Anahí não conseguia entender o que Alfonso pretendia com aquilo, mas o obedeceu. Permaneceu sentada no sofá enquanto o via andar de um lado para o outro. Ele respirava fundo e parecia tentar manter o controle. Se fosse qualquer outro homem agindo dessa maneira teria ficado com medo. Mas com ele, incrivelmente, essa sensação não vinha. Estava assustada, é verdade. Mas com medo? Definitivamente não.
- Sr Her...
- Alfonso! – interrompeu – meu nome é Alfonso!
A garota preferiu calar-se depois da interrupção. Ele parecia ainda mais nervoso do que aparentava. E até agora não tinha conseguido entender o motivo. Teria passado a noite toda em silêncio se Alfonso não tivesse tomado a frente e voltado a falar.
- Há quantos dias você não dorme? – perguntou de forma direta, ignorando a feição confusa da loura.
- Hã... Eu dormi ontem à noite.
- Na sua casa? Na sua cama? – a observou abrir a boca e depois fechar, confirmando suas suspeitas – você vai acabar enlouquecendo se continuar nesse ritmo.
- Já estou acostumada com ele – deu com os ombros fazendo pouco caso – essa é minha vida há muito tempo.
Mesmo sabendo que estava sendo um intrometido de mão cheia Alfonso não resistiu e se aproximou dela, abaixando a sua frente e pegando suas pequeninas mãos. Descobriu, então, que não mais conseguia manter as mãos longe dela.
- Não tem ninguém para te ajudar?
- Não e não preciso – o orgulho, novamente, falou mais alto – consigo dar conta de tudo. Só estava descansando um pouco quando o senhor chegou. Peço desculpa outra vez.
- Não me incomoda que descanse – disse cansado – me incomoda que não faça isso. Você não devia trabalhar até a exaustão.
- Pena que não tenho opção – um sorriso cansado desenhou-se em seus lábios. Definitivamente era conformada com sua situação.
- Pensei que o trabalho na empresa pagasse, ao menos, o suficiente para que uma pessoa vivesse bem.
Um dos medos de Alfonso era que outras de suas funcionarias estivessem na mesma situação de Anahí e ele nem ao menos soubesse disso.
- Eu tenho muitas obrigações, por isso preciso complementar o salário.
- Obrigações como dar dinheiro para aquele homem que eu vi em seu apartamento?
O corpo de Anahí gelou só em ouvir falar em Leon. Os olhos arregalaram e ela retirou as mãos das de Alfonso, que as segurava até aquele momento. Levantou rapidamente e se afastou dele assumindo uma postura ereta e séria.
- Gostaria de voltar para o meu trabalho, Sr. Herrera. Se o senhor ainda o quiser, claro. – completou.
- Quero que você sente para que possamos conversar – disse com a voz gelada e firme.
- Não tenho mais nada a dizer. Se o senhor não for mais querer meus serviços gostaria de ir para casa.
Alfonso bufou irritado e levantou. Não queria que ela trabalhasse mais, mas também não queria que fosse embora. Tinha tantas perguntas para fazer, tantas coisas que gostaria de entender. Mas Anahí, aparentemente, não tinha a mesma vontade que ele. Havia voltado de viagem disposto a realmente investir nela, mas pelo visto as coisas seriam mais complicadas do que imaginou. Se com uma conversa simples ela já estava fugindo, imagina só quando ele abrisse o jogo?
- Você pode ir. Vou pedir para que o Frank te leve até em casa.
- Não é necessário, ainda é cedo. Obrigada pela oferta.
Sem esperar qualquer resposta dele Anahí virou as costas e se encaminhou até a dependência de empregada para pegar suas coisas. Havia sido uma noite perdida e não ganharia um mísero tostão por ela, já que não havia feito o trabalho. E, pelo visto, nem voltaria a fazer já que duvidava que Alfonso a chamasse novamente. Só esperava do fundo da alma que isso não influenciasse em nada seu trabalho na empresa.
Depois de trocar de roupa e recolher todas as suas coisas, colocou a mochila nas costas e se encaminhou para a sala. A porta da cozinha estava fechada e sem a chave nela para que pudesse abri-la, teria que usar a saída principal. Só não esperava ver Alfonso com a carteira e chave do carro na mão a sua espera.
- Não quero que me leve. Não precisa.
- Eu quero levar você – disse irredutível.
- Porque faz isso? – questionou sem mais conseguir controlar aquela curiosidade que lhe acompanhava há tantos dias.
- Porque você precisa que alguém cuide de você – disse sincero e a viu arregalar os olhos – e mesmo que não goste eu farei isso.
Se ele tivesse lhe dado um tapa na cara não teria a assustado tanto quanto sua justificativa. Como assim cuidaria dela? Por quê? O que estava querendo em troca? Ela não precisava disso. Já era bem crescida e sabia muito bem se virar sozinha. Afinal, já o fazia a tanto tempo que sequer sabia mais o que era ter alguém ao seu lado.
- Pare com isso. – foi o único som que conseguiu sair de sua boca.
- Existem momentos em que precisamos de alguém – deu alguns passos em sua direção e, se estivesse mais atento, teria conseguido ver que ela engoliu em seco – não importa que pense o contrário.
- Não preciso que cuidem de mim. Posso fazer isso sozinha. Todos temos que saber cuidar de nós mesmo.
- Acho muito bonita essa sua independência, mas precisa aprender a ceder e pedir ajuda. – aconselhou.
- Só quero ir embora – desviou o olhar e ignorou o ultimo comentário dele. Naquele momento estava cansada, suja e desanimada. Todo aquele bombardeio de atenção de Alfonso a havia deixado com dor de cabeça.
- Tudo bem. Vamos.
- Eu falei sério quando disse que não precisava – surpreendendo a ambos, Anahí segurou com firmeza no braço de Alfonso, impedindo que ele seguisse até a porta – não quero incomodar mais. Obrigada pela oferta e me desculpe por não ter terminado o trabalho, não costumo fazer isso.
Cada pedido de desculpa feito por ela deixava Alfonso mais irritado e impaciente. Tinha de haver alguém que pudesse cuidar dela e ajudá-la a ver as coisas com clareza. Deveria haver alguém a quem ela ouvisse.
- Isso não está em questão aqui – acariciou a mão dela em seu braço e depois a retirou de lá, entrelaçando seus dedos.
Antes que Anahí tivesse alguma reação, Alfonso a puxou para fora do apartamento seguindo determinado em direção ao estacionamento. Já estava começando a perder a paciência, mas se controlou. Apesar de se mostrar forte e determinada, conseguia ver que ela era extremamente frágil. E, arriscava dizer, até mesmo perdida nas ações que tomava. Realmente precisava que alguém estivesse junto a ela, mesmo que não fosse no sentido romântico da coisa. Um simples amigo já ajudaria bastante.
Ao estacionar o carro em frente ao deplorável edifício, Alfonso desceu rapidamente e abriu a porta para que Anahí saísse. A garota, sem alternativa, aceitou a mão que ele lhe estendeu para servir de apoio ao sair do carro. Os dedos continuaram entrelaçados enquanto seguiam até a entrada. Era obvio que depois da cena que havia presenciado ali, semanas atrás, faria com que Alfonso não confiasse em deixá-la entrar sozinha.
- Obrigada novamente, Sr. Herrera. – disse pela milésima vez ao se ver em frente a porta de seu apartamento.
- Vamos dispensar as formalidades já que não estamos no ambiente de trabalho. Só Alfonso está de bom tamanho.
Anahí deu apenas um sorriso sem graça e procurou a chave na bolsa, abrindo a porta em seguida. Não queria convidá-lo a entrar, mas também não queria ser mal educada. Alfonso parecia perceber sua briga interna e um riso contido escapou de seus lábios. Ela era encantadora.
- Não se preocupe, já estou indo embora. Tenha uma boa noite, Anahí.
Sem esperar por qualquer reação dela Alfonso foi embora. Mesmo sem querer, mas foi. Se ela não queria sua companhia, respeitaria. Só que não por muito tempo. Aos poucos ia quebrando toda essa barreira que ela insistia em por entre os dois. Sabia que estava sendo insistente, que eles haviam acabado de se conhecer, mas era inevitável. Queria estar ao seu lado. Os dias que passou viajando o fez ver que realmente queria estar presente em sua vida.
Ao se ver sozinha Anahí respirou fundo e fechou a porta com chave. Jogou-se na cama e sorriu ao mesmo tempo em que olhava para o teto. Alfonso andava muito atencioso, e isso a estava encantando absurdamente. Não conseguia sequer imaginar o que ele havia visto nela para agir dessa forma, mas não negaria que estava fascinada. Ele era o tipo de homem que chamava a atenção de qualquer pessoa.
Só que também era realista. Ele nunca se interessaria de verdade por alguém como ela, que nem ao menos tinha onde cair morta. Poderia estar curioso, no fim ela seria apenas mais uma das milhares que passaram por sua mão. E a verdade é que não tinha tempo para esses joguinhos. Não podia se deixar iludir por meia dúzia de palavras bonitas que ele dissesse. Iria cuidar dela? Até quando? Até outra mais interessante passar a sua frente? Não se deixaria enganar. Já estava vacinada contra isso, depois de ver a mãe sofrer anos e anos nas mãos de Leon. Se Alfonso queria algum passatempo teria que procurar outra pessoa.
Disposta a tirar todo aquele assunto da cabeça levantou da cama e foi em direção ao banheiro. Merecia um banho e rezou para que a água estivesse quente. Depois de se sentir limpa e aquecida vasculhou seu pequeno armário atrás de algum alimento. A única coisa que encontrou foi a metade de um sanduiche que havia ficado ali depois do café da manhã. Aquilo teria que servir para aplacar sua fome. Depois de devorar com apenas algumas dentadas o sanduíche voltou a deitar-se na cama e, poucos minutos depois, já entrava em um sono profundo.
Leon não estava muito distante de Anahí. Havia alugado um apartamento no prédio em frente ao da garota para ficar de olho nela. Precisava de grana e só ela poderia conseguir. O papo de que não tinha dinheiro só podia ser uma completa mentira, já que vira e mexe ela estava em companhia do cara com o carro luxuoso. Oh, Leon não era besta. Se Anahí achava que o enganaria com meias palavras estava completamente enganada. Se ele não podia mais ter Georgina de volta para saciar seus desejos sexuais e financeiros ficaria com a filha. Ninguém mandou que ela escondesse a mãe com tanto empenho, agora arcaria com as consequências.
Ao retornar para a empresa na segunda-feira a primeira coisa que Alfonso fez foi chamar Olivia em seu escritório. O primeiro passo para ter Anahí mais próxima a si seria tomado naquele exato momento. Havia chegado mais cedo para que suas ordens fossem seguidas assim que a loura chegasse para trabalhar. Não perderia mais um segundo sequer.
- Mandou me chamar?
Olivia entrou no escritório de Alfonso e fechou a porta. O moreno estava concentrado no computador e fez um gesto para que ela sentasse enquanto terminava de ler um e-mail que havia recebido.
- Trouxe o que pedi? - ergueu os olhos para a funcionária que lhe estendeu uma pasta – excelente.
- Posso saber por que precisa do cronograma da limpeza? – perguntou enquanto o observava analisar atentamente os papeis a sua frente. Já imaginava o porquê de ele querer aquilo, mas não conseguiu evitar a pergunta.
- Pretendo fazer algumas mudanças...
Com uma caneta Alfonso fez alguns rabiscos nos papeis. Setas e anotações foram feitas antes que ele devolvesse-os para Olivia, que os leu atentamente.
- O senhor tem certeza que quer realizar essa mudança?
- Sim – respondeu simplesmente.
- A Anahí nunca ficou responsável por limpar as salas da direção. Acha prudente colocá-la aqui? É confiável?
- Sim – repetiu calmamente – eu a quero neste andar. E a partir de hoje. Assim que ela chegar já a informe da mudança.
- Como preferir, senhor.
Olivia engoliu em seco ao sair da sala de Alfonso. Anahí, com toda sua cara de sonsa, havia realmente conseguido encantar o chefe a ponto de fazê-lo mudar todo um cronograma que já vinha dando certo há anos. Sua raiva cresceu ainda mais ao avistar a garota terminando de se trocar no vestuário dos funcionários, parecia que sua indignação havia crescido só em ver o rosto dela. Respirou fundo e se aproximou.
- Fez o seu trabalho direitinho, heim? – perguntou com sarcasmo e viu Anahí arregalar os olhos – colocou o chefe na palma de sua mão.
- Não sei do que a senhora está falando.
- Não se faça de inocente! – disse rude e se aproximou, apontando o dedo para ela – conseguiu mudar seu roteiro de trabalho, parabéns. Mas lembre-se que você nunca deixará de ser a mulher que limpa o chão por onde eu passo.
Dito isso Olivia jogou o papel com o novo roteiro de Anahí em sua direção e saiu do vestuário. A loura ainda demorou um tempo para sair do transe e apanhar o papel que havia caído no chão. Arregalou ainda mais os olhos ao notar que, daquele dia em diante, estaria responsável apenas pelo ultimo andar da empresa. Estava mais que claro que aquilo era decisão de Alfonso, o que só a fez ficar mais confusa do que antes. Afinal, o que tanto ele queria com ela?