Yurgan e Gauargi possuíam expressões que lembravam crianças pegas fazendo uma travessura.
— E então? — insistiu Argos. — Descobriram algo interessante?
— Seguimos por túneis e cavernas, saímos em outro ponto da montanha, no entanto, não há uma entrada segura por ali. Há uma caverna que não nos arriscamos a explorar. — relatou Yurgan.
Gauargi o olhava incrédulo.
— Que bom que não pedi segredo sobre essa incursão. — disse o lorde.
— Yurgan é um jovem sagaz, lorde Gauargi. Sabe bem que não conseguirá sustentar uma busca por esses caminhos sem o conhecimento necessário. — falou Argos, ainda olhando para Yurgan, que sustentava o olhar. — Nunca entendi o motivo de ter entrado para a Guilda, mas fiquei feliz por ser companheiro de minha sobrinha. Sempre soube que era sensato. Venham! — disse e caminhou para fora, em direção à própria tenda. — Mostre-me. — Pediu quando estavam já na tenda.
Yurgan retirou os mapas e colocou sobre a pequena mesa que ali havia. Em nenhum momento disse onde conseguira os documentos, e Argos não perguntou. Explicou rapidamente os caminhos que haviam seguido e as principais diferenças que havia no cenário e no mapa. Diante do relato do jovem, Argos foi fazendo anotações e preenchendo as lacunas.
— O que está tentando? — perguntou o velho patrulheiro.
— Acredito que conhecer os caminhos da montanha é algo importante. Além disso, talvez haja alguma maneira de usarmos esses caminhos para lidar com os orcs ou mesmo um caminho que possamos percorrer para procurar por Maxine. — respondeu Yurgan simplesmente, enquanto Argos o encarava com semblante sério.
— Por que o está ajudando, lorde Gauargi? Se me permite perguntar. — questionou o mais velho.
— Concordo com as preocupações de Yurgan. Não sabemos por onde os orcs vieram, como se reuniram e se abateram com tamanha força sobre nós. Acredito que nossas energias são melhores utilizadas dessa maneira do que apenas aguardando. — respondeu o lorde.
— Concordo com os senhores. Vou ajudá-los com os mapas. — Pegou algumas folhas de pergaminho e começou a rabiscar enquanto os dois jovens se entreolhavam.
Argos pediu algum tempo para que pudesse analisar os mapas e entendê-los. Tentaria torná-los mais fáceis de seguir, já que ele mesmo não poderia seguir com eles como guia. Levou quase dois dias até conseguir fazer o que pretendia, alternando entre os problemas com os orcs e seus homens e a revisão.
Depois do ataque ao acampamento, os orcs se aproximaram mais, inclusive, alguns tentaram escalar a muralha, sendo mortos no processo. Estavam a cada dia mais ousados, o que mantinha a todos ocupados.
No mesmo dia que receberam os mapas com as anotações em mãos, Yurgan e Gauargi puseram-se a desbravar novamente. Entraram na caverna que haviam descoberto anteriormente e a exploraram por um longo tempo, sem alcançar o fim. Decidiram retornar antes e deixaram Argos frustrado com o relato, especialmente quando, na segunda tentativa, também não chegaram a lugar algum. No terceiro dia, enquanto planejavam a exploração, Gloradan os chamou e pediu que se juntassem ao grupo que partiria em busca dos batedores que haviam saído no dia anterior e não tinham retornado.
Partiram imediatamente, seguindo os patrulheiros que conheciam o caminho. Eram cinco no total, incluindo Yurgan, Gauargi e Gloradan.
O som da batalha ecoou antes mesmo de eles a avistarem, instigando-os a incentivar os cavalos a correr mais rápido. Yurgan, Gauargi e Gloradan portavam os escudos e as espadas em mãos, prontos para lutar ao modo da cavalaria. Os patrulheiros à frente, familiarizados com o estilo de combate dos cavaleiros, abriram caminho, cavalgando para as laterais e cercando os orcs e os aliados que já estavam em combate.
Os três cavaleiros avançaram como fúrias e duas cabeças de orcs rolaram. O oponente de Gloradan provavelmente era o líder daquele grupo, e recebera um golpe profundo no peito, cortando até mesmo seu braço, que ficara preso ao resto do corpo apenas por teimosia. O orc urrou e investiu contra o elfo.
Yurgan e Gauargi circundavam com os cavalos, e voltavam a investir com rapidez. No entanto, os orcs estavam preparados para o segundo ataque. Yurgan foi arremessado do garanhão que montava quando este foi atacado por longas lanças dispostas para deter o avanço. Gauargi conseguiu esquivar-se no último momento, salvando o cavalo.
O jovem campeão de Austra se levantou ágil e firme. Apertou a espada sentindo o couro que cobria a empunhadura, e ergueu o escudo que levava a balança, símbolo de Austra, habilmente trabalhado gravado no metal. Defendeu-se do golpe de uma lança que fora arremessada em sua direção e, com cautela, moveu-se, testando o terreno gelado. Aguardou o primeiro ataque, o sentindo contra o escudo. O orc avançou cheio de fúria e de aberturas em sua defesa, das quais Yurgan se aproveitou. Quando o orc ergueu os braços para o poderoso golpe de machado, foi trespassado pela lâmina abençoada do jovem, que rapidamente se recolocou em postura defensiva.
Gauargi deu a volta com o cavalo e o fez escoicear, atingindo um orc que tentava alcançá-lo. Rápido, direcionou o animal para pisotear o inimigo caído no chão. Não era uma cena bonita, mas o jovem ruivo continuou. Manobrou o cavalo em movimentos curtos e circulares para esquivar-se dos golpes e das lanças. Conseguiu criar um pouco de espaço e incentivou o cavalo a se afastar. Alguns orcs o perseguiram a pé, mas ele deu a volta e os atropelou em galope, mantando um e ferindo outros dois. Aproveitando a velocidade, inclinou-se e pegou uma das lanças cravadas no chão, segurando-a firmemente com o braço esticado, empalando mais um inimigo e arrastando-o por alguns metros antes de soltá-lo junto com a lança. Parando, pegou outra das lanças cravadas no solo e a arremessou contra outro orc, ferindo-o, antes de pôr o cavalo em movimento novamente.
Enquanto isso, Gloradan travava uma batalha ferrenha contra o líder orc e outros dois. Ignifer, o kirin, estava ferido e mancava, mas continuava atacando ferozmente qualquer um que se aproximasse.
Os dois patrulheiros que guiavam o grupo atacavam à distância, distribuindo flechas. Haviam dois membros do primeiro grupo já sem vida e dos outros quatro restantes, dois estavam gravemente feridos. Mesmo com um bom número de orcs derrotados, os inimigos ainda possuíam superioridade numérica.
Gauargi cavalgava com velocidade quando uma lança o atingiu no ombro, não o atravessando, gracas à armadura, ainda que sentisse o ferimento e o sangue escorrer. O golpe o atirou no chão com força. Gemeu ao tentar se mover, mas toda a dor foi esquecida quando um imenso martelo apareceu em seu campo de visão. Precisou toda sua velocidade para desviar do golpe. Percebeu que outro orc corria em sua direção, mas não conseguiu ver a arma que ele trazia, já que sua atenção estava focada em desviar dos golpes do inimigo. A lança cortou o ar seguindo o trajeto para se enterrar nas costas do jovem, mas Yurgan segurou o golpe com o escudo, fazendo a lança se partir. Golpeou duas vezes seguidas, com golpes precisos, e o orc lanceiro que corria para o ataque caiu sem vida. Gauargi acenou para Yurgan em agradecimento, e os dois puseram-se a lutar costas contra costas.
Quatro orcs atacavam Yurgan e Gauargi em um semicírculo, e após alguns minutos de combate, Yurgan percebeu que estavam sendo levados para um canto mais afastado.
— Estão tentando nos separar dos outros! — bradou Yurgan.
Gauargi olhou ao redor e já estavam consideravelmente distantes, se aproximando de uma área arborizada com altos pinheiros. O jovem tentou manter sua posição, mas os oponentes estavam em maior número. Notaram também um quinto orc mais afastado, mirando com um arco na direção em que estavam. O lorde, percebendo o movimento, saltou para o lado e para trás, tentando escapar da flecha. O som da haste cortando o ar soou, e ao mesmo tempo, ele notou que não havia mais solo sob seus pés. Por muito pouco, conseguiu se segurar na borda da fenda.
Yurgan viu o lorde cair logo ao seu lado e se inclinou para tentar ajudar, recebendo um golpe na coxa ao fazê-lo. Mesmo assim, notou que Gauargi se mantinha pendurado na borda. Girou a espada algumas vezes, confundindo o inimigo e o pegando desprevenido. Uma flecha perfurou a garganta de um segundo oponente e Yurgan viu os patrulheiros mirando nos inimigos que os cercavam. Golpeou novamente, tentando criar espaço para Gauargi subir.
Um dos orcs passou por Yurgan, chegando à beira do penhasco. Desferiu dois golpes com a espada, para o desespero do jovem que tentou se aproximar, mas seu oponente não permitiu. Desviou de um golpe poderoso do orc, usando um movimento rápido para levantar o escudo e se livrar de uma flecha que vinha em sua direção. Conseguiu se aproximar da borda e chutar o orc que atacava Gauargi. Yurgan tentou alcançar a mão do lorde, mas o orc remanescente o puxou e o arremessou para longe da borda. A expressão do jovem campeão revelava sua apreensão por não conseguir chegar até o companheiro. Levantou-se e avançou, acertando dois golpes que feriram o oponente, mas ele permanecia de pé. Então, um som estrangulado escapou da garganta do orc e a ponta de uma lâmina apareceu em seu abdômen. Gauargi conseguira se erguer e golpeara o orc, que caiu no chão agonizando. Yurgan pôs um fim ao sofrimento dele, e os dois retornaram para junto do grupo, ofegantes e feridos.
Ambos os jovens observaram por alguns instantes a imponência de Gloradan no momento em que ele cortou a cabeça do líder, enquanto o kirin acertava, com sua poderosa cauda, um orc que tentava atacar por trás. O elfo, quase no mesmo movimento, eliminou um segundo orc ao trespassá-lo com a longa lâmina élfica. Ele era uma figura impressionante, uma pintura viva em sua armadura de vidro élfico, em tons de verde, e tanto Gauargi quanto Yurgan demonstraram surpresa ao ver o elfo ser atravessado por uma lança arremessada de longe.
Yurgan rapidamente olhou ao redor procurando pelo agressor, mas os dois arqueiros já o tinham abatido, e os orcs remanescentes bateram em retirada quando seus números diminuíram. Gauargi correu até Gloradan e o alcançou no momento em que ele tombava da montaria.
— Yurgan! — chamou Gauargi com urgência ao amparar o elfo.
O jovem campeão olhou para o lorde e notou sua exasperação, assim como notou a haste despontando do ombro esquerdo do elfo. O arremesso foi certeiro e a força do orc que o fez fora incrível, atravessando a bela armadura.
Yurgan se apressou e se aproximou, percebendo que o sangue fluía abundante da ferida. De joelhos, ao lado do elfo, o jovem respirou fundo e rogou a Austra por sua benção, julgando justo curar o elfo. Ao cortar a haste da lança para ter acesso ao ferimento, o elfo grunhiu e Yurgan pôs suas mãos sobre a ferida enquanto seus lábios se moviam em sua prece.
A energia divina correu pelo corpo de Yurgan quase materializando sua fé e concentrando-se em suas mãos enquanto tocava Gloradan. O elfo adotou uma expressão de assombro ao sentir a ferida se fechar e receber o alívio para suas dores.
O elfo se voltou para Yurgan.
— Obrigado, meu jovem! É bom receber novamente a benção de um campeão. É sempre uma experiência impressionante.
Com confiança, o elfo se ergueu e foi verificar a condição de sua montaria. Enquanto isso, Yurgan e Gauargi começaram a caminhar pelo palco da luta e viram quatro dos seus aliados caídos no chão, já sem vida. Yurgan fez algumas tentativas de primeiros socorros, sem sucesso. O jovem levantou-se e procurou por um cavalo sem cavaleiro. Quando o encontrou, colocou o primeiro corpo sobre o lombo do animal. Conseguiu fazer o mesmo com outro e depois recebeu ajuda de um dos patrulheiros. Assim, distribuíram o peso entre os cavalos remanescentes, e Yurgan ainda encontrou um para voltar montado.