Nem sempre chegar ao final da jornada é fácil. Às vezes, e essas serão muitas, as pedras no caminho irão lhe atrapalhar o caminhar.
As irmãs Montana tiveram muitos tropeços ao longo de suas vidas, caíram por diversas vezes e as feridas foram inevitáveis. Mas elas superaram, alcançaram o tão sonhado final, galgaram o pódio da coroação dada pela vida e agora apenas tinham que colher os frutos dessa vitória pessoal.
Elas que cresceram separadas mas ao mesmo tempo ligadas por laços de sangue que ninguém consegue explicar, laços esses que inúmeras vezas às mantiveram firmes e as levaram à vencer. Agora estavam juntas, unidas para sempre.
Se recaptularmos a trajetória delas, nos daremos conta de que de uma forma ou de outra elas sempre estiveram ligadas. Longas foram as noites das irmãs nos últimos meses onde aproveitando da paz que agora tinham passavam horas e horas recapitulando suas vidas, e creiam muitas foram as descobertas feitas nesses intermináveis papos entre as irmãs.
Helia e Santinha por um período de tempo estiveram juntas no mesmo continente, tendo em vista que a bailarina morava na Espanha e Santinha viveu na França parte de sua juventude, elas não sabiam mas numa de suas turnês, Helia esteve bem próxima ao internato onde Santinha estava. A brasileirinha de sotaque francês que não sabia dançar e cá entre nós ainda não sabe até hoje, nunca se esqueceu do som que vinha daquele palco montado a poucos metros do internato, ela era apaixonada pelos clássicos e ouviu de longe toda a apresentação naquela noite, sem saber que quem dançava ao som daquela orquestra era sua irmã mais velha.
A dança... ah a dança que ligava Janete e Helia desde pequenas, tanto que mesmo a quilômetros de distância em continentes diferentes, as duas irmãs escolheram a dança como profissão.
Havia algo que ligava, as três... Algo inexplicável e capaz de durar uma vida. Eram irmãs, nascidas da mesma mãe e do mesmo pai, unidas por um elo de sangue que nada foi capaz de separar.
Quantas vezes Janete acordou à noite chorando quando sonhava com uma de suas irmãs. Ela tinha plena certeza que elas estavam em perigo e não deixava ninguém em casa dormir enquanto não fizesse uma prece pelas duas.
E nem preciso falar do dia em que Janete foi pega por San Marino e que Helia sentiu toda a sua angústia, assim como Santinha. Ou até quando Santa Maria adoeceu e Helia sabia que precisava voltar ao Brasil pois uma de suas irmãs precisava dela.
Uma ligação maior do que qualquer filosofia possa explicar.
Essa ligação foi o que as manteve vivas, lutando...
O destino tinha mais para elas, ele as queria juntas e para sempre uma ao lado da outra, como estavam agora.
...
- Já faz mais de uma hora! Helia andava de um lado para o outro naquela fria recepção.
- Calma minha diva você vai furar o chão de tanto andar de um lado para o outro! Falou Fidélio tentando acalmar sua amiga.
- Você não me torre a paciência Fidélio, sumiu por praticamente um ano, voltou casado e ainda quer dar pitaco no meu nervosismo! Helia bufou ao terminar de falar se sentando ao lado de JP numa cadeira.
- Eu já pedi desculpas Helia Pimenta! Fidélio também bufou exasperado, aquela discussão já se perdurava por mais de um mês.
- Desculpas não mudam o fato de você se casar e nem me convidar e chegar aqui com essa cara de santo com um ursinho nas mãos para dar de presente para as suas sobrinhas... "um ursinho" (ela enfatizou bem essa parte) ... minha vontade foi te fazer engolir ele! Ela revirou os olhos e arrancou uma risada de JP. - E você está rindo de quê? Ela o fuzilou com os olhos verdes faiscando.
- Ei, não venha se voltar contra mim... lembre-se quem casou sem avisar foi ele! JP ergueu as mãos em rendição e apontou para Fidélio.
- Muy amigo você hein senhor JP! Revirou os olhos também.
- Oxente, que é até engraçado ver eles brigando! Santinha riu enquanto bebericava um café que Richard acabara de lhe entregar.
- Não sei aonde você está vendo graça minha irmã! Helia respirou fundo. - E você deveria ter mais consideração por sua irmã mais velha e parar de tomar café na minha frente, ainda mais sabendo que eu não poderei beber café pelos próximos seis meses!
- Não pode mesmo! Eva se aproximou trazendo um chá. - Quero meus futuros netos bem saudáveis e muito, mais muito calminhos... imagina, você já é agitada, se tomar café na gravidez vai dar a luz dois pimentinhas!
- Ainda não sabemos se serão meninos mãe! Ela pegou o copo de chá das mãos de Eva.
- Eu tenho certeza que serão! Completou Judite que enfim parou de folhear uma revista e prestou atenção ao grupo.
- E quem disse que serão "eles" ... pode ser um só dessa vez! Helia soprou o chá é tomou um gole.
- Com a sorte que você tem serão três! Riu Fidélio sendo logo fuzilado pelo olhar da amiga.
- E porque mesmo vocês ainda não fizeram esse ultrassom para saber como está meu neto? Perguntou Otávio.
- Porque sua filha é uma teimosa que sismou que tinha que esperar Janete ganhar o bebê antes de saber quantos nós teremos agora! Falou JP.
- Depois ela reclama quando as meninas dão xilique para não fazerem as coisas ... com uma mãe assim temperamental já era de se esperar que as filhas também fossem! Santinha ria ao falar e ver a cara de indignada da irmã.
- Não sei como vocês conseguem estar tão calmos! Comentou Chico mudando o foco do assunto.
- Calmos só se forem eles, eu estou uma pilha! Helia respirou fundo.
- Amor, você está grávida, estar uma pilha já é o seu normal! JP falou e na mesma hora se arrependeu.
- Porque ao invés de ficar aí fazendo piadinha, você não vai descobrir porque não temos notícias de Janete... hein!?
Janete havia dado entrada na clínica fazia cerca de uma hora e meia. Enfim o dia de ter sua linda menininha nos braços havia chegado. Sim, ela teria uma menina "Inês" fora o nome escolhido para aquela pequena que muito já era amada por aquela família.
Muitas foram as novidades nos últimos meses.
Helia como era de se esperar mal teve tempo de curtir sua volta aos palcos e já engravidara outra vez, também com o fogo que tinham os dois era inevitável. Embora JP jurasse que não havia planejado nada, ela sabia que o sonho dele era uma casa cheia de crianças e nada lhe tirava da cabeça que aquela noite regada a vinho e fondue em Campos dos Goytacazes havia sido planejada no intuito de lhe fazer mais um filho.
Santa Maria e Richard curtiam seu pequeno Artemio e por hora não pensavam em ter mais filhos, afinal já haviam muitas crianças na família Montana.
E Santinha só queria curtir o momento que estava vivendo, mal dava conta de Artemio e do trabalho, da casa... principalmente sem a ajuda de Florência que havia voltado para Greenville no último outono. Foi um xororo daqueles o dia em que a cozinheira fez as malas e disse que já era hora de ir cuidar de Eulália e Helena. Santinha apelou até para Artemio, mas Florência tinha ganas de estar com os seus, sentia falta da sua terra e da sua gente e no final Santinha cedeu e ela retornou.
Aliás foi ela que chegando lá deu notícias sobre o Doutor Pitágoras, o velho havia sido expulso de casa pela esposa que hoje era prefeita de Greenville e o deputado ainda estava sendo caçado por ter ajudado Altiva em suas tramoias no Rio de Janerio e claro pelo imenso desvio de dinheiro que vinha dando nos cofres públicos.
Pedro Afonso o ex de Altiva, esse amaziou-se com Zenilda a dona do bordel da cidade e hoje vivia feliz, o que alegrou muito Santinha que o tinha em grande estima.
Eram tantas coisas acontecendo que a gravidez de Janete passou num piscar de olhos. Armon era o homem mais feliz do mundo, pelo menos até aquela noite quando com um berro sua esposa o tirou de seu sono, gritando que o bebê iria nascer. O empresário nunca sentiu tanto pavor como naquele momento e também tanta dor tendo em vista que sua esposa usou suas mãos para descontar a dor que ela mesma estava sentindo.
Por sorte Eva e Judite estavam com eles, logo arrumaram as coisas e partiram para a clínica onde Julia estava de plantão aquela noite. E é claro que assim que a notícia se espalhou, toda a família rapidamente se reuniu na sala de espera da clínica.
Pouco depois de Helia quase obrigar JP a ir atrás de notícias, Armon enfim apareceu na recepção e com um largo sorriso anunciou a todos que a pequena Inês já havia nascido, Pietra e Sophi enfim teriam uma priminha para brincar e Artemio mais uma mulher para controlar, já que o pequeno era o homemzinho da casa. Armon sorridente contava que apesar das complicações mãe e filha repousavam tranquilamente e bem.
Difícil foi segurar aquela família depois da notícia, foi um fuzue na sala de espera da maternidade e, conhecendo bem eles, Julia já se adiantou e mesmo contrariando algumas regras os deixou entrar por alguns minutos e conhecer sua sobrinha neta. Julia revirava os olhos toda vez que lembrava que agora era tia avó, o que o destino lhe havia pregado afinal, mas ela não reclamava... estava feliz fazendo parte daquela grande família e ajudando a escrever aquela história que parecia nunca ter fim.
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Em 1985 enfim era anunciado pela TV Cultura, a eleição indireta para presidente: onde a vitória de Tancredo Neves e seu vice, José Sarney, colocou fim à ditadura militar e deu início a um novo período democrático na história brasileira.
Embora a ditadura não houvesse interferido muito na vida das irmãs Montana, tanto elas como toda a família reuniu-se para ver aquela tão esperada reportagem. Estavam livres, o país estava livre.
Quem mais comemorou foi Chico, afinal ele conheceu bem a repressão militar por causa do médico doutor Ruy que praticamente o entregou aos lobos certa vez.
Já se havia passado um ano desde que Janete havia dado a luz. A pequena Inês crescia linda e saudável, assim como seus inúmeros primos e primas. Ah sim, Helia teve gêmeos, dois meninos, Henry e Victor, e agora a mansão Montana vivia mais cheia do que um trem no final do dia.
Santinha seguia apenas cuidando de Artemio e agora estava em Greenville, já faziam alguns meses que ela e Richard haviam ido para lá ver Florência. Logo voltariam, ou talvez não já que numa conversa dias atrás ela e Richard cogitaram a possibilidade de viver lá, era um lugar pitoresco, tranquilo, perfeito para criar Artemio.
Claro que houve uma guerra de interurbanos entre as irmãs, Janete ameaçou mandar a polícia buscá-la de volta e Helia fazendo seu típico drama chorava dizendo que morreria sem sua irmãzinha.
Mas no final é claro que elas iriam aceitar a decisão de Santinha, mesmo que isso lhes custasse inúmeras viagens aquele fim de mundo chamado Greenville.
Dona Judite e Eva montaram uma boutique, agora eram sócias e estavam animadas com seus afazeres.
Otávio retomou enfim o controle total do jornal e sem agora a interferência dos milicos, poderia tornar o Jornal Carioca conhecido em todo o país. Pensava ainda num novo nome, e Chico agora seu braço direito o ajudava nisso.
JP e Armon continuavam com suas parcerias empreendedoras e cada vez mais cresciam no mercado de vendas e arte.
Aliás falando em arte a escola de dança agora prosperara e hoje já era uma academia de dança com inúmeros alunos e prestes a estrear um musical digno da Broadway onde Janete pela primeira vez se apresentaria.
Helia dirigia tudo... E as duas já alcançavam fama internacional, conhecidas como as irmãs Montana.
Aristides e Judite agora viviam juntos, casaram-se no verão passado numa pequena cerimônia na praia de Copacabana.
Julia e Maristela montaram uma clínica particular para elas e trabalhavam juntas administrando tudo.
Serafim chegara ao cargo de delegado, no lugar de Egydio que havia ido embora com Mirandinha para Greenville, ninguém entendeu porque mas ficaram felizes por eles.
A história seguia. Ainda havia muito para que as irmãs Montana vivessem.
Paralelas seguem caminhos distintos até que se encontram, mas às vezes podem se separar novamente e tornar a juntar-se.
O destino tinha planos, seguiria recheando de altos e baixos a vida das irmãs.
Livros se acabam, filmes tem seus finais, histórias escritas se findam, mas a vida essa só termina quando o último suspiro é dado, e àquela família ainda tinha muitos suspiros para dar, não estavam nem perto do fim... estavam apenas começando essa linda, emocionante e louca história sem fim.
FIM