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By LRB0423

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By LRB0423


  Preciso sair daqui, pensou Taehyung enquanto se colocava de pé.

   A Fera era um monstro. Seu comportamento até então já havia provado o suficiente. Se não escapasse agora, ele correria o risco de ser prisioneiro dele para sempre. Seu corpo estremeceu diante da ideia aterrorizante.

   Andando até a janela, ele olhou para fora. Depois de ser deixado sozinho com um guarda-roupa sonolento como seu único guardião, ele não perdeu tempo em colocar um plano de fuga em ação. Rasgando as peças medonhas que Madame Iu fizera, Taehyung usou o tecido para improvisar uma corda e a pendurou na janela. A ponta da corda estava suspensa a cerca de seis metros do chão. Não era perfeito, talvez ele se machucasse um pouco na queda, mas serviria.

  Ele havia acabado de respirar fundo e agarrar a corda quando ouviu batidas singelas em sua porta.

— Eu disse para me deixar em paz!

  Para sua surpresa, não foi a voz enfurecida e grave da Fera que respondeu, mas uma voz gentil, suave e polida.

— Não se preocupe. — disse ele. — Não é o mestre. Sou eu, Seokjin. — No instante seguinte, a porta se abriu e o carrinho de servir rolou para dentro. Sobre ele havia um bule belamente pintado e uma xícara com o mesmo desenho.

    Ele tentou rapidamente esconder a corda que se pendurava atrás de si. Mas Seokjin tinha avistado a rota de fuga no momento em que entrou no quarto. Não se surpreendeu, o moço parecia esperto, e o mestre não lhe dava motivos para se sentir acolhido ali. Ainda assim, Seokjin não deixaria que ele simplesmente partisse: não se pudesse impedir. Tendo convivido com um indivíduo teimoso por tanto tempo, sabia que a melhor forma de coagir alguém a fazer algo que não quer é dando-lhe a chance de fazer tudo do seu jeito.

— É uma longa jornada, Monsieur.— disse docemente. — Deixe-me prepará-lo antes. A experiência me mostrou que a maioria dos problemas parecem menos espinhosos depois de uma revigorante xícara de chá. Não é mesmo, madame Iu? — Seokjin se dirigiu ao guarda-roupa, que ainda dormia profundamente. — Madame! Acorde!

Com um solavanco, Iu acordou.

— O quê? — perguntou ela, parecendo sonolenta e confusa. — Dormi de novo?

— Madame costumava dormir oito horas por dia. — disse de repente a pequena xícara. — Agora ela dorme 23.

— Jungkook, não fale dessa forma. — Repreendeu Seokjin. — Não é educado discutir os hábitos de uma dama.

    Mas Jungkook, como Taehyung agora o conhecia, o fizera parar para refletir por um momento. E já que ele não havia conseguido nenhuma resposta de Madame Iu, decidiu tentar de novo.

— O que aconteceu aqui? Isto é um feitiço? Uma maldição? — Aquela era a única explicação lógica possível para as esquisitices do castelo, na opinião dele. Ele já havia lido várias histórias sobre coisas desse tipo, mas nunca imaginou que pudessem ser reais.

— Ele adivinhou, papa! — comentou Jungkook, com a vozinha sibilante atravessando a parte lascada do seu corpo de xícara. — Ele é esperto.

Enquanto falava, seu pai saltou até ele e o encheu de chá. Então ele o empurrou em direção ao homem.

— Mais devagar, Kookie! — disse ele. — Não derrame chá.

   Taehyung deixou escapar um sorriso quando pegou a xícara. Era tão óbvio que se tratava de um garotinho, ainda que estivesse preso nessa forma. Parecia tão inocente, com tanta curiosidade e uma felicidade tão genuína, era triste o ver nesse estado.

— Quer ver um truque?

    Ele assentiu e respirou fundo. O chá borbulhou dentro da xícara, o que causou risadas em Taehyung. O som ecoou pelo cômodo, fazendo todos sorrirem também. Seokjin estava feliz em observar o filho se divertir dessa forma, após tantos anos sem outras interações externas, Jungkook andava tristemente pelos cantos escuros do enorme castelo quando seu pai se encontrava ocupado.

— Se me permite dizer, Monsieur, foi muito corajoso o que você fez pelo seu irmão. — comentou o bule.

— Todos nós concordamos. — disse Madame Iu, assentindo. O sorriso de Taehyung se desfez diante da menção a Jimin.

— Estou tão preocupado com ele. Ele nunca ficou sozinho, sempre vivemos juntos.

— Anime-se, querido.— Disse Seokjin, tentando trazer de volta a leveza anterior. — Tudo vai acabar bem. Você vai ver. Se sentirá muito melhor depois do jantar que preparamos para você.

— Mas ele disse "se ele não comer comigo, então não vai comer nada". — Taehyung imitou a voz grave e tentou fazê-la soar o mais assustadora e cruel possível.

Seokjin segurou um suspiro. Seu mestre realmente causou uma péssima impressão ao pobre rapaz.

— Pessoas dizem muitas coisas quando estão com raiva. É nossa escolha dar ouvidos ou não. — Enquanto falava, ele virou o carrinho de servir na direção da porta e começou a sair. Virando-se para olhar para Taehyung, Seokjin sorriu. — Você vem?

    Taehyung assistiu ao bule desaparecer pela porta. Seu estômago roncou. Ele estava com tanta fome, sentia que acabaria com um estoque de inverno em um piscar de olhos se assim deixassem. Mas apenas esta refeição. Então ele iria embora... de uma vez por todas.

              ━━━━❪🌹❫━━━━━━━━

     A equipe da cozinha estava pronta. Hoseok havia cuidado de tudo assim que Seokjin lhe disse que falaria com o moço. Ele sabia que era uma questão de tempo até que o bule convencesse o garoto a descer para comer, afinal, a persuasão era quase o sobrenome do mesmo.

   Mas o candelabro não tinha intenção de oferecer apenas algo rápido para beliscar. Queria que aquela refeição ficasse na memória de Taehyung para sempre. Incluiria os mais saborosos aperitivos, as mais deliciosas entradas, as mais prazerosas bebidas e, é claro, a mais requintada das sobremesas. No momento em que o rapaz largasse o garfo, ele nunca mais iria querer ir embora. Pelo menos, era o que Hoseok esperava.

— Eles estão vindo! — exclamou entusiasmado. — Últimos detalhes, todos, tout de suite, imediatamente! — Com prazer, ele observou cada integrante da equipe entrar em ação. Todos sabiam tanto quanto ele o quão importante era esse jantar.

Todos exceto seu marido, ao que parecia.

— Não, vocês não podem fazer isso! — disse o relógio, atrapalhando-se no meio do saguão. Ele cruzou os pequenos braços junto às engrenagens. — Se o mestre descobrir que vocês desobedeceram às suas ordens e alimentaram o garoto...

— Oh, Mon chat, deixe isso comigo, sim? Eu assumo qualquer culpa que seja.

— Não é essa minha preocupação.

— O que é então?

— Querido, ele já está irritado... — Yoongi se aproximou do mesmo. — Não quero que ele o machuque caso não for.

— Confie em mim, Mon chat, você viu como ele o confrontou? Estou lhe dizendo, este é o garoto! Eles precisam se apaixonar para que voltemos a ser humanos, e isso não vai acontecer se ele ficar naquele quarto.

— Querido, nós dois sabemos que o mestre não está tão feliz com a ideia de ser um homem no qual vai quebrar o feitiço, isso se realmente for. — Sussurrou Yoongi suavemente. — Meu amor, você se lembra daquela noite, certo?

— Me recordo, Coeur, mas não podemos nos prender somente a isso. Precisamos mostrar ao mestre que não há nada de errado com ele em relação a isso.— Respondeu Hoseok, recusando-se a deixar desanimar-se. — E não estamos mais naqueles tempos. Precisamos tentar.

     Dando as costas para o amante, ele foi até o Chef Kai. Panelas e frigideiras borbulhavam e soltavam vapor no fogão, espalhando um aroma irresistível pelo ar. Hoseok podia sentir o olhar preocupado de Yoongi em suas costas, sempre o cuidando com tanta cautela. O candelabro não o culpava, afinal, ele tinha razão: o mestre de fato não estava contente com essa situação toda, em todos os quesitos possíveis. Mas eles não tinham escolha. Não era todo dia que o garoto aparecia no castelo enfeitiçado — e com força suficiente para enfrentar o mestre, ainda por cima.

    Hoseok balançou a cabeça e endireitou as velas após um pensamento horrível tomar seu consciente. Esse jantar iria acontecer de qualquer jeito, com ou sem a aprovação de sua alteza.

— Pelo menos façamos isso em silêncio. — Disse Yoongi, com a voz branda.

    Um sorriso se espalhou pelo rosto de Hoseok, Yoongi havia acabado de libertar um demônio. Mas ele o disfarçou antes de se virar para o mesmo.

— Claro, claro — disse. — Mas o que é um jantar sem um pouco de... musique?

— Música? — Gritou Yoongi, perdendo o controle da voz.

   Ele começou a sacudir a cabeça. Era tarde demais. Hoseok já havia guiado o cravo até a sala de jantar.

— Maestro Lee.— Disse ele enquanto o acomodava no canto da sala — Sua esposa está lá em cima dormindo cada dia mais, mas não se esquece do senhor em nenhum momento do dia.

— Oh, minha querida Iu...

— Ela conta com você para ajudar com que este jantar seja o melhor!

   Com um floreio, o cravo tocou uma escala, fazendo uma careta quando uma das notas desafinou.

— Então devo tocar, apesar da dor. — Disse ele bravamente.

    Naquele momento, Seokjin trazia Taehyung para a sala de jantar. O rapaz olhou ao redor, impressionado pela elegância da mesa posta, mas com evidente hesitação em estar ali, Hoseok percebeu isso em seu olhar, o que fez sua determinação em deixá-lo à vontade se fortalecer. Ele lançou um último olhar decidido à equipe, então saltou com graça sobre a mesa.

— Ma chère, Monsieur! — Começou ele enquanto um feixe de luar atravessava a janela, fazendo parecer que o candelabro estava no foco da luz. Ele se curvou. — É com o maior orgulho e com grande prazer que o recebemos aqui hoje. Nós o convidamos a relaxar... — Ele acenou e uma cadeira se moveu para fazer Taehyung se sentar, com um pequeno guincho de surpresa, e então o acomodou próximo à mesa. — Enquanto orgulhosamente apresentamos... seu jantar.

   No começo, Taehyung ainda se encontrava tenso, observando cada mínimo movimento feito ao ser redor. Quando a dança de talheres e pratos tomou conta de sua visão, ele se sentiu mais calmo, com o cheiro tão delicioso invalidando suas narinas. Aos poucos, um sorriso animado foi se formando em seu rosto e os alimentos que chegavam até si eram tão exóticos, alguns ele nem ao menos sabia o nome ou do que vinha composto na grande bagunça de cores. Taehyung segurou o guardanapo após se deliciar com o creme cinza claro e sujar quase todos seus dedos.

    Ele sorria sempre que os nomes dos pratos eram ditos, se recordava de seu pai contando das iguarias que experimentou uma vez em Paris, das favoritas de sua mãe e da vez que Jimin descobriu ser alérgico a suflê de queijo.

    Taehyung sentia que poderia explodir, não sabia nem que havia tanto espaço assim em seu estômago. Ele não pensava antes de pegar qualquer alimento e colocar em sua boca, apenas queria saciar essa fome incontrolável que o assombrava.

    A música tocou durante todo o jantar, tão agradável quanto a própria comida. Quando a refeição terminou, Taehyung sorriu em satisfação. Era difícil não ficar quando todos os servos pareciam tão felizes em estar ali, tão contentes em trabalhar. Ocorreu-lhe que, com um mestre como a Fera, eles deveriam viver solitários e talvez até um pouco entediados. Taehyung duvidou que ele requeresse jantares elaborados ou muita assistência. No início da noite, ele ainda achava bobagem sentir-se mal por um candelabro falante, um relógio ou um bule, mas ao final daquele jantar tão magnífico ele havia deixado de vê-los como meros objetos.

   Ao se retirar da mesa, o rapaz agradeceu a todos e lhes desejou boa-noite. Então seguiu Seokjin novamente para fora da sala. Após experimentar o aconchego e a leveza do jantar, as outras áreas do castelo agora pareciam mais frias e obscuras. Isso o deixava pensativo demais, aquele lugar todo o deixava assim, na realidade.

— Eu não entendo por que vocês estão sendo tão gentis comigo. — Disse Taehyung, dando voz a um pensamento que estava em sua mente desde que ele os conheceu.

Guiando seu carrinho de servir, Seokjin sorriu gentilmente.

— É o mínimo que você merece, querido. — disse ele em um tom doce e paternal.

— Mas vocês estão presos aqui, assim como eu. Vocês nunca quiseram fugir?

    Ninguém ali respondeu de imediato, o silêncio que se formou por alguns segundos enquanto os objetos se entreolharam já dizia tantas coisas.

— O mestre não é tão terrível quanto parece — disse Seokjin por fim. — Em algum lugar no fundo de sua alma, há um verdadeiro príncipe, esperando ser liberto.

   Taehyung inclinou a cabeça para o lado; as palavras príncipe e liberto soavam como peças de um quebra-cabeça que ele estava tentando montar desde o momento em que chegou.

— Hoseok mencionou algo sobre a ala oeste... — continuou, esperando conseguir alguma informação a mais do simpático bule.

   Mas Seokjin não caiu no truque.

— Oh, você nunca deve se preocupar com isso. — Comentou quando alcançaram as escadas que levavam ao quarto do rapaz. — Agora vá se deitar, antes que o sol comece a espreitar entre as árvores. Precisa de mais alguma coisa?

— Não, você já fez muito por mim. Obrigada. Boa noite.

— Boa noite! — Exclamou Seokjin ao virar seu carrinho para voltar à cozinha.

    Taehyung ficou observando, com a mão no corrimão, até que o carrinho e o bule desapareceram de vista. Então lançou um olhar para a escadaria à frente e respirou fundo antes de subir. Sabia que era sua chance de voltar para o quarto e escapar, mas algo o impedia. Ele parou no topo das escadas. Se fosse para a esquerda, voltaria para o quarto e, talvez, para a liberdade. Mas, se fosse para a direita... Avistou o lance de escadas que poderia levá-la até a ala oeste.

Decidido, Taehyung respirou fundo. Então virou para a direita. Ele ainda tinha algum tempo até o nascer do sol. Apenas daria uma espiada rápida na ala oeste. Afinal, que mal faria dar uma olhadinha?

              ━━━━❪🌹❫━━━━━━━━

     Taehyung estava começando a achar que havia cometido um erro tremendo. Apesar de sua ala do castelo não ser exatamente um mar de rosas, era um festejo perto da ala oeste. Enquanto andava pelo longo corredor, seus olhos se arregalaram. O lugar demonstrava tanta solidão, parecia destruído e corroído pelo tempo que se passou. As paredes estavam arranhadas e vazias, o que se tornava mais evidente com os ganchos solitários onde antes se penduravam quadros. O tapete sob seus pés estava desbotado e desgastado, com partes rasgadas pelas longas garras da Fera. Até mesmo o ar era de algum modo mais pesado.

    Ele já estava quase dando meia-volta quando viu uma luz no fim do corredor. Uma porta havia sido deixada entreaberta e, através dela, Taehyung podia identificar o que parecia ser uma grande suíte. O ritmo de seu coração acelerava a cada vez que sua respiração saía pelas suas narinas, as mãos tão inquietas, queria tanto ver, queria saber o que tanto lhe escondiam. Deixou que sua curiosidade, talvez algo que fosse apontado como seu maior defeito, falar mais alto que seu medo e seguiu até o local.

   De forma tão apressada desejou não ter entrado. 

     Se o corredor já lhe assustava, esse cômodo era terrivelmente mais apavorante. Para onde olhava, via evidências do temperamento agressivo da Fera. Cortinas em farrapos se penduravam nos varões, vasos que deviam ter sido belos estavam largados e destruídos pelo chão. A gigantesca cama de quatro colunas estava coberta por uma colcha cinza desbotada tomada pelo pó, que claramente não era usada há muito tempo. Conforme seus olhos passearam pelo quarto, ele entendeu por quê. Em um canto, havia uma espécie de ninho gigante feito de pedaços de tecido, penas e galhadas amontoados. Taehyung se sentiu tão angustiado ao ver tal área tão selvagem e animalesca.

     Ele se virou e deu um pequeno grito ao se deparar com um par de olhos castanhos brilhantes. Por um longo e tenso momento, achou que alguém o estava observando, até que se deu conta de que os olhos pertenciam a um garoto claramente preso em um retrato da realeza. Com tantos pensamentos rondando sua mente, Taehyung se inclinou para a frente. O rosto do menino havia sido retalhado até se tornar irreconhecível, deixando aquela parte da tela em pedaços. Mas os olhos foram poupados. Ele aproximou-se mais. Eles pareciam tão familiares apesar da cor...

     Engoliu em seco quando percebeu que lembravam os olhos da Fera, de castanhos tão vividos para amarelos amedrontadores. As palavras de Seokjin retornaram à sua mente. Um verdadeiro príncipe, ele dissera. Deveria ser ao qual ele se referia. Taehyung relanceou para o retrato, procurando por pistas do passado. Havia outras duas pessoas no quadro: um belo rei e uma formosa rainha. A imagem da mulher — que trazia olhos gentis repletos de riso e amor — ainda estava intacta; já o olhar frio e distante do rei também havia sido estraçalhado. Ele imaginou como teria sido o garoto do retrato, como qualquer um teria sido se tivesse crescido com pais como aqueles dentro das muralhas do castelo.

     Taehyung foi para longe do retrato e engoliu o estranho sentimento de melancolia que se formava novamente na boca de seu estômago. Sua atenção foi então desviada para o final do cômodo. Portas enormes tinham sido deixadas abertas, revelando uma grande varanda de pedra do outro lado. Mas o que lhe chamou a atenção estava na frente. Em meio à destruição e ao caos do recinto, a mesa teria saltado aos olhos apenas pelo fato de ainda estar de pé. Mas o que atraiu especialmente o olhar dele foi a redoma de vidro apoiada ali.

     O objeto era feito de um vidro delicado, soprado tão fino que parecia poder se quebrar sob o menor toque. Detalhes ramificados haviam sido gravados na lateral do objeto, lembrando marcas de geada na vidraça. Dentro, flutuando como se por mágica, estava uma bela rosa vermelha. Ela reluzia, e a beleza de sua cor disputava com o tom do mais belo pôr do sol que Taehyung já vira.

     Como se estivesse hipnotizado pela planta, ele se dirigiu à mesa. Lentamente, esticou a mão na direção da redoma. Seus dedos formigaram conforme ele os aproximava do vidro delicado, incapaz de resistir ao desejo repentino de erguer a vidraria e tocar as pétalas sedosas da rosa. Seus dedos chegaram perto... mais perto... mais perto...

— O que você está fazendo aqui?! — rugiu a voz da Fera contra Taehyung, despertando-o de seu transe. Ele surgiu das sombras com seus olhos queimando em amarelo e as patas cerradas em um acesso de raiva quase incontrolável. Ele olhou para a rosa brilhante, e o fogo em seus olhos se tornou ainda mais violento. — O que você fez?!

— N-não... n-nada — gaguejou Taehyung, com o coração em sua garganta. Se afastando cada vez mais enquanto a Fera continuou indo para cima dele.

— Você tem ideia do que poderia ter causado? — rosnou ele. — Você poderia ter condenado a todos nós! — As garras da Fera se revelaram e rasgaram uma das finas colunas que adornavam as portas da varanda. Houve um terrível ruído lacerante e a coluna começou a desabar, com pedaços desmoronando e caindo próximo à redoma que cobria a rosa.

    O pânico inundou os olhos da Fera. Sem voltar a encarar o garoto, ele jogou o corpo em cima da rosa, desesperado para protegê-la.

Saia daqui! — ele rugiu.

     Ele não precisou ouvir duas vezes. Correu de volta para o caminho pelo qual havia entrado. Disparou pelo quarto e para fora da porta principal. Percorreu o longo corredor e as escadarias ainda mais extensas. Mal notou os olhares chocados de Hoseok e Yoongi ao passar por eles no topo da escada e, quando lhe perguntaram onde estava indo em um tom tão preocupado, não parou.

— Vou embora daqui! — gritou enquanto continuava correndo. Porque era exatamente isso que ele faria: iria embora. Era o que já deveria ter feito antes daquele maldito jantar, antes de ter deixado novamente sua mente e empatia falar mais alto. Taehyung já estava farto de tudo aquilo. Tinha que sair daquele lugar, para longe daquelas louças falantes, velas e relógios encantados, e voltar para Jimin. Custasse o que custasse.

    Infelizmente, o castelo não queria que o rapaz fosse embora. Ao chegar à base da grande escadaria, ele correu direto para a porta da frente, mas, antes que pudesse alcançá-la, o trinco se fechou. Bangchan, o mancebo alto, deslizou para a frente da porta no instante seguinte, bloqueando a saída.

    Ele diminuiu o passo. O que faria agora? Não conhecia o castelo bem o suficiente para correr por aí às cegas procurando outra saída. Quando estava prestes a perder as esperanças, ouviu latidos. Ao se virar, deu de cara com Yeontan, um cão transformado em um banquinho, que havia fugido do castelo. Ele latia ferozmente enquanto corria em sua direção, e por um breve momento ele ficou com medo de ser atacado.

    Contudo, para sua surpresa, ele passou direto por si e saiu por uma portinhola anexa à grande porta principal. Seu caminho não estava bloqueado, o alívio veio tão rápido e se foi tão rápido à medida que começou a correr. Taehyung deslizou pela portinhola, mas não antes de pegar seu manto com o objeto. Atrás dele, ouviu o carrinho de Seokjin rolando pelo chão e Hoseok gritando em desespero, mas não diminuiu o passo.

    Não levou muito tempo para que Taehyung achasse Philip, ao qual ele nem sabia que poderia sentir tanta falta. O grande animal havia se acomodado confortavelmente em uma das baias aconchegantes do estábulo. Ouvindo os passos do dono no chão de pedra, ele ergueu o olhar com a boca cheia de feno e inclinou a cabeça como quem pergunta "O que você está fazendo aqui?".

    Jogando a sela nele, não respondeu ao olhar interrogativo do cavalo, não que ele pudesse responder. Ele o empurrou para fora do estábulo e o montou, chutando levemente a barriga do animal. Philip não hesitou e disparou a galope na direção dos portões do castelo.

   Momentos depois, eles haviam atravessado os portões e estavam na mata que cercava o local. Mas logo Taehyung se deu conta de que havia trocado uma situação agoniante por outra do mesmo tipo.

     Conforme Philip galopava, ele via sombras de relance pelo canto dos olhos. Elas foram ficando maiores e mais nítidas e, quando Taehyung ouviu o primeiro uivo, confirmou que estava sendo perseguido por uma alcateia.

      Apressando o animal, ele tentou não entrar em pânico no início. Ele era um cavalo grande com cascos pesados e que sabia ser rápido quando necessário. Se eles conseguissem chegar perto o suficiente da aldeia, tinha certeza de que os lobos se assustariam com os sinais da civilização. Contanto que não tombassem em nenhum obstáculo no caminho, ficariam bem.

     Então Philip correu direto para dentro de um lago congelado. Sob seus cascos, um ruído escapou do gelo, Taehyung se inclinou e viu rachaduras surgindo. Pequenas no início, elas aumentaram conforme o cavalo escorregava e deslizava pela superfície gelada. Gritando palavras de encorajamento, Taehyung tentou acalmar o mesmo, que estava cada vez mais desesperado conforme o gelo cedia sob suas patas e os lobos se aproximavam. Ele sentiu os poderosos quadris do cavalo se contraírem e agarrou a crina dele. Então... saltou.

     As grandes mandíbulas do lobo agarraram a perna traseira de Philip. Logo depois, outro lobo se juntou a ele. O cavalo deu coices e se debateu selvagemente na tentativa de se defender. Em seu dorso, Taehyung segurava-se desesperado, mas Philip era muito forte e robusto. Quando suas patas posteriores se lançaram no ar de novo, ele foi arremessado da sela e voou até um monte de neve próximo.

     O rapaz se levantou e olhou rápido ao redor, à procura de algo que pudesse usar para se defender. Avistando um galho grosso, o pegou e o balançou à sua frente.

     Os lobos, ao ver um alvo novo e potencialmente mais fácil, se aproximaram. O braço do garoto se esticou e ele conseguiu atingir um deles no nariz. Outro chegou perto e então girou o galho, golpeando a lateral do corpo do animal. Apesar de seus esforços, os lobos continuavam vindo. Taehyung recuou com seu coração batendo forte, inundado pelo medo. Ouviu um uivo do alto e avistou o maior lobo que já vira na vida parado no topo de um morro, pronto para atacar. Ele o encarava com olhos famintos e cruéis. Ele se preparou, disposta a lutar por sua vida até o fim.

    Então escutou um ganido e uma batida, e houve uma grande agitação atrás de si. Ao se virar, ficou perplexo ao ver a Fera ali.

    Ele havia saltado no meio da alcateia. Muitos dos lobos tinham recuado e pareciam estar lambendo suas feridas. O maior dos lobos — o alfa — ainda estava de pé com os pelos eriçados e dentes à mostra. A Fera estava de costas para Taehyung, e ele pôde ver onde os lobos o haviam mordido. Um após o outro, os lobos menores atacaram. A Fera os levantava e os arremessava para longe, mas o mesmo viu que ele estava ficando cansado. As feridas em suas costas sangravam e sua cabeça estava cada vez mais baixa. Não tinha certeza do quanto mais ele suportaria lutar.

    O grande lobo cinza saltou sobre suas costas em um movimento natural. A boca do animal se abriu quando ele se lançou na direção do pescoço da Fera. Rugindo, a Fera soltou dois lobos menores que estavam o segurando e alcançou seu ombro com as patas. No momento exato em que as mandíbulas do alfa estavam prestes a se fechar, ele arrancou a criatura de suas costas. As patas traseiras do lobo balançavam no ar quando, por um longo momento, a Fera apenas o segurou diante de seu rosto com o olhar fixo. Então a Fera reuniu o que restava de suas energias e arremessou o alfa para longe. O lobo voou pelo ar e, com um estalo, se chocou contra uma grande pedra. Vendo seu líder nocauteado e inconsciente, os outros lobos fugiram em pânico.

    A Fera esperou até que os ganidos dos animais desaparecessem antes de soltar um gemido de dor. Seus ombros, que se mantiveram elevados e tensionados durante toda a luta, desabaram. Então ele desmoronou na neve. Onde suas feridas tocaram o chão, os flocos brancos ficaram vermelhos.

    Taehyung ficou ali, incapaz de se mover. Estava tão fincado ao chão quanto as raízes das árvores ao seu redor. Olhando para a Fera caída, soube que esta era sua chance de correr. Não havia como ele o seguir ou tentar impedi-lo dessa vez. Enquanto observava, ele gemeu de novo e tentou limpar uma das feridas em seu braço, seus olhos encontraram os do rapaz pelo mais breve dos instantes. Mas foi tempo suficiente para que Taehyung visse sua dor e vulnerabilidade e tomasse uma decisão considerada insana: ele não o abandonaria ferido na neve. Taehyung não era capaz disso. Não depois do que ele acabara de fazer apenas para o proteger.

  Ele correu, se ajoelhou ao lado da Fera e o cobriu com seu manto.

— Você precisa me ajudar. — sussurrou gentilmente. — Você precisa se levantar... — Posicionando o corpo embaixo dos ombros dele, ele o empurrou para cima, deixando que se apoiasse como se fosse uma muleta. Ele rugiu de dor e ficou mais pesado conforme o sofrimento o dominava. Taehyung estremeceu, precisava levar a Fera de volta para o castelo, antes que fosse tarde demais.

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