Suguru encontrava-se em um dilema, debatendo internamente se deveria empreender em uma fuga rápida por causa do macaco ou expulsar Satoru de sua casa à base de pontapés. Nenhuma das alternativas parecia adequada para alguém que almejava manter uma aparência de normalidade.
Os olhos cor de lavanda de Suguru permaneciam fixos no primata, que segurava um dos raros e caríssimos livros de Geto em suas mãozinhas. O moreno respirou fundo, tentando conter a frustração crescente. A mera ideia de que aquele animal pudesse estragar seus preciosos livros já era o suficiente para deixá-lo furioso. Ele começou a considerar a opção drástica de chamar a carrocinha para levar o intruso para longe, preferencialmente para alguma floresta tropical na América Central, bem distante do Japão.
A visão do livro em mãos tão inapropriadas era como uma faca cravada no coração de Geto. Ele não poderia permitir que suas preciosas obras literárias sofressem nas mãos — ou patas — de Jogo. A opção de tomar medidas drásticas começava a ganhar forma em sua mente, e a ideia de um exílio voluntário para o macaco parecia cada vez mais tentadora.
Satoru permanecia jogado no sofá, tranquilo, com um sorriso divertido adornando seu rosto. A expressão relaxada do homem contrastava nitidamente com a carranca que se desenhava no rosto de seu colega. A aparente falta de preocupação de Satoru diante da crescente irritação de Suguru só intensificava a sensação de antipatia que o moreno nutria por ele.
Parecia que Satoru estava se deliciando com a situação, como se a chegada de Jogo fosse uma piada pessoal à custa da paciência de Geto.
— O que aconteceu? — o de cabelos brancos perguntou zombeteiro — Parece até que viu um fantasma. Não vai me dizer que tem medo de macaco? — deu uma risada ainda mais alta, provocando.
Suguru reuniu todas as suas forças, consciente de que deixar transparecer qualquer vestígio de pânico seria um erro terrível diante da figura demoníaca de olhos azuis que tinha à sua frente. E ainda precisava lidar com aquele bicho nojento…
— Não seja ridículo — falou o mais casualmente que conseguiu. Porém, uma leve tremida em sua voz no final da frase denunciou sua aflição.
Geto pigarreou, tentando disfarçar sua momentânea vulnerabilidade, enquanto Satoru, ao contrário, abriu ainda mais o sorriso malicioso.
Merda!
Mal o conhecia e já o odiava.
— Jogo é inofensivo, pode ficar tranquilo — Satoru se levantou e pegou o bichinho no colo — É como um bebê, vê?
— Utahime e Shoko não mencionaram que você traria esse monst… Digo, bicho... com você — o moreno apontou para o animal no ombro de Gojo.
— Ah, é que elas não sabiam sobre ele — Satoru deu de ombros — De qualquer forma, Jogo só está passando um tempinho comigo. Ele fica com meus pais na maior parte do tempo, sabe? — explicou — Estou cuidando dele porque eles estão viajando. Devem voltar na próxima semana.
Suguru sentiu um alívio esmagador ao saber que o animal não seria uma presença constante em sua vida. Ele já estava começando a tramar mentalmente um plano meticuloso para se ver livre da criatura o quanto antes, mas decidiu suportar a situação até a próxima semana. Nesse prazo, torcia para que os pais de Satoru, ao retornarem de viagem, levassem consigo o hóspede indesejado.
— Está certo... Apenas mantenha esse bicho longe de mim, tá bom? — ele pediu, tentando soar o mais tranquilo possível.
— Então você realmente tem medo de macacos? — Satoru provocou, um brilho de diversão dançando em seus olhos.
— Claro que não! — Geto mentiu, sentindo as bochechas esquentarem — Só tenho receio por qualquer criatura que possa transmitir doenças.
— Não se preocupe, Suguru. Jogo é incrivelmente higiênico. Toma banho todos os dias. Não é mesmo? — Satoru dirigiu a pergunta ao macaquinho.
O pequeno ser pareceu compreender e ergueu o queixo orgulhoso, satisfeito por seu dono defendê-lo.
— Só mantenha ele longe das minhas coisas — especialmente dos meus preciosos livros, pensou Suguru — até que ele vá embora. Não tenho afinidade alguma com primatas.
— Hmm, tudo bem. Desculpe por não ter avisado sobre o Jogo — Satoru coçou a nuca, exibindo uma expressão quase constrangida pela primeira vez naquela noite — Espero que possamos nos dar bem, afinal, vamos dividir um apartamento agora.
Geto suspirou, cedendo ao pedido de desculpas do mais velho.
— Está tudo bem. Vou te mostrar a casa e seu quarto... E, por favor, mantenha esse bicho fechado e longe de mim.
Satoru respondeu com um sorriso exageradamente amigável, concordando com a cabeça.
— Claro, Suguru. Vou manter Jogo bem longe do seu caminho.
O moreno lançou um olhar desconfiado para o macaco, que agora parecia entretido com os óculos de Satoru.
— Espero mesmo, Satoru. Porque eu não quero ter que lidar com isso aí todos os dias.
…
Os dois começaram a percorrer o local, e Satoru, sempre entusiasmado, fazia observações animadas sobre a decoração e o espaço. Enquanto isso, Suguru tentava manter uma expressão neutra, mas por dentro sua mente estava ocupada em traçar estratégias para manter uma distância segura do macaco e evitar encontros indesejados com Jogo. O apartamento era impecavelmente organizada e revelava um estilo de vida que contrastava com a personalidade relaxada e caótica que Satoru aparentava. Cada canto do lugar era um reflexo do perfeccionismo de Suguru, algo que ele valorizava, mas que temia ser desarrumado pela presença do colega de casa.
— Os quartos ficam por aqui. — Geto indicou o corredor do segundo andar, olhando Jogo de soslaio, mas o animal parecia mais interessado em explorar do que em causar problemas.
Satoru assentiu com um sorriso, parecendo completamente à vontade, enquanto Suguru seguia, mantendo-se atento à movimentação do macaco. O moreno não conseguia deixar de se perguntar como seria viver sob o mesmo teto que aquele ser caótico.
Ao chegar ao quarto destinado a Satoru, Suguru abriu a porta, permitindo que o colega entrasse primeiro. O ambiente espaçoso e bem iluminado contrastava com a tensão que sentia na presença do macaco.
— Espero que esteja do seu agrado. — Geto tentou manter uma expressão neutra, ignorando a raiva que crescia em seu peito.
Satoru, entretanto, parecia completamente à vontade e animado.
— Uau, este quarto é incrível! — exclamou, observando os detalhes da decoração.
— Satoru, acho que seria melhor manter Jogo longe dos meus livros. — Geto sugeriu, tentando soar casual.
Mas, na verdade, o coração de Suguru disparava em uma mistura de incredulidade e fúria ao ver o animal, com suas patinhas imundas, segurando nada menos que o seu livro favorito. Como aquele insolente tinha invadido seu quarto e colocado suas garras sujas em seu exemplar mais precioso? E qual era a pira daquele animal com livros???
A simples ideia de ter aquele bicho se arrastando em seu quarto durante a noite fez os cabelos da nuca de Suguru se arrepiarem.
— Ah, claro! Não se preocupe. Jogo, vamos deixar os livros do titio Geto em paz, ok? — Satoru dirigiu-se ao macaco, que respondeu com um som divertido, jogando o livro longe.
Suguru sentiu seu sangue ferver após a provocação do primata. Se não fosse o seu medo irracional desses animais, ele com certeza já teria agarrado aquela criatura e a jogado pela janela. De preferência no fundo de um lago.
— Se precisar de algo mais, estarei no meu quarto. — Geto anunciou, indicando que a visita ao quarto havia chegado ao fim.
Antes de sair, pegou o livro do chão com certo nojo, como se ele tivesse sido contaminado pelos germes do primata.
Satoru agradeceu e continuou explorando o quarto, enquanto Geto se afastava com uma expressão desolada, lágrimas se formavam em seus olhos. Seu livro favorito, agora cheio de germes de um macaco, era um lembrete doloroso das possíveis perdas irreparáveis que ele poderia ter durante a semana que Jogo estivesse sob o mesmo teto.
Fez uma nota mental de trancar o quarto sempre.
…
Eram quase três da madrugada e Suguru ainda não tinha conseguido dormir. Seus pensamentos tumultuados não permitiam que ele relaxasse, enquanto a sensação de ter inadvertidamente atraído um grande problema para sua vida o incomodava. Ter aceito Satoru Gojo como colega parecia agora a pior decisão que já tomara na vida, e ameaçava sua vida que era tranquila até então.
E para piorar, aquela criatura horrenda ainda vagava pelo local como um fantasma.
Suguru estremeceu ao se lembrar do animal.
Ele conhecia Gojo de vista na faculdade. Não sabia seu nome até o momento em que o branquelo adentrou seu apartamento naquela noite, mas, na faculdade, ouvira boatos de que Satoru era um pé no saco e uma das pessoas mais egocêntricas já vistas. As histórias circulavam pelos corredores, reforçando a ideia de que dividir a residência com ele seria mais desafiador do que Geto poderia imaginar.
— Onde eu fui me meter? — perguntou a si mesmo, apertando as têmporas com o polegar e o indicador.
Pegou seu celular e abriu no grupo que compartilhava com os amigos.
Geto: “Eu vou matar vocês duas!”
Shoko: “Tá de mau humor, Sugu?”
Utahime: “O que aconteceu?”
Suguru: “Poderiam ter me avisado que Satoru era um problema”
Utahime: “Pensei que vocês se dariam bem, já que ambos são insuportáveis”
Shoko: “Utahime!”
Suguru: “Ele trouxe um macaco com ele! UM MACACO! Vocês têm noção? Eu não sei o que fazer”
Shoko: “Hahahahaha! Eu não acredito nisso!”
Utahime: “Como assim um macaco? Tipo uma pelúcia?”
Suguru: “Exatamente! Um macaco. Sabe, daqueles que balançam em galhos, comem bananas… E que são asquerosos!”
Suguru: “Um macaco de verdade, Utahime”
Shoko: “Ah, Geto… Também não precisa surtar assim por causa disso”
Shoko: “Veja pelo lado positivo: pelo menos não é um leão”
Suguru: “Então leva eles para a sua casa!”
Suguru: “Que engraçadinha você, Shoko. Ha ha ha. Tô morrendo de rir”
Shoko: “Não fui eu quem aceitou dividir a casa com ele. Hahahahah”
Nanami: “O que está acontecendo? Que merda, me acordaram essa hora para falar do Satoru Gojo?”
Shoko: “Se você deixasse o celular no silencioso, não teria acordado, Kento”
Nanami: “E que história é essa de macaco?”
Shoko: “Gojo simplesmente levou um macaco para a casa do Geto e ele tá surtando”
Nanami: “Gojo e um macaco? Isso é bem a cara daquele idiota… Se bem que você merece, Suguru”
Suguru: “Ei! Você deveria ficar do meu lado, Nanami.”
Suguru: “Estou em uma situação péssima aqui”
Nanami: “Pelo visto vai pagar por todas as brincadeirinhas de mau gosto que fez comigo e com o Haibara”
Nanami: “Finalmente o karma veio para você, Suguru”
Utahime: “hahahahah, eu tô falecendo aqui”
Suguru: “Isso não tem graça”
Suguru: “Vocês me pagam!”
Geto estava prestes a continuar a discutir com Nanami, mas uma batida na porta de seu quarto o fez parar de digitar freneticamente no celular.
Ao abrir a porta, Geto se deparou com ninguém menos que Satoru Gojo, trajado em um pijama que poderia rivalizar com os figurinos mais excêntricos de desfiles de moda. Simba, Timão e Pumba invadiram seu campo de visão, estampados no pijama de Satoru, como se tivessem decidido fazer uma festa bem na frente da porta. A cena era tão absurda que Geto precisou segurar uma risada que insistia sair.
E como se não bastasse, a frase "Hakuna Matata" estava estampada em letras garrafais na parte de trás do pijama, bem na altura da bunda de Satoru, deixando tudo ainda mais cômico. Era como se a filosofia do "sem preocupações" se encaixasse perfeitamente com Gojo.
Por Deus, Gojo era um adulto ou uma criança de cinco anos?
Porém, sua risada foi interrompida quando ele percebeu a palidez no rosto do colega, que parecia desesperado.
— Aconteceu alguma coisa? — A diversão de Suguru se transformou em apreensão.
Será que aquele primata tinha destruído mais alguma coisa?
— Tem uma aranha enorme no meu quarto. Tira ela de lá, por favor!
Era, de fato, uma cena digna de comédia observar o homem que, poucas horas antes, se exibia cheio de confiança, agora rendido à situação. Ele implorava com um olhar aflito, quase indo às lágrimas, para que Geto o ajudasse com uma aranha em seu quarto. A ironia não passou despercebida, e as risadas contidas de Geto, que minutos antes eram reprimidas diante do pijama cômico, agora ameaçavam escapar.
Geto arqueou uma sobrancelha, um sorriso irônico brincando em seus lábios.
— Seu macaco está lá? — indagou Suguru.
— Eu tranquei ele no closet para que a aranha não o picasse — respondeu Satoru, sua expressão de desespero persistindo.
— Certo — suspirou Geto — Vamos logo.
…
Suguru liderou o caminho enquanto Satoru, cauteloso, preferiu permanecer atrás do moreno ao adentrarem o quarto.
Suguru, munido de uma vassoura como se fosse uma espada afiada, aproximou-se furtivamente da janela, cada passo calculado para não alertar a gigantesca aranha que Satoru tanto temia. Seus olhos estavam atentos, prontos para qualquer movimento suspeito. A atmosfera no quarto tornou-se densa, cheia de tensão.
Com um movimento preciso, Suguru ergueu lentamente a vassoura, preparado para desferir um golpe letal e eficiente. Contudo, a visão que teve diante de si o fez soltar a vassoura e olhar incrédulo para o de cabelos brancos.
Dessa vez uma gargalhada alta escapou de seus lábios, ecoando pelo quarto.
— Está com medo disso aqui? — perguntou, apontando para uma folha em suas mãos.
Satoru, por sua vez, estava prestes a sair correndo assim que Suguru se aproximou com o suposto aracnídeo entre os dedos, mas ao perceber que era apenas uma folha seca, corou violentamente.
— Deve ter vindo com o vento — observou Geto — A janela está aberta — ele caminhou até a sacada e jogou a folha no quintal — Sugiro que feche, antes que realmente entre algum inseto aqui.
Gojo estremeceu diante da possibilidade e, passando por Suguru com toda a velocidade, fechou as janelas e soltou um longo suspiro de alívio.
— Obrigado por ter me salvado da aranha.
— Da folha — Suguru corrigiu
— Em minha defesa, ela parecia maior vista de longe - o de cabelos brancos tentou argumentar — e eu não iria me arriscar chegando perto. Sabia que aranhas podem pular nas pessoas?
— Sei — o moreno falou segurando a risada novamente — Bom… Seu quarto já está livre de qualquer aracnídeo, Gojo.
— Prometo que vou te compensar por me salvar, Geto
— Apenas livre-se do macaco o quanto antes e então estaremos quites.
Satoru revirou os olhos, mas concordou com Suguru. Observou-o atentamente, ponderando sobre a possibilidade de que o pavor que o moreno sentia em relação ao seu macaquinho pudesse de fato equiparar-se ao temor que as aranhas despertavam nele. Uma pequena troca de olhares entre os dois revelou um entendimento tácito, como se compartilhassem, naquele instante, um vislumbre momentâneo da complexidade das fobias individuais.
— Boa noite — Gojo finalmente falou
— Boa noite — Suguru respondeu, fechando a porta.
No trajeto de volta ao seu quarto, Suguru deixou escapar um suspiro acompanhado de um discreto revirar de olhos. A constatação de que estava compartilhando o aluguel com alguém que, apesar de estar na casa dos vinte anos, agia como uma criança, pairava sobre ele como uma verdade incômoda.
Ao entrar em seu quarto, se deparou com uma mensagem de Shoko:
Shoko: Suguru, lembra daquele trabalho que o professor Yaga passou antes das férias? Temos que começar logo.
Shoko: A proposta é visitarmos uma comunidade carente na cidade para coletarmos dados relevantes para o trabalho.
Shoko: Parece que Satoru está no nosso grupo. Ele faz aula de serviço social conosco, mas faltou praticamente em todas e Yaga simplesmente acabou jogando ele em nosso grupo.
A confirmação das suspeitas de Geto sobre conhecer o nome de Satoru de algum lugar ecoou em sua mente. Eles estavam na mesma turma de serviços sociais da faculdade, afinal. Então, Satoru era o aluno que consistentemente faltava às aulas, atraindo a total desaprovação do professor Yaga?
Parece que Suguru não teria apenas a casa como campo de convivência com Gojo. Teria que suportá-lo nas aulas de serviços sociais, caso ele aparecesse.
Suguru apenas respondeu com um simples "ok" para Shoko e foi dormir. Estava exausto e sentia a necessidade de colocar as ideias em ordem. Após correr e trancar a porta, buscando evitar surpresas noturnas, ele deitou-se na cama. A ideia de acordar no meio da noite e se deparar com um macaco compartilhando o mesmo espaço com ele não era algo que ele estava disposto a arriscar.
Mal sabia ele que essa visita à comunidade mudaria sua vida para sempre.