Sexta-feira, 08 de Dezembro, 2023
— Por que está aqui?
Brad se assustou assim que eu abri a porta do seu estúdio. Ele estava com seu enorme fone de ouvido e o notebook aberto em uma tela como se fossem teclados.
— Oi, Mia. — Ele sorriu. — Pode entrar.
Fechei a porta atrás de mim e me sentei no sofá, ao seu lado. Coloquei uma almofada no meu colo e olhei ao redor. Não sei como Brad fez com que tudo isso de instrumento coubesse ali.
— Essa casa está em clima de enterro. — Murmurei.
Brad riu, girando a cadeira na minha direção.
— Por que acha que eu estou aqui?
— É compreensível...
Definitivamente, era. Gavi estava passando por um momento bem turbulento em sua recuperação. Estava tendo altos e baixos, no momento, estava mais para baixo do que alto. Ele estava lidando bem até resolver colocar o pé no chão... Se eu estivesse perto de ter os meus bebês, com certeza eu teria tido-os ali mesmo.
Desde então, ele não quer fazer mais nada. Ele fica o dia inteiro deitado no sofá, não levanta, e nem mesmo a Sol está conseguindo fazer com que ele ande repentinamente vezes com ela ao redor da piscina.
Maya e Manu escondiam muito bem, mas era nítido que elas estavam definhando junto com ele. Manu ia para a faculdade normalmente, mas as meninas nos contaram que ela mal prestava atenção nas aulas, e muitas vezes, estava dormindo. Manuela nunca foi de dormir em aula.
Já a Maya, era assustador vê-la no CT. Ela estava irreconhecível e todo mundo percebeu isso. Laporta pediu para que ela tirasse uns dias, mas ela não quis. Ela praticamente se arrastava pelos corredores, mas se esforçava para mostrar que estava bem na medida do possível.
Me cortava o coração toda vez que ela ia para a arquibancada assistir aos treinos e de longe, via que estava chorando. Desde que ela começou a assistir aos treinos, Gavi sempre fazia algo para irritá-la e sei que ela está sentindo falta disso.
Até eu estou... Como não sentir falta das piadinhas dele? A lesão dele deixou todo mundo muito mal e até mesmo, um pouco desamparados. Era um processo, e todo mundo ainda estava tentando lidar com aquilo tudo.
Eu não era diferente. Fazia de tudo para animar o Gavi e muitas vezes eu conseguia, mas nos últimos dias está sendo uma tarefa difícil demais. As crianças estavam sentindo muito também. Gavi sempre foi o tio divertido que aprontava com elas, e agora, ele está deitado em um sofá cabisbaixo.
Pela primeira vez, eu via a nossa família à beira de um abismo. Já passamos por coisas piores, mas de tanto nos reerguemos novamente, é como se tivéssemos cansado.
— Gavi ainda está dormindo? — Brad me perguntou.
— Sim, Rosa está de olho nele. Ele acabou de tomar o remédio para dor, vai dormir por um bom tempo ainda.
Era uma sexta-feira incomum. Geralmente, nas sextas, sempre estávamos animados para a noite da pizza, mas hoje, está parecendo como se fosse segunda-feira, onde ninguém quer lidar com a semana que vem pela frente.
— A Maya já foi. — Sussurrei. — Saiu cedo.
— Ela não consegue ficar muito tempo em casa. — Brad deu um sorriso triste. — Estou preocupado com ela e a Manu, Mia.
Franzi o cenho o encarando. Brad sempre foi uma pessoa de resolver suas coisas sozinho e raramente contava sobre algum problema para os outros. Isso já foi motivo de briga entre ele e Maya algumas vezes. Para não enchê-la mais de preocupação, Brad lida com tudo sozinho, e quando a Maya descobre, ela fica chateada.
É meio contraditório porque ela é igualzinho. Foram raras as vezes que vi a Maya pedindo ajuda, dá para contar nos dedos. Ao mesmo tempo que eles são muito distintos um do outro, também são muito parecidos em certos aspectos.
— Por quê? O que aconteceu?
Brad suspirou, andando com a cadeira para mais perto de mim. Eu e Brad sempre fomos muito próximos, e nossa proximidade só aumentou com o tempo, principalmente depois de Marvin. Ele foi a âncora de todo mundo naquela situação, e ele foi o responsável por nos puxar de volta para a superfície.
— Conversei ontem com as meninas e a Manu não melhorou em nada na faculdade. Ela não tem dormido à noite, então dorme na faculdade. Elas me contaram que alguns professores estão preocupados com ela...
— Ela tem se alimentado?
— Sim, isso eu estou em cima dela. — Afirmou. — Jamais deixaria que ela parasse de comer. Ela está se alimentando direitinho, e está até fazendo umas invenções malucas. — Sorri. Era típico dela. — Ontem ela e a Alice fizeram bolinho... — Ele me encarou tentando lembrar.
— Bolinho de chuva?
— É, isso mesmo. — Balançou a cabeça rindo. — Então ela está se alimentando, tá tudo bem em relação a isso, mas assim como o Gavi, ela também está em sua própria montanha-russa. Ela não dorme à noite, mas dorme na faculdade. Ela força sempre um sorriso quando estamos por perto, mas ontem à noite a vi chorando na piscina. O Nick está fazendo de tudo também, mas não é justo. Ele está se esforçando com todo mundo, principalmente com os três, e sabemos que o Nick gosta muito de pegar a dor dos outros para si.
— Eu sei... — Sussurrei.
— E a Maya... — Brad apertou os lábios, coçando a mandíbula. — Ela sempre foi uma pessoa difícil de saber o que se passa em sua cabeça ou o que ela está pensando. Nós dois sabemos o quão boa ela é em esconder. — Assenti. — Ela está parecendo uma máquina, literalmente, uma máquina. Ela sorri quando tem que sorrir, sabe disfarçar, ela tem a completa noção de que consegue nos enganar o quanto ela quiser, mas Mia, nós conhecemos ela... Ela está destruída. — Sua voz falhou. — Ela e o Matteo ainda estão se culpando, mas ela, mais ainda. Ela está tentando compensar tudo o que ela não fez há anos atrás.
— Ela acha que errou de novo, não acha?
— Ouvi ela falando pro Matteo que não o protegeu de novo. Que deveria ter feito algo e não fez. Ela tem conversado bastante com ele, o que me preocupa um pouco.
— Como assim? — Perguntei confusa.
— Mia... Matteo não vai falar nada se as coisas fugirem do controle. Sabemos que o que se passa entre os dois, ninguém mais sabe ao menos que eles querem que saibamos. Matteo não vai contar. Ele vai tentar resolver e vai acabar...
— Se afundando junto. — Murmurei, interrompendo-o.
O que estava acontecendo era um verdadeiro jogo de dominó, destinado a ter um final terrível. Maya era nosso apoio em todos os sentidos, ela quis que fosse assim e sempre deixou claro que ela podia aguentar o que quer que fosse. O Matteo era a mesma coisa. Os dois sempre carregaram os fardos mais pesados para que nós não tivéssemos que sofrer com nada. O que já está ruim, vai piorar mil vezes se os dois forem afetados juntos. Isso nunca aconteceu antes.
— Brad, vamos fazer algo, okay? Eles já fizeram demais por nós, principalmente por mim. Não é justo com eles terem que lidar sempre com tudo... Eu vou conversar com a Manu e vou pedir para o Pedri conversar com a Maya. Eu não sei porque, mas sinto que ela seria sincera com ele. — Brad assentiu. — As coisas vão melhorar. Obrigada por ter me contado.
O puxei para um abraço forte. Brad com certeza era o melhor primo, melhor amigo e agora compadre que eu poderia ter. Em nenhum momento, nesses dez anos que eu o conheço, ele nunca se assustou com o que era a nossa família, muito pelo contrário, ele não ligava. Ele nunca ligou para os nossos problemas, nossos defeitos... Ele sempre esteve ao nosso lado para tudo, independente do que fosse.
Fomos abençoados por ele ter decidido fazer intercâmbio em Barcelona há anos atrás.
Deixei com que ele terminasse de fazer o que estava fazendo no estúdio. Sabia que produzir músicas era a sua "terapia". Eu tinha que ir para o CT, mas como o treino seria à tarde, ainda estava com um tempo.
Passei pela sala e o Gavi ainda dormia. Deixei um beijo em sua testa e avisei a Rosa que estava saindo. Fui para casa e ninguém estava lá. Pedri já havia ido para o CT e o Fer estava no trabalho. Me troquei, peguei minhas coisas e fui para o CT.
Mandei uma mensagem para a Manu perguntando se podíamos sair assim que ela saísse da faculdade. Encontrei com a Sarah e descemos juntas para o campo de treinamento.
— Ei! — Corri até o Pedri. — Posso falar com você rapidinho?
Seus olhos se arregalaram no mesmo instante.
— Vocês estão bem? Aconteceu alguma coisa? Me fala, Mia! — Pediu preocupada.
— Não. — Eu balancei a cabeça sorrindo. — Tá tudo bem conosco, gatinho.
— Porra Mia, você me assustou. — Passou a mão no rosto. — O que foi?
— Vem cá.
O puxei pelo braço até a lateral do campo. A equipe técnica não havia chegado ainda, então, não tinha problema.
— Você pode conversar com a Maya?
— Ahm? — Perguntou confuso. — Porque?
— Eu estava com o Brad agora de manhã. Ele está preocupado com a Maya e com a Manu. Eu vou conversar com a Manu hoje à tarde, mas a Maya... — Suspirei. — A verdade é que você provavelmente é o único com quem ela vai ser sincera.
Pedri me olhou confuso, extremamente confuso. Havia um perfeito ponto de interrogação no meio de sua testa.
— Porque você acha que ela seria sincera comigo?
— Você é o melhor amigo dela, lerdo! — Bati em sua testa de leve. — Maya não vai contar como está pra ninguém de nós. Nem pra mim, Brad... O Matteo provavelmente sabe, mas ele deve estar igual a ela. Ela confia em você, e você é o melhor amigo dela... Acho que ela está precisando de alguém que não tenha o mesmo sangue que o dela.
Pedri piscou atônito, olhando por cima do meu ombro. Me virei e vi a Maya subindo para o campo de treinamento, sentando na arquibancada. Ela estava de braços cruzados, olhando para frente.
— Chama o De Jong. — O olhei. — Ele também é amigo da Maya.
— O De Jong? — Pedri fez uma careta. — Desde quando isso?
— Não sabia que eles eram próximos?
— Não?
— Melhore no seu serviço de fofoqueiro, gatinho... — Disse rindo, apertando sua bochecha. — Eles são muito amigos. Quando o De Jong chegou em Barcelona em 2019, a Mikky admirava muito a Mia e a Maya soube disso. Eu já estava em Berlim, mas ela me contou... As duas ficaram muito próximas desde do dia que elas se conheceram, a mesma coisa com o De Jong. No meio de todo o inferno que nossa família estava passando, ela encontrou dois amigos com quem podia conversar sem ter preocupação nenhuma.
— Eu não sabia. — Pedri colocou as mãos na cintura. — Nunca imaginei.
— O De Jong é mais fechado, é normal. — Dei de ombros. — Era só isso. Tenta conversar com ela, não sei... Acho que ela está precisando de um ombro amigo.
— Eu vou. — Pedri assentiu, segurando meu rosto. — Todo mundo vai ficar bem. — Me deu um beijo na testa.
Dei um selinho rápido nele e deixei com que ele voltasse para a rodinha dos jogadores. Vi ele falando com o De Jong e sua expressão de indignado me fez rir.
Como o pessoal tinha sessões de terapia pela tarde, saí mais cedo. Havia combinado de me encontrar com a Manu na faculdade de fotografia dela, onde ela estava pela tarde.
— Oi Mia. — Ela sorriu assim que entrou no carro.
— Oi meu amor. — A abracei. — Não sabia que estaria aqui hoje.
— Não é sempre que eu venho, mas tinha que entregar uns trabalhos. — Dei de ombros. — O que pensa em fazer?
— Hum... — Bati meus dedos no volante. — Eu preciso comprar roupas novas porque seus afilhados não param de crescer. — Apontei para a minha barriga. — Pensei em irmos no shopping, passear, comprar algumas coisas...
Ela pareceu pensativa enquanto me olhava.
— O Gavi...
— Ele está bem. — A interrompi. — Em casa, dormindo. O Brad está lá. Está tudo bem com ele. — Afirmei. — Você precisa respirar um pouco. Eu sei que você quer dar o seu melhor por ele, e isso é lindo! Mas, você está se deixando de lado, Manu, não é certo. Eu te entendo, mesmo... Eu não sei como estaria lidando se fosse o Pedri nessa situação, mas sei que se eu ficasse mal, ele ia ficar mal também. Eu sei que você disfarça na frente do Gavi, mas ele te conhece. Você sabe disso. — Ela assentiu. — Você precisa sair um pouco daquela casa, recarregar as energias... Precisa se cuidar também.
Manu me olhava com atenção, escutando tudo o que eu dizia. Ela assentiu, dando um sorriso fraco e me abraçando.
— Obrigada por sempre ser a minha luz. — Murmurou no meu ouvido.
— Você é sua própria luz, princesa. Sabe disso. — Dei um beijo em sua bochecha. — Amo você.
— Também te amo.
Fiz um carinho na bochecha da Manu e ela voltou para seu lugar, colocando o cinto. Pedri me mandou mensagem dizendo que falaria com a Maya ainda hoje, o que era ótimo.
Eu e Manu decidimos que iríamos fazer a noite da pizza como sempre. Era uma tradição, e sabíamos que aquilo poderia ajudar todo mundo.
Afinal, todo mundo ama pizza.