𝐂𝐇𝐀𝐑𝐏𝐓𝐄𝐑 𝐄𝐈𝐆𝐇𝐓𝐘━━ Past ghosts.
—Ainda tô sem entender porque me seguiu.— Kate esbraveja enquanto abria a porta do seu apartamento.
—Porque você está claramente brava comigo.— Jess responde como se fosse óbvio, fechando a porta quando também adentra a residência.
Elas vieram o caminho todo nessa pequena discussão. O lugar que todos se encontraram por acaso não era muito longe do apartamento delas, então quando Kate decidiu que não ficaria para saber o que a Maximoff responderia para àquela moça, ela não contava que Jess a seguiria o caminho todo.
—Não estou brava com você? Estou brava por nunca ter me contado sobre a existência daquela mulher.— Retruca em tom de muito desagrado.
—Porque não era importante.— A ruiva tenta se defender.— Pra falar a verdade, eu nem mesmo pensei nela durante esse tempo todo.
—Que bom?— A arqueira pergunta retoricamente, tirando o casaco que usava o jogando em cima do sofá.
—É sério, Kate.— Continua, pegando a peça de roupa que a morena deixou largada e a pendurando próximo da porta de saída.— Não te falei sobre ela porque não significou nada pra mim, e eu não ia ficar te contando sobre toda pessoa que eu dormi na vida.— Uma careta se forma no rosto da arqueira, e Jess a repete sem querer.
—Ela parecia aclamar bastante intimidade para alguém que você só dormia, Jessica.— Resmunga cruzando os braços enquanto se sentava na poltrona.
A ruiva precisava concordar com Kate, Skye continuava tão atrevida quanto era na época em se relacionavam.
—Fala isso como se eu não tivesse te visto no mesmo lugar com a sua noiva.— Rebate, indo até a cozinha para pegar um copo de água, sentindo a garganta secar apenas em lembrar da cena.— Que caso você não se lembre, você está noiva!
—Não senhora, não tente mudar o assunto para mim.— Kate se levanta seguindo a outra, se pondo do outro lado do balcão que Jess estava.
A morena esclareceria sua situação com Annie para Jess depois, nesse momento ela estava muito interessada em saber mais sobre a tal de Skye e o porquê ela achou que tivesse o direito de beijar Jess mesmo depois do que... No mínimo quatro anos?
E ao contrário do que a ruiva dizia, Kate sabia muito bem que tinha algo a mais ali. Elas se abraçaram por tempo demais, com intimidade demais... Skye não foi só um caso.
—Eu quero saber quem é ela.— Sua voz estava firme, e a ruiva pensa em insistir que não importava. Porém a Maximoff conhecia muito bem sua arqueira para saber que a mulher não deixaria esse assunto ir tão rápido.
Não é que a bruxa estivesse mentindo, realmente não houve sentimentos além do desejo envolvendo ela e Sky, pelo menos de sua parte. Era só que... Tudo acabou tão rápido naquela época, que Jess não achou que precisasse compartilhar.
—Ela é uma super soldada.— Começa sua explicação, vendo a surpresa relapsar nos olhos de Kate.— Lembra que eu te contei sobre quando separaram eu e Stefan?— Indaga, esperando a outra assentir para que continuasse.— Então, eu a conheci nessa época... Skye era um dos testes que estavam fazendo com o soro, deu certo, ela sobreviveu e começou a ser treinada. Viramos dupla nos treinos e com o tempo começamos a nos envolver escondidas, nada romântico, era só um arranjo para tentar encontrar algum tipo de prazer naquele lugar.
Kate normalmente ficaria com ciúmes de ouvir tudo isso, mas sempre havia algo sobre conhecer mais sobre o passado de Jess que a impedia de sentir qualquer coisa se não dor pela ruiva. Não pelo que a ruiva estava contando, embora a arqueira esteja quase sentindo dor física pelas lembranças daquela mulher quase beijando sua esposa... Mas sempre doía ouvir a voz da sua bruxinha quando relembrava essas coisas.
—Não precisa continuar se não quiser.— Deixa seu ciúmes de lado, não querendo colocar Jess em uma situação desconfortável.
—Tudo bem...— Suspira retomando.— Enfim, nos envolvemos por um tempo, mas ao contrário de mim, Skye acabou desenvolvendo sentimentos.— Essa sempre seria a pior parte para a Maximoff.— Só que com a falta de reciprocidade, comecei a me sentir mal e não soube como dizer isso para ela.
Era difícil acreditar que já houve uma época na qual Jess não conseguia expressar suas vontades por se importar demais com os outros. Não porque Kate a achava alguém fria, não mesmo... Ela sabia muito bem que a sua bruxinha estava muito longe disso, mas sim porque a ruiva gostava tanto de passar a imagem de arrogância, que ao lembrar que nem sempre ela foi assim era quase perturbador.
Perturbador ver o quanto uma pessoa pode mudar com o tempo e com as coisas que lhe acontecem.
—Eu era uma adolescente imprudente.— Jess continua, e Kate não pode deixar de notar a forma nervosa como a bruxa brincava com os anéis.— Eles já me faziam machucar pessoas demais, não queria machucar Skye também... Então dei um jeito de me acharem indo a caminho de um dos nossos encontros.
—Jess...
—Idiota, eu sei.— Afirma soltando uma risada desacreditada, fazendo a morena ter vontade de abraçá-la.— Me arrependo de isso até hoje, porque sim, resolvi meu "problema", eu não tinha mais como fugir para encontrá-la... Mas não pensei que isso também a afetaria, ou talvez tenha pensado, mas a ideia de me ligar emocionalmente a alguém de novo tivesse me apavorado tanto que ignorei isso...
Depois dos seus irmãos, de Stefan, das pessoas que precisou matar... Jess não conseguiu lidar com a possibilidade de ter outra pessoa em sua vida para perdê-la de novo. Não até Kate... Mas a arqueira não era nada parecida com isso, ela foi inevitável.
—Minhas atitudes me fizeram perder a única amiga que me restava naquele lugar, nunca te contei sobre porque, de verdade, com o tempo comecei a me esquecer dela. Bom... Até hoje.— Uma lágrima escorreu sua bochecha.— Mas de uma forma distorcida, acho que foi bom... Me apaixonar teria sido tão, tão ruim, arqueira...
—Você se apaixonou por mim.— Murmura, chamando atenção do olhar de Jess, que encontra a imensidão azul pela primeira vez nessa confissão.
—Kate... Você é uma situação totalmente diferente.— Afirma de forma serena, sentindo seus lábios quererem se remexer em um sorriso.— E acredite, eu tentei evitar... Mas você se infiltrou dentro de mim de uma forma que ninguém nunca fez antes. Você acreditou que existia bondade em mim quando nem eu mesma acreditava, me deu uma chance de ser eu mesma mais uma vez, me fez ver que eu ainda conseguia amar alguém e que podia ser amada de volta...— Um sorriso tímido cresce nas feições de Kate ao ouvir isso, e a morena finge não notar seu coração acelerando.— Você é a primeira pessoa por quem eu me apaixonei, e pretendo que seja a última... Eu sabia que ia te amar desde aquele terraço.
—Quando atirei em você?— Indaga semicerrando os olhos, vendo a ruiva também fazer esse movimento com os seus.
—As vezes o amor dói mesmo.— Aquela resposta arranca uma risada de Kate, surpresa por se sentir bem dessa maneira depois de tanto tempo.
Ela estava rindo, ou melhor, estava rindo para Jess... A bruxa quase havia o quanto amava o som da sua risada, mas agora que a redescobri, jurava que podia escutá-la para sempre e nunca se cansaria.
Porque Kate havia nascido para isso, brilhar e ser feliz... E Jess estava mais do que satisfeita em fazer tudo ao seu alcance para que a arqueira fosse tudo isso, e aí de quem se colocasse em seu caminho.
—Diz isso para aquela lá então.— Brinca murmurando enquanto se recuperava, ouvindo uma gargalhada de Jess por isso.
Era a primeira vez que a ruiva ria de verdade depois de tudo, e Kate não consegue evitar seu corpo de se arrepiar com o som e a sensação de vê-la leve dessa maneira mais uma vez.
—Meu Deus, Katherine... Você conseguiu ficar ainda mais ciumenta do que já era.— Resmunga se recompondo.
—O que você estava fazendo naquele lugar de qualquer maneira?— Questiona, sabendo muito bem que a ruiva não gostava de beber e muito menos de ficar bêbada. Porém a presença de Yelena ao seu lado não podia significar outra coisa além de cachaça.
—Tem acontecido muitas coisas ultimamente, Lena achou que seria bom sairmos para descontrair.— Dá de ombros apoiando o corpo no balcão.— E depois era bem provável que eu te ligasse bêbada e me declarasse.— Isso arranca uma risada inesperada da morena.
—É para isso que bebe? Me dizer coisas que não tem coragem sóbria?— Provoca, sentindo seu corpo travar no exato momento em que um sorriso perigoso de lado nasce no rosto da ruiva com seu questionamento.
—Acho que já provei que isso não é verdade, falei muitas coisas para você hoje.— Começa com calma, se aproximando de forma lenta até que esteja de frente para a mulher.— E também não preciso beber para te dizer que toda vez quando te vejo, tenho vontade de me ajeolhar.— Seus olhos percorrem o corpo de Kate por inteiro, voltando aos azuis nervosos da morena no último segundo, e por um momento a Bishop jura ter visto um relapso de escarlate neles.
Jess sente seu sorriso se alargar com a energia ansiosa que exala da arqueira enquanto Kate tentava encontrar algo para retrucar. Mas a verdade é que sua cabeça entrou em curto circuito no momento em que a ruiva se aproximou dela.
—Interessante.— Jess murmura, roçando os dedos na palma da mão da morena que estava apoiada no balcão.— É bom ver que apesar de tudo, eu ainda sei como te deixar com as pernas bambas.
Bruxa desgraçada.
Kate engole seco, sentindo sua mão queimar sob o toque de Jess. Por um momento a arqueira quase joga tudo para o ar e quebra aquela distância entre elas, sentindo a necessidade de prová-la mais uma vez, quase tanto quanto como precisava de ar para respirar.
Mas a Bishop sabia que estariam indo rápido demais se fizessem isso, ela acabou de terminar um relacionamento hoje, precisava assimilar e por sua vida em dia antes de trazer Jess para ela mais uma vez.
—Terminei com a Annie hoje.— Finalmente fala, sentindo um enorme peso escorregar entre seus ombros. Assim como também sente seu coração acelerar quando Jess afasta sua mão da dela, mudando qualquer sombra de provocação em seu olhar.— Era por isso que estávamos no quiosque.
Jess não iria negar, essa era a melhor notícia que recebeu desde que voltou para o mundo. Mas a bruxa não seria egoísta, apesar dela ter consciência de que Kate também sabia que ela estava feliz sobre isso, Jess gostaria de priorizar o que a arqueira estivesse sentindo agora.
—Como você está?— Havia sido uma pergunta sincera, ela podia não gostar nada do relacionamento delas, mas a Maximoff amava Kate. Então se importava com a situação da morena.
—Sinceramente? Aliviada.— Ambas soltam um sorriso sincronizado com isso.— Não acho que ela seja uma má pessoa, só uma má parceira... O nosso relacionamento não era saudável, consigo aceitar isso agora.
—Fico feliz que você esteja conseguindo por sua vida no lugar, arqueira.
—Você faz parte disso.— Toma coragem, vendo um brilho alcançar os olhos claros que tanto amava.
Kate nunca se cansaria de admirá-los, os olhos de Jess eram uma mistura perfeita de azul e verde. Como se fossem o céu e a terra ao mesmo tempo... Isso fazia sentido, ela era seu mundo inteiro.
—Eu quero reconstruir o que temos, retomar de onde a gente parou.— Afirma, mordendo a parte interna da sua bochecha de forma nervosa.— Mas quero fazer isso com calma, um passo de cada vez... Óbvio, isso se você quiser, porque assim, é claro que eu vou entender se não quiser me esperar, vai doer? Vai, mais do que tudo, mas eu entendo, porque... Você sabe, é a sua escolha e eu respeito isso, apes-
—Arqueira!— A ruiva interrompe, fazendo contato das suas mãos mais uma vez. Porém agora não era um carinho perigoso, mas sim um toque reconfortante.— Eu te espero por quanto tempo precisar... Dias, meses, anos... Eu te espero.— Jess mantém os olhos nos de Kate, vendo o vislumbre do que ela poderia jurar ser alívio neles.— Eu te esperaria a minha vida inteira, se precisasse.
—Mas ai é muito tempo, vou morrer de saudades.— Murmura vendo Jess fechar seus olhos enquanto sorria.
—Então só vou esperar o tempo que você precisa, o suficiente.
—É, é... Acho que assim tá bom.— Afirma assentindo enquanto um sorriso satisfeito nasce em seu rosto.
E antes que possa registrar alguma coisa, seus braços se movem envolvendo a ruiva em um abraço apertado no qual sentia que necessitava nesse momento.
Jess não hesita nem mesmo um segundo para retribuir, sentindo seu corpo entrar em curto circuito no momento em que se choca contra o de Kate. Seu calor se misturando com o dela de forma inebriante.
As mãos da morena se agarravam a sua jaqueta como se precisasse disso para sobrevier, e Jess fica feliz em deixá-la assim, aproveitando para se saciar do contato das suas mãos nas costas de Kate.
—Tem mais uma coisa que eu preciso te falar.— A morena murmura, sentindo a voz de Jess reverberar contra seu corpo quando a ruiva afirma para que falasse.
Ela se afasta apenas o suficiente para que pudesse encarar seus olhos, sentindo sua bochecha esquentar quando a ruiva afasta uma mecha que caia em seu rosto.
—Eu sempre soube que você me amava mais do que Starbucks.— Sua afirmação parece deixar Jess em choque por um momento, raciocinando o que aquilo significava enquanto Kate tinha um sorriso acolhedor e nostálgico em seu rosto.
Ela finalmente ouviu a mensagem...
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Depois de Jess ter saído correndo com Kate, Yelena ficou pouco no local. Ela apenas trocou o número com a tal de Skye, pois a garota disse que tinha coisas importantes para esclarecer com a ruiva.
A parte interessante é que Yelena veio o caminho todo para casa gargalhando da situação. A atitude de Kate sempre era impagável nessas situações, assim como o medo que Jess tinha da esposa.
Ela nunca se cansaria do quão caótico poderia ser a dinâmica daquelas duas.
Assim que chega em casa, a loira pendura as chaves do carro antes de se agachar para acariciar os dois cachorros que vieram lhe cumprimentar na entrada.
A casa estava silenciosa, isso lhe faz chegar a conclusão de que todos deveriam estar dormindo ou então Stefan e Peter também saíram, pois o casal costumava sempre assistir filmes até tarde.
Natasha com certeza estava dormindo, aquela mulher tinha alma de uma idosa de noventa anos... Não, uma idosa é mais sociável do que a Romanoff.
Com certa pressa, Yelena sobe as escadas em busca da sua russa. Elas se viram antes da loira sair com Jess, mas isso não significava que a Belova já não estivesse com saudades.
Nesses anos em que estiveram construindo seu relacionamento, Kyra se tornou seu porto seguro. Isso era meio irônico se fosse parar para pensar em como elas começaram as coisas, mas Yelena gostava de as classificar como o clássico haters to lovers.
Ela tem a plena certeza de que nunca vai esquecer o dia em que Kyra a levou para um piquenique em um parque de cães com Fanny, sabendo que estar perto desses animais era uma das atividades favoritas de Yelena, e lá ela a pediu em namoro... A loira lembra até hoje da expressão nervosa que Galkin tinha em seu rosto enquanto esperava a resposta.
Esse com certeza foi um dos melhores dias da sua vida.
Quando abre a porta do quarto, um sorriso nasce em seu rosto ao ver Kyra emaranhada nos cobertores enquanto assistia Modern Family na televisão.
Essa série tinha se tornado a favorita dela, Yelena sabia que era porque a caoticidade daquela família a fazia se lembrar de como a delas era.
—Já chegou?— Pergunta retoricamente, pausando a série para se sentar no colchão com os olhos focados na namorada.
—Você não vai acreditar no que aconteceu, dorogaya.— Yelena inicia já sorrindo, se jogando no colchão ao lado da morena.— Acredita que encontramos Kate e Annie lá?
—Não...— Um sorriso desacreditado se formava no rosto da morena, e a Belova sabia que Kyra estava segurando a risada porque não gostava de rir por atrocidades alheias.
—Essa nem é a pior parte.— Os olhos castanhos que estavam nela se arregalam, e a loira sente seu sorriso se aumentar.— Demos de cara com uma ex da Jess, eu acho.
—Com a Kate lá?— Questiona ouvindo uma risada alta da namorada.
—Você devia ter visto o caos que aquilo foi, por um momento eu achei que a Bishop fosse sacar um arco e atirar no meio do rosto de Skye.— Contava entre risos, vendo Kyra fechar os olhos se concentrando.— A melhor parte foi o desespero da Jess.
—Nunca me arrependi tanto de não ter saído para beber.— Brinca apoiando suas costas na cabeceira da cama.
Ambas sabiam que isso era mentira, Kyra não colocava um gole de álcool na boca. Os motivos disso eram óbvios para todos que moravam nessa casa.
—Acabamos nem bebendo, Kate não quis ficar lá e o cachorrinho de estimação dela saiu correndo atrás.— Nunca perderia a graça para Yelena apelidar sua melhor amiga de coisas nas quais ela sabia que tirariam a ruiva do sério.
—Falando em bebida... Tenho uma coisa para te contar.— O repentino tom sério de Kyra desmancha de forma imediata o sorriso no rosto da loira, que se senta ajeitando a postura.
—Aconteceu alguma coisa?— Pergunta concentrando seu olhar na expressão da russa, Kyra brincava com o cobertor de forma nervosa.
—Recebi uma ligação da Russia hoje mais cedo.— Começa a explicar, e Yelena sente um suspiro cansado lhe alcançar assim que se dá conta do que se tratava.
—O que ele queria?
—Não foi ele... Foi o hospital.— Esclarece, levantando os olhos para ver o cenho franzido de Yelena antes de abaixá-lo mais uma vez para as próprias mãos.— Deixei meu número de emergência para o porteiro caso acontecesse algo, ele deve ter passado aos para-medicos.
—Essa responsabilidade não é sua, Kyra.— Afirma, sabendo exatamente para onde aquela conversa estava se encaminhando. Era assim toda vez que conversavam sobre o progenitor da russa.
—Ele foi diagnosticado com cirrose.— Um silêncio ensurdecedor se instala no local antes que a morena continue.— Já é um estágio avançado, tem tratamento, mas só se ele colaborar.
Yelena gostaria de dizer "bem feito", ou que isso era o mínimo que poderia acontecer com aquele homem pelo que fez com Kyra. Mas não faria, era óbvio que não.
Um ano e meio atrás elas tiveram uma discussão parecida a essa, quando Kyra decidiu ir atrás do seu progenitor para saber como estava a situação do homem, se ele estava vivo... O que infelizmente descobriram que estava.
Porém totalmente coberto em dividas nas quais se meteu por gastar todo o dinheiro com bebidas.
Kyra era boa demais, isso as vezes tirava Yelena do sério. Pois quando viu o homem naquela situação, a morena decidiu arcar com as despesas básicas para que ele ainda tivesse um teto para morar e as necessidades atendidas.
A morena sabia muito bem que isso era um reflexo vicioso do seu passado, que mesmo depois de tudo que passou, ela ainda sentia que tinha a obrigação de mantê-lo. Isso estava sendo tratado na terapia, mas ainda era um assunto delicado.
—Disseram que ele não acreditou no diagnóstico e foi embora.— Kyra continua, sorrindo desacreditada do quanto isso soava como algo que ele faria.— Os médicos não podem o obrigar a fazer o tratamento, então me ligaram para saber se tinha algo que eu poderia fazer e...
—Não.— Yelena diz imediatamente.— De jeito nenhum, dorogaya.
—Yelena, ele é meu pai... Não posso abandonar ele assim!
—Kyra, ele te vendeu!— Retruca enfurecida, não com sua namorada. Mas em ver como ela ainda era afetada por tudo.— Você não tem obrigação nenhuma em tentar convencê-lo a se tratar.
Ela nem mesmo deveria sustentar as despesas daquela criatura, mas isso a loira já tinha entendido que era um processo para Kyra, e que poderia ser demorado até a garota conseguir se desvencilhar disso.
—Estou indo para a Rússia amanhã no final da tarde.— Afirma, não disposta a prolongar uma discussão.
—Sério isso?— Sua pergunta soa quase em um deboche, apesar de não ser.
Era só que Yelena não sabia lidar com essa situação de outra forma, pensar em Kyra entrando em contato com aquele homem de novo a perturbava. A ideia da morena ter um retrocesso em seu tratamento... Só a Belova sabia quantas noites sua namorada passou chorando depois de uma sessão de terapia.
—Você vai comigo ou não?— Pergunta engolindo seco, ainda sem manter um contato visual.
—Boa viagem.— É tudo que ela fala antes de sair do quarto, talvez dormir com Natasha seja uma opção melhor essa noite.
Era provável que elas conversassem melhor sobre isso amanhã, quando houvessem digerido melhor a situação. Ao menos foi isso que Yelena pensou quando fechou a porta do quarto.
Mal sabia ela que quando acordasse, Kyra já não estaria mais em casa.
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Depois da conversa que teve com Kate na noite passada, Jess decidiu tomar coragem para fazer o mesmo que sua esposa... Colocar sua vida nos eixos. Bom, pelo menos até o ponto em que ainda conseguia.
Haviam coisas, acontecimentos, pessoas, nas quais nunca mais teriam volta para ela... Mas isso não significava que a Maximoff precisava virar as costas para tudo.
Ainda tinha algo no qual não fez desde que volto, seja por falta de tempo pelos dias conturbados, ou até mesmo porque estava com medo e vergonha... Ela sabia que não deveria, não tinha como se machucar fazendo isso, não fisicamente ao menos.
Mas assim que estaciona o carro e olha para onde veio parar, Jess pode ter certeza que isso doeria muito mais do que muita surra que levou na vida.
A bruxa toma uns segundos para respirar fundo, olhando hesitante para as flores que comprou para trazer. Ela poderia as criar com sua magia, mas parecia errado envolvê-lo em alguma parte dessa sua vida corrompida.
Então Jessica preferiu passar na floricultura e comprá-las, de certa forma parecia mais simbólico... Pelo menos em sua mente era.
Tomando coragem, Jess salta do veículo caminhando portões a dentro. Existiam muitos nomes lapidados aqui, pessoas memoráveis e alguns desconhecidos... Cada um com a sua importância.
Ela não demora muito para encontrar quem procurava, isso era porque sabia exatamente onde ir. Afinal, ela costumava vir consideráveis vezes aqui antes de tudo isso acontecer... Isso era algo que poucos sabiam, provavelmente só Kate, Yelena e Natasha.
Mas era incrível, não importava quantas vezes viesse até aqui, ver o nome do seu irmã escrito em uma lápide sempre arrancaria um pedaço da sua alma.
Mordendo os lábios, a ruiva começa a retirar folha mortas que estavam caídas sob o túmulo, retirando em seguida as flores velhas e pondo as novas que trouxe.
—Me parece que andaram esquecendo de você, seu perdedor.— Brinca, escondendo a mão nos bolsos da jaqueta enquanto focava sua atenção na lápide.— Pelo menos temos algo em comum, esqueceram de mim também.
Ela solta uma risada angustiada com a própria tentativa de não chorar. Se Pietro ao menos pudesse saber o quanto ele fazia falta, o quanto ela ainda precisava dele...
Jess poderia não falar muito do irmão, mas o garoto sempre estava em seus pensamentos. Ultimamente mais do que o comum, provável que pelo fato de tudo que vem acontecendo com a família destruída que eles compartilhavam.
—Sabe... Acho que nunca vou conseguir aceitar que você se foi.— Pensa alto, sentindo a brisa gelada bater em suas bochechas quentes.— Você era o melhor de nós três... Com as suas piadas totalmente sem graça e esse seu cabelo que era mais ressecado do que qualquer coisa.
Lembranças de quando o garoto pedia para ela e Wanda descolorirem suas madeixas alcançam sua mente. Essas tardes sempre se tornavam um caos, teve até uma vez que Pietro descoloriu uma parte do cabelo de Wanda para provocá-la... Jess acha que nunca tinha visto a irmã tão furiosa até aquele dia.
—Eu precisava tanto te abraçar agora, Pietro.— Ela podia sentir seus lábios tremendo enquanto tentava se manter contida.— Eu só queria poder te pedir desculpas...
Uma lufada de ar cansada lhe escapa enquanto a ruiva fechava os olhos sentindo as lágrimas cortarem sua pele quando escorriam.
—Me perdoa por ter destruído a nossa família.— Sussurra.— Me perdoa por não ter conseguido evitar tudo isso, me perdoa por não ter conseguido evitar que a Wanda se perdesse, me perdoa pelo dia em que pintei seu cabelo de azul porque você tinha descolorido o da nossa irmã, me perdoa por todas as vezes em que eu briguei com vocês, me perdoa... Por favor, Pietro... Me perdoa por ter que matar a nossa Wanda.
A esse ponto, lágrimas escorriam sem controle. Falar isso estava sendo como tirar toneladas dos seus ombros, mesmo que soubesse que não haveria uma resposta, que Pietro nunca responderia de volta... Que ele nunca voltaria.
—Eu tentei, de verdade... Eu tentei muito evitar tudo isso.— Afirma segurando com força o objeto que estava em seu bolso.— Mas parece que tudo o que consegui foi piorar as coisas.
Nada adiantou... Porra, ela tinha sacrificado sua própria vida para que Wanda tivesse a chance de viver a sua. Mesmo assim, era uma maldição, não importasse quanto tempo tentasse evitar, haveria um momento no qual seria inevitável.
Ou Jess para Wanda agora, ou então no futuro quem precisaria ser parada seria ela... A bruxa sabia que chegaria um momento no qual não conseguiria mais se controlar, e só pensar no que poderia se tornar se isso acontecesse... Definitivamente não era bom.
—Eu não sei se você entenderia o meu lado ou não... Na verdade, acho que você acabaria enlouquecendo se ainda estivesse aqui.
Com calma, ela puxa do seu bolso o objeto que trouxe para finalmente devolver a quem pertencia. O anel no qual ela matou muitas pessoas para conseguir, uma última parte do seu irmão que ela ainda tinha.
—Mas eu não posso mais pensar nisso, não posso mais me prender ao passado e me culpar por algo que não tenho culpa.— Afirma, se aproximando da lápide.— Eu não posso me prender a você se for fazer o que preciso.
Ela deixa um beijo na joia, uma última despedida antes de deixá-la em frente a imagem do irmão falecido, criando uma proteção em volta do anel para que ficasse preservado para sempre, assim como a memória de Pietro...
Porque era isso que ele era agora, apenas memórias. Pietro foi o motivo de Jess ter encontrado o amor da sua vida, foi por causa desse anel que ela conheceu Kate naquele terraço, foi por causa desse anel que ela tomou coragem para começar sua vingança contra as pessoas que lhe machucaram no passado... Tudo para poder devolvê-lo a Pietro um dia, quando estivesse pronta.
Ela estava agora, a joia finalmente estava com seu dono. Não mais com Jess como um bote de salva-vidas, porque ela não precisava mais disso... Ela estava o deixando ir, uma última vez.
Assim como também faria com Wanda.
Jess precisava os deixar ir se quisesse, não, quisesse não... Se fosse concluir o que a profecia impôs em sua vida. E ela, de jeito nenhum, conseguiria fazê-lo se continuasse se agarrando ao seu antigo eu.
A uma vida que nunca poderia ter com os irmãos, a um "e se" que permaneceria para sempre apenas em seus sonhos mais lindos, ou então nos pesadelos mais profundos... Porque quando acordasse, a realidade lhe alcançaria e então ela precisaria lidar com o fato de nunca poder ser feliz com as duas pessoas que tanto significaram em sua vida.
Uma parte dela sempre amaria Wanda, não importa o que a mulher fizesse, isso sim parecia uma maldição... Jess nunca conseguiria se desfazer do fantasma do que um dia sua irmã mais velha foi para ela.
Mas a garota podia não carregar mais esse peso consigo, ela não podia ser tão cruel assim consigo mesma. Jess não tinha culpa de ter que fazer algo que não queria, então ela não se culparia.
Ou então ao menos tentaria... O importante era que a ruiva não carregaria mais Wanda consigo daqui para frente.
Mas para conseguir fazer isso, ela precisava deixar Pietro ir também.
Respirando fundo, a ruiva fecha seus olhos enquanto abria as mãos em sua frente, sorrindo ao ouvir sua magia começar a trabalhar no que imaginava.
Ela sabia que quando entrou aqui, planejava não mesclar Pietro com esse lado da sua vida. Mas a verdade era que essa se tratava de quem Jess realmente era, e não tinha o porquê ela esconder ou se envergonhar disso.
Quando seus olhos se abrem, a ruiva toma um momento para ver o campo de flores que criou em volta do túmulo do irmão, lindas flores que enfeitavam o que restava do que um dia foi uma linda pessoa.
Pietro foi lindo, mas ele não estava mais aqui... Jess estava, Kate estava, Yelena estava, Natasha, Stefan, Kyra, Peter, Lucky... Eles estavam aqui, eram sua família, e era nisso que a Maximoff se concentraria agora.
Na sua família.
—Eu te amo, Pietro.— É a última coisa em que diz, fazendo seu caminho para fora daquele local.
Quem sabe um dia ela poderia aceitar esse lado da sua vida mais uma vez, voltar aqui quando tudo tivesse acabado, quando conseguisse sorrir e não querer chorar por estar feliz...
Bom, isso só o futuro diria. Porque nesse momento, tudo que Jess consegue pensar é no seu futuro, não mais em quem foi ou quem deveria ser, mas sim em quem era e queria ser.
E ela queria ser a esposa de Kate, a melhor amiga de Yelena, filha de Natasha, a irritante irmã mais nova de Stefan... Ela queria estar na vida deles e que eles estivessem na sua.
Então quando a ruiva limpa uma última lágrima da sua bochecha, Jess se sente livre, aliviada... Porque agora ela não se sentia mais culpada.
↳Chegamos ao fim de mais um capítulo!
↳Me desculpem a demora, é que com o Enem chegando as coisas estão muito apertadas.
↳Não sei quando sai o próximo, mas espero que consiga não atrasar muito :')
↳Esse capítulo é muito importante para o desenvolvimento de personagens daqui para frente, quero começar a mexer com os secundários e aprofundar mais a história de todos. Assim como também estou desenvolvendo Kess aos poucos mais uma vez... Tomara que estejam aproveitando esse processo, mesmo ansiosos para ver o nosso casal de volta kkkk.
↳Me desculpem se houver qualquer erro ortográfico, as vezes posso deixar passar sem querer. Vou revisar mais uma vez depois e corrigir caso houver.
um beijo e até a próxima!