Pela primeira vez eu vi Michael parecer desconcertado.
Assim que percebeu que se tratava de mim, por trás daquela peruca ridícula, ele se aproximou e parou há poucos centímetros da minha frente. Só então pude notar que a ruiva ao seu lado era a tal Amanda, que conversara várias horas com o Darcy no dia do jantar na casa de sua família.
O dia em que eu conheci o Michael.
- O que você está fazendo aqui?
- Então foi você que escreveu o artigo sobre a Mia e o Oliver...
George se aproximou de mim e apertou meu cotovelo.
- Senhor Palmer, essa é Grace Lancaster, uma das candidatas à estagiária para a Sensacional.
Michael apenas cerrou os olhos, ignorando as palavras ditas pelo seu empregado. Havia algum tempo em que não nos víamos, desde o dia que ele tirou minha roupa e me colocou para dormir, mas não o suficiente para que eu conseguisse me recuperar daquela surpresa tão rapidamente.
Até ontem, ele era Michael Palmer, filho mimado de um dos acionistas da Darcy Media Group, desinteressado em assumir as responsabilidades do pai ou em qualquer outro tipo de trabalho e agora... Ele é um colunista famoso de uma revista de fofocas com objetivos ambiciosos o suficiente para passar a perna em qualquer um que cruzar o seu caminho.
Eu balancei minha cabeça e abaixei-a.
- Eu... Não... Consigo... Entender.
- Venha até minha sala.
Ele fez sinal para que o George soltasse meu cotovelo e caminhou em minha frente, esperando que eu o seguisse. No entanto, permaneci parada no meio do saguão da edição, encarando o homem em minha frente como se ele fosse uma espécie de fantasma, alguma coisa que eu jurava não existir e de repente aparecera em minha frente.
Ordenei que meus pés se movessem contra o piso da empresa e caminhei até a sala do Palmer sem sentir minhas pernas. Eu nunca havia passado por tamanha experiência de choque em minha vida, nem mesmo quando o Darcy me apresentara a Mia.
A sala do Michael era tão grande quanto à do Oliver, embora eu não tenha reparado mais que isso. Ele parou em frente à janela e observou-a, enquanto fechei a porta e fiquei parada o observando.
- Como você pôde? - foram as únicas palavras que saíram da minha mente - Como descobriu?
Ele se virou e abriu um sorriso cínico, com as mãos nos respectivos bolsos da calça. Quando nossos olhos se encontraram, senti um tremor se espalhar por todo o meu corpo, como se uma alma estranha tivesse o atravessado.
Algo de energia muito ruim.
- Você que me contou, naquele bar no dia do noivado da verdadeira Grace.
Eu me sentei na poltrona e tentei me lembrar dos acontecimentos daquela noite. Recordei-me do bar com dezenas de estudantes bêbados, das rodadas de tequila e da bebida tornar minha cabeça leve. Ele esteve ao meu lado o tempo todo - isso era certo - nós falamos besteira, quase nos beijamos, eu impedi com a desculpa que estava apaixonada por um homem casado.
- Eu me graduei em jornalismo há três anos, tinha acabado de conseguir um contrato com a Sensacional depois dos editores descobrirem que a minha família é íntima dos Darcy - ele exibiu mais um sorriso - Eles queriam que eu descobrisse algum segredo daquela família e como sempre achei o Oliver meio esquisito, pensei que ele escondesse algo tipo ser homossexual já que nunca o vi com nenhuma mulher.
"Enquanto isso, comecei a me ocupar escrevendo artigos com o pseudônimo Wickham, que alcançaram certa popularidade entre os leitores da revista. Quando recebi o convite para o jantar na casa da Laura, pedi a Amanda que me acompanhasse e tentasse seduzir o Oliver enquanto eu procurava algumas informações... A Abigail tem uma história bacana, mas todo mundo está cansado de adolescentes ricas e rebeldes"
Michael olhou para o relógio no seu pulso e ficou em silêncio por alguns segundos, enquanto eu tentava ordenar suas lembranças de acordo com os acontecimentos.
"Então eu vi você, parada ao lado de Laura Darcy com a estranha mania de apoiar os saltos em uma só perna, além de observar o Oliver a todo instante. Eu me aproximei de vocês duas apenas porque te achei muito bonita no meio de todas aquelas mulheres sem graça que passei a vida encontrando esporadicamente. Mas o Darcy te puxou e te levou para fora e algum tempo depois, vi vocês saindo dali, parecendo muito íntimos... Deu para perceber que você era a chave para as minhas possíveis descobertas acerca do Oliver, na verdade minha última esperança antes de fugir para desvendar a vida pessoal do Conrad ou da Laura, então fiz o possível para me aproximar, fingi para o meu pai que estava interessado em trabalhar na empresa, te persegui algumas vezes e aos poucos fui descobrindo que você estava mais que apaixonada pelo todo poderoso" - a forma que se referiu ao Darcy foi recheada de ironia e deboche, como se aquela rixa ultrapassasse seu trabalho. Se é que aquilo poderia ser chamado de trabalho.
"E enfim, você me deu a pista que eu precisava para descobrir sobre o passado dele. Depois disso, foi muito fácil encontrar a localização da Mia e todos os outros dados referentes à sua existência".
Quando ele finalmente calou a boca, seus olhos encontraram os meus com um misto de expectativa e curiosidade em relação a minha reação. Do outro lado na sala, parecia que meu coração havia desacelerado e minha cabeça voltado para a noite em que nós conversamos pela primeira vez.
Eu sabia que ele havia algo estranho, principalmente pelo seu interesse repentino em saber sobre a minha vida. Contudo, em hipótese nenhuma eu poderia imaginar que Michael foi um lobo disfarçado de cordeiro.
- Você tem noção do que fez? - eu me levantei e deixei que o turbilhão de emoções falassem por mim - A Mia morreu, por sua causa.
Ele revirou os olhos e girou a cadeira em que estava sentado. Seus olhos me encararam com dureza e seriedade, do tipo que jamais imaginei que ele seria capaz de fazer.
- Não, a Mia já havia morrido há mais de oito anos.
Sabe quando seu corpo se entope de uma sensação horrível chamada raiva? Você não vê alternativa para fugir desse sentimento, a não ser gritar ou bater em alguém/alguma coisa até perder seu fôlego. Eu não acreditava que fui burra por acreditar que ele era apenas um garoto mimado e não enxerga-lo de verdade.
Droga, quais as outras coisas que deixei de enxergar durante esse tempo? Peguei uma pequena estátua do Marlon Brando em sua mesa e a lancei contra a parede, soltando um urro baixo e praticamente inaudível.
- Você é doente! - gritei.
Ele pareceu impassível com o meu gesto.
- Eu não tenho culpa das coisas ruins que acontecem na vida das pessoas, Fischer.
Eu continuei empurrando o resto dos materiais da mesa, que faziam dezenas de barulhos diferentes quando caiam no chão. Minha peruca havia caído e eu fiz questão de tirar a touca para não parecer uma doida que havia acabado de fugir do hospício.
- VOCÊ... É... UM... RATO... UM... PSICOPATA... UM MANÍACO... MANIPULADOR... APROVEITADOR.
Michael finalmente demonstrou uma reação quando se levantou da mesa e parou em minha frente, apertando meus braços firmemente e balançando-me até que eu conseguisse voltar a respirar. Eu o empurrei e me virei, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.
Minha respiração saia rápida e entrecortada, juntamente com os batimentos cardíacos que volta e meia aceleravam. Passei a mão sobre o rosto no qual uma gota de suor escorria e decidi que sair dali era a única coisa que eu podia fazer, além de jurar nunca mais encontrar o homem que estava atrás de mim.
- Eu não peço que você entenda, Julia, mas eles me prometam uma promoção irrecusável... Sinto muito pelo Oliver e principalmente pela Mia, mas... Ela já tinha morrido há muito tempo.
- Então é assim que você se consola?
Minha voz soou muito mais grossa que o normal, mais um sintoma da raiva incessante que eu sentia.
Fechei os meus olhos e visualizei o Michael de meses atrás. O homem moreno, do sorriso fácil e olhos galanteadores, o cara que vivia me desafiando a ser mais segura comigo e elogiando meus atributos - tanto físicos quanto intelectuais. Apesar de nunca ter confiado plenamente nele, houve momentos em que o considerei um ombro amigo, alguém que fosse capaz de escutar minhas queixas sem me chamar de chata.
Alguém que eu talvez tivesse me apaixonado se o tivesse conhecido antes do Darcy.
- Você é um pior tipo de ser humano, Michael... O tipo que se alimenta dos vazios das outras pessoas, que vive a espreita, nas sombras, esperando a próxima queda de algum desafeto para comemorar vitória... Você é traiçoeiro, é sanguessuga e manipulador... Eu não tenho mais nada a te dizer - dei uma pausa, quando meus lábios tremeram - Só espero que um dia você possa se alimentar do gelo da sua alma.
Engoli as palavras em seco e caminhei até a porta, sem escutar uma réplica. Quando finalmente toquei a maçaneta, sentindo o frio do metal resfriar todo o meu corpo e de certa forma, me deixar um pouco mais tranquila, ele falou:
- Julia, sei que não sou a melhor pessoa para te dar um conselho, mas se tem uma coisa que eu descobri sobre o Oliver é que ninguém será capaz de superar o amor que ele sentiu pela Mia... Caia fora, antes que você se machucasse mais.
Eu respirei fundo e fechei os olhos.
Sai dali e nunca mais olhei para trás.