MINHO
Observei a casa em que vivi boa parte da minha vida por longos minutos antes de passar pelo portão grande de entrada e estacionar o meu carro em frente à escadaria que levava à porta, tão grande quanto a do meu pai.
O céu ainda estava amanhecendo, porém já havia pessoas trabalhando no jardim que minha mãe priorizava o cuidado, não porque se importava com as plantas, mas porque fazia parte da área externa da sua casa, e até nesses casos, aparência era tudo com o que ela se importava.
Desci do carro e andei a passos lentos
até a porta de entrada. Toquei a campainha e esperei ser atendido pela governanta que trabalhava com a gente há mais de dez anos. O nome dela era Rose, e eu gostava muito dela, mesmo que às vezes puxasse minhas orelhas por causa do meu comportamento.
Ela sempre quis que eu fosse diferente da minha mãe, entretanto nunca deixou isso claro, porque prezava por seu emprego, agora conseguia enxergar isso.
Olhei a hora no meu celular e vi que ainda tinha trinta minutos. Era o suficiente para ter uma conversa franca com minha mãe.
Talvez não chegasse a tempo de pegar hyunjin na cama ainda, contudo, encontraria na saída do dormitório, e voltaríamos a viver na nossa bolha apaixonada de antes, dessa vez, com nós dois sabendo perfeitamente o que um sentia pelo outro, e talvez, arrastaríamos nossos amigos para ela, porque eles sim, eram a minha família.
-Minho? - Rose abriu a porta e me encarou com surpresa. - Não esperava vê-lo tão cedo, senhorito. Quer que eu prepare o café com a sua mãe, ela está...-Sua fala se perdeu no meio do caminho, quando meus braços circularam a sua cintura em um abraço apertado de tirar o fôlego.
— Obrigado por sempre ter cuidado de mim quando eu ainda era um idiota com você. — Beijei sua bochecha, com ela ainda paralisada. — Você foi a primeira a acreditar que existia uma versão boa dentro de mim.
Ela relaxou dentro do meu abraço e me abraçou de volta.
-Vejo que esses dias longe de casa lhe trouxeram mudanças. — Alisou minhas costas, igual como uma mãe orgulhosa faria.-Sempre soube que você não era um projeto mirim da sua mãe.-Ela disse a última parte bem baixinho no meu ouvido, e nós rimos.
- Julie está? — perguntei.
- Tomando o café de sempre, ela parece muito tranquila, comparado aos últimos dias - Rose contou.
Afastei-me dela e entrei na sala.
É claro que minha mãe estava tranquila.
Ela achava que havia ganhado aquele jogo, ao afastar Hyunjin de mim e me deixar visivelmente mal no jogo dessa semana.
— Tem certeza de que ir vê-la?
A voz na sala de jantar soou alta:
- Quem está ai, Rose?
-Pode deixar comigo — falei. -Preciso vê-la.
-Estarei na cozinha, caso precise de mim. - Assenti e antes de ir encontrar minha mãe, ela segurou a minha mão. — Você parece feliz, e isso já me deixa mais tranquila.
-Quando eu começar a trabalhar, vou levar você para ficar comigo.
Ela riu.
-Até lá, já estarei aposentada e viajando pelo mundo. — Rose piscou. - Mas quem sabe, eu não faça um dinheiro extra cuidando da sua futura casa nos finais de semana?
-Eu exijo isso!
Dei risada, e ela me acompanhou.
-Agora preciso ir conversar sério com Lee Julie - declarei. - Obrigada de novo, Rose.
- Pode contar comigo sempre, querido.-Assenti e a deixei, andando até a sala de jantar, onde minha mãe estava tomando o seu café da manhã.
Ao entrar no lugar, a encontrei tomando seu café calmamente, enquanto lia o jornal do dia.
Ela sentiu minha presença assim que parei a alguns metros de distância e levantou o rosto tranquilamente, não parecendo surpresa quando olhou para mim. Um sorriso fraco se abriu em seus lábios, e ela apontou com o queixo um dos lugares vagos na mesa de doze lugares.
-Sente-se, irei pedir para Rose servir o seu café.
- Não quero comer.- Ela olhou para algo atrás de mim e depois se voltou para o meu rosto.
-Onde estão suas malas?- Balancei minha cabeça, achando inacreditável a sua tremenda cara de pau.
Como essa mulher ainda conseguia ter algum efeito sobre mim? Como eu ainda conseguia sentir pena e culpa por ela?
- Não vim para ficar, eu vim para deixar claro algumas coisas -
expliquei, mantendo a calma. - Quero você longe da minha vida.- Minha mãe se assustou um pouco com as minhas palavras, pois seus olhos se abriram um pouco mais, e seu rosto ficou perplexo.
- Está surpresa? Seu plano não deu certo — revelei. - Você não pode destruir o que Hyunjin e eu temos. Eu juro que estava quase caindo na sua cena de mãe arrependida, porque percebi que uma parte de mim gostaria que você se arrependesse dos seus erros e recomeçasse comigo, mas acordado essa noite, percebi que nesse mundo, existem dois tipos de pessoas.- Nos seus olhos não passava nenhum tipo de emoção, o que só me deixava mais magoado.
- Pessoas como eu, que vão errar e irão aprender com seus erros, para não cometê-los mais; e pessoas como você, que irão persistir nas falhas, achando que estão certas.- Minha mãe soltou uma risada anasalada e bebeu mais um pouco do seu café, me olhando por sobre a xícara com deboche.
— Já acabou com o show?
Ela era inacreditável.
-Falhas? Arrependimento? - Ela negou. — Está aprendendo essas tolices com o seu pai? Ele sempre foi um frouxo mesmo, e consigo imaginar perfeitamente esse discurso saindo da sua boca.
-Deixa o meu pai fora dessa conversa!
-Como eu poderia? Você está com ele agora.
-Que bom que mencionou, porque é exatamente isso, eu estou com ele e não quero mais que você faça parte da minha vida, ouviu bem?
Minha mãe bateu a xícara no pires, se ela tivesse colocado mais força, teria quebrado as duas louças.
- Eu sou sua mãe!
Neguei.
-Você deixou de ser há muito tempo
-afirmei, tanto para ela quanto para mim, algo que era obvio e que eu só havia me esquecido, — Tudo o que sempre precisei foi de uma mãe que você nunca foi para mim, Julie. Sempre jogando seus sonhos frustrados em mim, querendo me modelar como se eu fosse um boneco nas suas mãos, mas adivinha? Sou humano e queria que você também fosse, só para me amar como uma mãe deve amar um filho -Ela se levantou, elegante como sempre em um vestido branco da sua marca, e andou a passos rápidos em minha direção.
— Amor? Agora é isso que você preza? Nesse mundo, o amor só torna as pessoas burras e emotivas, Minho. Não lembra de nada do que eu te ensinei? -Julie agarrou o meu queixo, me fazendo encará-la sem desviar os meus olhos.- Acha que vai ser feliz com aquele garoto medíocre?
-Não fale assim dele! - gritei na sua cara. — Hyunjin é o garoto por quem estou apaixonado!- Ela riu, largando o meu rosto com tanta força, que o virou para o lado.
- Você tem vinte anos e está dizendo que um moleque é o amor da sua vida... Vai me dizer que a puta da Aurora é a sua mãe dos sonhos?
Eu não diria que a minha madrasta havia sido um bom suporte quando eu precisei naquela noite, pois isso não precisava ser dito. Julie não precisava saber toda a dor que me causava com essas atitudes.
— Não me provoque e volte para a casa, estou sem paciência para os seus atos de rebeldia!-Andei até ela, quase grudando o meu corpo no seu, e com os meus olhos já cheios de lágrimas, gritei:
— Eu odeio você, entendeu? Eu não quero mais fazer parte da sua vida, entendeu? Eu não vou me tornar um jogador de vôlei, muito menos assumir essa sua empresa de merda, será que você consegue me entender? — Mesmo com os olhos marejados e não a enxergando 100% nitidamente na minha frente, conseguia sentir o quanto estava furiosa. — Irei viver a minha vida, não a sua!
Foi então que eu senti a maior força
que aquela mulher poderia ter em um tapa, direcionado no meu rosto. O impacto foi tão grande, que eu caí no chão, sem controle algum das minhas lágrimas e do meu próprio corpo.
Ela nunca me entenderia.
Por que eu ainda tentava?
-Eu criei você e o mínimo que exijo é respeito! — ela gritou, esquecendo da etiqueta. — Ainda sou responsável por você ou esqueceu disso?
-Faço vinte e um anos em dezembro-murmurei, com a voz já começando a ficar fraca. Ela sugava toda a minha energia.- Sabe o que é engraçado, mãe? — Usei do tom de deboche que antes direcionava a pessoas que não mereciam. — Você queria que eu fosse igual a você, não se importou com os meus sentimentos, se importava apenas com a minha aparência e em me criar rigorosamente para ser um puto sem sentimentos. Você deve estar me odiando agora, porque todos os seus planos deram errado, mas adivinha só? - Sorri com sarcasmo em meio às minhas lágrimas, que só desciam cada vez mais. - Também sente inveja de mim.
Ela riu fraco, revirando os olhos, enquanto eu me levantava e voltava a me aproximar do seu rosto.
-Inveja? De você? — perguntou.
-Eu encontrei alguém capaz de me amar pelo que sou, alguém que viu a verdade em mim e não me afastou quando estava no meu pior momento, diferente de você, que foi trocada. — Desviei do tapa que iria acertar em mim novamente. — Sabe o que é uma pena? Que você seja tão frustrada e amargurada com o seu fracasso, que tenha que descontar nas pessoas ao seu redor.-Seu rosto se transformou diante de mim.
Ela parecia furiosa, não só irritada.
-Isso não faz você perceber que é a pior mãe do mundo?
-Chega, Minho! Eu não aguento mais esse seu show de horrores! A partir de hoje, você não sai mais dessa casa - gritou bem na minha cara, exatamente da forma descontrolada que eu sabia que ela reagiria.
Neguei.
— Você disse que me criou, não é mesmo? Pelo menos algumas coisas úteis eu consegui tirar dessa criação. - Retirei meu celular do bolso, que ainda estava gravando toda a briga que estávamos tendo nesses últimos minutos. — Acha que pode me vencer? - Balancei o celular na sua frente, vendo o medo brilhar pela primeira vez em seus olhos. — Um clique, e todo o mundo exterior que nos acompanha, irá saber qual é o nosso tipo de relacionamento. Eu não tenho medo de ser julgado, mas e você, que sempre priorizou a imagem acima de qualquer coisa?
— Me dê esse celular, Minho.-
Ela tentou pegar, porém eu me afastei a tempo.
— Parada! - gritei. — Ou eu vou postar.
Julie paralisou.
-Você vai se arrepender disso - disse, sendo repetitiva.
-Prefiro arriscar da mesma forma - rebati e com a outra mão, limpei meu rosto.- Obrigada por me criar, se estou respirando é porque você fez algo bom em meio à sua maldade, mas eu irei continuar vivendo a minha vida e espero que você seja feliz do seu jeito, vivendo a sua longe de mim.
Algumas lágrimas ainda deslizavam pelo meu rosto, o alívio misturado à dor de algo que nunca tive cor ela, estavam presentes em meu peito. Um dia, eu iria superar isso, só esperava que fosse rápido.
- Viva a sua vida medíocre e esqueça que eu existo, se é isso que sonha - ela mandou, com o tom de voz ainda alterado. - Eu estarei esquecendo que você existe.
Aquelas palavras doeram muito mais do que eu imaginava que doeriam.
Consegui ver nos seus olhos escuros, que ela estava desistindo de mim como um objeto descartável, tudo porque estava a ameaçando.
Era exatamente o que eu queria, contudo, não me fazia sentir menos mal.
— Adeus, Julie.
Foram minhas últimas palavras, antes de dar as costas e sair daquela casa pela última vez na minha vida.
.
Não sei como cheguei à faculdade a salvo. Eu havia desmoronado o caminho todo e até aqui, onde meu rosto era uma mistura de lágrimas por toda parte e concentração para não acabar provocando um acidente. Não é que eu não me sentisse bem com a decisão que havia tomado, mas ainda doía no peito não ter uma mãe normal.
Por que Julie tinha que ser assim?
Queria poder estar indo em direção a Hyunjin agora, porém ainda precisava de um tempo para encarar todos que me encaravam nessa universidade. Não queria que soubessem que estava chorando, por isso respirei fundo, tentando parar com o choro que não me levaria a lugar algum.
Meu telefone tocou, e eu só atendi porque Hyunjin estava do outro lado da linha. Era uma chamada de vídeo.
Limpei o meu rosto e a atendi.
— Oi — cumprimentei, tentando sorrir e com a voz embargada.
Hyunjin estava preocupado, era notório pelo seu semblante.
- Onde você está? O que aconteceu? Por que está chorando?
- Calminha... São muitas perguntas e que podem ser resumidas a uma resposta, trevo de quatro folhas. Fui ver a minha mãe.
- E onde você está agora?
- No estacionamento estou indo encontrar...
- Estou indo até você, me espera aí, ok?
Parecendo não haver outra escolha, apenas tive tempo de assentir, antes de ele desligar a chamada.
Encostei minha cabeça no vidro do carro e esperei por Hyunjin, enquanto tentava colocar meus pensamentos em ordem. Não sabia se havia sido o certo fazer aquilo com julie, mas foi a única solução maldosa que encontrei para mantê-la longe de mim.
Meu maior medo é que ela voltasse a assombrar Hyunjin, que ainda era fragilizado por causa do seu passado.
Sabia que correria menos riscos de isso acontecer, se usasse a coisa que ela mais presava para ameaçá-la.
Eu só queria paz. Era dificil de ter isso? Minha vida era uma merda antes, e eu só não estava totalmente infeliz, porque tinha amigos bons e um garoto incrível, que me amava do jeito que nunca pensei ser amado.
Meu pai era bom pra mim e não me odiava, como minha mãe me fez acreditar por boa parte da minha vida.
Ouvi uma batida no vidro do lado do passageiro e quando olhei, Hyunjin estava entrando no carro e se sentando ao meu lado. Ele me olhou todo preocupado dentro daquele moletom dos Beatles que amava usar.
- Você está bem?
A simples pergunta me fez ter vontade de chorar de novo. Neguei e fui puxado para o conforto do seu abraço, movimento suficiente para me fazer voltar a derramar lágrimas. Agarrei o tecido do seu moletom, como se estivesse me agarrando a ele.
— Eu... nunca pensei que teria que fazer o que f-fiz - solucei, sentindo meus ombros tremerem.
Hyun me apertou bem nos seus braços e beijou o topo da minha cabeça.
- E-eu nunca tive mãe, trevo de quatro folhas, mas tê-la afastado de vez ainda dói.
- Eu estou aqui — ele me afastou, para conseguir sinalizar. — Prometo nunca mais deixá-lo.
Meu coração achou uma forma de se aquecer, em meio à dor que estava sentindo. Aquilo era tudo o que eu queria de Hyunjin.
Que ele nunca me deixasse.
Que fôssemos o significado de para sempre.
——
Estamos na reta final 🥹🙌🏻