Tobias Bernstorf
Assim que ela abre a porta, nos encaramos em silêncio como se as palavras não fossem necessárias para nos comunicarmos agora. Ela desvia o seu olhar para si mesma, pressiona as pálpebras e dá um leve suspiro seguido de uma careta constrangida.
Ela está de pijama dourado de borboleta que deixa amostra partes do seu corpo. Dou um meio sorriso e ergo a mão para ela.
— Olá...
— Oi — aperta delicadamente a minha mão. — Por favor entre eu vou vestir algo mais apropriado. Fique à vontade.
Por favor, não vá, estás linda desse jeito.
Assinto, vendo-a subir os degraus, sinto a outra mulher se aproximar, mas meus olhos não conseguem desprender da miragem a minha frente, até que ela, desapareci do meu campo de visão. Viro-me em direção a sua irmã que me encara seriamente, com os braços cruzados abaixo dos seios.
— Por aqui, por favor, senhor Bernstorf — aponta o caminho até a sala.
— Desculpe eu... Como você está e o bebé? — puxo assunto.
— Estamos ótimos, obrigada por perguntar — gesticula para que me sente. — E a pequena Sophie como está?
— Está a ter uma ótima recuperação.
— É bom ouvir isso.
— Pronto, agora estou decente. Desculpe a demora. Verificava Astrid, ela, dormi como um bebé — informa se aproximando de nós.
Ela, agora, vesti um pequeno vestido floral de tecido leve. Está a sorrir tentando disfarçar o nervosismo. A sua irmã pigarreia e se levanta anunciando que precisar ver como está o “Simon. ” A senhorita Vitti se mexe desconfortável no sofá e também se levanta.
— Quer beber alguma coisa, senhor Bernstorff? Leandra esqueceste como se trata uma visita?
— Não precisa se incomodar, não quero nada.
— Então podemos comer gelado enquanto conversamos — ela encara-me, a sua voz tão doce e acolhedora, os seus olhos brilham enquanto aguarda por uma resposta minha.
— Sim — é a única resposta que consigo articular.
Ela puxa a irmã até a cozinha, as duas sussurram algo que mal consigo ouvir. A expressão que ela tem agora é indecifrável, a sua irmã se vira para ir na direção oposta e ela puxa-a pelo braço para impedi-la. Os nossos olhares cruzam-se, ela sorri para disfarçar. Acho que não quer ficar sozinha comigo, é tudo que a sua atitude mostra.
Entrega-me a tigelinha vidrada contendo o gelado de chocolate e baunilha, senta-se novamente perto de mim a uma pequena distância, apoia a perna no assento e vira-se para mim. Eu faço o mesmo.
— Então — começa levando a colher cheia a sua boca linda e convidativa. — Como eu disse por telefone, ela chegou chorando, eu até perguntei o que aconteceu, mas ela não disse perguntas,— a mulher posa a tigela na mesinha de centro.
— Eu acho que ela pode ter ouvido a conversa que tive com os meus pais mais cedo sobre..., a minha irmã parece confiar muito em você, para ter vindo aqui ao invés de ir à casa da melhor amiga.
— A Shaltin? Ah, elas estão brigadas.
Enrugo a testa, encho a colher e a cobri-la com a boca, ela acompanha o meu movimento e sorri segundos depois.
— Ficou um pouco aqui.
Um arrepio suave percorre a minha espinha quando Nihara estende o dedo e delicadamente limpa o resíduo do gelado no canto da minha boca. Os meus olhos fixam-se nela, capturando cada detalhe desse gesto íntimo. O meu coração começa a bater descompassado dentro do meu peito, enquanto uma sensação calorosa se espalha por todo o meu corpo. Engulo em seco, sentindo-me subitamente hipnotizado por ela.
No meu olhar, uma mistura de surpresa e desejo se fundem. Fico momentaneamente sem palavras, tentando desvendar a intensidade do que acabara de acontecer. O simples movimento provocativo, desencadeou uma cascata de emoções em mim. Ela empertiga-se percebendo o que fez comigo e se encolhe constrangida e se desculpa. Limpo a garganta e pergunto:
— Como vocês se conheceram?
— Nos conhecemos naquele dia mesmo no hospital, foi amor à primeira vista — diz sorrindo com os olhos brilhando —, estávamos as duas na casa de banho, Astrid parecia triste e só repetia “ele não vai perdoar-me, ele não vai perdoar-me.” Tentei ajuda–lá como podia.
— Sabe, a minha irmã dificilmente se torna amiga de alguém tão rápido. Eu fiquei bem surpreso quando as vi juntas. Você é uma pessoa fantástica — a minha voz sai quase como um sussurro.
— Mas me diz o que aconteceu? O que a deixou assim? — reviro-me no sofá. — Desculpe, eu não quero intrometer-me.
Encarámo-nos por alguns segundos, ela tenta afastar o olhar, mas desiste. Olho para sua boca pequena e carnuda, e vou a descer até o meu olhar posar na sua perna que está descoberta. Nihara se ajeita no assento e discretamente puxa o vestido para baixo. Limpo a garganta exageradamente e poso a tigela na mesinha, está vazia, dela também está vazia. A mulher levanta-se, passa por mim e segui até a cozinha, dizendo que vai beber água.
— Vais querer também?
— O quê?
— Água… ou preferes algo mais forte?
Levanto-me em completo silêncio e aproximo-me dela, encostando-me na ilha da cozinha. Observo-a com intensidade, apoiando o meu queixo na mão enquanto mergulho os meus olhos nos dela, perdendo-me na profundidade das suas pupilas castanhas.
Ela parece um tanto desconfortável, mas mesmo assim não consigo resistir. Avanço na sua direção, encurralando-a entre o eletrodoméstico e o meu corpo imponente que diante dela parece gigante.
Ela transfere o peso para o outro pé e engole em seco, o seu olhar fixa a minha boca enquanto o seu lábio inferior é discretamente mordido. A respiração dela, agora audível, denota a crescente tensão no ar, e os pelos do seu corpo arrepiam-se no momento em que toco suavemente o seu braço direito.
Inclinando-me lentamente na direção do seu rosto, chego bem próximo à lateral das suas bochechas, deixando os meus lábios roçarem suavemente a pele negra e suave. Um sussurro escapa dos meus lábios, carregado de promessa e desejo:
— Nunca permitirei que você escape dos meus braços.
O calor entre nós é palpável, uma eletricidade que percorre cada centímetro daquele pequeno espaço. Os nossos corpos estão magnetizados, atraindo-se com uma força incontrolável.
Em meio àquele momento, posso sentir a sua vontade lutando contra a razão, uma batalha interior que a consome. Os seus olhos capturam a fome que arde em mim, enquanto os meus dedos traçam um caminho subtil por sua pele, despertando sensações inebriantes.
É fascinante testemunhar a maneira como o corpo de Nihara responde ao meu toque. Observo atentamente o seu rosto, enquanto ela fecha os olhos e deixa os lábios entreabertos. Com dedos trémulos, acaricio suavemente a sua boca suplicante, aproximando-me lentamente.
As nossas respirações misturam-se num ritmo frenético, e justo quando estou prestes a beijá-la, a voz surpresa de Astrid ecoa pelo ambiente, interrompendo o nosso momento de intimidade. Afastámo-nos abruptamente, surpresos, os nossos olhares fixos na adolescente que nos encara com raiva.
— Nihara, por que você ligou para o Tobias? Você prometeu a mim — exclama Astrid em tom de reprovação.
A mulher respiro fundo, tentando recuperar a compostura, enquanto busca as palavras certas para explicar a situação delicada.
— Bem, eu tive que ligar, Astrid. Eles ficariam extremamente preocupados se descobrissem que você não está com a Shaltin. Por favor, não fique brava comigo. Como adulta responsável, era meu dever tomar essa atitude — ela sorri para amenizar a situação.
Observo atentamente a dinâmica entre as duas, sentindo um certo alívio ao perceber que Nihara já conquistou a aceitação da minha irmã, ao contrário de Sienna, que ela fazia questão de evitar. Astrid nunca confiou nela, e quando eu a questionava sobre isso, ela sempre me dizia: "a sua namorada é uma falsa, com dupla personalidade." E, infelizmente, a verdade acabou se revelando.
As duas abraçam-se, ignorando a minha presença, enquanto a menor me olha indiferente antes de se afastar e dirigir-se ao frigorífico, sem dizer uma única palavra.
— Minha lagartinha, por que você está chateada comigo? — pergunto com uma pitada de preocupação na minha voz.
Ela coloca o copo vazio com tanta força sobre a mesa que causa um estrondo, mas felizmente ele não se parte. O seu olhar furioso se fixa em mim enquanto ela responde com raiva contida:
— Porque você trouxe aquela mulher para as nossas vidas e, por culpa dela, e sua também, o meu irmão está morto! — ela grita, as palavras ecoando como lâminas cortantes no ar.
O silêncio incomodo pesa no ar, fixo os meus olhos em Astrid, que agora estão avermelhados e brilhantes pelas lágrimas que ameaçam escapar. Nihara, ao meu lado, permanece imóvel, observando a cena com pesar. O meu coração dói dentro do peito, a ferida antiga foi aberta, sangrando novamente após tanto tempo.
Baixo o rosto, suspirando profundamente, e com o dedo delicadamente limpo uma única lágrima antes que ela molhe a minha face marcada pela tristeza. Ergo o olhar novamente, encarando Astrid com uma mistura de dor e preocupação.
— Vou sair para que vocês possam conversar a vontade — pronuncia-se Nihara, virando-se em direção à sala.
— Por favor, Niah não vá. Eu não vou falar com ele — contesta com firmeza.
Nihara, volta-se para nós, hesitante. Os seus olhos mostram um misto de tristeza e preocupação, pois ela entende a complexidade da situação. Mas mesmo assim, tento aproximar-me da minha irmã, estendendo a mão para tocá-la, buscando um conforto que parece fugir de mim.
— Vamos para casa, Astrid, por favor. Podemos conversar lá — digo, com a voz suave, transmitindo o meu amor e a minha vontade de resolver as coisas.
No entanto, Astrid se afasta como se estivesse a fugir de um leproso, rejeitando o meu toque. A dor se intensifica dentro de mim, ecoando em cada fibra do meu ser.
— Vá para casa você, que…— ela começa a dizer, mas as palavras ficam suspensas no ar, carregadas de mágoa e ressentimento.
O meu coração se parte um pouco mais, sentindo o peso da rejeição que ela expressa. Eu amo-a tanto, e ver a barreira entre nós se tornar cada vez mais intransponível é como uma faca cravada no meu peito.
— Astrid, eu não vou pedir novamente — ordeno com aspereza.
— Eu não vou e você não pode obrigar-me. Eu não sou mais uma criança que aceita fazer as suas vontades sem questionar — responde ela, firme na sua postura.
Com passos pesados, aproximo-me novamente dela, agora nervoso com a sua atitude desafiadora. Antes que eu possa alcançar o seu braço, a mulher que nos observava em silêncio põe a mão no meio do meu peito, interpondo-se entre nós.
— Por favor, Bernstorff, deixe-a ficar e acalmar-se um pouco. Depois, eu a convencerei a falar com você — ela pede com doçura, o seu olhar fixo nos meus. A sua mão ainda ocupando o espaço em direção ao meu coração, que bate de forma hesitante.
Suspiro, resignado.
— É um prazer. Acompanho-o até a porta — responde Nihara.
Caminhamos em silêncio até a saída, mas antes de abrir a porta, vira-se, posicionando-se de frente para mim, a uma curta distância. Os seus olhos mostram empatia e sincera preocupação enquanto ela fala:
— Eu realmente sinto muito por tudo que você está a passar. Sei que os problemas parecem insuperáveis quando surgem, mas acredite, tudo vai ficar bem. Se precisar de um ombro amigo ou um colo para se deitar — ela sorri gentilmente — estou aqui.
Um misto de gratidão e tristeza enche o meu coração ao ouvir as suas palavras reconfortantes. Sinto a necessidade de expressar a profundidade dos meus sentimentos por ela. Com ternura, acaricio o seu rosto e depósito um beijo suave na sua bochecha.
— Eu queria ter-te conhecido muito antes — confesso, deixando transparecer a minha sinceridade.
Nihara sorri, a sua expressão transbordando compreensão e carinho.
— Não se preocupe, teremos muito tempo para isso.
Reservei um restaurante, localizado num bairro tranquilo, afastado das agitações da cidade e dos olhares curiosos e de possíveis interrupções. É o lugar perfeito para encontrar a Sienna e ter as respostas que tanto preciso, sem que isso vire notícia no dia seguinte.
Enquanto aguardo, o som de notificação do meu telefone interrompe o silêncio. Retiro o aparelho do bolso do meu casaco e leio a mensagem de Meyer que intensifica a minha determinação e alimenta a chama da incerteza queimando dentro de mim.
“ A senhorita Handerson acaba de chegar. ”
Deixo o aparelho a repousar sobre a mesa, e olho para entrada do restaurante. Sienna atravessa a porta, e caminha na minha direção a passos lentos, examinando o lugar com um sorriso desdenhoso. Continua uma mulher ‘snob’, não mudou nada exceto pelo cabelo curto ao ombro, antes era bem mais comprido.
Sorrio irritado ao lembrando que em algum momento da minha vida, aqueles eram o ninho onde pensei pertencer.
— Você podia ter escolhido um lugar melhor para nos encontrarmos — critica quando chega perto, puxa a cadeira e sentar-se.
Olho para ela com o mesmo desprezo que mostrou ao entrar.
— Nem esse lugar você merece.
— Tudo bem. Diz logo por que marcou esse encontro. Resolveu finamente ouvir-me?
Revira os olhos nas órbitas.
— E você cansou de tentar fazer-me ouvir-te? Olha, eu vou perguntar apenas uma vez e quero que responda com a verdade sem voltas.
Ela assente, encarando-me com seriedade. Sem desprender o seu olhar do meu, faz sinal para empregado de mesa, que não se demora e para de frente a mesa com o bloquinho de notas nas mãos, aguardando o pedido.
— Traga-me a bebida mais forte que você tiver aí.
O home olha para mim inquiridor, ao esperar o meu pedido.
— Por favor, para mim uma água com gás.
— Como quiser, senhor. A senhora vai querer mais alguma coisa?
— Apenas que se apresse com a minha bebida — o homem, se vira indo em direção ao bar, no mesmo instante pergunto sem rodeios:
— Quem é Jordan Kross e qual relação você tem com ele?
O seu rosto empalidece, engolindo em seco ela ergue a mão tirando a bebida da bandeja do empregado de mesa que chegou bem no momento que ela está a precisar. O homem posa o copo contendo a água e se vira de volta para o bar.
A mulher a minha frente bebi num único gole a bebida quente, não se importando com as gotas que deixa transbordar molhando a sua blusa de seda branca. Termina o líquido e pedi outro, faço sinal ao empregado de bar para cancela o pedido.
— Espero uma resposta não me faça perder tempo.
— Jordan e eu namoramos durante quatro anos — a sua voz está quase inaudível, o rosto inclinado para baixo. — A princípio ele era carinhoso, companheiro, atencioso, tratava-me bem, até que as coisas começaram a mudar. Ele começou a mostra um tipo de ciúmes doentio, nenhum homem podia olhar para mim.
Ela pausa dá um gole na minha água, respira fundo e tentar controlar o choro.
— Continue por favor, em nome de tudo de bom que já vivemos estou-te a dar esta oportunidade para esclarecer as coisas. Por isso peço-lhe que se controle e continue. — Ela olha-me com indignação. Dá uma fungada forte e segui contando.
— O nosso relacionamento tornou-se um inferno, ela me trancava para não sair, batia-me. Na primeira oportunidade que tive fugi para cá. Tudo voltava ao normal, conheci você e quando o nosso noivado foi noticiado. Ele conseguiu encontrar-me e aí começaram as ameaças.
— Porque nunca me contou nada? — falo com a voz carregada de ódio e mágoa.
— Por favor. To, eu tinha muito medo — ela tenta segurar a minha mão, mas antes que consiga a tiro do seu alcance. — Ele jurou que te faria mal. Mas dei de nada e fiquei a adiar o nosso termino. O Simon... não era para ter sido ele. Quando Jordan descobriu que matou o irmão errado, eu não tive outra saída, a não ser deixar-te no momento em que mais me precisavas de mim.
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Isso está a caminhar para algo, interessante. Né não?
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