MICHAEL
Não era possível.
Achei que estava seguro e que nunca mais teria que olhar para as caras cínicas desses dois depois que voltei à escola, que eles ficariam no passado junto com a antiga vida que eu tinha antes de adoecer. Mas é claro que eu me enganei. O destino adora brincar com a minha cara. Já devia ter me acostumado com isso.
Ver aquela dupla, depois de tudo que aconteceu, fazia eu me lembrar do pior momento da minha vida. Eu perdi meu lugar no time, amigos, diversão e até a minha namorada. É claro que hoje eu vejo que foi um livramento, mas não apaga toda a revolta que eu senti na época
E ver esses dois querendo crescer pra cima de mim depois de tudo que me fizeram passar e essa postura arrogante deles me faz pensar que os carros vandalizados foram pouco perto de tudo que eles realmente merecem.
- Vou bem, Brittany.- respondi à pergunta que ela me fez assim que chegou.- E é claro que os boatos eram verdadeiros. Você devia saber disso melhor que eu, né? Se eu bem me lembro, eu soube que você tava com o Lawrence antes de terminar comigo pela Gossip Garden. E não dá pra esquecer do...- solto uma risadinha- Estrago nos carros de vocês. A Gossip faz um trabalho muito bem feito em disseminar as fofocas. Você não acha?
- Acho...Que bom que você tá de volta.- diz, fingida.
- É, acabei perdendo o ano e tive que repetir. Mas sabe que eu fiquei até feliz? Assim não teria que te encontrar de novo. E logo na primeira festa...tenho que te ver. O que vocês fazem aqui? Se não estudam mais na GG?
Brittany solta uma risadinha debochada.
- Nossa, Michael. Você já foi mais observador. Essa casa é do tio do Lawrence.- diz com seu desdém característico. – Ou você achou que algum desses pobretões da GG teria condição de ter uma casa assim?
Como eu fui capaz de, além de namorar essa menina, achar que a gente ia ficar junto e ela seria aquela que suportaria aquela barra comigo?
Brittany só amava uma pessoa: ela mesma. E só se aproximava de quem pudesse lhe trazer algum benefício. E enquanto precisasse desse benefício. Ao conseguir o que queria, ela simplesmente largava a pessoa. Me admirava dela ainda estar com o Lawrence. Mas convenhamos, ele não é nenhum santo, muito menos uma pobre vítima da Brittany. Ambos estão se usando em prol de seus próprios objetivos.
- Ah, é claro...- reviro os olhos – Bom, Lawrence, seu tio tem muito bom gosto. – digo para o namorado de Brittany que apenas nos observava. Lawrence sempre foi um idiota sonso, só comendo pelas beiradas e esperando o momento certo de dar o bote – pena que eu não posso dizer o mesmo de você.
Assim que eu digo isso, Lawrence se aproxima de mim e me levanto do sofá. Ainda era mais alto e forte que ele. Ver isso faz com que ele recue um pouco, mas finge empáfia.
- O que você quer dizer com isso?
- Pra bom entendedor, meia palavra basta. Mas você nunca foi muito inteligente né? – pergunto sorrindo e o vejo vermelho de raiva.
- O que é isso, Michael? – Brittany intervém – Está com tanta inveja por eu e meu namorado ainda sermos presença vip nas festas enquanto você caiu no esquecimento?
Solto uma risada sincera.
- Inveja de vocês? Só se for nos seus sonhos, Brittany.- replico- Eu nunca precisei subornar ninguém pra ser convidado pra uma festa! Diferente do que você e o seu namorado fizeram.
- E olha só onde todo esse amor sincero das pessoas por você te trouxe... – Lawrence diz debochando. – Sentado sozinho no meio de uma festa cheia de gente que nem sabe mais quem você é.
- Primeiro, eu não preciso de toda atenção do mundo pra me sentir amado. E segundo, eu não tô sozinho... – e olho pra Anna, que estava quieta ainda sentada no sofá da sala apenas assistindo a minha briga com a minha ex.
Brittany, Lawrence e toda a história que envolve nós três trazem à tona um lado meu que não me orgulho, a qual eu sinto receio de mostrar à Anna justamente pelo medo dela se afastar de mim porque eu mostrei ser exatamente o tipo de cara por quem, ela mesma admitiu, tem aversão. Não queria que ela pensasse que só estou com o ego ferido por ser traído, mas não posso deixar que aqueles dois me humilhem sem responder. Eu não conseguiria.
- Ah, espera aí... – Brittany se aproxima de Anna. – Tava tentando me lembrar de onde eu te conheço, mas acho que sei. Está diferente, mais...arrumada, só que ainda é a mesma nerd de sempre. Você é a namorada do menino que morreu, né?- pergunta vendo, com satisfação, Anna abaixar a cabeça, triste por lembrar da morte do namorado. Apesar de já ter evoluído bastante, esse ainda era um assunto complicado pra ela e que a deixava triste. E Brittany parecia sentir prazer em ver as pessoas ficando tristes.
- S-sim. Sou eu...- levanta o olhar pra ela.
- Ah, eu sinto muito. Deve ter sido doloroso...
- Foi mesmo...- Anna diz- obrigada por se importar.
- Engraçado...ele era capitão do time de basquete né?
- Sim...
- E quer dizer que o coitado nem esfriou direito no túmulo e você já foi atrás de outro cara? É algum fetiche por capitães de time?
Anna olha ofendida pra garota. E com razão. Essa pergunta foi completamente invasiva e ofensiva.
- Brittany, por que você é tão sem noção, hein? Pra sua informação, eu não sou mais capitão! Nem no time eu tô mais!
- Olha, e por que será? – debocha outra vez. Ela, infelizmente, era uma das únicas que sabia o que tinha acontecido comigo no ano passado. E como eu me arrependo de ter confiado nela naquela época.- Mas então, se você não tá com ele porque é capitão do time, o que te fez se aproximar dele?
- Chega, Brittany! – exclamo e me coloco na frente de Anna. – Eu não tenho problema nenhum com você falar mal de mim. Pode dizer o que quiser e me ofender o quanto quiser também. Eu sei lidar com você. Mas não transforme a Anna em mais uma vítima da sua perversidade. Isso eu não permito!
- Michael... – Anna me chama e viro pra ela, que me tira de sua frente, ficando cara a cara com Brittany – eu posso me defender sozinha, mas obrigada. – e sorri pra mim. Ela se vira pra minha ex, encarando-a impassível com um olhar que eu nunca vi em seu rosto. Um olhar de quem não abaixa a cabeça pra ninguém e que não se intimida pelos desmandos da "rainha de Green Garden". Um olhar que me deixa orgulhoso. – Você me perguntou o porquê de eu estar perto do Michael, se, aparentemente, ele não tem nada pra oferecer. Eu vou responder a sua pergunta...
- Anna, você não...- ia falar mas ela me interrompe, entrelaçando nossos dedos sutilmente. Seu toque me arrepia, fazendo-me esquecer o que diria em seguida.
- Não, Michael. Agora quem quer ouvir sou eu! – Brittany concorda. – Vai, garota. Por que tá com o Michael se ele não tem nada pra te oferecer? – no final, Anna aperta minha mão com mais força, buscando confiança e respira fundo. Até eu prendo a respiração, ansioso pelo que sairia da boca da ruiva em seguida.
- Porque o Michael é a melhor pessoa que eu já conheci. Ele é o cara que me salvou três vezes... –olho confuso pra ela. Três vezes? Eu me lembrava só de duas.- Uma de um atropelamento, outra de me afogar com a minha própria tristeza e a terceira...a terceira ele me salva todos os dias. De me entregar à tristeza, à revolta e todos os sentimentos ruins que às vezes insistem em bater com o luto. Superar a perda de quem a gente ama não é fácil, principalmente depois de imaginar um futuro inteiro com a pessoa. Mas com o Michael fica fácil. Com ele é fácil sorrir, ser feliz, sair da cama todos os dias. A dor não passa, mas ele me faz sentir capaz de seguir em frente com ela. E eu não tinha me dado conta do quanto...- e olha diretamente pra mim ao dizer isso – do quanto ele é importante pra mim até agora mas...agora que eu sei, eu não vou desperdiçar a chance de tê-lo na minha vida, Brittany. E se você não percebeu isso quando estava com ele, então você não o merecia. Nunca mereceu. Você foi capaz de trocar o Michael por...isso. – e aponta pra Lawrence, que a olha bravo mas nem se atreve a dar um passo para a frente, pois eu ainda estava ao lado dela, nossas mãos ainda unidas – E sabe por que? Porque de nós duas, não sou eu que fico procurando capitães de time pra me envolver só pra continuar no topo, com o status de namorada do capitão, igual a você. Você é vazia e isso é triste.
Brittany olha pra Anna, calada. Ela não teria nem o que responder depois daquele discurso. Eu estava sem palavras. Realmente era tão importante pra Anna assim? A ruiva me olha de novo e sorrio pra ela, descendo meu olhar para nossas mãos entrelaçadas. Ela faz o mesmo, mas me solta em seguida.
- Espero ter te respondido. – olha pra outra – Agora, se me dão licença, vou atrás dos meus amigos. Tenham uma boa festa!
E sai praticamente correndo de perto da gente. Estava pronto para fazer o mesmo, mas Brittany segura meu braço.
- Ela não sabe ainda né? – pergunta no meu ouvido.- Da sua doença...do seu transplante...Como tá escondendo dela?
- Eu não te devo satisfação, Brittany.
- Só sua resposta é suficiente. Tadinha dela quando descobrir que o seu tão adorado Michael está mentindo pra ela sobre algo tão importante.
- E isso é problema meu e dela, não seu.
- Eu sei que foi você
- Eu o que?
- Que vandalizou nossos carros. Você e seus amiguinhos doentes.
- Como se eu fosse a única pessoa que teria motivos pra isso, não é, Brittany? Você acha que todo mundo te adorava lá na GG, mas quer saber a verdade? Todo mundo ficou feliz quando você saiu de lá. A maioria nos comentários na foto do seu carro não era de gente te apoiando. A maioria eram pessoas concordando com o vandalismo e, mais que isso, dizendo que foi bem feito...a história que todo mundo te adora só existe na sua cabeça. E, pra sua informação, vandalizar o carro foi pouco. Eu teria feito pior. – digo e me solto dela, virando de costas pra eles e indo atrás de Anna, mas não sem antes escutar:
- Podia ter dormido sem essa, Britt.- Lawrence diz.
- Cala a boca, seu idiota! Era pra você ter me defendido.- e eles começam uma discussão que eu, definitivamente, não queria ouvir.
Só o que eu queria, de verdade, era encontrar a Anna de novo. Entender o que foi tudo aquilo que ela falou de mim pra Brittany. Eu também não tinha me dado conta, até que ela começou a falar tudo aquilo, do quanto a Anna também é importante pra mim. Do quanto gosto de tê-la por perto e do quanto ela faz ficar por um fio aquela promessa que fiz pra mim mesmo quando descobri a traição e quando recebi meu coração.
Enquanto, pra ela, eu tornava fácil seguir em frente e superar a perda, pra mim, ela tornava fácil a minha promessa ser quebrada. Era fácil entregar meu coração pra Anna. Nela eu confiaria que não o quebraria.
- Anna...- digo ao encontrá-la na porta, do lado de fora, na área da piscina. Ela observava uma cena ao longe, que meus olhos não demoraram a perceber também. Isaac e Leah pareciam...bem. Estavam conversando sobre algum assunto, que pareciam ter em comum e riam juntos.- Eles se reconciliaram?
- Parece que sim...- Anna diz sorrindo e se vira pra mim.- Conseguimos, Michael. Nossos amigos se resolveram!
E se atira em mim, me abraçando apertado. Estávamos do mesmo jeito como no dia em que soube o seu nome. Ela agarrada ao meu pescoço, eu segurando firme sua cintura. Mas enquanto naquele dia, ela se agarrava a mim como se eu fosse uma tábua de salvação, agora eu me sentia como seu cúmplice. O responsável por fazer ela se alegrar, o único que conhecia um segredo que só nós dois compartilhávamos.
- A gente conseguiu...- digo ainda no abraço, inalando o cheiro do seu cabelo. Não sabia que cheiro era, mas era bom, muito bom. Então afasto um pouco nossos rostos, mas mantenho minhas mãos na sua cintura, encarando-a nos olhos.- Obrigado. Pelas suas palavras de hoje...
- Eu não menti em nada...- diz sorrindo.- Alguém tinha que botar a Brittany no lugar dela. Eu não sou a favor de nenhum tipo de rivalidade feminina, mas ela...faz qualquer uma mandar a sororidade pelo espaço.
- É...na época que a gente namorou, eu fiquei cego. Ela era a menina mais linda da escola. Achei que seríamos o casal perfeito. Mas enquanto eu me envolvi, ela só queria fama e status.
- Então...não sente mais nada por ela?
- Só ódio, mágoa e rancor. E...Anna, eu não quero que você pense que eu sou um babaca machista que ofende mulheres porque eu não sou assim, tá?
- A Brittany faz qualquer um mostrar o pior lado. Não te julgo, de verdade.- ela sorri, sincera e a abraço do novo. – Eu...de alguma forma, conheço seu coração, Michael. Conheço sua alma e eu sei que você é bem diferente do Lawrence e da Brittany. Você merece todo o amor que alguém pode ser capaz de entregar a outra pessoa.
- Agora eu acho que sei disso...- respondo e ela assente.- Porque, se pra você eu torno fácil viver, pra mim você torna fácil entregar meu coração pra alguém de novo. Você me faz acreditar que ainda existe amor no mundo e que eu sou capaz de merecer.- olho no fundo dos seus olhos azuis, tão brilhantes quanto a água da piscina no meio da festa. – Mas você não respondeu à minha pergunta.
- Que pergunta?
- Se jogadores egocêntricos não fazem seu tipo, o que faz?- afasto seu cabelo do rosto, olhando pra ela. Passo minha mão pela sua bochecha, fazendo um leve carinho ali e a deito no seu queixo.
- Caras gentis, que se preocupam com todo mundo a ponto de salvarem uma estranha de ser atropelada ou perguntar se ela tá bem quando a vê chorar. Alguém com quem eu posso conversar sobre tudo, que não vai me julgar por nada. Alguém que me faz ser feliz e querer estar viva de novo. Alguém como você...
- Então me desculpa...- digo e ela me olha confusa, mas antes que qualquer palavra saia da sua boca, puxo seu rosto pra mim, colando meus lábios nos seus, beijando-a ternamente.
Eu não conseguiria seguir em frente depois de tudo que ouvi sem fazer isso. Seria um completo idiota se não beijasse essa menina após me dar conta de que ela vale muito a pena. Sempre valeu.