Annabelle
Vê aquilo? É um elefante.
Discordo com a cabeça, meus cabelos curtos balançando sob meus ombros.
- É uma cobra. Com certeza, uma cobra.
- Cale a boca, é um elefante.
Ignoro-a. Sinceramente, essa garota praticamente estupra minha vida, entrando sem minha permissão, e ainda me manda calar a boca.
Mas mamãe me mandou tratá-la bem. Disse que ela era sozinha.
" Isabella é uma garota muito legal, você verá".
Ainda não vi lado legal nesta garota.
- Anna?
- Hm.
- Quer vir na minha casa? Quer dizer... quando as aulas..-
- Não sei. Tenho muita coisas para fazer.. dever, trabalho, e eu dobro minhas próprias roupas! Acredite, é difícil dobrar as próprias roupas..-
- Você pode ir quando puder.
Suspiro lentamente, expulsando a irritação, e sorrio. - Se for dessa maneira, sim.
Ela desvia seu olhar para o céu novamente. - Agora, parece uma cobra.
...
- Anna, por que você não tem amigos?
- Por que você acha que não tenho amigos?
- Nunca te vi com alguém. As pessoas dizem que você é metida.
- Aí está: sou metida. Por isso não tenho amigos.
...
- Em parte, é muito difícil fazer amizade com você.
...
Nos anos seguintes, consegui entender o significado daquela frase. E até hoje não sei como ela ainda não foi embora.
***********
Sinto uma pontada de dor latejante de um lado da minha cabeça, que não posso identificar qual é, já que a dor passa por todo o meu corpo.
Merda.
Abro os olhos, a visão embaçada pela dor. Tenho um gosto ruim na boca, como se estivesse de... ressaca.
Minhas costas estão doloridas, e ao tentar me esticar para movimentá-las, acabo enfrentando outra dor terrível, que me deixa levemente tonta.
Mas que porra..-
Finalmente, consigo me localizar. Minha primeira visão são meus pulsos, amarrados fortemente e o esquerdo praticamente em carne viva, de tanta irritação.
Os braços passam por uma barra de metal, que está parafusada no chão e termina em uma espécie de mesa, um pouco acima de minha cabeça. O único movimento que posso fazer é o de movimentá-los para cima e para baixo.
Sinto um cheiro fétido, de esgoto, e torço o nariz, reparando nas minhas pernas, que também estão presas de modo que eu fique de joelhos.
Não consigo sentí-las.
Desespero toma conta do meu ser, e arregalo os olhos, o coração à mil.
- QUE MERDA É ESSA??!
- Shhh!!
Movo minha cabeça para a origem do barulho automaticamente, me sentindo um pouco mais iluminada por ter alguém ali.
E encontro dois olhos castanhos.
- ISABELLA??
- Cale a boca! Você está muito agitada!
Grudo meus lábios, tentando desvendar o que diabos está acontecendo comigo.
Isabella está na mesma posição que eu, mas as pernas estão para frente, de modo que ela possa movimentá-las.
Quanta injustiça.
Ela mantém os olhos atentos na porta, esperando qualquer movimento.
- Isabella? - falo baixo dessa vez, mesmo que o desespero esteja entalado em minha garganta. - O que está acontecendo?
Se vira para mim, com os olhos tristes. - Nos pegaram.
Tento compreender o que ela disse, mas não consigo. Como assim nos pegaram? Quem nos pegou? Para quê?
Minha família não tem dinheiro o suficiente para pagar um sequestro. Talvez a mãe de Isabella tenha, depois de tantos divórcios, mas não se espera nada daquela mulher.
Ouço um ruído vindo de fora da porta, que está aberta, e Isabella fica atenta novamente. Escuto os passos se aproximando, e olho ao redor tentando pegar o máximo de detalhes possíveis sobre este lugar.
Há uma janela grande no cômodo, quase do tamanho de uma varanda. Suponho que, se ficasse em pé, ela chegaria nos meus joelhos, e vai até o teto.
Está aberta, de modo que o céu escuro e agourento possa ser visto. E árvores. Copas de árvores.
Por mais que o lugar pareça ter sido bonito um dia, é perceptível que, atualmente, está abandonado, tanto pelas paredes desgastadas quanto pelo acúmulo de poeira nos lugares, o que me deixa ainda mais preocupada.
Enfim, os passos chegam à porta.
Paraliso.
Isabella enlouquece.
- FILHO DA PUTA! VOCÊ VAI PAGAR CARO POR ISSO! SEU..-
- Cale a boca, ou farei com você o que fiz com aquela ali. - aponta para mim com o queixo.
O quê? O que ele fez comigo? Meu Deus, e se ele me violentou? Não me lembro de nada.
- Você realmente acha que eu teria medo de você?? - Isabella se aproxima de Jonh, de modo que seus rostos estão quase se tocando. - Eu disse que ia dar uma surra em você. E pode ter certeza, que eu cumpro minha palavra.
Ele ergue as sobrancelhas, avaliando o estado inofensivo da minha amiga.
Depois, abana a cabeça, desinteressado, e se vira para mim.
Ainda mantenho meus olhos sob seu rosto, tentando entender o que ele iria querer comigo.
Lucas.
Suspiro quando a resposta vem até mim, e uma sensação de cansaço toma conta do meu corpo. Nem eu tenho Lucas, para entregá-lo a Jonas.
- Chegou tarde. - um riso sarcástico toma conta do meu rosto. - Ele terminou comigo. Por sua causa, aliás. Não posso ajudá-lo nessa espécie de vingança doentia e familiar.
Sinceramente? Sinto sono. Estou tão cansada. Só preciso de distância. Distância de Lucas e essa merda toda que vem com ele. - Só quero ir embora, e já que não tenho nada a oferecer, posso?
Ele se aproxima, ficando de frente para mim. Avalia um dos lados da minha cabeça, e só então percebo a trilha de sangue seco que passa por minha orelha e desce até meu pescoço. Foi isso o que ele fez comigo?
Talvez seja essa a origem do cansaço.
- Você é, realmente, ingênua, apesar de não parecer. - ele sorri. - Sabe, foi muito fácil pegá-la sozinha, naquele estacionamento.
Franzo a testa. Sozinha? Sim, eu estava sozinha. Não havia Lucas, nem Jared, nem Isabella, que provavelmente teria ido atrás de mim quando notara meu sumiço.
Furia queima meu peito. - Foi tudo um plano. Separar-nos.
- O quê?! - Isabella se pronuncia.
- Você sabia que ele ia terminar comigo. Só esperou o momento certo. Sabia que ele não estaria lá. - outra risada sarcástica sai pela minha boca. - Porque ele achou, uma vez na vida, que você cumpriria sua palavra.
Ele me dá um tapa no rosto, e o som passeia pelo cômodo fedorento. Sinceramente? Não ligo.
- Não ouse dar palpites sobre minha relação com meus filhos. Você não sabe de nada. - diz, os olhos em chamas. - Mas confesso: você acertou. Só não achei que fosse demorar tanto. E, quando estava para desistir, soube que finalmente aconteceu. Diga-me: a culpa lhe fez contar?
Ao longe, ouço um suspiro pesado de Isabella. Sei o que ela está pensando.
- Ele descobriu. Uma hora ou outra ia acontecer. Não conseguiria mantê-lo por tanto tempo.
- Claro, claro. Mas isso não importa. Foi ótima, essa estratégia de separá-los. Tentei me aproximar, mas ele sempre estava por perto. Como uma porra de um carrapato. Diga-me: como aguenta?
- Não sei.
Encaro seu rosto envelhecido, marcado pelo cigarro. - Por que está me contando seu "plano"? Não vejo motivo.
- Não estou contando. Estou cantando. Vitória.
Isabella bufa. - Lucas foi muito ingênuo, mas ele já deve saber a essa hora. Acha mesmo que irá deixar por isso?
Quando ele está prestes a responder, mais passos se aproximam da porta. Movo meus olhos para a garota loira, de olhos castanhos e face angelical na minha frente.
Estou prestes a perguntar quando Isabella se adianta.
- Que merda é você?
Ela tem uma expressão assustada, ou ansiosa no rosto, de modo que pareça um esquilo. Seria engraçado se... nada disso estivesse acontecendo.
Ela garota bufa, mas seu nervosismo é perceptível. - Quem é quem? - ela pergunta para Jonh.
Ele aponta para mim. - Essa aqui? É a nossa Annabelle. E aquela revoltada..- - Isabella sacode os braços, fazendo jus ao adjetivo. - É Isabella.
A garota arregala os olhos quando os para em Isabella. Engole em seco. - Isabella..-
- Prazer. - Isabella resmunga. - Quem é você?
- Acho melhor ficar calada..-
- Camille. Você deve saber quem eu sou.
Isabella parece meio perdida, mas eu sei. O nome Camille me é vagamente familiar.
- Foi você quem falou para Jonh onde Jared estava. Você o trouxe até aqui. É a ex. Acertei? - atiro.
Isabella franze a testa. E então estreita os olhos, lembrando-se. - Camille. - fala o nome lentamente. - A ex louca. Diga-me: como está a criança?
Os olhos da garota saltam das órbitas, e ele avança sob Isabella, agarrando seus cabelos. Jonh se levanta e rapidamente a separa da garota amarrada.
- NUNCA MAIS! SUA VADIA! VOCÊ O TIROU DE MIM!!
- O quê???! Você é louca!!
Jonh empurra Camille de modo que ela caia no chão, o redemoinho de cabelos loiros sob seu rosto. - Não te trouxe aqui para isso. Comporte-se, ou lhe mando para o lugar onde achei.
Ela arregala os olhos, enfurecida, mas logo sai do cômodo a passos largos.
Jonh se vira para Isabella. - Mais uma dessas, e vou repensar em tê-la aqui. E pode ter certeza que para casa você não irá.
Os dois estão ofegantes quando ele sai do cômodo.
Permaneço calada, estática com o ocorrido. Estática com a visão de Camille.
- Isabella? Você está bem?
Ela tem um monte de cabelos no rosto, e logo os sacode, jogando-os para trás. Avalia seu estado.
- Merda.
Me espanto. - O quê??
- Essa vadia me arranhou.
Suspiro pesadamente. Depois suspiro de novo. Pela primeira vez na vida, não sei. Não tenho a mínima ideia do que fazer.
Meus olhos começam a arder.
- Hey. - Isabella me encara. - Pare de chorar. Você não chora por besteiras, e também não berra, nem implora. Viu? Quem brigou aqui fui eu.
Um riso toma conta dos meus lábios, mesmo em meio às lágrimas. - Eu não sei o que fazer, Isabella.
- É o que você pensa. Você sempre sabe o que fazer, Anna.
Sacudo a cabeça. - Não, eu não sei.
- Pense.
Fecho os olhos com força. E depois os abro, olhando ao redor.
- A janela é grande. Mas vejo a copa das árvores. - digo em meio às lágrimas. - Devemos estar em uma casa de 3 andares.. na floresta.
- Sim. - Isabella olha ao redor. - Então a fuga pela janela está anulada, a não ser que você queira quebrar o pescoço. - diz, tentando fazer graça.
Permaneço calada. Tento mover minhas pernas novamente, elas saem um pouco do lugar, me deixando mais confortável.
- A garota. Camille. - Isabella bufa. - Parece... agitada demais. Transtornada. Não acho que queira fazer isso.
- Você só pode estar brincando. Ela acabou de avançar sobre mim!
- Porque você a irritou. Nunca viu os filmes de ação? Não provoque os bandidos.
- E você realmente acha que ela nos ajudaria?
- Não sei, não se conversarmos com ela, mas os dois parecem ter ideias divergentes. Se alguém pode ficar do nosso lado, é ela.
Isabella pensa um pouco, passando a língua pelos lábios ressecados. - Sinto muito. Foi por minha culpa, se eu..-
- Não. Eu sei que ele terminou comigo por saber, e estamos nesta situação, mas não foi por sua causa. Ele saberia do mesmo jeito, acredite.
Ele fica calada, pensativa. - Ele ainda a ama.
Não respondo. Sei seus motivos para ter feito o que fez, mas ainda assim, as dúvidas permanecem na minha cabeça.
- Anna? Ele ainda a ama. Não duvide disso. E não desista dele. Sei que incentivei sua independência com aquela história do celular, mas..-
Arregalos os olhos. - O que você disse???
- Independência?
- Não! Celular!!!
Ela parece confusa, mas sei o que fazer. Sei como pedir ajuda.