Ser eu.
Mas, sem os meus irmãos, eu sou o que ?
Enfim,olhar pela janela com a neve caindo parece um pouco depressivo agora. Estar sozinha no natal por si só não é uma experiência agradável, o Ken disse que não ia demorar para voltar e que o tal Taiju não daria o trabalho suficiente para deixa-lo fora de casa toda noite.
olhando em volta, minha casa nunca esteve tão em ordem, minha cozinha tão limpa, minha noite tão quieta.
Deus sabe como eu gostaria do oposto.
Como um pouco de mousse de limão... eu não gosto de mousse de limão. por quê eu fiz?
Balançando a cabeça, afasto mais uma crise. rodeada de doces e com um caderno de letras no colo, observo como as letras antes faziam mais sentido do que agora. As letras tristes ficaram bobas e as felizes ficaram inatingíveis.
Sem perceber, a tranca da minha porta se abria, revelando o meu namorado com arranhões no rosto e roupa suja de sangue.
—O quê aconteceu ? — Perguntei me fazendo de idiota, para variar, é óbvio o que aconteceu.
Me levanto, indo buscar o kit de primeiros socorros.
— Black Dragons, eu acho que tinha uma centena deles lá. — ele suspira, Ken sabe com tem sorte de ser alguém assim tão forte.
Me lamuriando por não ser um homem forte como o meu namorado, vou em seu cuidado. me sento do lado dele, limpando os machucados ridiculamente pequenos para quem brigou com uma centena.
— A gente ta um caco — ele comenta enquanto colo,muito concentrada, um curativo do Hot wheels no nariz dele.
Olhando assim, realmente estamos.
— A gente tem esse direito — me restrinjo a essa frase.
— Pra ser mais artístico, eu chamaria de "licença poética" — com isso, meu namorado me levanta nos braços mais rápido do que eu possa protestar.
Sou erguida como uma boneca, ele caminha comigo sustentada apenas em um braço, busca o violão que eu afinei hoje depois de finalizar as encomendas de natal, Draken me leva de volta para a sala e se senta no tapete em frente o sofá.
— Podia ter pedido e eu pegava — falei me sentando do lado dele no tapete, um pouco tímida, fazia tempo que isso não acontecia.
—Eu fiquei com saudade de te levantar, faz um tempinho né... —na minha cabeça ele estava comentando sobre um tempinho sem...sabe, coisa de namorados.
— Você sabe que eu...— a minha cara deve ter delatado exactamente o que eu pensei.
— Viajou, eu não tava falando disso — ele me cortou, se apressando para falar o que ele pensou ou deixou de pensar.
— Tá tá...— balanço minha cabeça, tentando enfiar na minha mente que ele realmente estava sendo carinhoso e não um tarado — você ainda tem que cantar pra mim. Anda.
Ele ri e se apressa para começar a tocar as notas no violão.
— Não zoa a minha voz, a cantora aqui é a senhorita ai — ele dá uma risadinha antes de limpar a garganta para começar.
Foi essa letra que eu ouvi :
Amor, quando o nosso vinho amargar ou perder o saborQuando a maquiagem borrar e as fotos perderem a corTu ainda vai querer me aquecer quando não me restar nem calor?E, quando o cigarro apagar, vai ter valido a pena as cinzas e o frescor?Quando a nossa música tocar, tu ainda vai lembrar do ritmo?Quando o mundo me machucar, tu ainda vai querer curar minha dor?Tua voz e tua respiração são meus sons preferidosMas, quando eu esquecer de viver, teu olhar ainda vai me lembrar quem eu sou? Ainda vai querer acordar com meu toque e minha voz no ouvido?Tua vida ainda vai ter sentido se a nossa for tudo o que te sobrou?Quando chegar o cansaço, meu abraço ainda vai ser teu abrigo ?Mas, quando a vida acabar, ainda vai querer ir pro mesmo lugar onde eu vou?Ainda vai sorrir quando eu for teu único motivo?Ainda vai ouvir o que eu digo, mesmo quando eu só quiser falar de amor?Ainda vai tentar me entender quando eu não fizer mais sentido?E ficar comigo quando tiver visto o pior lado de quem eu sou?
Eu fiquei em completo silencio, a musica me tocando profundamente, era como se eu e Ken conversássemos na letra, como o mundo nos afetou. Acima de tudo, como a maldade do mundo nos afetou.
Já não resta calor, as fotos perdem a cor a cada segundo, eu já não faço qualquer sentido... ainda assim, estamos aqui. Juntos, sentados no chão com nossos traumas lutos e tristezas além das diárias.
Kenzinho me olha nos olhos ansioso pela minha reação, parece que meu corpo, ainda em estado de completo êxtase mental, não havia produzido reações devidamente satisfatórias para serem reconhecidas.
Ele não faz a minima ideia dos sentimentos intensos que me trouxe com essa letra, justamente com essa.
fiquei de pé e já senti uma certa tensão pairar no ar quando ele larga o violão delicadamente no sofá para ficar de pé bem na minha frente, ligeiramente inclinado para ter uma linha de visão melhor.
Perfeito.
Eu o abracei, muito forte, com muito significado. Pela primeira vez desde que as crianças se foram, eu estava pronta para me abrir e iniciar algum processo de reconstrução na minha vida e na dele.
— Sua voz ficou linda, meu amor — falo baixo, era difícil de me expressar o bastante.
O afago dele na minha cabeça comprovou para mim que ele entendeu que meu elogio não foi apenas para a sua voz, ele não tem técnica vocal, mas definitivamente tudo conversava comigo e com a gente.
O clima da noite mudou consideravelmente após a musica, nós comemos e assistimos TV juntos, conversando em um clima agradável que a um bom tempo não acontecia, ainda era melancólico com tópicos restritos.
acho que vamos ficar bem.