Onde Charlie retorna ao bar para reencontrar a cantora que o atraíra e, de pronto, conhecê-la.
Determinado a conseguir o que planejava, Charlie retornou ao bar — traçando o caminho de volta a partir da casa do Médium —; Ícaro penando para alcançá-lo.
Por mais que o amigo se adiantasse, Charlie se movia muito rápido, dando passadas bastante grandiosas.
Junto às expectativas de Charlie, a alva da manhã começava a chegar à cidade, revelando o que antes estivera escondido aos olhos deles.
As ruas por onde passavam eram repletas de ladeiras, vielas e alamedas. Os trilhos, da noite anterior, cortavam o asfalto em alguns pontos; já em outros, carros e ônibus transitavam.
Andando, mesmo que um pouco perdidos; não tardaram em encontrarem o bar, onde, numa plaquinha de metal, pregada no muro de tijolos, puderam ler o nome da rua em que se encontravam: Larkin St.
Cruzado o beco e a entrada do bar Saint. Louis, Charlie não se abateu ao vê-lo deserto. Os únicos que tinham restado eram os funcionário, que erguiam as cadeiras para o alto das mesas e se preparavam para fechá-lo.
Charlie, determinado, prosseguiu até o interior. Próximo ao palco, ele esperava reencontrar a mulher que conseguira enfeitiçá-lo aquela noite. Qualquer coisa, um número de telefone, endereço ou nome conseguido, o bastaria.
Uma garçonete — de bandeja de prata nas mãos e usando uniforme — se aproximou ao notar os dois visitantes. Parecia muito com a que oferecera charutos a Rogers.
— Posso ajudá-los?
Os dois homens viraram para a mulher morena. As correntes, com efeito, estavam funcionando!
— Estou procurando uma moça que cantou aqui na noite anterior, não me lembro de seu nome, mas tem cabelos cacheados e usava um vestido vermelho como um rubi. — Charlie, sorriu simpático para a garçonete, tratando do assunto como uma trivialidade.
— Encerramos o serviço aqui, mas podem descer para o restaurante e perguntar no caixa.
A funcionária apontou uma porta estreita e que nenhum dos dois tinha visto da primeira vez que pisaram ali; aliás, o lugar era bastante diferente sem o apinhado de gente quando aberto.
— Ah, perfeito! Muito obrigado — agradeceu Charlie, contentíssimo.
Ele imediatamente avançou para a porta, com Ícaro pulando em seus calcanhares.
— Não me diga que vai realmente insistir nisso.
— Não fomos até aquele velho à toa meu caro. — Charlie, parou na soleira da porta e procurou, com os olhos, a cantora ou o caixa.
O restaurante ligado ao bar era pequeno e retangular. Uma mesa grande de bufê ficava no centro, enquanto as mesas concentravam-se nas laterais, próximas das paredes revestidas com um papel de parede verde, decoradas por quadros e folhetos. Uma grande vitrine dava vista para uma rua movimentada por carros e pessoas. O caixa ficava num canto.
Uma pequena fila se formava de frente ao balcão comprido de madeira, e no começo da fileira, estava nada mais nada menos, que a mulher de vermelho.
Ali que o olhar de Charlie parou e, satisfeito, meteu-se no restaurante, pulando os dois degraus da porta.
Como a mulher conversava com o homem do caixa, Charlie teve de se embrenhar na fila, esperando o melhor momento para abordá-la.
Ícaro, acanhado, torcia a boina nas mãos ao acompanhá-lo em sua espera.
Apesar de tudo, ninguém parecia interessado em olhá-los. Eram apenas mais dois homens normais na fila de um caixa, e a única preocupação de Charlie, era não perder a moça de vista.
Ela conversava com um homem — de terno branco e cabelos loiros —, parecia o mesmo que anunciara, com sua voz potente, a apresentação da cantora e, parando de cantarolar, disse a ela:
— Olhe quem está aqui, a pedra preciosa que adornou mais uma noite!
— Que nada, nem foi minha melhor noite, eu...
— Deixe de modéstia, você cantou formidavelmente Srta. L'Amour, como sempre, não esperaria por menos.
— Obrigada. Escute, queria te pedir um favor...
— Não fale nada, não fale. Veio renovar o seu contrato? Tem feito um maravilhoso trabalho, não poderia deixá-la ir tão fácil.
— Não; não! Eu vim saber se posso receber um adiantamento, àquele que conversei com você antes de...
— Oh, sim! É claro. — O homem, abaixou-se atrás do balcão e, tendo retirado algo de dentro de uma gaveta, depositou-o na superfície de madeira.
Charlie, precisou se inclinar para ver do que se tratava. Era um círculo fino; de ouro vagabundo; do tamanho da palma de uma mão, e com uma faixa azul prendendo-o.
— Espere, não era isto que estava no contrato, deve haver um mal entendido — a mulher avisou, pegando a medalha pelo círculo dourado.
Só após conferir anotações de um caderninho no balcão, que o homem de terno deu-a atenção.
— Com uma voz dessa só poderia ganhar uma medalha de primeiro lugar meu rubi.
— Vocês anunciaram dinheiro e comida, isto não me serve de nada agora e é uma urgência, não precisa ser necessariamente o dinheiro, só a comida está de bom tamanho.
— Ah, estou compreendendo minha querida.
— Então, vai me deixar levar?
— Estive notando que parecia meio tensa.
— De jeito nenhum, é apenas...
— Se você quer comer docinho, pode me esperar na saída às... — e arregaçando uma das mangas do terno, o homem conferiu um relógio de pulso — 11 da noite. Conheço um lugar excelente, e depois você poderia mostrar em particular um pouco mais da sua oratória, pode arranjar coisa melhor que um adiantamento, hã! O que me diz?
Um sorriso — de dentes bastante brancos e alinhados — se abriu no rosto do homem convencido; apoiado ao balcão.
Charlie, não viu a expressão da mulher, pois ela estava de costas; mas, o corpo dela inclinou-se um pouco para trás, antes de responder:
— Agradeço pela proposta querido, mas preferiria comer no lixo. Adeus.
A medalha bamboleou no balcão quando a mulher a largou e, afastando-se, ela saiu da fila; os cachos batendo furiosos em seus ombros.
— Ela tem personalidade — Charlie sussurrou para Ícaro ao vê-la passar por eles. Ele já iria sair da fila e segui-la, quando a mulher parou de repente.
Com meio caminho andado até saída, a cantora encarou a mesa de bufê, depois o caixa com o canto dos olhos.
O homem de terno conversava com outra mulher como se nada houvesse o abatido e saiu apressado de trás do balcão, indo até a porta que dava ao bar; buscando por alguma coisa que tinha de entregá-la e que não interessava em nada a Charlie.
Atraída pela mesa, a mulher aproximou-se e começou a observar o que estava servido. Era o momento ideia para Charlie.
— Fique aqui, e observe enquanto o mestre entra em ação — ele pediu a Ícaro, e caminhou até à mesa arrumando os cabelos, sacudidos pela correria da manhã.