LENNA
1 mês depois.
Em todas esses dias e semanas, pensei que a única pessoa que tentaria de todos os jeitos possíveis se aproximar de Alice, seria a minha mãe. Mas não.
Eu errei nessa questão.
Minha mãe nem sequer tocou no assunto. Eu não sei como ela estava conseguido lidar tão bem. Pensei que o momento a devastaria. Porém, ela estava lidando com tudo da melhor maneira possível.
Lidando bem até demais. Nos meus pensamentos, ela gritaria até morrer, depois se jogaria no chão, gritando mais, contando a todos do castelo que Alice era a sua filha.
Uma visão dramática e subestimada minha.
Cogitei que ela fosse tentar uma aproximação no mesmo dia, que uma briga do tamanho do mundo iria começar, e todos do castelo saberiam a verdade. Entretanto, quando me dei conta, quem estava tentando forçar uma aproximação, era eu.
Todo esse tempo que passei no castelo, nunca tive muito contato com Alice. Nunca tivemos uma troca de conversa extensa onde tivemos assunto sobre nossas vidas. Nunca contamos algo significante uma pra outra.
Eu só sabia que ela estava ali, em algum canto daquele castelo, mas também não ficava pensando na sua existência. Mas alguma coisa depois que eu fiquei sabendo que ela era a minha irmã, não me deixou em paz.
Essa coisa ficava a todo momento falando alto dentro do meu peito.
Eu queria saber mais sobre ela.
Queria saber como foi o seu crescimento aqui dentro; quais são os seus sonhos e planejamentos pro futuro; qual é a sua cor preferida; qual é a sua comida predileta; para qual lado ela gosta de dormir ( para a direita, ou para a esquerda?); qual foi o primeiro dente que ela perdeu?
E para a minha infelicidade ela não carregava as mesmas curiosidades.
Além disso, queria a todo custo manter distância.
Natan não notou as mínimas aproximações que tentei fazer, porque foram sutis demais. Comecei indo tomar café da manhã no mesmo horário em que Alice costumava ir todos os dias. Descobri o horário perguntando para Jez, aproveitando para perguntar mais coisas, e na maioria das vezes, ela não sabia me responder.
E era compreensível, pois seu trabalho não se resumia a ficar de olho em uma pessoa daquele castelo.
Jez, por exemplo, não saberia qual era a comida preferida de Alice.
Só que, conforme os dias foram passando, e Alice percebeu a minha mudança de comportamento, por mais que ficássemos quietas na mesa, sem dizer nada, apenas olhando para a comida, colocando-a na boca, olhando para o ambiente, e quando nossos olhos se cruzavam em fração de segundos, e desviavamos, ela passou a se afastar. Em todos os outros dias que desci para tomar café no horário que ela costumava ir, não a encontrei na mesa.
Alice passou a tomar o café da manhã no quarto.
Tudo para não me encontrar.
Resumindo: não consegui trocar uma frase com ela.
Eu parei de insistir em descer naquele horário exato quando percebi que a minha atitude não daria em nada. Mas essa não foi a última vez que eu tentei me aproximar. Depois da minha tentativa falha de encontrá-la na mesa do café da manhã para puxar assunto, soube mais uma vez por meio da boca de Jez, após entupi-la com perguntas, que Alice passava a maior parte da sua tarde no estábulo onde ficavam os cavalos, ou, fora do castelo, passeando com um deles, e que as vezes, podia passar quase o dia inteiro fazendo isso.
Ela amava ficar sozinha.
Isso era um traço da sua personalidade que eu já havia notado. Talvez, até mesmo por haver notado isso, antes de saber a verdade, ela não foi uma pessoa que me gerou interesse o suficiente para que eu quisesse algum tipo de aproximação.
Tinha medo dela me achar invasiva demais, ou que eu acabasse invadindo, sem querer, algum momento que ela pudesse considerar particular. Por conta de todas essas questão, que nunca foram um pensamento fixo meu, sempre passando despercebido, mas, querendo ou não eu acabava pensando, me mantive distante.
E eu queria estar próxima dela.
Éramos irmãs.
Compartilhavamos do mesmo sangue.
Mesmo que ela quisesse distância, e eu pudesse entender o motivo, continuava desejando estar mais próxima.
Passei a ir no estábulo todas as tardes, a encontrando lá todas as vezes até que a mesma mudasse de ideia e não quisesse mais passar seu tempo ao lado dos cavalos, ou melhor dizendo: de mim.
Alice mudou até mesmo as coisas que ela amava fazer pela parte da tarde para não me encontrar mais.
E eu não tinha coragem para questioná-la. Também tenho que admitir que uma parte do meu ego falava alto.
" Se ela não está fazendo o mínimo esforço para te querer por perto tanto quanto você quer, pra que continua insistindo? Isso vai beirar a humilhação....".
Eu percebi que estava sendo inconveniente demais quando deixei de vê-la no estábulo. Ela sumiu. Não ia mais em nenhum período do dia, nem nos horários em que era óbvio que eu não estaria lá, pelo que Jez me contou.
Alice se trancou dentro do quarto e passou a viver lá. De vez em quando, saia de manhã e voltava tarde da noite, e sempre, caminhando a pé para não precisar entrar no local onde os cavalos ficavam.
Saia do castelo e passava o dia todo fora para se manter ocupada de outra forma. Eu estava frequentando seus lugares favoritos do castelo, se fazia necessário, no ponto de vista dela, não estar mais lá, assim eu cairia em si de todas as coisas que ela estava querendo me dizer sem usar a boca.
Alice não me queria por perto, deixando isso estampado do tamanho do universo com suas atitudes sutis, mas que me fizeram enxergar seu desconforto.
Alice podia carregar uma certa desconfiança quanto a mim por pensar que eu poderia soltar que ela não tinha o sangue real para alguém.
Eu nunca tomaria uma atitude assim, ainda mais porque não me acrescentaria em nada. Não me traria beneficio nenhum.
Mas, desconfiança e pensamentos são algo que não controlamos.
Ela não me conhecia o suficiente para ter a certeza absoluta de que eu era uma boa pessoa em guardar segredos, mas também, não dava abertura nenhuma para que pudéssemos nos conhecer.
Então, cheguei a conclusão de que ela desejava que tudo permanecesse do mesmo jeito que estava antes; ambas sendo completamente estranhas, que por acaso do destino viviam no mesmo ambiente.
Era essa a forma dela de lidar com as coisas.
Eu teria que engolir a minha vontade de se aproximar, pelo meu próprio bem, para que esse desejo não começasse a atrapalhar outras áreas da minha vida.
Se eu continuasse insistindo nisso, já imaginava que sairia ferida.
A rejeição dela não seria a pior coisa do mundo, porém, se eu fosse além, poderia virar. Não era possível saber o que ela pensava e até onde poderia ir para manter tudo como estava antes, e também, para se manter intacta nessa história, sem interagir com exatamente ninguém, sem correr o risco de saber mais sobre seu passado.
Porém, para o meu grande azar, a festa de aniversário dela estava chegando. Pode parecer um evento inofensivo e comum.
Mas, pra mim, não era.
Natan comunicou os funcionários do castelo, e a nós também, informando sobre a festa que ele daria a Alice — assim como ele fazia em todos os anos.
A minha mãe e Arthur não estariam no evento, pois no mesmo dia, marquei um compromisso para ambos, onde eles conversariam com um dos responsáveis pela reforma que eu estava planejando fazer na nossa antiga casa.
A data para qual eu deixei essa conversa marcada, foi proposital.
Natan veio conversar comigo, pedindo uma ajuda para o que ele poderia fazer para realizar a festa da sua irmã sem ter uma parte da minha família presente, porque a mesma havia pedido para que ninguém estivesse lá. Sim, ela disse isso para ele, com todas as letras.
O que foi mais um sinal para mim de que ela não queria manter aproximação nenhuma.
Posso dizer que até estranhei a atitude dela, porque jamais imaginaria que Alice agiria assim.
Para mim, ela ficaria surpresa e triste com a notícia, mas não chegaria a fazer nada sobre isso. Também me peguei pensando se a minhas duas tentativas de me aproximar dela a deixaram com raiva, decidindo agir desse modo com a minha mãe e o meu irmão.
De toda forma, resolvi respeitar a sua vontade e achar uma solução junto com o Natan.
Assim chegamos ao consenso de que seria melhor se a minha mãe e o Arthur nem estivessem no castelo no dia da festa — pra evitarmos conflitos.
Natan, no fim da nossa conversa, deixou claro que abriria uma excessao para que eu pudesse participar, o que de inicio me deixou temerosa, porque ele falou aquilo não sabendo das reações que Alice teve ao sentir a minha aproximação, mas eu sabia.
E sabia muito bem.
Eu não podia contar para ele o que havia acontecido, porque, com toda certeza, ele acharia uma atitude burra.
E foi mesmo.
De jeito nenhum eu poderia contar.
Então, eu resolvi comparecer a festa, e posso dizer que essa decisão foi ainda mais burra do que não contar o que eu havia feito para o Natan.
Eu devia ter seguido a minha intuição e ficado trancada no meu quarto, batendo papo com as vozes da minha cabeça ou pensando em mais detalhes do treinamento que Sheila estava colocando em ação com as meninas selecionadas no sorteio que ela fez.
E a minha humilhação ocorreu da seguinte forma, no começo da festa de aniversário:
— Alice, Lenna trouxe um presente para você! — Natan falou, chegando perto da irmã que estava recebendo os convidados naquele momento.
Tínhamos acabado de descer as escadas. Andamos até a porta de entrada do castelo.
No momento em que ela se virou para nós assim que escutou a voz do irmão dizendo o meu nome, eu não poderia encontrar reação pior.
A rosto dela esboçava uma expressão que eu nunca tinha visto. Ela mudou da água pro vinho assim que seus olhos se encontraram com os meus.
Era um desprezo misturado com desgosto.
Minha vontade era dar meia volta e subir as escadas novamente.
Porém, era tarde demais.
Teria que arcar com as consequências das minhas escolhas.
O presente em questão foi algo escolhido as pressas, mas com muito carinho. Peguei um dos vestidos que eu ainda não havia usado, considerado por mim, um dos mais bonitos do meu armário.
Tinha tanto carinho por ele, o achava tão lindo, que não tinha sequer a coragem de usá-lo para qualquer ocasião — nem as mais importantes.
E eu escolhi ele para presenteá-la, como uma forma de demonstrar importância a ela, mesmo que Alice nem ficasse sabendo que se tratava de um dos meus vestidos prediletos.
Estendi o presente, com um sorriso no rosto, esperando receber uma reação educada. Alice pegou depressa o presente das minhas mãos, depositando toda a raiva que sentia, na hora de pegar o pacote. Pensei até que fosse uma impressão minha, pois o gesto, por mais nítido que estivesse pra mim, podia ter passado sutilmente pela desatenção dos outros.
Eu encarei as pessoas e vi no rosto delas a mesma reação que o meu carregava. Virei devagar para o Natan, o vendo enrrugando a testa, quase juntando a sobrancelha, com um olhar desordenado. Com o canto do olho, tive a impressão de vê-la se mexendo. Alice não esperou mais nenhum segundo para atirar o pacote de presente na direção da lareira acesa que ficava perto dos acentos depositados ali para que os convidados sentassem.
A cena se tornou muito pior do que eu podia imaginar, em questão de segundos.
Vi a pequena chama que estava consumindo a madeira aos poucos, se tornar maior, percorrendo o pacote do presente, o envolvendo por completo até que o mesmo virasse um nada.
Minha boca se abriu de susto. A minha reação parou. Esqueci até mesmo como se piscava. A única coisa que consegui prestar atenção, que ainda funcionava muito bem, era o meu coração acelerado.
Tudo em volta ficou embaçado. Não conseguia focar no rosto de ninguém que estava ali, muito menos no rosto de Natan.
Eu esqueci de tudo.
— A festa acabou — sua voz entonou, deixando o som reverberar por todo o ambiente.
A voz alta e repentina dela me fez piscar. Acordei pra realidade.
Olhei em nossa volta, me dando conta do susto dos convidados nos olhando, e depois, olhando um para os outros.
O lugar caiu em um silêncio absoluto.
Natan paralisado ao meu lado, permaneceu perplexo e surpreso — de um jeito ruim — com a atitude da irmã. Eu imagino como a sua mente se encontrava ao ver que a irmã não só rejeitou o presente, como o ateou na fogueira, tomando uma atitude extrema.
Aquela nem parecia a Alice que um dia eu conheci; meiga e educada.
Ela tinha virado outra pessoa.
— Alice, volte já aqui e peça desculpas para a Lenna — Natan gritou, sem virar as costas para olhar a irmã subindo as escadas.
O aniversário tinha acabado antes mesmo de começar.
Nem daria para continuar com a festa depois do clima péssimo que o local permaneceu.
— Vocês, se retirem por favor — pediu, olhando diretamente para as pessoas paradas nos encarando, sem mover um músculo, só querendo ver o barraco pegando fogo.
Não demorou mais nenhum segundo para que aquele salão se encontrasse vazio.
— Chame o Cédric, e peça para que ele tranque todas as portas do castelo, e para as pessoas que forem chegar aqui, peça para que ele as avisem que não haverá mais festa — Natan se direcionou para um dos guardas que estava em seu posto, perto da porta, vigiando a entrada. Ele concordou com a cabeça, saindo de imediato para procurar pelo Cédric.
Natan se virou para mim, triste a abatido; diria que até mesmo envergonhado.
Ele não estava esperando.
Na verdade, nenhum de nós estava.
Nem mesmo eu.
Me lembrava muito bem, e de uma forma nítida, o descaso de Alice com a minha aproximação — detalhe esse que o Natan não fazia ideia. Porém, pensei que eu comparecendo na festa, a única a única coisa que ela faria, seria manter certa distância, apenas. Que aceitaria o presente por educação, e depois, o largaria em um canto do seu quarto.
E tudo acabaria nisso.
Que engano...
— Eu sinto muito por tudo, amor. Isso não irá ficar assim. Alice nunca agiu dessa forma, e você não merecia esse tipo de tratamento — ele pegou em uma das minhas mãos, depositando um beijo no local antes de partir para a direção das escadas, em busca da irmã.
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