(e ela vai sempre ter o melhor de mim)
Rio de Janeiro, 15 de outubro de 2023
[JADE]
Não consigo evitar uma expressão de dor quando o PA termina de colocar a tornozeleira em meu pé. Não era uma torsão grave, mas estava inchado e incomodava um pouco. Eu tinha acabado de tomar banho e já queria colocar minha roupa de ir embora, mas nem ele e nem a minha mãe deixaram, pois eu ainda não havia tido alta.
Me acomodei sentada na cama e cobri as minhas pernas, a contra gosto. A verdade é que meu corpo todo dói e eu só quero a minha casa e a minha cama.
"Você não cansa de ser marrenta mesmo, né?" - o PA me olha trazendo a bandeja com o meu café da manhã para o meu colo - "Não sabe nem se vai ser liberada. Dá uma segurada aí..."
"Seus remédios, filha." - minha mãe se aproxima com alguns comprimidos, sempre a postos. Pego da sua mão e coloco na boca antes de beber o suco de laranja a minha frente - "A Viviane já deve estar chegando, ela disse que passaria às 9h."
"Quero um remédio pra dor no corpo. Parece que eu levei uma surra." - reclamo e o PA aperta o botão chamando a enfermeira - "Vou comer só a salada de frutas. Chegando em casa quero uma tapioca feita por você..." - fuzilo o PA com o olhar e ele ri, abrindo os braços em rendição.
Estou terminando de comer quando a Dra. Viviane entra no quarto sorridente, e logo atrás dela uma enfermeira com um aparelho de ultrassom portátil.
"Que carinha boa! A visita do papai fez bem hein? Pronta pra ir pra casa?" - a médica sorri, se colocando ao meu lado. Dou um sorriso vitorioso e olho para o PA e para a minha mãe que também sorriem.
"Por favor, quero minha cama Vivi. Só estou sentindo dor no corpo, eu juro..." - quero demonstrar que estou bem e ela ri.
"Eu imagino que sim. Tomou remédio né?" - eu afirmo e ela continua - "Você passou a noite bem, sem nenhuma cólica ou sangramento, acredito que esteja tudo bem mesmo, Jade. Mas só pra termos certeza vou fazer um ultrassom rápido pra vermos como essa mocinha e esse forninho dela estão. O papai gostou de saber que vem uma princesinha?"
"Tudo o que eu queria era uma miniatura dessa mamãe, Vivi. Eu tinha certeza que era ela." - o PA responde, todo babão, segurando minha mão. Eu já estava deitada na cama, e a enfermeira abria a camisola, deixando minha barriga de fora.
"A criança não tinha nem escolha." - eu brinco, e todos riem.
A médica passou o gel gelado na minha barriga e eu me arrepiei. Logo ela colocou o aparelho e pela primeira vez, eu olhei para o monitor curiosa, tentando identificar a minha bebê. Ontem eu estava nervosa demais para me envolver. Ela me explicava o que estava vendo, com uma expressão serena no rosto, o que me tranquiliza.
"Vamos ouvir o coraçãozinho dela?" - ela diz e logo um som rápido e forte preenche nossos ouvidos. Sinto uma emoção tão forte, que não controlo as lágrimas nos meus olhos. Eu já havia escutado outras vezes, mas sem interesse algum. Agora, era tudo o que eu queria ouvir para ter a certeza de que ela está bem.
"Se ela for bravinha como esse coração é forte, estamos ferrados Moniquinha." - o PA olha pra minha mãe e depois pra mim - "Ela está bem, linda. Tá vendo?"
"Ela está ótima! Podem ficar tranquilos." - ela termina de fazer algumas anotações na tela e eu enxugo meu rosto.
"Vivi, viu como a barriguinha cresceu nos últimos dias. Cheguei tem uma semana e já vi diferença, imagina você." - minha mãe fala com a médica e eu dou risada, sabendo que era verdade. Na última consulta eu realmente nem parecia estar grávida, mas de uns dias pra cá as coisas começaram a andar rápido demais e isso me assusta.
"Tava na hora né? Bebezinha está grande, não ia conseguir se esconder por muito tempo." - ela sorri para mim - "Jade, está tudo bem com você e vou te liberar para ir pra casa. Como eu te disse ontem, a forma como o cinto te apertou ao ser jogada pra frente acabou te deixando um hematoma uterino, que ocasionou o pequeno sangramento. Mas não passou disso, ontem checamos e seu colo do útero continua bem fechadinho. É um hematoma pequeno, mas ele existe e precisamos ter um cuidado para que desapareça logo."
"Não tem perigo mesmo? E se eu sangrar de novo?" - eu pergunto aflita, fechando a camisola e me sentando.
"Fica tranquila. Pra nos asseguramos, vou te pedir um repouso de 10 dias e te encontro no meu consultório para avaliarmos novamente. Se acontecer algo nesse meio tempo, qualquer coisa, só me avisar. Não precisa ser um repouso absoluto, mas ainda sim repouso. Sem atividades físicas, sem subir e descer escadas. Pode caminhar até o banheiro, até a cozinha, mas evite sair de casa e passe mais tempo deitada. Ah, o ortopedista disse que você está conseguindo andar né? Nada de pular com um pé só, por favor! Posso contar com você?" - o PA ouve atento e me olha carinhoso sabendo que seria um sacrifício pra mim ficar parada.
"Fazer o que né?" - digo desanimada, mas aceitando que era o melhor para a bebê - "Vivi, me libera um japonês, por favor?"
"Jade...você sabe que não pode." - é minha mãe que responde e vejo o PA me repreendendo com o olhar.
"Não recomendo mesmo Jade. Mas..." - eu olho apreensiva assim que ela se prolonga no 'mas' - "Hoje, só hoje, vou deixar você comer seu ceviche, feito em casa com algum peixe bem fresquinho, com bastante segurança. Pode ser? Só hoje."
Eu quase tenho vontade de chorar de felicidade. Bato palmas animada e todos riem da minha euforia.
"Obrigada Vivi!! Você é a melhor! Juro que é só pra matar minha vontade." - eu agradeço e recebo um abraço da médica.
"Depois dessa, pode ficar sem reclamar até a Jadezinha nascer. Pelo menos já sabemos que ela não vai ter cara de peixe."
"Idiota!" - dou um tapa no braço do PA - "Mãezinha, vai fazer pro almoço?"
"Vou filha, hoje você mata sua vontade. E pode deixar que vamos cuidar pra que seja bem seguro, Vivi." - minha mãe sorri, afirmando e vejo que ela está feliz em me ver feliz.
"Conto com vocês pra cuidar dessas meninas hein?" - a médica olha para a minha mãe e para o PA - "Estou orgulhosa de você. Sei que ainda tem muitas mudanças pela frente, mas eu já consigo ver uma Jade bem diferente da que entrou no meu consultório a primeira vez. Aos pouquinhos, tudo vai tomando seu lugar."
"Obrigada pelo carinho de sempre, Vivi. Você é um anjo. Ainda são muitas questões dentro de mim..." - eu olho para o PA que me olha apaixonado - "...mas a principal delas já está resolvida no meu coração."
"Dá pra ver no seu olhar." - ela me olha carinhosa - "Vou assinar a sua alta, tá? Pode se arrumar, que já já a enfermeira traz pra vocês. Mônica, PA, qualquer coisa podem me ligar."
*
Respiro aliviada ao chegar em casa, trocar de roupa e deitar na minha cama. Pergunto pela Nina e minha mãe diz que ela fez questão de ir atrás do meu peixe para o almoço. Assim que ela desce para começar a preparar a comida, o PA se senta na cama, ao meu lado.
"Você me deu um susto, sabia?" - ele diz calmo, me encarando. Dou um sorriso de canto, culpada.
"Desculpa, bebê." - respondo manhosa e recebo um beijo na testa - "Você precisa ir."
"Vou almoçar com vocês e depois vou. Tem certeza que vai ficar bem?" - ele acaricia meu rosto e eu afirmo. Não queria ficar longe dele, mas não temos escolha - "O que foi?"
"A gente precisa contar. Não vai demorar para que descubram, se é que já não vazou alguma informação do hospital." - eu digo desanimada. Não faço ideia de como fazer isso.
"Você está pronta?" - me pergunta e eu nego, amedrontada - "Vamos esperar eu voltar e a gente pensa como vai fazer isso. Você vai estar em casa, ninguém vai te parar para perguntar e dá pra segurar até lá mesmo que os boatos apareçam. Ok?"
"Hunrun...me dá um beijo" - peço com um pouco de dengo e ele sorri passando o dedo pelos meus lábios.
"Está mais dengosa que o normal, pequena." - ele se abaixa me dando um selinho. Levo uma mão até a sua nuca e ele coloca a sua em meu pescoço, iniciando um beijo profundo e demorado - "Logo vou estar de volta. Preciso que seja boazinha e fique quietinha."
"Eu vou ficar, não se preocupe." - eu me comprometo e dou um sorriso, olhando em seus olhos - "Seus olhos estão brilhando tanto."
"Queria conseguir colocar em palavras a felicidade que estou sentindo. Por vocês estarem bem, por você ter conseguido colocar pra fora esse amor que eu sempre soube que estava aí dentro, por ter certeza que é nossa menininha crescendo aqui dentro..." - ele acaricia minha barriga e eu dou um sorriso emocionado.
"Eu precisei sentir o medo de perdê-la para perceber o quanto sua vida me importa." - abaixo meu olhar e ele levanta meu rosto segurando em meu queixo - "Não quero que ela ache que foi rejeitada por mim em algum momento."
"Meu amor, ela não vai, porque ela não foi. Você só estava tentando se encontrar em meio a situação. Fica tranquila. Ela sabe o quanto é amada." - sua voz me acalma e eu afirmo, sentindo o carinho em minhas bochechas.
"E você não vai ficar com raiva de mim se eu continuar não gostando de estar grávida? De ver meu corpo mudando? Eu não vou conseguir me sentir bem me olhando grávida. Porque eu nunca me vi assim." - eu preciso confessar e ele dá um sorriso acolhedor.
"Não vou, gatinha. Apesar de achar que você vai ficar linda, entendo que não curta esse momento. O que importa é o que você sente por nossa bebezinha." - ele me diz paciente e meu coração se tranquiliza mais um pouco.
"Eu estou sentindo meu coração ser tomado por um amor inexplicável por um serzinho que eu ainda nem conheço. E ela sempre vai ter o melhor de mim, eu prometo a você. O que estiver ao meu alcance, por ela, eu vou fazer." - falo com a voz entrecortada. Eu devia isso a ela. E a ele. Eu preciso dar tudo de mim para que a nossa bebê se sinta amada e esteja bem.
"Não tenho dúvidas quanto a isso." - ele segura meu rosto com as duas mãos e me dá um beijo calmo. Em seguida vai até a minha barriga e se demora em um beijo ali. Eu respiro fundo e ele me encara - "Descansa um pouco. Vou tomar um banho para ficar pronto."
Ele se afasta para ir em direção ao banheiro e eu me viro de lado, encarando o dia lá fora. Estou quase dormindo quando meus olhos se abrem assustados. Tiro a mão que estava debaixo do meu rosto e levo até a minha barriga, dando um sorriso emocionado em seguida. Eu preciso ter certeza do que estou sentindo e alguns segundos depois, as lágrimas rolam pelo meu rosto e eu não consigo evitar uma risada emocionada ao sentir os primeiros movimentos da minha bebezinha. Estou imersa naquele momento quando o PA volta ao quarto já vestido, enxugando o cabelo. Ele para e me olha, e eu o chamo, em meio ao choro.
"O que foi?" - ele se aproxima com pressa e preocupado se ajoelhando a minha frente.
"Ela está mexendo..." - busco sua mão para posicioná-la onde a minha estava e vejo um sorriso gigante se formar em seu rosto, e seus olhos brilharem em lágrimas - "Está sentindo?"
"Estou..." - ele responde emocionado - "Meu amorzinho, nós te amamos muito..." - ele volta seu olhar para a minha barriga e encosta a boca nela sussurrando. Sentimos um movimento leve e nos encaramos por alguns segundos, transbordando amor.