Notas da Autora:
Olá pessoal! Me desculpem pela demora, tive alguns problemas para resolver e demorou mais do que eu imaginava. Enfim, boa leitura!
Wednesday Addams - Point of View
Eu caminhei em direção ao fim do corredor com passos firmes, sentindo a tensão ainda vibrando no ar atrás de mim. As palavras da loba ecoavam em minha mente, mas o peso delas não me afetava. Eu podia sentir seu olhar queimando minhas costas, cheio de uma raiva que nem ela parecia entender. Ela estava perdida em algo maior do que essa conversa ridícula sobre Thorpe, e a verdade era evidente, mas parece que ela ainda não estava pronta para aceitá-la.
O desconforto que ela tentava esconder cada vez que eu a pressionava me era... intrigante. Sua irritação crescente, suas respostas carregadas de uma frustração velada, tudo apontava para algo mais profundo, mas ela insistia em negar. Eu não podia evitar um leve levantar de sobrancelha, me perguntando até onde essa farsa duraria. Ela sabia que eu via além da superfície, mas mesmo assim, continuava tentando esconder.
Cheguei ao meu dormitório, sentindo o ar frio e parado ao meu redor. Ao entrar, o silêncio era quase reconfortante, um contraste bem-vindo com a confusão que deixei para trás. Não que o silêncio durasse muito, claro. Eu sabia que logo, ela chegaria, ainda com a raiva ressoando por baixo da fachada de normalidade que ela sempre tentava manter. Deixei minha mochila no chão ao lado da cama e me aproximei da minha máquina de escrever. O som metálico das teclas era a única coisa que fazia sentido para mim naquele momento. Era uma maneira de ordenar os pensamentos, de dar um ritmo à minha mente. No entanto, enquanto meus dedos pairavam sobre as teclas, algo me impediu de continuar.
A imagem dela, o olhar furioso, o tom desafiador - tudo isso dançava na minha mente como um quebra-cabeça incompleto. Eu não entendia por que isso me afetava. Não deveria. Nada dela deveria me perturbar, mas, de alguma forma, ela conseguia invadir meu foco, desviar meu pensamento. As batidas na porta vieram, como eu esperava. Cada passo dela ecoava com um misto de hesitação e determinação. Finalmente, a porta se abriu, e ela entrou, tentando parecer calma, mas o incômodo era visível em sua postura tensa. Ela não disse nada no início, apenas caminhou até sua cama, atirando a mochila de qualquer jeito no chão antes de se deitar. Eu podia sentir o peso do que ela queria dizer pairando no ar. Algo a estava corroendo, e eu sabia exatamente o que era. Então, quando ela finalmente falou, sua voz era mais baixa, mas o desconforto estava lá, em cada sílaba.
── Por que você odeia tanto o Ajax? ── a pergunta me pegou desprevenida, embora eu já esperasse que ela fosse trazê-lo à tona de algum jeito. Suspirei, me virando lentamente para encará-la.
── Eu não odeio Petropolus ── respondi, sem alterar o tom, mantendo a mesma neutralidade de sempre ── Ele simplesmente não me interessa ── ela franziu o cenho, claramente não satisfeita com minha resposta.
── Mas você o trata com desprezo ── insistiu ── Toda vez que ele chega perto de mim, você age como se ele fosse... insignificante ── eu segurei o olhar dela por alguns segundos, considerando o que dizer. Havia algo mais acontecendo ali, e ambas sabíamos disso. Era evidente no jeito que ela se mexia, inquieta, como se estivesse tentando se convencer de que aquilo que estava dizendo fazia sentido.
── Talvez ── comecei lentamente, escolhendo minhas palavras com cuidado ── Eu só esteja espelhando o que você sente ── sua expressão endureceu, e por um breve momento, vi algo passar por seus olhos, uma faísca de reconhecimento, como se minhas palavras tivessem atingido uma verdade que ela estava tentando ignorar. Ela desviou o olhar, sua mandíbula apertando levemente enquanto suas mãos se moviam nervosamente.
O silêncio se instalou entre nós de novo, pesado e cheio de perguntas não respondidas. Ela estava fugindo da verdade, isso era claro para mim. Mas, por quanto tempo ela continuaria correndo? E por que isso, de alguma forma, me importava?
── E você não parece gostar da presença de Thorpe ── minhas palavras saem frias, como sempre. Eu observo atentamente cada reação dela, os olhos azuis arregalando um pouco, sua boca se abrindo, mas não emitindo som algum. Ela parece surpresa, talvez até confusa, como se não esperasse que eu notasse. Mas eu noto tudo. Sempre.
Ela hesita, seus lábios pressionados em uma linha fina, claramente lutando para encontrar uma resposta. Seu desconforto era óbvio. Algo dentro dela se debatia, algo que ela estava desesperada para não confrontar, e eu podia ver isso cada vez mais claramente agora. Por algum motivo, esse fato me incomodava mais do que eu gostaria de admitir. Enid nunca foi boa em disfarçar suas emoções - a loba dentro dela era muito forte, muito presente. E isso se tornava ainda mais evidente quando eu mencionava Thorpe. Ela evitava meus olhos agora, seu olhar vagando pelo chão como se fosse encontrar ali uma explicação, uma desculpa. Mas não havia nada que ela pudesse dizer que me enganaria. Não a essa altura.
O silêncio entre nós se alongava, e eu continuei observando cada detalhe. O jeito que seus dedos se apertavam ao redor do tecido da coberta, as pequenas linhas de tensão em sua testa, o modo como ela mordia de leve o lábio inferior. Todos esses sinais eram claros para mim. Ela estava escondendo algo, e sabia disso.
── Por que está tão incomodada com isso? ── eu pergunto finalmente, minha voz baixa, mas carregada de curiosidade. Não havia irritação, apenas o desejo de entender.
Ela levantou o olhar de repente, como se minhas palavras a tivessem atingido. Havia uma mistura de emoções em seus olhos que eu não conseguia identificar completamente - raiva, frustração, talvez algo mais profundo que ela tentava enterrar. A expressão em seu rosto era quase uma súplica, mas não por mim. Era como se ela implorasse a si mesma para continuar negando o que estava acontecendo dentro dela.
── Eu... não estou incomodada ── ela finalmente respondeu, mas a hesitação em sua voz entregava a mentira. Eu inclinei levemente a cabeça, não convencida.
── Mentir não é o seu forte, Sinclair ── ela bufou, tentando aparentar raiva, mas havia mais fragilidade do que força naquele gesto. Seu peito subia e descia rapidamente, como se estivesse presa em um conflito interno. Não era Thorpe que estava a incomodando, isso eu já sabia. Mas o que era, então? E por que, de alguma maneira, eu me importava o suficiente para pressioná-la? ── Você age de forma estranha quando ele está por perto ── continuei, sem desviar o olhar ── Não me diga que isso é apenas uma coincidência.
Seus olhos se encontraram com os meus, e naquele momento, algo passou por eles - uma mistura de frustração e resignação. Era como se ela estivesse lutando contra uma correnteza, e a cada segundo que passava, ficava mais difícil para ela nadar contra.
── Eu... só não gosto do jeito que ele fica tão próximo de você ── ela finalmente admitiu, sua voz falhando um pouco, como se estivesse exaurida por manter essa fachada por tanto tempo. Ah, então era isso.
Eu poderia ter dito algo para provocá-la mais, algo para forçá-la a encarar essa verdade que ela estava desesperada para negar. Mas, estranhamente, eu me mantive em silêncio, observando-a. As palavras que eu poderia dizer não pareciam necessárias agora. Eu já sabia a resposta. E ela também. A sala parecia mergulhada em uma tensão quase palpável, o silêncio agora carregado de algo não dito, mas tão evidente quanto um grito. Ela desviou o olhar de novo, e eu soube que o momento havia passado - ela não estava pronta para encarar o que realmente a incomodava. Mas cedo ou tarde, isso não poderia mais ser ignorado.
Eu observei enquanto ela desviava o olhar, claramente tentando escapar da pressão crescente. O silêncio entre nós se alongava, e mesmo assim, a tensão não se dissipava - pelo contrário, parecia se intensificar com cada segundo que passava. Enid sempre foi fácil de ler, suas emoções transbordando como um livro aberto, e neste momento, o que estava escrito ali era óbvio para mim, mesmo que ela tentasse esconder.
── Você não gosta da proximidade de Thorpe... mas isso não tem nada a ver com ele, tem? ── minhas palavras soaram calmas, mas carregadas de significado. Eu queria que ela reconhecesse o que estava de fato acontecendo, que admitisse a verdade que estava ali o tempo todo. Ela ainda olhava para o chão, sua postura rígida, como se estivesse se protegendo de algo que a assombrava. Seus dedos mexiam na borda da coberta, o nervosismo transparecendo em cada movimento.
── É claro que tem a ver com ele ── ela finalmente respondeu, mas a voz dela não carregava convicção. Era uma tentativa fraca de manter sua fachada intacta ── Eu... só não gosto da maneira como ele te olha.
Ah, era isso. A preocupação deslocada, a raiva mal direcionada - ela estava projetando tudo em Thorpe. Mas o verdadeiro problema não era ele, era o que acontecia quando eu estava perto dele. Eu podia sentir isso. E, de alguma maneira, essa situação a estava afetando mais do que ela gostaria de admitir. Talvez mais do que eu própria gostaria de admitir. Cruzei os braços, mantendo meu tom neutro, embora algo dentro de mim estivesse... incomodado.
── Ele não me interessa, Sinclair. Thorpe é irrelevante para mim. Mas você está claramente incomodada por algo que vai além dele ── eu a vi engolir em seco, suas mãos apertando o tecido da coberta com mais força agora. Ela não sabia o que dizer, ou melhor, sabia, mas não queria dizer em voz alta. Era quase como se ela estivesse travada, incapaz de confrontar o que estava se desenrolando dentro dela.
Minha mente trabalhava rapidamente, tentando decifrar por que isso estava se tornando tão... complicado. Eu sempre fui uma observadora, alguém que analisa o comportamento das pessoas ao meu redor. Mas, de alguma forma, esse caso em particular, esse emaranhado de emoções que Sinclair estava passando, parecia afetar-me mais do que deveria. Eu deveria simplesmente ignorar, seguir em frente. No entanto, me via incapaz de fazer isso.
── Por que continua se torturando com algo que não tem importância? ── perguntei, minha voz um pouco mais fria do que eu pretendia ── Você não precisa fingir sentir algo que claramente não sente ── ela me olhou rapidamente, e dessa vez, vi algo diferente em seus olhos. Uma mistura de surpresa, talvez até dor, como se minhas palavras tivessem atingido um ponto sensível.
── Eu... não estou fingindo ── pude sentir a mentira naquelas palavras.
── Está sim. Você age diferente quando ele está por perto, mas não da maneira que deveria. Se estivesse sendo sincera consigo mesma, não estaria tão... desconfortável ao lado dele ── ela piscou algumas vezes, parecendo lutar para manter a compostura.
── Eu não estou desconfortável ── ela insistiu, mas o tremor leve em sua voz a entregava ── Eu só... quero que as coisas fiquem normais ── normais. Essa palavra pareceu ecoar na sala, como uma barreira que ela tentava construir. Mas nós duas sabíamos que nada era normal ali. Nada era simples, e a verdade estava tão clara quanto o desconforto que eu via toda vez que ela estava com Petropolus.
Fiquei em silêncio por um momento, observando-a novamente, tentando entender por que eu estava tão investida nessa situação. Por que o desconforto dela com Thorpe - ou com qualquer outro - me incomodava tanto? Isso não era típico de mim. Eu não me envolvia nos dramas pessoais das pessoas, muito menos nos sentimentos delas. E ainda assim, aqui estava eu, tentando arrancar de Sinclair uma verdade que, claramente, ela não estava pronta para aceitar.
── Você precisa parar de lutar contra isso ── eu disse, finalmente quebrando o silêncio ── Não pode continuar se enganando para sempre. Vai destruir você ── ela me olhou, os olhos brilhando com algo que eu não conseguia identificar completamente. Havia um misto de raiva, frustração e talvez algo mais, algo que eu não estava pronta para nomear.
── Por que você se importa tanto? ── ela perguntou, quase desafiadora. Eu me mantive firme, sem piscar, mas a verdade é que eu também não sabia a resposta para essa pergunta. O silêncio entre nós cresceu de forma opressiva após a pergunta dela. Por que você se importa tanto? As palavras ecoavam na minha mente, reverberando com uma insistência que eu não esperava. Meus instintos sempre me levaram a respostas racionais, frias e lógicas, mas dessa vez... algo me travava. Eu não tinha uma resposta clara.
Por que eu me importava tanto? Minha expressão não mudou, claro. Não sou alguém que deixa transparecer suas emoções facilmente, mas lá no fundo, senti algo incômodo, algo que tentava quebrar a superfície do meu autocontrole. Sinclair continuava me encarando, seus olhos desafiadores, esperando por uma resposta que eu não estava pronta para dar.
── Eu não me importo ── respondi, minha voz mais fria do que o normal. Quase mecânica. Mas, assim que as palavras saíram, senti que não soavam verdadeiras. E, pelo jeito que ela arqueou a sobrancelha, Enid também percebeu. Ela não acreditava. Talvez porque, pela primeira vez em muito tempo, nem eu acreditava.
Eu a observei por um momento, notando os traços de irritação misturados com uma estranha vulnerabilidade em sua expressão. Estava claro que ela lutava com algo maior do que a simples ideia de estar ao lado de Petropolus ou de Thorpe. Isso ia além, e eu sabia disso, mas nomear o que era - ou por que isso me afetava tanto - parecia... impossível. Senti meu maxilar apertar levemente, um sinal de que o desconforto estava começando a crescer em mim também. Eu não gostava de situações que não conseguia controlar, e esse confronto, de alguma maneira, estava me tirando da zona de segurança. Como se houvesse uma batalha sendo travada dentro de mim que eu nunca havia pedido para lutar.
── Você está errada ── Enid murmurou, desviando o olhar por um breve momento antes de voltar a me encarar ── Você se importa... mais do que quer admitir ── a audácia dela me fez piscar, um movimento quase imperceptível, mas ainda assim revelador. Ela estava me desafiando, e o mais estranho era que, pela primeira vez, não sabia exatamente como responder.
── Está delirando, Sinclair ── rebati, mantendo meu tom de voz neutro, mas uma fagulha de frustração escapava ── Só porque você não sabe lidar com seus próprios sentimentos não significa que tem o direito de fazer essas suposições sobre os meus ── ela me olhou com intensidade, como se estivesse tentando ler nas entrelinhas das minhas palavras, buscando algo além da superfície. Isso me incomodava. Eu sempre fui boa em manter uma barreira intransponível entre mim e os outros, mas Sinclair estava começando a empurrar contra essa barreira, forçando rachaduras que eu não queria reconhecer.
── Se não se importa ── ela continuou, quase desafiadora ── Então por que age assim? Por que sempre me provoca sobre o Ajax? E por que você fica tão... desconfortável perto dele? ── eu pisquei lentamente, como se processasse as palavras dela com mais cuidado. A pergunta dela me atingiu em cheio, mas mantive minha expressão intacta. Se ela estava tentando virar o jogo, eu não permitiria que o controle escapasse das minhas mãos.
── Eu não fico desconfortável perto de ninguém ── menti, dessa vez com mais firmeza ── Eu simplesmente observo as inconsistências nas pessoas. Sua incapacidade de ser sincera consigo mesma é... exasperante.
Ela não respondeu de imediato, mas vi em seus olhos que algo tinha mudado. Ela estava processando minhas palavras de uma forma que talvez eu não tivesse previsto. E, para piorar, eu não conseguia parar de pensar no quanto ela estava... certa. Algo dentro de mim se agitava quando via Petropolus ao lado dela, e isso me incomodava mais do que eu jamais admitiria.
── Você não gosta dele ── continuei, deixando as palavras saírem antes que pudesse me conter ── Não adianta fingir, Sinclair. Está claro como o dia que você está forçando algo que não existe ── ela arregalou os olhos levemente, como se minhas palavras tivessem perfurado a armadura que ela vinha tentando sustentar.
── Eu... eu gosto dele ── respondeu, mas sua voz não tinha a mesma força de antes. Era como se estivesse tentando se convencer disso mais do que a mim.
── Mentira ── respondi com frieza ── E você sabe disso ── o silêncio voltou a pairar entre nós. Mas dessa vez, havia algo diferente, algo mais profundo e carregado. Nenhuma de nós queria admitir o que realmente estava acontecendo, mas estava ali, presente em cada olhar trocado, em cada palavra dita com mais intensidade do que o necessário. Por mais que quisesse controlar a situação, senti como se estivesse perdendo o domínio pouco a pouco. Algo havia mudado. E, por mais que eu tentasse me afastar, percebi que não era tão simples assim.
O silêncio se instalou novamente, mas desta vez, o ar estava pesado. Enid me olhava como se esperasse por algo, uma confirmação ou talvez uma negação, mas eu não estava disposta a entregar nem um nem outro. Por dentro, uma agitação crescia, embora minha fachada permanecesse inabalável. Cada palavra que eu dizia a ela parecia acertar em cheio, mas ao invés de me sentir satisfeita com isso, havia algo desconfortável tomando forma. Eu não gostava de perder o controle, muito menos de me sentir... vulnerável.
── Por que você está tão obcecada com o que eu sinto? ── perguntei, minha voz saindo mais baixa, quase um sussurro, mas carregada de frieza ── Isso não vai mudar o fato de que você está se forçando a gostar de alguém que claramente não é para você ── ela desviou o olhar por um momento, seus dedos apertando levemente o cobertor sobre sua cama. Vi os músculos do maxilar dela tensionarem, como se estivesse segurando alguma resposta. Não era comum ver Sinclair quieta, mas quando acontecia, sabia que algo importante estava por vir. E por mais que eu odiasse admitir, parte de mim estava curiosa.
── Você não entende, Wednesday ── sua voz soou finalmente, quase como um lamento, mas com um fio de raiva contido. Ela me olhou de novo, dessa vez seus olhos estavam brilhando de uma maneira diferente, como se estivesse cansada da batalha que travava internamente ── Eu não tenho escolha. Eu preciso gostar dele... é o que se espera de mim ── essas palavras ecoaram na minha mente. É o que se espera de mim. Claro, eu entendi isso de uma forma. Passei a vida inteira lidando com as expectativas da minha própria família, moldando minha indiferença para não ser engolida por elas. Mas, para Enid, isso parecia algo mais profundo, mais emocional, e esse tipo de vulnerabilidade... me incomodava.
── Você realmente acha que isso é suficiente? ── perguntei, cruzando os braços ── Forçar-se a ser algo que não é, apenas para agradar os outros? ── ela balançou a cabeça, o rosto corado de frustração e algo mais que eu não conseguia nomear.
── Eu sei que você acha isso estúpido. Mas não é tão simples, Wednesday. Não é só sobre o que eu quero ── havia um nó crescendo em meu estômago, uma sensação que eu não sabia como categorizar. Ela estava errada. Era simples. Ou deveria ser. Mas, ao mesmo tempo, ao ver o modo como ela lutava contra isso, me dei conta de que talvez estivesse subestimando a profundidade desse conflito interno. Algo em mim se retorceu ao pensar nisso, e eu percebi que, embora estivesse tentando distanciar o máximo possível, não conseguia.
── Você pode continuar mentindo para si mesma, Sinclair ── falei, me forçando a manter o tom gélido ── Mas isso não vai mudar o fato de que está sufocando o que realmente sente. E, eventualmente, isso vai explodir ── ela me encarou em silêncio, sem saber o que responder. Vi seus ombros caírem levemente, como se estivesse cansada de lutar, mas ainda teimosa o suficiente para não ceder. Isso me deixou inquieta de um jeito que eu não esperava. Havia algo desconcertante em vê-la assim, vulnerável. Porque, de alguma forma, me fazia sentir... exposta.
── Por que você se importa tanto, então? ── sua voz cortou o silêncio como uma faca, afiada e direta ── Se você está tão convencida de que eu estou errada... por que insiste nisso? ── essa pergunta me pegou desprevenida. E, pela primeira vez naquela conversa, hesitei. O que me incomodava tanto? Por que a ideia de vê-la com Petropolus me irritava? Não era inveja, claro. Eu não sentia isso. Nunca senti. No entanto, o desconforto era real, inegável, e não tinha uma resposta pronta para dar. Algo me escapava, algo que eu não queria admitir, nem para ela, nem para mim mesma.
── Isso não importa ── murmurei finalmente, virando o rosto para não encontrar o olhar dela ── A questão é que você está mentindo. E você sabe disso ── ela não disse mais nada, mas o silêncio entre nós não era mais o mesmo. Havia algo não dito, pairando no ar, denso e impossível de ignorar. Algo que eu não queria enfrentar, mas que, de alguma forma, sabia que seria inevitável.
Enid Sinclair - Point of View
Ela murmurou algo que mal consegui entender, desviando o olhar. Eu sabia que tinha a atingido de alguma forma, mas não conseguia me sentir vitoriosa com isso. Não era o que eu queria. Eu só queria que ela entendesse. Que ela visse que eu estava presa em uma situação que não era tão simples quanto ela fazia parecer. Eu me sentei na beirada da cama, sentindo o peso das palavras que estavam prestes a sair.
── Você... você não entende como é ── comecei, minha voz quase um sussurro ── Eu cresci com uma mãe que me dizia todos os dias quem eu deveria ser. Quem eu deveria amar. E agora... eu não sei mais o que é certo ou errado. Eu só sei que... eu preciso ser a filha que ela quer ── Addams ficou em silêncio, seus olhos ainda fixos em mim, mas agora sem aquela intensidade cortante. Parecia que estava processando o que eu dizia, e isso me deu coragem para continuar ── Eu não estou me forçando a gostar do Ajax porque eu quero ── continuei, minha voz falhando um pouco ── É porque eu preciso. Se eu admitir que não gosto dele, o que sobra para mim? Quem eu sou, então?
As palavras estavam finalmente saindo, e com elas, o peso no meu peito começava a se aliviar. Eu nunca tinha dito isso em voz alta. Nunca admiti para mim mesma, e muito menos para outra pessoa. Mas agora, não tinha mais volta.
── Eu... eu não sei como parar de sentir o que sinto. Não sei como parar de me preocupar com o que minha mãe vai pensar de mim. E toda vez que você me olha como se soubesse exatamente o que eu estou sentindo, eu sinto raiva. Porque você está certa. Mas isso não significa que eu consigo fazer alguma coisa a respeito.
Fechei os olhos por um segundo, tentando controlar as lágrimas que ameaçavam cair. Não podia chorar. Não na frente dela. Eu queria ser forte. Queria ser a Enid alegre, a que não tinha problemas, a que estava sempre sorrindo. Mas naquele momento, não havia como esconder mais. Quando abri os olhos novamente, ela ainda estava ali, me olhando. O silêncio entre nós era denso, cheio de coisas não ditas. E, pela primeira vez, senti que talvez... talvez ela entendesse mais do que deixava transparecer.
O peso das minhas próprias palavras ainda ecoava no ar, e enquanto o silêncio entre nós crescia, eu sentia como se estivesse exposta de um jeito que nunca havia estado antes. Nunca me deixei ser tão vulnerável na frente de ninguém, nem mesmo de Yoko, e muito menos da minha própria família. E agora, aqui estava eu, me abrindo para ela, de todas as pessoas. Eu a olhei, esperando algum tipo de resposta, mas o rosto dela continuava impassível. Aquela máscara fria que Addams usava tão bem, que escondia qualquer indício de emoção. Era como falar com uma parede. E, ainda assim, algo me dizia que ela estava me ouvindo, que de alguma forma, minhas palavras tinham alcançado algum lugar lá no fundo.
Minha cabeça estava a mil, confusa. Eu não entendia por que me importava tanto com o que ela pensava. Mas a verdade é que eu precisava saber. Precisava entender o que significava essa relação entre nós. Porque, de algum jeito, ela mexia comigo de uma maneira que eu não sabia explicar. Era como se toda vez que estávamos perto, eu sentisse algo borbulhar dentro de mim, algo que eu tentava sufocar, ignorar, mas que estava sempre ali, latente, pronto para explodir. Ela finalmente se moveu, cruzando os braços, o olhar ainda fixo em mim. Aquele silêncio dela me matava. Eu queria que ela dissesse algo. Qualquer coisa. Porque quanto mais ela ficava quieta, mais minha mente corria em círculos, buscando respostas para perguntas que eu nem sabia como fazer.
── O que você quer que eu diga, Sinclair? ── a voz dela finalmente quebrou o silêncio, baixa, firme, mas com uma calma que contrastava completamente com o caos dentro de mim ── Você espera que eu resolva seus problemas com a sua mãe? Ou que eu te diga que está tudo bem fingir ser quem você não é? ── o jeito como ela falava, direto, sem rodeios, me deixava sem saber como reagir. Ela nunca suavizava as coisas, sempre jogava a verdade na minha cara, e isso doía. Mas era isso que eu precisava ouvir. Algo dentro de mim sabia disso, mesmo que eu não quisesse admitir.
── Eu só... ── comecei, mas minha voz falhou, e eu precisei respirar fundo para continuar ── Eu só queria entender por que você se importa tanto. Por que você insiste tanto nisso?
A pergunta saiu antes que eu pudesse pensar, e quando as palavras escaparam, percebi que estava mais nervosa do que pensava. Porque, no fundo, eu sabia que não era só sobre o Ajax ou sobre minha mãe. Era sobre o que eu sentia por ela. E o medo de admitir isso me consumia. Ela me olhou de lado, quase como se estivesse ponderando se deveria ou não responder. A franja bagunçada caía sobre seus olhos, mas eu conseguia ver a intensidade ali. Ela parecia estar analisando cada movimento meu, cada palavra que saía da minha boca.
── Eu não me importo com o Ajax. Ele é irrelevante ── ela disse, e algo na sua voz mudou, sutil, mas perceptível ── O que me irrita é ver você se forçando a ser alguém que não é. Por ele. Por sua mãe. Por qualquer outra pessoa que não seja você mesma ── minha respiração ficou presa na garganta. Era isso. Exatamente isso que eu tentava negar o tempo todo. Que eu estava me moldando para agradar aos outros, para evitar desapontar minha mãe, para encaixar em expectativas que não eram minhas. E ouvir isso da boca dela, doía. Mas também era libertador.
── Você acha que é tão fácil assim, não é? ── minha voz saiu mais alta do que eu pretendia, e me levantei da cama, começando a andar de um lado para o outro ── Você, com sua família que aceita quem você é, com sua liberdade de ser diferente. Eu não tenho isso, Wednesday! Eu não posso simplesmente... ser quem eu sou ── eu me virei para ela, os olhos cheios de lágrimas que eu lutei para segurar ── Você não entende como é viver com medo de perder o amor de alguém porque você não é quem eles querem que você seja.
Ela permaneceu em silêncio por um momento, o que me deixou ainda mais inquieta. E então, ela fez algo que eu não esperava. Ela se levantou lentamente da cama, os olhos fixos nos meus, e se aproximou até que estivesse bem na minha frente. Sua presença era quase sufocante, mas eu não consegui me mover.
── Você está errada ── ela disse, a voz baixa e firme ── Eu entendo mais do que você imagina ── aquelas palavras me atingiram como uma onda de choque. Eu fiquei parada, sem saber o que dizer ou fazer. O que ela queria dizer com aquilo? Eu não entendia. Ela falava com uma convicção que me fez questionar tudo. Por um momento, vi algo nos olhos dela que nunca tinha visto antes. Vulnerabilidade. Era como se, por trás daquela fachada fria e impenetrável, existisse algo mais. Algo que ela guardava tão fundo quanto eu.
E então, antes que eu pudesse processar o que estava acontecendo, ela se afastou, voltando para sua cama com a mesma expressão inabalável de sempre. Mas aquele pequeno vislumbre do que quer que fosse aquilo... ficou comigo.
Notas da Autora:
Espero que tenham do capítulo. Votem e comentem bastante, caso quiserem uma continuação.
Até o próximo capítulo! 👋