Me apaixonei sem te ver

By VALUFOREVER001

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E se você encontrasse o amor da sua vida nas páginas de um livro? Luiza se apaixona pela arquiteta Valentina... More

PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
EPÍLOGO

CAPÍTULO 6

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By VALUFOREVER001

Deitada em seu sofá, Valentina balançou a cabeça negativamente após ler a mensagem de Luiza.

— Hoje está com mais gracinha que de costume — comentou consigo mesma.

21:54 pm

V: Não tem mais graça, Luiza Campos.

22:02 pm

L: Do que você está falando? Valentina, estou começando a ficar preocupada. Você está bêbada, não está?

22:09pm

V: Você que deve estar bêbada. A menos que...

A arquiteta parou de escrever, fixou o olhar em um ponto qualquer da sala e se manteve reflexiva. Um louco pensamento passou por sua mente. Por via das dúvidas, resolveu arriscar aquela teoria. Afinal, nada mais a surpreenderia.

V: Luiza, me diz a data em que estamos, por favor. Dia, mês e ano.

Sem compreender muito bem em qual ponto a mais velha queria chegar, a morena apenas franziu o cenho enquanto refletia. Suas mãos já estavam ficando ressecadas pela quantidade de vezes em que as lavou naquela noite. Todavia, não arriscaria manchar ou engordurar as páginas de seu livro. Com o jantar quase pronto, as secou, pegou o lápis e redigiu uma reposta.

22:24pm

L: Ok. Hoje é 20 de março de 1999. Por quê?

— Não é possível... — murmurou Valentina, consigo mesma. — Como isso pode estar acontecendo? — Disse ao levantar-se do sofá com o livro em mãos. — Se ela realmente estiver falando a verdade, então minha teoria não é tão louca assim. Luiza e eu vivemos em... — A morena fez uma pausa em suas próprias palavras. Não conseguia dizer e admitir a si mesma que aquilo estava acontecendo.

Ela caminhou para o banheiro social e, ao se olhar no espelho acima da pia, começou a conversar com seu reflexo.

— Não, não, não. Isso não pode estar acontecendo, é impossível, é impossível. Que loucura é essa? — A arquiteta molhou o rosto com a água da torneira, voltou a mirar sua imagem no espelho, respirou fundo e retornou para o sofá. Sua inquietude era tamanha.

22:36pm

V: Então, Luiza, você está sentada? Se não, sugiro que o faça. O ano em que vivo é dois mil e dois. Hoje é exatamente 20 de março de 2002. Adoraria que isso fosse uma brincadeira da minha parte, mas não é. Você e eu vivemos em anos diferentes. Como isso é possível? Acho que vou enlouquecer!

Em sua casa, Luiza concluiu o jantar e se serviu. Ao sentar-se à mesa, quase engasgou com a primeira garfada que levou à boca, efeito da última mensagem recebida pela morena.

— Isso é algum tipo de piada? — Comentou a si mesma. A morena começou a sentir sintomas de nervosismo. Sua mente duelava entre acreditar naquelas palavras e achar que aquilo não passava de uma brincadeira da arquiteta.

— Ok Luiza, seja racional — repetia a si própria enquanto massageava as têmporas. Com a mão um pouco trêmula, redigiu uma resposta para a mais velha.

22:52pm

L: Valentina, que droga é essa? Se isso for brincadeira sua, por favor, me diz. Estou com meu coração acelerado! Mas se você está sendo sincera, me revela algum fato desse ano. Algo que ainda não aconteceu pra mim.

De sua casa, Valentina tentou lembrar-se de alguns acontecimentos marcantes sobre o ano de 1999. Com a ajuda do computador, fez algumas pesquisas na internet e recordou alguns fatos. Posteriormente, escreveu uma mensagem para Luiza lhe contando quem ganharia a copa do mundo de futebol feminino, assim como alguns outros eventos. Tendo em vista que tudo anunciado à mais nova ainda iria demorar alguns meses para acontecer, lembrou-se que o Oscar ocorreria no dia seguinte. Sendo assim, revelou a ela o vencedor de cada categoria, um a um.

— Shakespeare Apaixonado ganhará o Oscar de melhor filme? Eu duvido! Todo mundo sabe que O Resgate do Soldado Ryan é o favorito! — Exclamou Luiza, sozinha, ao ler a mensagem.

23:25pm

L: Impossível ‘Shakespeare Apaixonado’ vencer o filme ‘O Resgate do Soldado Ryan’! Eu apostei uma grana alta com as meninas do meu trabalho.

23:29pm

V: Então eu sugiro que você mude a sua aposta, pois Shakespeare levará a estatueta.

23:34pm

L: Está muito em cima da hora, não há como mudar. Droga, não é possível que isso seja verdade!

Na noite do dia seguinte, com o coração na mão e o nervosismo distribuído em cada parte de seu corpo, Luiza Campos sentou-se em frente à TV para assistir a transmissão do Oscar. Com o livro em uma mão e o lápis na outra, aguardou todos os resultados para comparar com tudo o que Valentina dissera. Ao final da cerimônia, constatou que a morena acertara todas as categorias. Naquele instante, a mais nova teve a confirmação de que realmente havia uma ruptura no tempo que as separava.

Nenhuma das duas mulheres sabia o que havia acontecido, muito menos como e por que existia essa desordem no tempo-espaço de suas vidas, mas estavam decididas a tentar compreender e buscar uma resposta.

Duas semanas haviam se passado desde o evento sobre o Oscar. As conversas entre elas estavam cada vez mais frequentes e longas. A curiosidade e necessidade de compreender aquele evento as uniam cada vez mais; no entanto, não era apenas a vontade de decifrar aquela loucura que as atraíam para o livro. Havia algo entre elas que as mantinham presas a cada mensagem matinal, ou a cada preocupação em saber como havia sido o dia da outra.

11:43am

L: Bom dia, Valentina! Hoje meu domingo iniciou bem cedo. Fiz um passeio com Juna pelo bairro e passei na feira para comprar algumas coisas. Trouxe novas mudas de plantas, incluindo uma muda de palmeira ráfis para enfeitar a minha sala, me lembrei de você assim que a vi. Espero que Juna não a destrua! Como está sendo o seu domingo? E Léo, ele está bem? Gosto de nomear algumas plantas, principalmente as que trago para dentro de casa. Poderia me dar algumas sugestões de nomes? Bom, nesse momento estou indo tomar um banho e preparar meu almoço. Até logo!

Na manhã daquele domingo, Valentina e Léo se divertiam juntos no jardim. A morena havia montado uma piscina infantil para ele e o observava enquanto conversava com Marcela, sua amiga de trabalho, que havia lhes feito uma visita. Vez ou outra, enquanto dialogava, a arquiteta dava tiros de água em Léo com a pistola de brinquedo.

— Deve ser incrível ter um filho. Sempre babo quando vejo sua relação com ele — disse Marcela. Ela e a amiga conversavam sentadas em cadeiras dispostas no jardim.

— É um elo muito grande, muito forte, o maior de todos. Daria a minha vida por ele. É o amor mais bonito e sincero.

— Imagino. Não tenho filho, mas tenho mãe, e nossa ligação é muito forte também. — Sorriu. — Você pensa em se casar outra vez, ou tem medo de trazer uma pessoa ruim para a vida do Léo?

Valentina pareceu pensativa com a pergunta de Marcela. Ela mirou logo a frente e manteve seu olhar fixo no filho enquanto sua mente vagava.

— Pra ser bem exata, nunca mais pensei sobre isso desde o divórcio — respondeu ao trazer o olhar para Marcela. — E só de pensar em encontrar alguém de novo, conhecer os defeitos, aprender a lidar com as manias, me dá uma enorme preguiça. Só assumiria um compromisso tão sério se tudo acontecesse naturalmente, como nos filmes, sabe? Um dia você vai à livraria e esbarra com o amor de sua vida. — Riu. — Se eu tiver que procurar por alguém... Nada feito.

— Tudo seria tão mais simples se fosse como nos filmes, né? — Comentou Marcela. — Mas concordo com você, eu também não procuro por ninguém. Gosto de sair, me divertir, e no dia que tiver de acontecer, acontecerá. E se nunca acontecer, é porque a vida me quis assim. Consigo seguir bem sem um amor, mas já não digo o mesmo sobre um lance físico, compreende? Porra, eu preciso muito estar com alguém.

A morena deu uma risada do comentário que a amiga fizera, pois sabia exatamente ao que ela se referia.

— É totalmente compreensivo, você não está morta. Eu também preciso, embora seja um pouco complicado me entregar sem paixão.

— Oh meu Deus, você é tão fofa. Se eu gostasse de mulher, você seria meu par ideal.

— Ah não, Marcela. Fofa é a última coisa que sou — respondeu com um revirar de olhos. — Mas estou começando a desconfiar que existe um lado seu que é completamente balançado por mim — brincou.

— Droga, me descobriu! — Riram juntas.

Há dias os pensamentos de Valentina estavam voltados à Luiza e o livro. Ela queria e precisava compartilhar aquilo com alguém. Uma grande inquietude fazia morada em seu interior, foi quando resolveu tentar colocá-la para fora.

— Já aconteceu algo muito estranho na sua vida?

— Como assim, estranho?

— Estranho, muito estranho, quase sobrenatural.

— Não que me lembre. Já tive, sim, uns sonhos bem estranhos, mas nada além disso. Por quê? — Perguntou curiosa enquanto a olhava.

— Por nada... — respondeu sem jeito, perdendo por completo a coragem. Afinal, quem acreditaria naquela história?

Algumas horas mais tarde, ainda naquele dia, quando Marcela despediu-se dos dois, Valentina deu banho em Léo e se direcionou junto a ele para a sala. O menino sentou-se no tapete infantil que sua mãe havia depositado no chão e espalhou seus brinquedos por todo ele. A mais velha, por sua vez, se acomodou no sofá e abriu o livro para conversar com Luiza.

14:47pm

V: Boa tarde. Desculpe a demora em respondê-la, hoje tive um dia cheio e recebi uma visita. Não acredito que se lembrou de mim e comprou uma muda de palmeira rafis! Estou encantada! Todas essas exclamações descrevem a minha empolgação!!!!!!!!!! Meu filho está ótimo, estou com ele na sala. Hoje Léo tomou banho de piscina no jardim. E Juna, como está? Sugestão de nome? Hum... Deixe-me pensar... Gosto de Aurora e Julieta, que tal? Hoje estive pensando muito em você em meio às tarefas. Queria tanto poder ver o rosto e ouvir a voz da pessoa que tem sido minha melhor companhia depois do meu filho...

Em sua casa, Luiza terminou de regar o jardim e sentou-se no banco de madeira com uma garrafa de cerveja em uma mão e o livro na outra. Era uma tarde quente, usava apenas uma regata cinza de algodão e shorts. Entre um gole de cerveja e outro, redigia sua resposta para a mais velha.

15:04pm

L: Boa tarde, Valentina! Estou sorrindo de orelha a orelha com a sua mensagem. Não consigo explicar a alegria que sinto cada vez que abro esse livro e leio as suas palavras. Pois é, comprei! Gostei muito de ‘Julieta’, vou batizá-la assim! Agradeço a sugestão. Juna está muito bem, arteira como sempre. Fico feliz que seu filho também esteja. Você tem certeza do que está falando? Não acho que seja muito prazeroso me ver e ouvir a voz, pode acabar se assustando com a aparência fantasmagórica. Já mencionei que sou branca como uma vela? Talvez eu realmente seja um fantasma, se eu fosse você tomaria cuidado! Mas agora vou falar sério; eu também adoraria ver o seu rosto e ouvir a sua voz. Projeto você todos os dias na minha mente. Onde você mora? Quer dizer, não o seu endereço em si, mas qual é a sua cidade? Acho que poderíamos tentar ir ao mesmo lugar para nos encontrarmos...

— Mamãe, do que está rindo? — Perguntou Léo ao notar que sua mãe carregava um sorriso nos lábios e soltava uma risada baixa enquanto olhava para o livro.

Ao notar que o filho se dirigia a ela, Valentina desviou a atenção das páginas e direcionou o olhar à criança.

— Nada demais, meu amor, apenas li uma passagem engraçada na história. O que você está desenhando?

— Um castelo para os meus dinossauros! — Disse com empolgação.

— Oh! Lembre-se de desenhar uma floresta ao fundo para que eles possam passear, ok?

— Claro mamãe, o castelo é apenas para eles dormirem à noite.

Valentina sorriu à resposta do filho, meneou positivamente com a cabeça e retornou para o livro.

15:19pm

V: Para a sua sorte, ou talvez a minha, não acredito em fantasmas. Eu moro em San Lumiar. Não acho que a sua ideia daria certo, afinal, telefonemas e emails não funcionaram, mas podemos tentar. Já contou a alguém sobre o que está acontecendo?

15:25pm

L: San Lumiar? A cidade dos arranha céus? Se for... Não acredito que moramos no mesmo lugar! Agora é minha vez de te mostrar a empolgação com essas exclamações!!!!!!!!!! Há grandes chances de não funcionar, pois estamos em anos diferentes, mas existe a possibilidade do sim e eu gostaria de tentar se não houver problema pra você. Ainda não contei a ninguém sobre isso, mas gostaria de poder compartilhar se não soubesse que irão dizer que estou louca. É um pouco ruim carregar isso sozinha...

15:33pm

V: Exatamente nessa cidade. Agora quem não acredita sou eu! É coincidência demais, Luiza. Há um arranha céu de quarenta e dois andares no centro da cidade. É o único arranha céu com a fachada completamente espelhada de toda San Lumiar. A construtora onde trabalho foi a encarregada daquela obra maravilhosa e eu orgulhosamente fiz parte do projeto. Infelizmente em 1999 ele ainda não existia, sua inauguração é recente, foi no final do ano passado. Se você for até o endereço, verá apenas o antigo shopping. E por falar na construtora, amanhã é meu aniversário de seis anos na empresa. Aceitaria seu frapuccino como parabenização. Quanto ao nosso encontro, Luiza, podemos analisar a situação com calma e tentar fazer dar certo.

Valentina redigiu a mensagem, fechou o livro e se uniu às brincadeiras de Léo. Os dois compartilharam agradáveis momentos entre mãe e filho até que a arquiteta decidiu tomar um banho e se dirigir ao cômodo que havia em frente ao seu quarto. Os pensamentos na outra mulher estavam frequentes, trazendo uma enorme inquietação para seu peito.

No cômodo em questão havia um piano antigo que a morena herdara do avô materno. Todo domingo gostava de desfrutar pelo menos uma hora de seu dia o tocando. Final da tarde e período da noite eram seus momentos favoritos para fazê-lo.

Valentina sentou-se em frente ao instrumento e manteve-se pensativa. Seu olhar estava fixo em um ponto qualquer enquanto a mão direita percorria a gargantilha em seu pescoço. Os movimentos delicados iam de um lado a outro, intercalando entre acariciar a corrente e os pingentes de lua e sol.

Alguns instantes depois o som das teclas do piano preencheu todo o segundo andar da casa. Da sala, Léo também conseguia escutar sua mãe tocando. As melodias que a arquiteta reproduzia sempre traziam a ela memórias de seu avô e de sua nostálgica infância.

Já passava das sete horas da noite quando encerrou com o piano e se direcionou para a cozinha. Antes de servir o jantar a Léo e a si mesma, leu a última mensagem deixada por Luiza há algumas horas:

15:44pm

L: Você está me dizendo que aquele shopping irá virar um arranha céu espelhado? Não sei se consigo permanecer sã por muito tempo com essas suas informações sobre o futuro. Saiba que ainda não superei o ocorrido com o Oscar! Algo me diz que você já está se apaixonando pelo meu frapuccino sem ao menos ter provado...

*****

Deitada no sofá de sua sala e com olhos quase fechando, um pequeno sorriso rapidamente fixou-se no canto dos lábios da morena quando recebeu a resposta de Valentina. Era sempre assim cada vez que trocavam mensagens.

22:00pm

V: Desculpe a demora, me ocupei por aqui e apenas nesse momento deitei para descansar. Acho que você está se achando muito, viu. Estou no máximo curiosa a respeito do seu frapuccino.

22:12pm

L: Começa na curiosidade... Mas, quando menos perceber, estará apaixonada.

22:16pm

V: Você está equivocada, a única coisa capaz de fazer eu me apaixonar é a minha cama. E por falar nela, está me convidando a dormir.

L: Que coração de pedra! Meu frapuccino e eu pedimos licença.

V: Licença para...?

L: Licença para nos retirarmos e deixar você dormir.

V: Pensei que fosse licença para entrar.

Luiza leu e releu aquela última mensagem e foi incapaz de conseguir formular uma resposta. Sem saber o que dizer, apenas desejou boa noite e adormeceu logo em seguida.

No dia posterior, após deixar Léo na escola e se dirigir para o trabalho, Valentina foi abordada na saída do elevador por Augusto, que a esperava com uma caixa de chocolate a parabenizando por mais um ano na empresa.

— Você é a única pessoa que decorou até a data que comecei a trabalhar aqui — disse ela enquanto caminhava sobre seus saltos, na companhia do homem, para dentro do escritório.

— Uma data como essa é inesquecível, aquele dia foi memorável. Como é possível apagar da memória o dia em que se conhece a mulher mais bonita que já pisou nesse lugar?

— Oh céus, Augusto — revirou os olhos. — Menos, por favor. — Riu. —Obrigada pelo chocolate, acertou em cheio. — Sorriu. Valentina tentava manter a séria postura, mas era quase impossível quando se tratava dos exageros de Augusto. — Agora vamos trabalhar! — Disse ao sentar-se em sua cadeira executiva giratória. De seu lugar, o homem apenas a observava enquanto a ouvia falar.

Quando o horário do almoço finalmente chegara, conseguiu um momento rápido para conferir o livro. Ao abri-lo na página combinada, deparou-se com um desenho a lápis acompanhado da seguinte mensagem:

L: Parabéns por mais um ano de empresa. Tenho absoluta certeza de que é um prazer ter você como companheira de trabalho. Espero que não se assuste com o desenho, fiz um autorretrato que conseguiu sair pior que a original. Bom dia!

Valentina expressou um largo sorriso com o pequeno e ao mesmo tempo grandioso gesto de Luiza. A morena havia desenhado a si mesma para que a mais velha pudesse projetá-la um pouco melhor em seus pensamentos. Para a satisfação da arquiteta, Campos desenhava muito bem e fez um desenho de meio corpo bastante fiel a si mesma.

De maneira completamente espontânea, a mais velha suspirou fundo e observou aqueles traços por longos minutos. Seus lábios vermelhos automaticamente curvaram-se em um sorriso que carregava alegria.

Ao mesmo tempo em que olhava para o desenho, sua mente divagou e começou a gerar várias interrogações. Quem era a moça daqueles traços? Por que o livro as conectava? Quais elos possuíam? Por que estranhamente estavam separadas por três anos? Por que elas? Por quê?

Valentina sabia que precisaria montar as peças do quebra cabeça se quisesse decifrar e responder todas aquelas questões.

12:09pm

V: Que surpresa agradável, você foi genial! Adorei a forma que encontrou de se mostrar pra mim. Infelizmente não sou boa desenhando pessoas, então não terei como retribuir. O mais engraçado disso tudo é que eu já imaginava você de uma maneira semelhante a esse desenho, como se eu tivesse alguma lembrança sua no fundo da memória... Obrigada por me parabenizar, adorei o gesto. Estive pensando em você outra vez, não sei o que tem acontecido, é quase impossível não estar com os pensamentos presos nas páginas desse livro.

12:24pm

L: Eu estava à toa na minha sala quando tive essa ideia. Você deve me achar ridiculamente boba, pode admitir. Como assim já possuía uma noção de mim bastante semelhante à realidade? Tem dias em que reflito sobre o que está acontecendo, na tentativa de encontrar o ponto de partida que nos trouxe até aqui. Como tudo isso é possível, Valentina? Acho que encontraremos um pouco de respostas quando nos encontrarmos. O mais estranhamente curioso disso tudo é que não me sinto assustada, ocorreu apenas no primeiro instante. Eu deveria ter ateado fogo nesse livro e desaparecido com as cinzas desde o primeiro dia, mas não. Sinto um conforto inexplicável quando conversamos. Me sinto confusa, sim, mas ao mesmo tempo as sensações e emoções que tudo isso está me proporcionando fogem ao que eu realmente deveria sentir. Ontem folheei o livro e vi que os espaços em branco que ainda temos em algumas páginas são poucos, então quando chegar ao final, nós teremos de voltar ao início.

A morena soltou um suspiro de preocupação, fechou o livro e desceu para a livraria. Vitória faria uma pausa para o almoço e ela precisaria render o horário da moça no caixa, junto à Eduarda.

— E o seu admirador secreto, nada? — Perguntou Luiza, curiosa.

— Estamos evoluindo nas conversas, ele parece ser uma pessoa muito legal e interessante, confesso que estou muuuuito intrigada!

— E quando vão se encontrar?

— Ainda não temos uma data, mas combinamos que deve acontecer até o mês que vem, no máximo!

— No seu lugar eu já teria roído todas as minhas unhas, tamanha a ansiedade.

— E você acha que já não fiz isso? — Comentou ao mostrar as mãos para a morena, a fazendo rir. — Estou muito empolgada. Não é todo dia que um admirador secreto manda nos entregarem flores. Também não é todo dia que encontramos alguém com um papo tão agradável, que faz tudo fluir naturalmente. Passamos o dia inteiro trocando sms e nunca se torna cansativo.

Enquanto Eduarda falava, as expressões da chefe entregavam que ela estava com seus pensamentos voando por aí.

— Luiza? Está prestando atenção no que estou falando?

— Oi, oi, estou sim — respondeu um pouco confusa. — Só estava pensando sobre algumas coisas...

— Quais coisas? Você anda tão estranha ultimamente, parece que vive tensa e ao mesmo tempo com a cabeça nas nuvens. Está acontecendo algo? — Eduarda olhava para a amiga com atenção. A conhecia o suficiente para identificar quando havia alguma anormalidade em seu comportamento.

— Conheci uma pessoa, uma mulher — soltou, de maneira repentina.

— Conheceu uma pessoa? Luiza Campos conheceu uma pessoa? Não estou podendo acreditar! Conta essa história agora!

— Atende aquele cliente primeiro e depois eu conto — comentou ao apontar para frente com o olhar.

— Bom dia! — Disse Eduarda, educadamente, ao rapaz que aproximou-se de seu caixa portando três livros em mão. A funcionária fez o atendimento o mais rápido que pôde para que pudessem prosseguir com a conversa.

— Anda, Luiza. Conta logo que pessoa é essa que você conheceu!

— Desculpa te decepcionar, Eduarda, mas não é nada do que você está pensando. Não temos uma relação amorosa, somos apenas... Amigas? Nem sei se posso denominar assim.

— Já era de se esperar que se tratando de você não seria nada de cunho amoroso.

— Já vai começar, Eduarda? Se eu soubesse, não teria te contado nada.

— Não, calma. Só quis dizer que eu nem sei por que ainda me animei achando que estivesse tendo um caso com alguém. Você está sempre sozinha, nunca se interessa por ninguém — explicou. — Mas me conta, não teria uma chance dessa amizade evoluir?

— Oh não, não mesmo, definitivamente não. Primeiro porque ela é hétero, segundo porque... porque está muito longe de mim. É uma mulher inalcançável.

— Como sabe que ela é hétero? Já perguntou? E outra, distância não quer dizer muita coisa. As distâncias podem ser encurtadas.

— Não perguntei, mas tenho praticamente certeza que é, já foi casada com um homem e tem filho.

— E daí? Alô, Luiza Campos? Desde quando isso indica heterossexualidade? Ela pode ser bissexual.

— Não, ela não é, e mesmo que fosse... Nunca poderia tê-la.

— Posso saber por quê? Você é linda, inteligente e divertida. Um pouco desastrada, confesso. Quer dizer, bastaaante desastrada, mas é um ser humano maravilhoso e iluminado demais.

— Obrigada pela parte que me toca comentou com seriedade ao olhá-la pelo canto dos olhos. Como já expliquei, é inalcançável e eu não atreveria me apaixonar por ela. Estou sozinha faz tanto tempo, não será agora que vou fazer isso ao meu coração.

— Que pena. É a primeira vez em muitos anos que você vem até mim pra dizer que conheceu alguém, então pensei que... Ah, deixa pra lá.

— Eu nem sei por que contei sobre isso a você. Ela não é ninguém, ninguém especial.

Eduarda olhava atentamente para a morena e não conseguia se convencer de suas palavras. O semblante triste de Luiza indicava que aquela mulher talvez significasse um pouco mais do que ela própria imaginava.

*****

No final da noite daquele mesmo dia, Valentina concluiu um projeto em seu notebook e finalmente pôde deitar-se um pouco. Com os cabelos soltos e de camisola branca, incorporou-se confortavelmente aos lençóis de sua cama. O abajur da mesa de cabeceira proporcionava uma iluminação ideal para sua leitura. O que antes seria um livro sobre investigação criminal, agora se tornara apenas uma ferramenta de comunicação. Ela nem Luiza possuíam quaisquer interesses em ler algo naquelas páginas que não fosse uma à outra.

A arquiteta não sabia o que deveria pensar ou sentir a respeito do que estava acontecendo. No entanto, sua mente começou a entrar em uma relevante dualidade. Uma parte ansiava por saber qual era o mistério de tempo que as arrebatava, enquanto a outra tentava entender por que Luiza piscava em seus pensamentos durante todo o dia. Após o desenho, a imagem da morena quase tomou vida em sua mente. Era como se alguma parte do seu cérebro reconhecesse aqueles traços de algum lugar.

00:02am

V: Boa noite, Luiza. Novamente peço desculpas pela demora no retorno da sua mensagem. Me dividir entre a empresa, os clientes particulares e meu filho exige muito de mim e do meu tempo. Já havia lido sua mensagem, apenas não havia encontrado tempo para respondê-la com a atenção devida. Não te acho "ridiculamente boba" como mencionou. Meu olhar sobre você me faz enxergá-la engraçada e atenciosa. Também não sei o que está acontecendo. Às vezes pode soar como se eu estivesse agindo como se tudo estivesse normal, mas não está. Meus pensamentos estão me consumindo e a impotência dos meus atos, também. O que está acontecendo entre mim e você foge ao meu controle de todas as formas possíveis, e isso me mata. Minha sorte é que nossas conversas fazem com que esses pensamentos voem para longe por breves momentos. Sua companhia, ainda que não física, me proporciona um bem estar indescritível. Eu tenho sentido algo que não consigo decifrar. É como se houvesse alguma coisa dentro de mim, bem no fundo, me cutucando, dizendo que está ali e pedindo para que eu a ouça. Acho que me encontrar com você seria a escolha ideal.

00:20 am

L: Essa "coisa" dentro de você seria como uma voz? Se assemelha a um eco que ressoa dentro de você, mas o som ainda está ao longe e difícil de ser identificado? Porque se for... É exatamente assim que me sinto.

00:26am

V: É muito próximo disso, é como um eco inalcançável... Mas vou deixar esse assunto de lado, pois não vale a pena.

00:31am

L: Ok. Vamos combinar o nosso encontro? Se depender de mim, pode ser no próximo sábado após o fechamento da livraria. Me adiantei e pensei naquele shopping que fica localizado no centro. Mas, tendo em vista que ele só existe na minha realidade, deixei pra lá. No entanto, próximo a ele existe um lindo parque ecológico com muitas flores e um lago pequeno. Tem muitos bancos distribuídos por lá, caso precisemos sentar. Ele está sempre movimentado, então não precisa temer que eu a sequestre! Gostaria de ir?

V: Oh céus, você tem uma capacidade incrível de me fazer rir. Se me sequestrar, terá que lidar com as forças armadas atrás de você, pois minha mãe surtaria! Conheço esse parque, sim, ele ainda existe em 2002, não mudou praticamente nada. Não acho que irá funcionar, pois você estará nele em 1999, mas nada nos impede de tentar. Vou pedir para minha irmã ou amiga de trabalho ficar com Léo por algumas horas. Talvez estarmos no mesmo lugar e no mesmo horário nos traga alguma resposta.

L: A pergunta que não quer calar: você vai estar no seu salto agulha de onze centímetros?

V: Não será dessa vez que darei a você esse prazer visual.

L: Oh droga, achei que fosse vê-la vestida a caráter. Pensei até em levar um paninho pra limpar minha baba.

V: Como você é palhaça.

L: Às vezes. Então está tudo certo para sábado? Posso esperar por você?

V: Sim. Estarei lá.

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