Amanda.
(...)
- Ela não topou o acordo que eu propus porque ela não quer o divórcio Amanda. Ela quer... ela quer reatar o casamento. — ele me disse tão rápido que parecia que ele mal conseguia pronunciar aquelas palavras.
- Ela o que? — indaguei incrédula.
- É isso! Ela se declarou, falou que me amava, que nunca deixou de pensar em nós e disse que só agora entende que errou e falou que quer a vida que tínhamos de volta.
A sensação que eu tive depois de ouvir aquilo, era que não havia oxigênio o suficiente dentro daquela sala, talvez não houvesse oxigênio o suficiente na atmosfera...
E então todo o equilíbrio emocional que eu vinha tentando manter até agora tinha ido literalmente pro espaço. Já a minha a racionalidade também tinha ido embora acompanhada da minha calmaria perante aquela situação que eu considerava insalubre.
Naquele momento, foi impossível controlar a vontade de desaparecer dalí como num passe de mágica, mas não tinha como, eu tinha que permanecer ali, conversar abertamente com ele e agir como a adulta e a mãe que agora eu sou.
Mas a verdade é que o mundo parou por uns longos instantes e eu tentava me localizar em meio de tudo aquilo.
- E... E você respondeu o que pra ela? — perguntei com medo da resposta que vinha a seguir.
- Nada...
E meu medo que até então era abstrato se tornou totalmente palpável.
- Como assim nada? — franzi o cenho.
- Nada! Eu só saí as pressas de lá e agora tô aqui.
- E você não nada falou sobre... sobre... sobre... — eu tentava ser objetiva, mas a essa altura eu gaguejava tanto quanto ou até mais que a Gaga de Ilhéus — a Luna?
A pergunta que eu realmente gostaria de ter feito era se ele não tinha falado nada sobre mim ou sobre nós, mas como não existe mais nenhum relacionamento, não deve existir também mais nenhuma cobrança nesse sentido, pelo menos não em relação a mim. Mas cobra-lo em relação a Luna acho que estava liberado...
- Não, Amanda. Não consegui falar nada, eu só sai de la...
Ri de forma totalmente irônica em direção a ele.
- Pera aí, deixa eu ver se eu entendi bem...
Respirei fundo tentando trazer o oxigênio de volta para os meus tecidos corporais.
- A mulher apareceu do nada depois de anos, te ligou durante 6 meses, foi pra Miami, cercou sua família, rondou seus amigos, apareceu na sua luta, marcou um encontro com você a sós em um restaurante, se declarou, pediu pra voltar e você simplesmente não se lembrou de dizer que tinha uma FILHA a caminho?
- Não, calma aí, em nenhum momento eu falei que me esqueci de falar. — ele retrucou.
- Ahh ok, tudo bem. Mas então se você não se esqueceu falar, piora ainda mais a situação — olhei em sua direção com a ironia estampada e nítida no meu rosto — porque se você não se esqueceu de falar, por que você não falou? Talvez porque não queria que ela soubesse?
- Eu não sei o que deu em mim, acho que foi muita informação pra processar ao mesmo tempo, Amanda.
- Claro, com certeza... Tanta informação pra processar que você esqueceu que vai ter uma FILHA, legal. — agora a ironia estava estampado não só na na minha cara, como também na minha voz.
Ali já não tinha mais uma Amanda em sã consciência, ali estava uma Amanda desnorteada e que só queria chorar, mas como não era possível naquele momento, eu usaria toda a minha ironia como uma forma de defesa pessoal.
Era impossível não perceber os tiques da ansiedade dele, o ombro dela pulava de forma notória devido aos muitos espasmos musculares que ele vinha tendo.
Enquanto eu, seguindo pelo mesmo caminho da ansiedade, procurava pelinhas solta em meus dedos para cutucar, puxar ou morder, o que provavelmente
deixaria meus dedos sangrando, mas era meu modo de demonstrar que eu estava ansiosa.
- Amanda, você não tá sendo justa, olha o tanto de coisa que tá acontecendo ao mesmo tempo comigo, você mesma enumerou algumas dessas coisas e você mais do que ninguém sabe o quanto que eu gosto de manter as coisas sob controle na minha vida e nesse momento não tem absolutamente NADA sob meu controle... Você não acha justificável que eu tenha tido um momento de puro colapso? — a voz dele subiu um pouco o tom.
- Olha Antônio, você me desculpa do fundo do meu coração, mas eu não tô em condição psicológica e emocional de tentar ser justa com você e nem com ninguém, nem mesmo ser justa comigo mesma.
- Mas você deveria no mínimo tentar...
- É muito fácil pra você chegar aqui e me dizer o que eu deveria ou não deveria tentar fazer, né? Quando a real mesmo é que você só está passando por tudo o que está passando por consequência das SUAS próprias escolhas, enquanto eu tô aqui, sofrendo essas mesmas consequências que você e por escolhas que NÃO foram minhas, eu caí de paraquedas em tudo isso e to aqui apanhando tanto quanto você, então não venha tentar me dizer o que eu devo ou não devo fazer. — subi consideravelmente o meu tom de voz também, coisa que eu tinha prometido pra mim mesma que não faria durante essa conversa.
Eu tinha me transformado em um furacão, um furacão que nesse momento estava com força total e ferozmente descontrolado. Um furacão que seria capaz de arrastar qualquer pessoa e qualquer coisa que estivesse por perto ou no meu caminho.
E pra ser sincera, esse era o meu maior medo: o descontrole.
Eu não era uma pessoa descontrolada, pelo contrário, sempre fui bastante sangue frio e racional para tomar as decisões necessárias tanto na minha vida pessoal, como na profissional, mas provavelmente os hormônios provenientes da gestação em junção com os últimos acontecimentos tem me deixado a flor da pele e a beira de um colapso nervoso.
- Calma, não foi isso que eu quis dizer. — ele disse abaixando o tom e tentando ponderar mais uma vez.
- Foi sim, foi isso que você quis dizer. — segui seu exemplo e também falei mais baixo.
Levei as minhas mãos aos rosto, esfregando-as naquela região ainda na esperança que tudo aquilo fosse um sonho.
- Eu só quero que você converse comigo, por favor, Amanda. — a voz dele era serena, calma e doce.
- E não é exatamente isso que nós estamos fazendo agora? — indaguei.
- Não, a gente tá brigando mais uma vez. — ele me respondeu.
Eu tenho total consciência da minha reatividade em relação a ele e não me orgulho disso, mas a verdade é que eu estava machucada e talvez quisesse o machucar também na esperança de que isso acabe me aliviando um pouco ou que pelo menos as coisas se equiparassem entre nós.
- Você precisa se acalmar, meu amor, pensa na nossa filha, por favor... — ele continuou.
Fiquei em silêncio por alguns instantes, respirei fundo mais uma vez e tentei voltar ao meu eixo de equilíbrio, por mais difícil que tudo isso estivesse sendo, Antônio tinha razão, eu precisava me acalmar, não por mim e muito menos por ele, mas sim por ela, a minha razão de viver, Luna!
Todas as minhas ações, reações e emoções refletiam nela e eu tentava me lembrar disso a todo momento.
- Você quer que eu te diga a real sobre o que eu acho de tudo isso? — perguntei um pouco mais calma.
- Quero, tudo o que eu mais quero é que você me fale tudo, principalmente como está se sentindo em meio a isso. — ele respondeu ainda ponderando.
- Talvez o que eu diga agora não vá te agradar e pode ser que seja só uma percepção errônea minha, mas é o que eu acho, então eu vou dizer...
Mais uma respirada funda enquanto me posicionava lateralmente a ele de uma forma confortável pra mim, visto que as minhas costas estavam me matando, mas que ao mesmo tempo eu tenha acesso aos seus olhos.
- O que eu acho é que o seu silêncio sobre o que ela te falou diz muito sobre tudo, Antônio.
- Como assim? — ele perguntou.
- Talvez você não tenha dito nada, porque nem você tem definido dentro de você o que você realmente sente em relação a ela e em relação a vocês dois.
- Isso não é verdade, eu sei que eu amo você, eu não tenho a menor dúvida em relação a isso e fico inclusive muito chateado que a essa altura do campeonato você ainda duvide disso. — ele me respondeu quase que de forma automática.
- Mas eu tô falando do seu sentimento em relação a MIM em momento nenhum, eu to dizendo que você não sabe o que sente por ELA.
Eu mantinha o choro entalado na garganta enquanto aquela conversa acontecia.
- É raiva? É saudade? É mágoa? É amor reprimido? É ódio? É paixão adormecida? Eu não sei. E sinceramente? Acho que você também não sabe.
Eu tentava ser o mais sucinta e didática possível, mesmo que aquilo tivesse me matando por dentro e só Deus sabe o quão estava...
- É claro que eu sei. — ele disse parecendo irritado
- Não, você não sabe. E sabe como eu sei disso? Porque você simplesmente não consegue falar sobre o assunto, então me diz, como você vai conseguir entender um sentimento que você não consegue colocar pra fora, você consegue entender o que eu tô querendo dizer?
Ele balançou a cabeça de uma forma que dava a entender que ele estava entendendo mais ou menos.
- Você acha normal o assunto Maria Julia ser esse tabu gigantesco na sua vida mesmo que tenha se passado tanto tempo desde que ela foi embora? Mesmo que você tenha encontrado outra pessoa? Mesmo que você tenha uma filha chegando em alguns meses?
Ele me encarava com os olhos atentos, parecia realmente prestar atenção em cada palavra que saia da minha boca.
- Todas as vezes que tentamos tocar nesse assunto, você travou e tratou de deixar bem claro que não conseguia falar sobre isso. Mas sabe por qual motivo você não consegue? Porque esse não é um assunto bem resolvido dentro da sua própria cabeça.
Antônio já não me olhava mais nos olhos, seu olhar variava entre suas mãos e o chão da sala.
- Você consegue falar sobre isso nas sessões de terapia? — indaguei.
- Não! — ele me respondeu de forma direta.
- Então... Você se esquiva desse assunto de todas as maneiras possíveis, Antônio. Você nunca vai conseguir sair desse looping eterno enquanto não tiver coragem de abrir sua cabeça e principalmente o seu coração pra bater de frente com tudo isso que você insiste em fingir que não sente.
Ele parecia finalmente entender o meu ponto.
- E quando você precisou encara-la frente a frente, o que você fez? Fugiu. E por que você fugiu? Porque você não consegue entender o que sente. E por que você você não consegue entender o que sente? Porque você não fala sobre isso com ninguém, é um sentimento totalmente reprimido por você. Você entende o que eu quero dizer?
Ele assentiu com a cabeça ainda sem dizer nenhuma palavra.
- Então é isso, é isso que eu sinto, é isso que eu vejo e é isso o que eu acho. Agora cabe a você resolver isso internamente ou não.
Ele desviou o olhar do chão de volta pra mim de novo e levou as mãos até os cabelos, bagunçando-os.
- Eu vou resolver, eu prometo. — ele me respondeu voltando o olhar pra mim.
- E o que cabe a mim é dar prioridade a mim mesma e a dar prioridade a minha maior prioridade, que é a Luna, cabe a mim agora cuidar apenas do que está sob o MEU próprio controle, que é a minha própria vida.
- Eu te amo, Amanda!
- E eu não duvido disso, Antônio. Mas eu também ME amo e amo a minha filha mais do que qualquer outra coisa e hoje eu penso no bem estar dela acima do meu próprio, sabe?
- Ahan, mas eu não tô entendendo aonde você tá querendo chegar. — ele disse balançando a cabeça negativamente.
- O que eu tô querendo dizer é que essa história toda me faz mal e consequentemente faz mal a minha gestação também. Então eu quero te pedir um favor e espero de coração que você cumpra.
- Qualquer coisa. — ele respondeu.
- Se você entender que esse sentimento reprimido na verdade ainda é amor, tudo bem, eu prometo que não vou te odiar. Eu prometo que vou cumprir a promessa de te deixar participar de todos os momentos da nossa filha, eu prometo do fundo do meu coração.
- Eu ainda não tô te entendendo, Amanda...
- Eu vou chegar lá, calma... Eu quero te pedir para que só me procure novamente pra conversar sobre isso quanto tiver certeza absoluta do que sente, seja por mim ou seja por ela, enquanto isso não acontece, só me deixa em paz, pode ser?
- Desculpa, mas eu não vou deixar de participar da vida da minha filha. — ele me pareceu um pouco quanto indignado com o que tinha acabado de ouvir.
- Presta atenção, eu não tô te pedindo isso, jamais te pediria isso. Eu tô te pedindo pra me deixar em paz em relação aos nossos sentimentos enquanto homem e mulher e não enquanto pai e mãe. Em relação ao Antônio pai e a Amanda mãe, nada vai mudar. Mas em relação a nós dois como um casal, eu não quero mais falar sobre isso, tudo bem?
- Você sabe que isso é impossível, não sabe? — ele falou tentando me convencer do contrário.
- Na verdade eu não sei, mas eu gostaria de tentar. Repito mais uma vez e quantas vezes forem necessárias: a minha única prioridade hoje é a Luna e ter uma gestação tranquila pra passar o máximo de saúde, paz e amor de mim pra ela. Esse é o meu maior objetivo a curto prazo e definitivamente não é o que tá acontecendo agora, você concorda?
- Ahan! — ele falou confirmando com a cabeça.
- Então, eu preciso afastar tudo e qualquer coisa que tire esse objetivo de mim e se isso significar que eu precise me afastar de você, eu vou fazer isso sem pensar 2 vezes. Eu amo você, Antônio. Mas eu amo Luna mais do que amo a mim mesma, ela é a minha vida!
- Ela é minha também, Amanda.. — os olhos dele se encheram de lágrimas.
- Então você entende bem o que eu quero dizer com isso, né?
- Ahan! — ele confirmou mais uma vez.
- Eu preciso de paz! Eu preciso viver a minha própria vida, sem peso, sem brigas, sem medo e sem drama.
Eu preciso encontrar aquela Amanda leve que eu sempre fui e que provavelmente se perdeu dentro de mim mesma. Eu preciso de espaço pra me reconectar, pra me descobrir, pra me reerguer, pra me enxergar com outros olhos, com os olhos de amor, um amor próprio. Eu preciso voltar a ME amar antes de amar qualquer outra pessoa. — meus olhos também se encheram de lágrimas ao finalmente conseguir colocar tudo isso pra fora.
- Eu não quero ficar longe de você... — ele falou deixando que as lágrimas escorrerem pelos olhos.
- Mas eu quero! — talvez essa tenha sido a frase mais difícil que já falei em toda a minha vida.
Levantei-me do sofá e caminhei em direção a porta do apartamento e a abri. Acredito que Antônio tenha entendido o recado, já que ele se levantou em seguida e andou rumo a porta que estava aberta a sua espera.
- Tchau Antônio! — meu coração estava partido em milhares de pedaços e eu não conseguia mais disfarçar isso, as lágrimas já invadiam o meu rosto.
- Posso te dar um abraço? — ele respondeu ainda com as lágrimas descendo como cascatas pelo seu desenhado rosto.
Assenti com a cabeça e ele logo veio com os braços abertos em minha direção.
Quando o abracei senti o chão se abrir sob meus pés, era como se tudo e nada fizesse sentido ao mesmo tempo.
Talvez eu estivesse abrindo mão do homem da minha vida, mas esse era um risco a se correr por um bem maior e pela primeira vez em muito tempo, eu iria arcar com as consequências de uma escolha totalmente MINHA.
- Então é isso. Parafraseando o que você me disse a meses atrás: Seja feliz, Antônio! — falei limpando as lágrimas — te desejo isso do fundo da minha alma.
Antônio desceu até a minha barriga e depositou um beijo demorado ali.
A última coisa que vi antes de me virar foram as lágrimas que ainda escorriam pelo seu rosto.
Fechei aquela porta e com ela fechei mais um ciclo da minha vida.
__ ღ __ ღ __ ღ __ ღ__ ღ __ ღ__ ღ __ ღ__
Oiiii galera!
Hoje o capítulo foi um pouco maior que o habitual porque fui me empolgando e escrevendo... Dai me empolgava mais e acabava escrevendo mais ainda e quando dei por mim já tinha passado bastante da média que eu costumo seguir aqui.
Sem dúvida nenhuma essa foi o capítulo que mais demorei pra escrever nesses mais de 100 capítulos de SandCastles...
Fiz e refiz ele algumas vezes tentando passar o máximo possível de clareza pra vocês sobre os sentimentos, objetivos e dores e pontos de vista de ambas as partes em meio aos caos particular dos nossos dois bichinhos.
E espero que tenha conseguido fazer vocês se sentirem próximos a eles por meio das minhas palavras.
Confesso que não foi fácil pra mim, sofri pra caramba escrevendo e fiquei com o coração partido em finalizar o capítulo desse jeito tão triste pra eles e pra nós também.
Mas quero saber de vocês, o que acharam? Me contem tudo.
Talvez venha um novo capítulo no domingo de manhã, estou tentando me organizar pra isso já que essa semana eu atualizei bastante por aqui...
Um beijo! 😘