar. Minha vida vai ser assim daqui pra frente...
— Não vai não. Você tem a mim. Pra sempre. Nós dois contra o mundo, lembra...
— Bom, acho que...dessa vez você não vai poder me ajudar.
— Ah, não. Ainda com aquele lance de vingança?
— Ainda, não. Sempre. Eu não deixei de pensar nisso um segundo sequer. E agora, eu não tenho nada a perder. É hora de pôr em prática.
— Você não vai desistir disso, né?
— Não até que o Marcelo perca tudo.
Agora eu entendo aquela história das seis fases do luto. Negação, raiva, barganha, depressão, aceitação e...a última, mas a única que vai me mover daqui pra frente: A vingança.