Não havia sons naquele local, a não ser, talvez, por um gotejar insistente que se originava em algum lugar do teto rochoso, impossível de ser identificado. A baixa iluminação não favorecia nem um pouco a visibilidade, mesmo que a fonte de energia emanasse uma luz forte de cor violeta, ela se perdia em meio ao breu que se expandia acima. O local era uma enorme câmara rochosa, com estalagmites que se espalhavam por toda parte, nenhuma alta o suficiente para alcançar o teto, mas algumas se pareciam tanto com pilastras que davam a impressão de que eram responsáveis por sustentar o local. Algumas hastes de madeira estavam depositadas ao longo do que parecia ser um caminho que levava até uma escadaria, tudo feito da mesma rocha que a câmara era formada, mas manipulada para atender às necessidades da figura que observava impaciente no alto da escadaria.
Sentado em um trono alto e rígido, feito completamente de pedra, um homem estava voltado ao vazio escuro, suas pernas cruzadas e os braços apoiados nos braços de pedra que o trono possuía. Ele vestia uma roupa escura, quase impossível de definir naquele ambiente, e usava alguns brincos prateados fixos apenas na orelha esquerda. Seu cabelo castanho chegava até as orelhas, e o seu bigode e o cavanhaque eram da mesma coloração. Seus olhos estavam fechados, como se o homem estivesse em um sono profundo ou até mesmo em um estado meditativo. Sua sombra, junto à sombra do trono, projetava-se à frente, graças ao grande portal que havia atrás. Era como um vórtice de energia que variava entre o azul escuro e o violeta, com filetes que dançavam no ar, como se, em algum lugar invisível, uma música desconhecida estivesse sendo reproduzida.
Se alguém adentrasse o local pelo caminho que havia escada abaixo, teria a impressão de que o homem guardava o local, quando, na verdade, o guardião estava deitado aos seus pés, inerte como o próprio trono de pedra, dormindo despreocupadamente. Seu corpo não possuía pelos ou penas, era pele apenas, com uma coloração escura que o permitia mesclar-se às sombras do local. Suas quatro pernas longas estavam dobradas, os ossos evidenciados abaixo da camada fina de pele, permitindo uma nítida visão das longas e afiadas garras que se projetavam das patas. A cabeça e o focinho da criatura estavam escondidos na escuridão, graças a forma como ele estava dobrado ao redor do trono e ele com certeza era maior do que aparentava.
Em meio ao silêncio e o gotejar, um grunhido alto foi emitido pela criatura, que sentiu a presença de um outro alguém na sala, como se buscasse avisar seu mestre. Instantaneamente, o homem sentado no trono abriu os olhos e encarou o caminho de pedra abaixo. Sons de passo brotaram no ambiente, ecoando por todo lado antes que a figura se revelasse. Era um outro homem, com cabelos curtos e escuros, sua pele era levemente bronzeada, como se passasse muito tempo sob a luz solar. Com estatura mediana, o corpo do homem estava escondido sob uma espécie de sobretudo preto, assim como seus sapatos, cujo a sola brilhava com a fraca luz por ser feita de ouro, responsável pelo forte som dos passos. Ele caminhou até pouco antes do início da escada de pedra e baixou sua cabeça em uma espécie de reverência.
— Senhor. — Ele disse, esperando a permissão para continuar. Sua voz era calma e cordial, sem transpassar muita rigidez para quem a ouvia.
— Prossiga, Marik. — O homem sentado ao trono respondeu, encarando-o com seus olhos escuros e frios. A voz deste, por sua vez, parecia estar carregada de ódio, era rígida e levemente grosseira.
— Está feito, senhor. Eles estão posicionados na saída do portal, conforme o senhor havia ordenado.
— Você verificou se havia algum indício da presença, prévia ou no exato momento, de membros da Ordem? — O mestre no trono soou desconfiado, cauteloso com qualquer que fosse os planos que tinha para serem executados.
— Sim, senhor. A informação dada pelo informante era verídica, os membros da Ordem não utilizam aquele portal há muito tempo. É o plano perf…
— Sem bajulações, Marik. Deixe que eu decida qual plano é perfeito e qual não.
Marik curvou mais seu corpo, quase como se o medo o tivesse obrigado. O homem descruzou suas pernas e se ajeitou no trono, sem tirar os olhos de Marik. A criatura permanecia dormindo aos seus pés.
— O acampamento dos Caçadores permanece no mesmo local?
— Sim, senhor. — Marik não ousaria falar mais do que deveria uma outra vez.
Mesmo com a baixa iluminação, era possível perceber o sorriso que se formara no rosto do homem sentado ao trono, um prazer evidente por ter seus planos caminhando como planejado.
— Ótimo. Volte ao local onde deixou o pequeno grupo de criaturas esperando e libere-os para matar os Caçadores. O momento deles se tornarem a caça finalmente chegou.
Marik concordou com um aceno de cabeça e pediu licença, virando as costas e saindo pelas trevas através do mesmo caminho por onde viera, deixando o homem no trono e a criatura sozinhos novamente. Ainda sorrindo, ele olhou para criatura aos seus pés, um carinho expresso em seus olhos.
— Em breve, a glória e a vingança serão nossas, Odala, e você terá muita carne de caçador para se deliciar.
A criatura grunhiu, dessa vez emitindo um som mais alto, como se quisesse demonstrar sua satisfação pelas palavras que seu mestre dissera. O fim da era dos Caçadores estava realmente se aproximando.