Meti a mão no despertador apenas duas vezes naquela manhã, o que era pouco, considerando o horário em que tinha ido dormir na noite anterior. O pior era constatar que a dor de cabeça não tinha passado. Levantei, fui direto para a cozinha e peguei um comprimido. Engoli em seco e decidi ir ao banheiro. Max estava lá, dançando e cantarolando como se estivesse em um programa de calouros, do lado de dentro do box. Quando me viu, fez tchauzinho com as duas mãos, que eu retribuí com os dentes cerrados.
— Max, dá pra sair daí?
— Mas como sair daqui? Eu acabei de entrar no banho. Um banho gelado, aliás. Fala um motivo que eu penso se vou sair, benzinho.
— O motivo é que eu preciso sentar neste vaso sanitário e, antes que me pergunte, sem que você esteja dentro deste banheiro. E se não gostou da temperatura da água, compre uma resistência nova para o chuveiro.
— Vai fundo, senta logo. Não vou olhar – ele disse com um sorrisinho no rosto.
— Como não vai olhar, Max? O box é de vidro!
— Mas e se eu prometer que não olho?
— Se você prometer, é capaz de eu acreditar ainda menos do que se você não prometer nada.
— Qual é, Blanda, por que essa frescura?
— Não é frescura, eu não consigo. Nem na frente da minha melhor amiga, nem na frente do Freddy, nem na sua frente, nem na frente da minha mãe. Aliás, muito menos na frente dela.
— Não precisamos disso, temos intimidade. Você senta aí e eu me viro e continuo o meu banho.
— Intimidade não tem nada a ver com esse momento. Nunca ninguém terá intimidade suficiente comigo para ver as contorções dos músculos de minha face quando eu me encontro sozinha em um lugar chamado banheiro. Max, cai fora.
— Mas, benzinho, nós somos namorados, qual o problema?
Ah, não podia ser, eu não estava ouvindo aquilo. Tamanha era a vontade de ficar sozinha que eu estava tendo alucinações, porque o Max jamais diria "nós somos namorados", assim com essa desenvoltura. Era a primeira vez que ele assumia o nosso relacionamento. Havia quase um ano que estávamos juntos, e o rapaz que dormia na minha casa quando bem entendesse nunca tinha me apresentado à sua família. O bom disso é que eu ainda não tinha sogra, mas eu não podia falar mal porque nem sabia como ela era. Não conhecia nenhum de seus familiares, ele nunca havia me apresentado como sua namorada e não comparecia aos encontros que eu propunha. Nada, nadinha, até aquele fatídico momento dentro do banheiro.
Aliás, coisa que ele mais detestava eram os encontros de família. Sempre que havia um churrasco, aniversário ou festinha de 15 anos, o moço dava um jeito de inventar uma doença da tia, um problema com o carro ou uma prova na faculdade. Porque aquela era a terceira faculdade que ele começava e deixava pela metade.
Quando estávamos juntos havia seis meses, cheguei a questionar o motivo de ele nunca me levar para conhecer a família dele e a resposta foi que os pais eram chatos. Podiam até ser, mas eram pais dele e eu queria conhecê-los. Quando eu ligava na casa dele e um parente atendia, ele logo dava um jeito de atender outro telefone e dizer "é pra mim, desliga aí". Eu cheguei a trocar alguns "boa-tarde, dona Cremilda" e nada mais. Uma vez ela me convidou para almoçar lá, mas Max inventou uma viagem rápida justamente naquele fim de semana e o almoço foi adiado por prazo indefinido.
Sabia que Max era filho único e tinha poucas informações da família e do trabalho. Quando saía para beber com os amigos, ele dizia que não fazia sentido eu ir junto. Se eu ligasse no celular, ele atendia, mas eu preferia não incomodar. Não desconfiava de Max, apenas achava que ele tinha sérios problemas para não querer assumir o nosso relacionamento. O bizarro era aceitar que ele tinha se curado dentro do box do meu banheiro.
— Por acaso você bebeu ontem à noite? – eu perguntei.
— Estou com cara de quem ainda está de ressaca?
— Não é isso. É que você disse que não havia problema de eu ficar aqui e você aí...
— É, isso mesmo.
— Por quê?
— Porque temos intimidade.
— Não, não era isso. Aquele outro motivo, qual era?
— Que somos namorados?
Parei por um instante e não sabia o que dizer. O que você deve dizer a um homem que está pelado na sua frente, tomando banho, enquanto você se contorce esperando que ele libere o banheiro para você ter a liberdade de usufruir seu lindo e aconchegante vaso sanitário, se bem nesse momento ele solta a frase-diamante "somos namorados", após quase um ano de relacionamento sem ele ter nunca mencionado a palavra "namoro"?
— Max, eu vou conhecer a sua mãe hoje.
— Como é?
— Isso mesmo que você ouviu. Se somos namorados, precisamos selar essa relação tão tardiamente reconhecida com um jantar na casa dos seus pais. E hoje.
— Mas podemos deixar isso para depois, Blanda.
— Depois nada, hoje é sexta-feira, o dia perfeito. Diga à sua mãe que chegaremos às oito e que não precisa se preocupar com o cardápio, porque levarei a minha especialidade: sopa de galinha. Se você não quiser, então diga o que achar mais conveniente, apenas comunique que às oito em ponto estaremos lá.
— Você pirou?
— Pode ser, Max. E se você não sair imediatamente desse banheiro, pode esperar ideias muito piores.
Em apenas dois minutos e sete segundos, lá estava Max, correndo em direção à sala com uma toalha enrolada na cintura.