— Pai, eu quero ir para casa! — A garotinha de cabelos castanhos e olhos claros fez uma careta entediada. O iPad passava um desenho sobre sereias enquanto a chupeta rosa fazia piruetas em sua boca. O uniforme da creche anunciava que ela havia acabado de ser pega. — Por que a gente tem que vir aqui? É chato.
— Lili, eu já expliquei. Viemos buscar o papai. Quer vir aqui para frente até ele chegar?
— Sim! — A menina saiu da cadeirinha e foi para o banco da frente, onde ficou brincando de dirigir por alguns minutos. Quando viu o pai sair da casa grande, deu um gritinho animado. — PAPAI!
O homem de porte forte sorriu e abriu a porta para pegar a filha no colo, a pequena menina esticou os braços fazendo a blusa do uniforme levantar um pouquinho e mostrar a barriguinha branca, que o pai fez cócegas para dar ouvidos a risada infantil, por fim, esticou para selar os lábios no do noivo.
— Tudo bem, amor?
— Sim. Alice aprendeu uma música nova na creche e não para de cantar por um segundo. — Henrique disse, passando as mãos pelos cabelos sorrindo, mas logo seu semblante ficou sério quando ele olhou para a casa. — Acharam algo?
— Nada de novo. Apenas o sangue dela e a casa bagunçada. As câmeras de segurança só viram Pietro saindo, mas ele estava... sozinho. Ela desapareceu, não faz sentido.
— Puta merda, Joy me disse que ele está arrasado...
— PAPA NÃO PODE FALAR ISSO! — A garotinha se remexeu no colo de Vitor, que deu um meio sorriso.
Henrique suspirou, tentando manter a calma na presença da filha. Ele acariciou os cabelos dela, olhando de volta para Vitor com uma expressão de preocupação.
— É, desculpa, Lili. Papai não deveria falar palavrões. — Ele se voltou para Vitor e Alice fez uma cara de orgulho, como se fosse responsável por um grande feito. — E o post, quer dizer, todo mundo viu.
— Não achamos o ip, tentaram ver da onde era, mas a pessoa que fez isso, fez de um jeito que não fosse ser descoberta.
— Nós precisamos achar quem fez isso, amor...
Vitor assentiu, balançando Alice levemente para acalmá-la.
— Eu sei. A polícia está fazendo o possível, mas precisamos de algo mais. Qualquer pista. Pietro está devastado e se culpando pelo que aconteceu. Precisamos ajudar, de qualquer maneira.
Henrique franziu a testa.
— Pode ter sido ele não é?
— Não... Quer dizer, não teria motivos não é? Eles estão juntos dês do ensino médio...
— É, mas nós sabemos o que aconteceu no ensino médio, Vi.
Ambos se olharam e concordaram em silêncio, eles sabiam que a anos atrás, em 2020, muitas coisas haviam acontecido e mudado.
— Vamos continuar investigando. Se há algo que estamos perdendo, vamos descobrir. Eu só espero que ela esteja bem, onde quer que esteja, e se foi ou não ele... Iremos saber.
Vitor concordou, dando um beijo suave na testa de Alice, ele sentia o noivo preocupado em cada expressão, no ensino médio, Vitor tinha seus próprios amigos e ciclos, nenhum deles Zoe era pertencente, mas ele sabia que Henrique a considerava como uma boa amiga, e tudo que aflingia o garoto, o aflingia também.
— Mavie vai reunir o pessoal na casa dela, devíamos ir?
— Acho uma boa ideia.
— Pai, posso ir com vocês? — Alice perguntou, puxando a manga da camisa de Henrique.
— Não, meu amor. Você vai para a casa da vovó hoje, tá bom? — Henrique respondeu, tentando soar animado.
— Mas por que? Eu quero ficar com você e o papai Vi!
— A gente precisa fazer umas coisas importantes, princesa. — Vitor explicou. — E é melhor você ficar com a vovó por um tempinho. Ela vai adorar passar a tarde com você.
Alice fez um bico, mas acabou assentindo. Henrique suspirou de alívio e trocou um olhar significativo com Vitor.
— Vamos deixá-la na casa da sua mãe, Vitor. Depois disso, precisamos nos reunir com o resto do grupo. Precisamos de todos para resolver isso.
— Certo. — Vitor respondeu. — Vamos logo. Quanto mais rápido a deixarmos lá, mais cedo poderemos voltar e começar a busca.
Henrique beijou a testa de Alice novamente, tentando esconder a preocupação que sentia. A missão de encontrar Zoe era urgente, e cada segundo contava. Eles precisavam estar juntos e focados, sem distrações, para desvendar o mistério de seu desaparecimento.
Henrique e Vitor entraram no carro com Alice, tentando manter uma conversa leve para distraí-la enquanto dirigiam para a casa da mãe de Vitor. O trânsito parecia mais lento do que o habitual, aumentando a tensão de ambos. Henrique olhava constantemente pelo retrovisor, verificando se estavam sendo seguidos ou se notavam algo suspeito.
Nada estava acontecendo, mas ele temia.
Alice, alheia à tensão dos pais, começou a cantar a música nova que aprendera na creche. Sua vozinha alegre encheu o carro, proporcionando um breve momento de alívio. Henrique sorriu para Vitor, que retribuiu com um olhar de esperança.
Chegando à casa da mãe de Vitor, uma construção charmosa com um jardim bem cuidado, era uma casa grande, Henrique costumava ir lá quando pequeno, para fugir da própria mente, para ver Vitor. Alice saltou do carro animada. A avó estava na porta, pronta para recebê-la com um abraço caloroso.
— Obrigado por cuidar dela, mãe. — Vitor disse, abraçando a mãe.
— Não se preocupem, ela vai ficar bem aqui. Façam o que precisam fazer e voltem quando puderem. — A mãe de Vitor respondeu, olhando para o filho com um olhar de compreensão e apoio.
Henrique e Vitor despediram-se de Alice, prometendo voltar logo. No caminho de volta para o carro, Henrique segurou a mão de Vitor firmemente.
A alguns anos eu via Henrique como um Deus, quando seu nome ainda terminava com A, e ele era tão popular que me fazia sentir inveja, ele era tão intocável, junto do seu relacionamento perfeito com o futuro delegado de Amino.
Hoje vejo, que de todos nós, Henrique sempre foi o que mais tinha medo.
Não muito longe dali, Mavie ligava para Gelado sem parar, mordendo a ponta dos lábios na esperança de que ele atendesse. Não funcionava. Até a campainha tocar.
Por um pequeno instante, teve medo. Verificou pelo olho mágico do apartamento e suspirou aliviada. As portas se abriram, revelando Daniel, Isack e Pietro, que estava pálido demais para o costume.
Ela abraçou o menino que tremia, seus olhos cheios de lágrimas mostrando que, desde a morte da menina, ele chorava.
De tristeza, de raiva... de culpa.
Logo depois, Camel chegou, seu semblante refletindo a tensão no ar. Gelado apareceu separadamente, e o clima ficou ainda mais carregado. Ambos se olhavam vez ou outra, mas pareciam evitar qualquer contato direto, se comprimentando quase por educação, era irônico sabendo que, a alguns anos atrás, eles estariam se agarrando por alguma parte dessa casa, mas eu não podia julgá-los, 2020 mudou tudo.
Quando Henrique chegou junto de Vitor, o estômago de todos revirou. O silêncio se intensificou, a atmosfera densa de incerteza e ansiedade. Alguns no grupo eram mais próximos entre si do que outros, e essa proximidade, ou a falta dela, tornava a situação ainda mais complicada.
Estávamos todos ali, esperando, tentando entender como prosseguir. O ar estava pesado com o não dito, com as emoções reprimidas e os olhares furtivos. Até eu, Icye, chegar.
Ao entrar na sala, pude sentir o peso do momento. Olhei ao redor, vendo os rostos familiares e os olhos ansiosos, sabendo que precisávamos de alguma orientação, de um plano.
— Está todo mundo aqui? — Perguntei, tentando trazer um pouco de foco para a situação. — Se eu soubesse não teria vindo, Mavie.
Henrique assentiu, dando um passo à frente.
— Não, tem algumas pessoas faltando. — Ele olhou para os outros, depois de volta para mim. — Mas nós precisamos conversar, pelo menos entre nós, somos amigos.
Vitor, ao lado dele, concordou.
— Não, não somos. — Camel ascendeu o cigarro.
Os olhos de todos se voltaram para mim, esperando que eu dissesse algo, mas eles sabiam que eu não diria nada do que esperado.
— Ele está certo. — Disse, tentando infundir um pouco de confiança no grupo. — Eu não posso confiar em vocês, nem vocês deviam confiar em si mesmos.
— O que quer dizer com isso? — Isack disse dando um passo a frente.
— Qualquer um de nós poderia ser o culpado. — Daniel disse, cruzando os braços. — Quem garante que não é alguém aqui que causou tudo isso?
Pietro, ainda abalado, levantou a voz. — Está dizendo que um de nós fez isso? Está louco?
— Por que não? — Retruquei. — Alguém aqui pode estar mentindo, inclusive você.
— Eu? Que merda, eu a amava Icye, cuidava dela! E você? A quanto tempo não ia visitá-la? — Ele me acusou e eu ri como se fosse uma acusação tão irreal que achei que genuinamente era uma brincadeira, franzi o cenho quando percebi que não era. — Você pode ser a culpada, nem apareceu na festa!
— Claro que não apareci, eu nem ao menos estava na cidade Pietro, como queria que eu fosse a festa? Teletransporte?
Mavie olhou para nós, tentando manter a calma. — Gente, brigar não vai adiantar nada.
Gelado, evitando o olhar de Camel, murmurou. — Temos que encontrar uma solução, não mais problemas.
— Ok, vamos começar pela solução, todos viram a porra do blog não é?
Ninguém respondeu a pergunta de Daniel, mas o silêncio dizia muito.
— Seja lá quem for o culpado, ele está debochando de nós, e vocês estão discutindo como um bando de adolescentes!
O clima estava cada vez mais tenso, as acusações voando pela sala.
Eu não consegui segurar uma risada. Todos olharam para mim, surpresos e confusos.
— Faz sentido, nós sabemos quem é o culpado. — Eu disse, com um sorriso enigmático. — O único que poderia ter evitado isso.