Casamento em ruínas
Duas semanas se passaram desde o acontecido com Carina, mas isso não tornou as coisas mais fáceis.
Recordo-me do desastre que foi ver todos os irmãos Lombardi em um lugar só. Chegaram como um furacão ao saberem sobre Carina.
Vi um Matteo completamente descabelado, um Dante de roupa toda amarrotada, um Leonel ainda mais irritado, se é que isso é possível... O único que estava apresentável era Luca.
Me assustei ao ouvir um barulho de vidro quebrando, vindo do meu quarto de Carina. Corri até lá.
— QUERIDA? O QUE--! — Fui interrompido por um berro.
— VOCÊ É BURRA POR ACASO?! NÃO SABE LER?! EU PEDI UM PERFUME CHANEL, NÃO DIOR!!
Carina gritava sem parar, enquanto a pobre mulher mantinha a cabeça baixa. Outra funcionária limpava os cacos do que eu imagino ser o vidro de perfume, principalmente pelo forte odor que infestava o quarto.
Me aproximei de Carina e peguei sua mão.
— Querida, por favor--! — Minha esposa arrebatou a própria mão da minha.
— VAI DEFENDER ELA AGORA?! — Exclamou. — É SUA AMANTE?!
Fiquei estupefato.
Amante...? Do que ela tá falando? Eu?
— O que--! — Fui surpreendido por um tapa, que estalou por todo o recinto.
Um silêncio cobriu o local. Nem as funcionárias esperavam por aquilo. Olhei para Carina, incrédulo.
— Ah... — Murmurou.
A Lombardi pareceu cair em si finalmente. Observei os olhos de Carina encherem de lágrimas e transbordarem, em um caminho silencioso.
— César, meu amor, eu sinto muito!! — Desculpou-se, colocando ambas as mãos sobre a boca e sacudindo a cabeça em negação.
Carina saiu correndo e trancou-se no banheiro, chorando audivelmente.
Eu devo consolá-la... Ela não tem culpa. Mudanças repentinas de humor são comuns na condição dela.
É meu dever.
Porém, meu rosto arde, e me sinto magoado. Um nó na garganta me impede de ir confortá-la.
Não foi de propósito... Mas, não deixou de doer.
— O que houve aqui?
Fitei a figura de Leonel entrar no quarto.
— Bom... Eu levei um tapa. — Retruquei secamente.
Leonel me olhou confuso, parecia querer perguntar o motivo, mas logo correu para a porta do banheiro, ao ouvir o soluço sofrido de Carina.
— Carin'? Abra a porta. — Pediu, em uma delicadeza que nunca pensei vir de uma criatura grosseira como aquela. — Sou eu, Léo... Abra a porta. Vamos conversar.
Depois de alguns instantes, Carina abriu a porta minimamente e sussurrou algo para Leonel. O mesmo me encarou por alguns segundos.
— Você... — Começou. — Pode nos deixar a sós?
Segurei uma risada amarga.
Eu apanho... E sou eu que tenho que sair?
Confirmei com um aceno e me retirei do quarto.
Não há que fazer... Né?
[♤♠︎♤]
Observei meu marido sair do quarto, o semblante magoado e cansado. Eu me segurava firmemente na porta, todavia quando ele saiu fechando a porta atrás de si, minhas pernas fraquejaram e eu desabei, sem forças. No entanto, em vez de ir em encontro ao chão, me vi nos braços fortes de Léo. O mesmo sentou-se no chão e apertou-me contra o seu peito.
— O que houve? — Indagou, com suavidade.
Se eu contar... Léo ficará tão desapontado.
Por que estou fazendo isso...?
César é sempre doce e gentil... E eu agi como uma megera e o abofetei. Provavelmente, ele me odeia agora. E Léo, em breve ficará com vergonha de ter uma irmã tão defeituosa e horrível como eu. Se eu disser o que fiz, meu irmão vai me abandonar. Ninguém quer uma irmã de personalidade distorcida e que destrata as pessoas que se importam.
— Carina. — Chamou meu irmão.
— Sim...? — Atendi, com a voz embargada com a nova onda de choro.
— Lembre-se: Não importa o que você faça, você é e sempre será minha irmãzinha. Eu sempre amarei você. Sempre estarei ao seu lado. Carina, você é meu pedaço de primavera, lembra? Você é o meu sol em meio ao inverno. Sinceramente, acho que preciso mais de você do que você de mim. — Confessou, com um sorriso ameno.
Olhei para Léo. Lágrimas caíam livremente por meu rosto. Afundei-me contra o corpo do meu irmão, e chorei até que minha consciência se apagasse.
[♤♠︎♤]
Dizer que é difícil ver Carina nesse estado é eufemismo.
O único momento em que ela se vê livre dos fantasmas da própria mente é quando dorme.
Levantei-a sem dificuldade e a coloquei sobre a cama. Dei um beijo em sua testa e saí em direção a sala de jantar. Já eram 19:00 hs, todos já devem estar à mesa.
Caminhei até o local calmamente, e logo vi Luca, Dante, César e minha mãe sentados à mesa. Olhei rapidamente para o assento do patriarca da família, que estava vazio. Sentei-me ao lado de Luca.
— Onde está Matteo? — Perguntei.
Luca olhou-me cúmplice.
— Ora essa, irmão. Nosso capo foi jantar fora.
— Fora...? Com quem?
Dante levantou o olhar do prato.
— Com o britânico encrenqueiro, quem mais seria?
Luca fitou Dante e arqueou uma sobrancelha.
— Encrenqueiro, é? — Repetiu. — Até onde ouvi, foi você que cutucou a onça primeiro. — Disse, levando a boca uma boa garfada de macarronada.
Dante o olhou, céptico.
— EU?! O britânico pateta é que tem dedo podre pra amigos!! — Rebateu. — Além disso, esse não é o problema agora.
— E temos um problema? — Indaguei.
Dante me lançou um olhar irritado.
— Você é um quadrúpede mesmo ou se faz? Você não percebeu que desde que esse britânico apareceu, ele toma quase cem por cento do tempo do nosso irmão?!
Fiquei em silêncio por uns instantes.
— Perceber, eu percebi. Só não entendi o que a gente tem a ver com isso. — Resmunguei, colocando um pedaço de carne na boca.
— Ignora ele. — Instruiu Luca. — Isso aí é ciúmes.
— QUÊ?! — Exclamou Dante. — Claro que não!! Será que eu sou o único que acha que tem algo estranho aí?
— Filho, não se altere tanto. Seu irmão só fez um bom amigo.
De repente, Luca se pronunciou.
— Tá. Suponha que o britânico é fanta, e nosso irmão também. Tu vais fazer o quê? — Soltou. Fazendo nossa mãe engasgar e eu dar uma gargalhada sincera.
— Cara, por mim, tudo bem nosso irmão gostar da mesma fruta. Mas, tinha que ser o britânico pateta.
— DANTE E LUCA LOMBARDI! — Exclamou nossa mãe. — Não digam uma barbaridade dessas sobre o irmão de vocês!!
Luca e Dante fitaram nossa mãe com uma confusão genuína em seus rostos.
— Barbaridades? — Repetiu Dante.
— Quem falou? — Questionou Luca. — Barbaridade seria se a gente falasse que ele parece com nosso progenitor.
Os olhos da nossa mãe pareciam que iam sair das órbitas.
— Barbaridade?! Isso seria blasfêmia!! — Falou Dante.
Comecei a gargalhar genuinamente. A cara da nossa mãe tornava tudo mais icônico.
Olhei de relance para César, que comia silenciosamente. Ele nem parecia ouvir o que dizíamos, a mente em outro lugar.
Ainda calado, César pôs o guardanapo sobre a mesa e fez sinal de levantar.
— Bom, aproveitem o jantar. Vou retornar para o quarto. — Disse simplesmente.
Olhei para o prato. A comida estava quase toda intocada. Eu ia questionar sobre, porém, nosso progenitor apareceu de repente.
— Boa noite, família. — Cumprimentou.
César, que já estava de pé, apenas acenou, com uma expressão impassível. O mesmo atraiu a atenção do Lombardi mais velho.
— Genro! Onde vai? — Perguntou.
César o fitou de forma sombria.
— Estou um tanto indisposto, então me retirarei primeiro.
— Calma aí! — Interrompeu nosso pai. — Quero falar com você.
Meu cunhado suspirou cansado, mas sentou-se novamente.
O Lombardi sentou no assento de Matteo, o que incomodou um pouco.
Será que ainda não caiu a ficha de que ele não manda mais aqui?
— Eu tenho pensado... Mas, não cheguei em uma conclusão. — Iniciou. — O que você é Carina fazem aqui?
Um silêncio caiu sobre o recinto, até César quebrá-lo.
— Perdão...?
— Vocês não deveriam estar na lua de mel?
César o olhou descrente, assim como todos à mesa.
— Bem, isso se dá por conta do trágico acontecimento, Sr. Lombardi. — Explicou César. — Carina não se sente bem e--!
— E você resolveu obedecê-la só agora?
O olhar de César ficou ainda mais sombrio.
Todos nós olhávamos a cena, impactados com a falta de senso do nosso próprio pai.
— Senhor, acredito que não entendeu. — Disse César. — Minha esposa está de luto, e está sofrendo. Como quer que saímos daqui para uma lua de mel com ela nesse estado?
— E você é o boneco Ken dela agora? — Indagou Nero. — Faz semanas desde que meu filho morreu. Já não é mais justificativa. Além disso, eu preciso de um neto.
— O quê? — Interrompeu Dante.
— Um neto, Dante Lombardi, um neto. — Repetiu. — Preciso que façam netos.
— E o que é isso de repente? — Questionei.
— Se é que vocês não notaram, estão ficando velhos, e sequer são casados. Tenho que aproveitar que pelo menos uma casou.
— A Carina só tem 23 anos. Tem muita vida pela frente. — Rebati.
O Lombardi riu secamente.
— Eu fui confiar desse jeito no Luigi e aí o resultado. Morreu e não deixou um único herdeiro. Não vou cometer o mesmo erro.
Olhei para o mais velho, horrorizado. E ele não era o único.
— Então, foi por isso que você se desesperou na morte dele? — Perguntou Luca. — Foi porque ele não deixou herdeiros...?
— Em parte. — Respondeu, simples.
Eu queria socar a cara do meu próprio pai.
Todavia, não me sinto tão mal como deveria.
Foi então que a pequena figura de Carina entrou no local.
— Carina! — Chamou Nero. — Finalmente deu as caras.
Nosso pai caminhou rapidamente em direção a Carina, que encolheu-se minimamente.
Me movi para impedi-lo, um movimento desnecessário. César já estava parado entre os dois, cobrindo minha irmã protetoramente com seu corpo.
— O que está fazendo? — Perguntou ameaçadoramente nosso progenitor.
César ficou imutável.
— Cumprindo meu dever como marido. — Respondeu. — Exatamente como o senhor queria, não?
Vi Carin' fazer uma careta. Como se aquelas palavras doessem.
— Saia da frente! — Ordenou.
— Não.
Nero Lombardi ia lançar-se sobre César. Entretanto, um copo passou entre meu cunhado e ele, passando a milímetros do rosto do mais velho. O copo atingiu uma parede com força, estilhaçando-se por completo.
Olhei para Dante, o mesmo gostava de lançar coisas nos outros. No entanto, ele estava tão chocado quanto eu.
— Ops...! Escorregou da minha mão. Sinto muito, senhor.
Assim como todos os presentes, virei-me em direção a voz.
Riki Yamazaki, o chefe da máfia japonesa.