As coisas com o Isaias estavam desandando de maneira terrível. Onde estava escondido esse ser sem sentimento que eu dividia a casa e as despesas. Eu tentei pesar as coisas boas que vivemos juntos até aqui, mas a cada nova atitude dele, mais borrada ficava o sentimento que nutria por ele.
Segui com as minhas sessões com o Leo, mas tentei manter a linha profissional com ele dentro do consultório, só que ele era brincalhão quando pegava intimidade e eu tinha dado essa intimidade para ele, ao aceitar sair para um encontro de amigos e almoçar fora.
Tentei desviar o foco, mas ele me intimou a arrumar uma bolsa e me colocou em seu carro chique indo para a casa dos meus pais em Campinas com ele, algumas semanas após o nosso almoço.
-Seu noivo sabe que você está viajando com um homem jovem e solteiro ao seu lado? E lindo também. – Ri da sua cara de pau.
-Você me deu tempo de falar com ele sobre o assunto? – Perguntei rindo. - Me ligou de madrugada e mandou arrumar uma bolsa. Nem sei se trouxe tudo que precisava.
-Se não trouxe, você compra no caminho. – Falou, dando de ombros.
-Ei, dinheiro não nasce em árvores, Leo. – Chamei sua atenção.
-Eu sei. Estou brincando. Só não quero que tenha problemas com o seu noivo.
-Ele está viajando. Cobrindo um jogo fora de São Paulo. – Deixei uma mensagem para o meu noivo avisando da minha decisão de viajar, ele deu ok, e me desejou bom passeio. Não me perguntou mais nada e não enviou cumprimentos aos meus familiares.
Para a minha irmã e minha mãe, avisei que levaria um amigo comigo, pois ele me daria uma carona. Sem dar maiores detalhes sobre o tipo de relação que ele tem comigo de psicóloga/paciente. Para o Leo falei o mesmo, e ele agradeceu por eu separar essa parte da nossa convivência.
No caminho ele recebeu uma ligação, seu telefone estava conectado ao carro e vi o nome de quem ligava, Stephan. Vi ele engolir em seco, mas atendeu assim mesmo.
-Oi, Stephan, estou com uma amiga no carro.
-Olá LJ, bom dia. E bom dia amiga do LJ.
-Oi, bom dia. – Respondi.
-Qual o seu nome, linda? – Ele perguntou.
-Me chamo Rebeca.
-Prazer Rebeca, eu sou o Stephan, como esse idiota não me apresentou, eu me apresento a você. – Sorri e Leo bufou no volante. – Estão indo passear uma hora dessas?
-Estamos indo para Campinas. O Leo me ofereceu uma carona para a casa dos meus pais.
-Leo? - Perguntou surpreso. - Você tem um novo apelido. Posso usá-lo também?
-Não. – Ele respondeu seco. – Stephan, o que você precisa? Estou dirigindo agora e logo o sinal na estrada vai sumir e não quero reclamação que desliguei o telefone na sua cara.
-O que eu queria, pode esperar quando você voltar.
-Eu só volto amanhã à noite.
-Então amanhã à noite eu te ligo.
-Aí vai estar de madrugada.
-Não importa. Eu vou te ligar.
-Tá ok. Aproveite o seu final de semana.
-E você também curta o seu com a sua amiga. – Senti uma entonação diferente quando ele falou a palavra amiga, mas não poderia colocar o dedo nisso. – Prazer conhecê-la, Rebeca.
-O prazer é meu, Stephan. – Após o telefone ter a chamada finalizada, um clima estranho ficou no carro e o Leo colocou uma música para espantar todo o silêncio. Encostei a cabeça no encosto do banco e fechei os olhos pensando sobre o homem que tinha acabado de ligar para o meu companheiro de viagem. Quem era ele com a voz grave e parecida com ciúme.
Chegar na minha casa de infância tem um sabor todo especial, porque ela tem o aconchego e parte da minha essência. Minha relação familiar tinha altos e baixos, mas tínhamos o principal, união.
Minha mãe, dona Clarinda, é a típica vizinha da rua que tem sempre a novidade na ponta da língua. Trabalha dia e noite em uma casa de família, a mesma desde que me conheço por gente. Ela tem sua carteira assinada, mas ainda falta muito para ela conseguir se aposentar. Meu pai, Luiz, é um marceneiro de um pequeno estabelecimento na cidade, mas nunca conseguiu juntar o suficiente para ter o seu próprio negócio. Ele é bom no que faz e merecia ganhar melhor por todo o trabalho e dedicação na sua função.
Meu irmão mais velho, Otávio, é motorista de caminhão de um supermercado, nunca quis estudar e vivi às turras com a esposa, os seus dois filhos ficando no meio das brigas.
O outro irmão, Cássio, tinha um bom emprego em um escritório imobiliário e aparentemente tem uma boa vida com a sua família, mas ele não se misturava muito. Ele se achava melhor que todos nós. Eu não o via a muito tempo.
Fábio e Luara são os caçulas, e ainda estavam na fase de estudos. Eu ajudava no que podia para eles terem uma chance melhor no futuro. Mas, o Fábio precisa levar uns puxões de orelha vez ou outra.
Indiquei para o Leo, um local que ele poderia estacionar e descemos do carro juntos. Vi alguns vizinhos observando a minha chegada, mas só acenei e segui em direção ao portão. Eu ainda tinha as chaves da casa e foi com ela que abri e convidei ele para me acompanhar. Ele com a minha mochila e a dele em cada uma das mãos, pois não deixou que eu carregasse.
-Mãe? – Chamei da sala, abri a porta o suficiente para o Leo entrar. Minha irmã saiu do quarto com uma toca de plástico na cabeça, fones no ouvido e cantando como uma gralha desafinada. Coloquei a mão na boca tentando segurar a risada. Leo tentou ser um cavalheiro, mas quando a minha irmã levou um frasco de produto de limpeza próximo a boca como um microfone e rodando um pedaço de pano no ar para a sua performance de dança. Não tinha como não rir.
-Oh merda. – Ela parou no meio da música sertaneja que estava cantando.
-Leo, essa é a minha irmã, Luara. – Ela tirou os fones e ficou sem graça ao encará-lo, pois ele chamava a atenção por sua aparência.
-Você canta bem, Luara. – Coloquei a mão na boca e dei uma tossezinha para disfarçar a risada.
-Aí, que vergonha, meu Deus. – Ela falou e levou a mão a frente para cumprimentá-lo. – Desculpe. Estava empolgada.
-Não precisa se desculpar. Você está na sua casa.
-Achei que chegaria mais tarde. Estou limpando o quarto do Fábio, para o seu amigo.
-Não quero dar trabalho. – Ele falou, mas fiz pouco caso com a mão. Logo a minha irmã se jogou nos meus braços e era maravilhoso ver o quão bem ela estava. Luara estava tão linda e faltava poucos meses para o seu aniversário de quinze anos. Sua festinha já estava sendo organizada e eu estava louca para vê-la em seu vestido de debutante.
-Que monumento é esse, maninha! – Falou em meu ouvido e sorri, pois era verdade. Leo era um rapaz de encher os olhos.
-Cadê a nossa mãe? – Mudei de assunto, pois a pirralha ia me encher o saco em breve.
-Foi comprar algo especial para fazer para você e seu amigo. – Falamos um pouco mais sobre as novidades e Leo foi atencioso com a minha irmã, e logo se fez em casa.
Levei a mochila dele para o quarto do meu irmão, e a minha para o meu antigo quarto, que dividia com a Luara, quando morava nesta casa.
Meia hora depois a casa já estava cheia. Minha mãe chegou e ficou encantada com a educação do Leo, que beijou seus dedos com gentileza. Meus sobrinhos passariam o dia na casa e foi uma farra só com o meu convidado. Richard e Ryan eram os espoletinhas do meu irmão, Otávio. Já o Theo e o Juan não tinham muito contato com a minha família. Minha cunhada não se misturava.
-Oh, tio, aquele carro é seu? – Richard perguntou. Ele é o mais velho com nove anos.
-É sim.
-Caralho. – Minha mãe, minha irmã e eu chamamos a sua atenção e ele pediu desculpas pelo palavrão. – Você dá uma voltinha comigo, tio?
-Se sua vó não se importar, posso levar vocês, sim. – Ele foi com aqueles olhinhos pidões e minha mãe o reprimiu.
-O amigo da sua tia está cansado da viagem.
-Não tem problema, senhora.
-Então depois do almoço, vocês vão. – Confirmou e voltamos a colocar os assuntos em dia. Meu pai chegou mais tarde e mediu o meu amigo de cima a baixo, como se perguntasse se era somente amigo mesmo. Confirmei que sim com um aceno.
-Então você é piloto de corrida. Nossa. Eu nunca conheci alguém que corresse por dinheiro. – Meu pai falou, quando perguntou para o Leo o que ele fazia da vida.
-Esse é o meu primeiro ano oficialmente, sr. Luiz. – Meu pai ficou interessado em saber como funcionava o campeonato e eles ficaram muito tempo falando sobre o assunto. – Queria dizer que recebo muito dinheiro com isso, mas o que ganho só dá para as minhas despesas do momento. - No final ele arrancou risadas de todos da família. Principalmente do meu irmão caçula que ficou encantado com a profissão dele.
-Onde você conheceu minha filha?
-Rebeca está trabalhando na clínica Bem-estar, e essa clínica é da minha família de coração. – Falou. – Eu meio que me introduzi na família, sabe? Mas o que posso fazer se sou cativante. - Ele falou e rimos da sua humildade. Fiquei feliz por ele ter sido discreto no nosso tipo de convívio.
Após o almoço onde a minha mãe caprichou no cardápio e recebeu muitos elogios do meu amigo, levamos as crianças para passear e tomar sorvete na praça próximo a casa dos meus pais.
Fui deixada com as crianças em casa e ele foi passear com o meu irmão em seguida.
-Minha filha, o Isaias sabe que você tem um amigo gato desse jeito? – Minha mãe falou e eu franzi a testa, pois nem estava lembrando do meu noivo nesse momento.
-Ele não conhece o Leo ainda. – Falei e fui metralhada com perguntas dela e da minha irmã. – Isaias anda tão atarefado com o trabalho que mal temos tempo um para o outro. E não estou escondendo algo, mas eu não quero que ele use o Leo para material de entrevista.
-Isso é muito complicado, pois você sendo uma mulher praticamente casada, ficar andando sozinha com um homem, pode gerar conversinhas das quais você não vai gostar, minha filha.
-Mãe, não estamos fazendo nada demais.
-Pode até ser que não, mas as pessoas são meio cruéis e você sabe disso.
-Sim, eu sei. – Falei e abaixei a cabeça. Eu não deveria ter trazido o Leo para o meio do meu convívio íntimo. Ele é meu paciente e assim seria quando eu voltasse para casa. O problema? Como eu faria para quebrar esse vínculo formado.
"Em geral, na natureza humana existe mais tolice do que sabedoria."
Francis Baccon
Ciúmes batendo na porta. LJ e Rebeca em uma amizade fora do consultório que pode ser um problema. E põe na conta o noivo que ainda não sabe dessa amizade. Receita total para o desastre.
A imagem da capa é a irmã da Rebeca, Luara. E o carro é do LJ.
Votem e comentem, o que vocês acham que irá acontecer com esses três.