Capítulo 2: Entre Desejo e Dever
A luz suave do amanhecer se infiltrava pelas janelas altas do castelo de Ilgareth, banhando os corredores de mármore em um brilho dourado. Aveline se encontrava em seus aposentos, sentada diante de um grande espelho de moldura dourada, observando seu reflexo. Seus olhos, normalmente tão firmes e resolutos, agora pareciam agitados, como se escondessem uma batalha interna que nem ela conseguia nomear.
A noite anterior permanecia fresca em sua memória, como um sonho que ainda não havia se dissipado. O encontro com Freya nos jardins a perturbava de uma forma que ela nunca havia experimentado antes. O toque sutil de suas palavras, a presença próxima, o olhar profundo… tudo isso a deixara em um estado de confusão, um turbilhão de emoções que não pertenciam a uma rainha prestes a se casar.
Porém, o dia estava repleto de responsabilidades. Aveline não podia permitir que seu coração, tão acostumado a ser controlado, a traísse agora. Ela sabia o que se esperava dela: uma rainha forte, estratégica, que deveria se casar com Aldric para garantir a paz entre os reinos. Aquele sentimento novo e avassalador por Freya não tinha lugar em sua vida, e quanto mais cedo ela sufocasse aquilo, melhor.
Um leve bater na porta interrompeu seus pensamentos. Uma de suas damas de companhia entrou, curvando-se com a delicadeza esperada.
— Majestade, o príncipe Aldric a aguarda no salão principal. Ele deseja acompanhá-la em uma caminhada pelos jardins antes do café da manhã.
Aveline respirou fundo e assentiu, levantando-se para seguir a dama. Aldric era tudo o que qualquer monarca poderia desejar em um consorte. Ele era gentil, educado, e claramente a respeitava. No entanto, cada vez que estava ao seu lado, Aveline sentia o vazio crescer. Algo dentro dela desejava mais, algo que ela não sabia que procurava… até encontrar Freya.
Ao entrar no salão, Aldric já a esperava. Alto e imponente, com seus cabelos castanhos curtos e postura impecável, ele sorriu ao vê-la.
— Minha querida Aveline — ele disse, aproximando-se para beijar sua mão. — Espero que tenha descansado bem. O dia será cheio, e achei que poderíamos aproveitar o ar fresco antes de começar.
Aveline sorriu de volta, forçando-se a responder com a mesma cordialidade. — Uma ótima ideia, Aldric. O jardim sempre me acalma.
Os dois saíram juntos para os jardins, caminhando lado a lado. As flores ao redor exalavam seu perfume matinal, e o som leve da brisa entre as folhas criava uma atmosfera tranquila. Aldric, sempre cortês, falou sobre os preparativos do casamento, as expectativas da corte, e sobre a importância da aliança entre Yloria e Ilgareth. Aveline o ouviu com atenção, mas seus pensamentos vagavam, inevitavelmente, para a noite anterior e para Freya.
Eles caminharam até a fonte no centro do jardim, e foi lá que Aldric se virou para Aveline, o semblante sério. Ele tomou suas mãos nas dele, suas palavras carregadas de sinceridade.
— Aveline, sei que este casamento foi arranjado por nossos conselheiros, e sei que há muita pressão sobre nós. Mas eu quero que saiba que tenho o maior respeito por você. Sei o peso que carrega como rainha, e farei o possível para ser um parceiro digno ao seu lado.
Aveline sentiu um aperto no peito. Aldric era um homem bom, e ela sabia que ele estava tentando o seu melhor. Mas por mais que ele fosse tudo o que um reino poderia desejar, ele não era Freya.
— Aldric — ela começou, sua voz suave, mas firme. — Também o respeito muito. Você é alguém com quem eu posso governar em paz, e eu entendo a importância deste casamento. Não se preocupe, faremos o que é necessário.
Suas palavras eram diplomáticas, mas Aldric parecia perceber o que se escondia nelas. Ele sorriu levemente, aceitando o que Aveline oferecia, ainda que soubesse que algo estava faltando.
Antes que pudessem continuar a conversa, o som de risos ecoou pelo jardim. Aveline virou-se, e seu coração saltou ao ver Freya caminhando despreocupadamente entre as flores, ao lado de algumas damas da corte. Seus cabelos castanhos brilhavam sob a luz do sol da manhã, e seu sorriso iluminava o ambiente. Aveline não pôde evitar sentir o calor subir pelo corpo, um misto de desejo e nervosismo.
Freya percebeu o olhar de Aveline e, por um breve momento, seus olhos se encontraram. Um sorriso sutil se formou nos lábios de Freya, quase imperceptível, mas o suficiente para fazer Aveline sentir que estava jogando com fogo.
— Freya! — Aldric chamou, acenando para a irmã. — Venha nos fazer companhia.
Freya se aproximou, sua postura relaxada contrastando com a tensão crescente dentro de Aveline. Cada passo da jovem parecia provocar uma nova onda de emoções na rainha, que tentava a todo custo manter a fachada de controle.
— Bom dia, majestade — disse Freya, curvando-se levemente diante de Aveline, mas com os olhos fixos nela, de um jeito que só as duas entendiam.
— Freya — Aveline respondeu, sua voz calma, mas o coração disparado. — Espero que tenha dormido bem.
— Melhor do que poderia imaginar — Freya respondeu com um sorriso travesso, seu tom insinuando mais do que palavras poderiam dizer.
Aldric, alheio à tensão entre as duas, começou a falar sobre o casamento e as festividades. Mas Aveline mal conseguia ouvi-lo. Cada vez que Freya sorria ou a olhava, era como se o mundo ao redor desaparecesse. A sensação de perigo crescia, mas com ela vinha também a excitação. O que antes era apenas uma faísca agora ameaçava se tornar um incêndio incontrolável.
E Aveline sabia que, uma vez que cedesse a esse sentimento, não haveria como voltar atrás.