LEON GUTTOMERSEN
A manhã estava fria, o vento do lado de fora soprava pelas árvores da mansão de Lukas, espalhando as folhas pelo jardim. Eu cheguei cedo, querendo resolver logo o que estava me incomodando. Peguei um cigarro, mas logo lembrei que tinha prometido parar. Suspirei, guardando-o de volta no bolso do casaco.
A mansão estava silenciosa quando entrei. Alguns dos funcionários já estavam acordados, cuidando das tarefas diárias, mas eu não parei para cumprimentar ninguém. Caminhei diretamente até o escritório de Lukas, onde sabia que ele estaria, sempre mergulhado no trabalho como se fosse a única coisa que o mantivesse respirando.
Abri a porta sem cerimônia, encontrando Lukas sentado atrás da mesa, concentrado em uma pilha de documentos. Ele levantou os olhos assim que ouviu o clique da porta e me viu entrar.
— Leon — disse ele, acenando com a cabeça, mas sem muito entusiasmo.
— Lukas — respondi, fechando a porta atrás de mim e cruzando a sala até ficar de frente para ele.
Eu me encostei na mesa, encarando-o. Lukas não parou o que estava fazendo, apenas continuou a mexer nos papéis, como se a minha presença fosse apenas mais uma das inúmeras interrupções do dia.
— Você não tem aparecido na empresa ultimamente — comentei, tentando soar casual, mas não pude evitar que meu tom saísse um pouco mais irritado do que eu queria.
Lukas levantou uma sobrancelha e me olhou com um pequeno sorriso irônico.
— A empresa está sob controle, Leon. Você é o CEO, lembra? Essa é sua função — respondeu ele, sem perder o tom provocativo.
Suspirei profundamente, passando a mão pelo cabelo. Ele estava certo, e eu sabia disso, mas a ausência dele me incomodava, me fazia sentir que algo estava fora do lugar. Talvez fosse a situação com Talita, ou talvez fosse o fato de que eu estava preocupado com ele e o que isso significava para nós.
— Certo. Estou lidando com isso — admiti, tentando esconder a frustração. — Mas não era sobre isso que eu queria falar.
Lukas pareceu ignorar meu comentário e voltou aos papéis, fingindo um desinteresse que eu sabia ser fingido. Mas eu estava determinado a falar, mesmo que ele não quisesse ouvir.
— O beijo com Talita — comecei, e vi Lukas parar por um momento, os dedos congelados sobre o papel. — Você sabe do que estou falando.
Ele finalmente ergueu o olhar para mim, os olhos frios, mas a tensão em sua mandíbula era inconfundível.
— Leon, isso não é sobre ciúmes. Você sabe disso. — Ele colocou a caneta na mesa, cruzando os braços. — E se for, você deve lembrar que ela também te beijou. Não estou aqui para ter ataques de ciúmes de algo que todos nós sabemos que está acontecendo.
Sua voz era dura, mas eu podia sentir o peso do que ele estava dizendo. As coisas estavam complicadas, cada vez mais confusas entre nós três. E eu sabia que não era hora de discutir quem tinha beijado quem, mas aquilo estava me corroendo por dentro.
Antes que eu pudesse responder, a porta se abriu bruscamente, interrompendo nossa conversa. Thomas e Erik entraram, ambos com expressões sérias, a tensão evidente em seus olhares.
— Precisamos falar — disse Thomas, sem nem sequer se preocupar em cumprimentar. — A máfia norueguesa está sob ataque novamente.
Meu estômago se revirou ao ouvir aquelas palavras. Mais um ataque? Isso significava que a traição interna estava ainda mais próxima de ser descoberta, e a situação estava saindo do controle.
— Quem foi dessa vez? — perguntei, enquanto Lukas se levantava da mesa, a expressão dele endurecendo.
— Parece que nossos inimigos estão mais próximos do que pensávamos — disse Erik. — Temos fortes indícios de que há alguém bem próximo trabalhando contra nós. Precisamos agir rápido, ou não haverá mais organização para proteger.
Lukas olhou para mim e depois para os primos, os olhos dele pareciam pesar com o fardo de tudo o que estava acontecendo.
— Precisamos nos concentrar em proteger a máfia, e principalmente Talita — ele disse, com a voz firme. — Com tudo o que está acontecendo, ela está em risco. E não podemos esquecer o monastério.
Ao ouvir o nome do monastério, meu peito apertou. Eu sabia o quanto aquilo pesava para todos nós, especialmente para Talita. E a realidade era que o monastério não estava apenas ligado à máfia norueguesa, mas também tinha apoio da Alemanha. Derrubar aquele lugar significaria iniciar uma guerra fria com outros aliados que poderiam virar inimigos em um piscar de olhos.
— O problema é que não somos os únicos que sustentam aquele lugar — disse Thomas, coçando a cabeça, claramente frustrado. — Se mexermos com o monastério, vamos ter que lidar com os alemães também. Eles colocam uma boa quantia de dinheiro lá, e se derrubarmos tudo, pode ser um problema bem maior do que esperamos.
— Sem contar que o bispo tem aliados poderosos, e isso não se limita à máfia — acrescentou Erik. — Se queremos derrubá-los, precisamos de um plano, e precisamos ser precisos. Qualquer erro e vamos transformar isso em um desastre internacional.
Eu senti a tensão em meu corpo aumentar. Tudo estava se acumulando. O monastério, a máfia, Talita, os ataques... e agora a traição que estava mais próxima do que nunca. Eu sabia que não podíamos nos dar ao luxo de errar. Precisávamos proteger nossa organização, nossa família e, acima de tudo, precisávamos proteger Talita.
— Vamos focar em duas coisas por enquanto — disse Lukas, quebrando o silêncio. — Proteger a máfia e garantir que Talita esteja segura. Sobre o monastério, precisaremos de tempo e planejamento. Não podemos agir por impulso, não agora.
Concordei com um aceno de cabeça, meu olhar encontrando o de Lukas. Ele estava certo, e apesar das complicações entre nós, precisávamos estar juntos nisso. Nossa prioridade era protegê-la, e isso significava deixar de lado nossas diferenças, pelo menos por enquanto.
Olhei para Thomas e Erik e depois de volta para Lukas.
— Certo. Vamos fazer isso — respondi, tentando deixar de lado todos os sentimentos que borbulhavam dentro de mim.
— Tem uma cervejinha? Estou com calor – perguntou Erik, com um sorriso abusado.
Estava pronto para mandar ele se foder, quando a porta se abriu subitamente. O que eu vi ali me deixou paralisado por um segundo. Talita estava na porta, com uma expressão firme e decidida. Eu sabia que ela tinha ouvido pelo menos uma parte do que falávamos.
— Quero ajudar — disse ela, a voz forte e sem hesitação.
Olhei para Lukas, depois para Thomas e Erik, que pareciam tão surpresos quanto eu. Ninguém sabia exatamente como reagir.
— Ajudar no quê, Talita? — questionou Thomas, claramente confuso.
Ela entrou no escritório, fechando a porta atrás de si. Seus olhos estavam frios, mas havia um fogo neles que eu nunca tinha visto antes.
— Quero derrubar o monastério e todos que estão envolvidos com o abuso das meninas — disse ela, as palavras saindo firmes.
Uma tensão tomou conta do ambiente. Eu senti meu peito apertar. Eu sabia o quanto isso a machucava, o quanto esses monstros tiraram dela, mas isso era perigoso demais.
— Talita... — comecei, mas Erik se adiantou, colocando a mão suavemente no ombro dela.
— Isso é muito perigoso, Talita. Tem presidentes, famosos, mafiosos envolvidos nisso — disse Erik, a voz dele suave, como se quisesse protegê-la apenas com palavras. — Não é algo que possamos resolver do dia para a noite, ou sem grandes consequências.
Ela afastou a mão de Erik, o olhar determinado.
— Não me importo — ela respondeu, firme. — Quero acabar com eles. Se vocês não me ajudarem, eu vou fazer isso sozinha.
Meu coração deu um salto ao ouvir isso. O que ela estava falando? Sozinha? Isso era suicídio. Eu dei um passo à frente, querendo fazê-la entender o que estava dizendo.
— Talita, você não entende o que está pedindo — disse eu, minha voz saindo mais alta do que pretendia. — Isso não é uma brincadeira. Não estamos falando de pessoas comuns, estamos falando de monstros com poder.
Antes que eu pudesse continuar, Lukas ergueu a mão, me interrompendo. Ele olhou para Talita e assentiu lentamente, como se estivesse considerando suas palavras.
— Eu concordo — disse ele, calmamente.
Todos os olhares se voltaram para Lukas. Thomas e Erik pareciam perplexos, e eu sentia a raiva crescendo dentro de mim. Lukas estava realmente considerando isso? Ele estava louco?
— Você não pode estar falando sério, Lukas — disse eu, minha voz cheia de incredulidade. — Isso é loucura.
Lukas olhou para mim, seus olhos calmos e firmes.
— Não é loucura, Leon. É a coisa certa a se fazer — ele respondeu, cruzando os braços. — Esses homens precisam pagar pelo que fizeram. E se Talita está disposta a lutar, eu vou apoiá-la.
— Isso não é sobre fazer a coisa certa! — rebati, a frustração borbulhando. — É sobre mantê-la segura. Nós não sabemos o que estamos enfrentando. Se errarmos, se dermos um único passo em falso, ela vai pagar o preço.
Talita se aproximou, ficando entre mim e Lukas, seus olhos me encarando com firmeza.
— Leon, eu sei que você está preocupado comigo, e eu agradeço. Mas não posso ficar de braços cruzados sabendo o que eles fizeram, não só comigo, mas com tantas outras meninas. Eu não vou descansar até acabar com esse lugar — ela disse, a voz tremendo com a intensidade de suas palavras.
Eu queria gritar, queria fazê-la entender que o mundo não era tão simples assim. Não bastava querer justiça, não quando estávamos lidando com pessoas que tinham poder para destruir tudo o que amávamos. Mas ao olhar nos olhos dela, vi a dor e a raiva que a impulsionavam, e sabia que não adiantaria tentar convencê-la.
Lukas deu um passo à frente, colocando a mão no ombro de Talita.
— Nós vamos fazer isso do nosso jeito, com cautela e estratégia — disse ele. — Mas vamos fazer. Eu prometo.
Talita assentiu, e naquele momento eu percebi que não havia volta. Eu estava no meio disso, quer quisesse ou não. Se Lukas estava disposto a lutar, e se Talita estava determinada a enfrentar tudo isso, eu não podia simplesmente ficar de fora. Eu precisava protegê-los, ambos.
Respirei fundo, tentando acalmar a tempestade dentro de mim.
— Então vamos fazer isso juntos — disse eu, finalmente. — Mas, Lukas, você sabe que precisamos de um plano. Não podemos nos precipitar. Precisamos descobrir quem está envolvido, onde atacar e como fazer isso sem colocar todos em perigo.
— Concordo — Lukas respondeu. — E por isso vamos começar devagar. Precisamos de informações, precisamos saber exatamente com quem estamos lidando. E quando tivermos tudo, vamos agir.
Thomas e Erik se entreolharam, ainda parecendo incertos, mas finalmente assentiram.
— Vamos precisar de todos os aliados que conseguirmos — disse Thomas. — E precisamos ter cuidado para que isso não chegue aos alemães antes do tempo.
Lukas assentiu, virando-se para mim e depois para Talita.
— Nós vamos fazer isso — ele disse, olhando nos olhos dela. — E vamos fazer isso juntos.
Eu sabia que não ia ser fácil. Cada passo que desse a partir dali precisaria ser meticuloso, pensado. Não havia espaço para erros. E embora o medo estivesse ali, constante, uma parte de mim também estava aliviada. Porque pelo menos agora, sabíamos o que fazer.
E, acima de tudo, eu não a deixaria sozinha.