Poderia me chamar por homem morto que eu responderia, eu escutava os pneus da caminhonete amassando terra junto com o som das correntes do meu carrasco se arrastando pelo chão, eu precisava de mais uma manobra para fugir da morte, assim como fiz durante todo esse tempo.
Do veículo assisti Barrabá subindo na linha do horizonte, suas grandes muralhas pequenas, diziam que nem mesmo a radiação penetraria aquelas paredes, antes de adentrarmos na colônia o comboio parou, meus olhos pularam para a direita e para esquerda, sem que eu mechesse a cabeça, o motorista da pick-up me olhou com aquele rosto deformado, que mais se assemelhava a um tomate podre, me mostrou os dentes, acho que era um sorriso, e após uma piscadinha me jogou pra fora da caminhonete como se eu fosse um saco de batatas. Me amarraram a um poste de madeira mais alto que os muros de Barrabá, todos os motoristas ajudaram a amarrar a extremidade do poste no para-choque do caminhão, e eu na outra extremidade, me içaram para cima como se eu fosse um prêmio de caçadores, os portões de Barrabá se abriram, e o comboio ligou novamente os motores.
Quando as primeiras cabeças começaram a aparecer timidamente nas janelas das rudimentares casas de barro, em seus olhares era perceptível o tom de dúvida, de fato não sabiam do que se tratava, até que o motorista do caminhão retirou toda sua cabeça pela janela e suou uma trombeta, o som grave ecoou por portas e pequenas ruas que dividiam as casas, e para completar o chamado soltou um grito desafinado e sem ar, evocando um nome: "rato do deserto", apesar de esganiçado com o auxílio da trombeta fora o sulficiente para convocar todo o povo daquelas casinhas, que começaram a aparecer como formigas saindo do formigueiro, ou mesmo, urubus atrás de carniça. Se amontoaram na estradinha principal, imagino que fosse, afinal era a maior dali, deixando espaço somente para a passagem do comboio que permanecia retilíneo e no final da rua havia uma construção que me lembrou muito os antigos edifícios egípcios, possuia uma base quadrada e fechava seu topo em uma única ponta, uma verdadeira pirâmide, acredito que o material seria o mesmo, também.
O comboio progredia vagarosamente e a população estava em silêncio absoluto, pareciam não acreditar que o homem lá em cima era o tão falado ladrão de água, isso durou alguns segundos logo um espírito de entreolhares tomou conta de todos, e um homem ao fundo puxou o coro, fui tão vaiado pelo povo de Barrabá que me senti importante, homens, mulheres, velhos, crianças, leprosos, cancerígenos roubei água de todas aquelas vítimas da radiação, eu concordei com a chuva de vaias que recebi.
Ao me descerem do poste, permaneci amarrado e com um pedaço de tecido passando pela minha nuca e segurando a boca aberta, porém minha língua estava imóvel e nenhum tipo de som pude emitir, senti algum tipo de lâmina nas minhas costas e entendi o gesto do meu simpático companheiro de viajem, me mandando seguir em frente, dessa forma entrando na construção central de Barrabá subi uma longa e cansativa escadaria que terminava em uma única porta no topo do edifício.
Entrando, me deparei com uma mesa redonda, nela estavam presentes três homens e três mulheres, na minha frente uma cadeira vazia, a qual fui outorgado a sentar e paralelo a mim, outra cadeira vazia, a sala era simples, abafada e pequena, com toda a certeza ainda estava em construção, as pessoas presentes na mesa estavam inquietas, se incomodavam com a minha presença, mas também pareciam esperar a chegada de alguém. Deve ser o tão falado líder da colônia. Porém eu que me encontraria com o tal soberano estava mais calmo que as pessoas ao meu redor, porém estava começando a me preocupar com as proporções que minha fama havia tomado, quando a minha direita ouvi respingar de um cochicho a palavra "guilhotina", ahh essa palavra me preocupava e muito.
De calmo minhas mãos começaram a soar, tudo que eu fiz, todo tempo que sobrevivi seria em vão?? Não teria sido de verás melhor morrer de insolação do que ser decapitado em público??? Eu sei que não tinha como fugir correndo, minha unica saída era... Bom eu não tinha saída.
Ouço a porta abrir rapidamente, saudações mi laide escuto do motorista que me trouxe, respectivamente, todos homens e mulheres da mesa redonda se levantam e repetem: "saudações mi laide". Arquio às sombrancelhas espantadamente, do meu lado passa um vulto rápido, fico perdido, quando me recupero percebo quem puxava a cadeira vazia para se sentar era uma mulher, uma mulher tão baixinha, uma moça que trajava-se de uma calça jeans justa, camiseta aparentemente regata branca e por cima uma jaqueta preta, a mulher tinha um rosto angelical, a tempos no deserto, não via um rosto com traços tão sedosos, e para condecorar tamanha perfeição, um óculos que se encaixava suavemente em seu rosto, dando a ela inclusive uma personalidade sexy, entretando a sua fama não girava em torno de sua beleza, era sustentada pela sua severidade aos ímpios.
A líder apoiou seus braços na mesa inclinou-se e me encarou por alguns segundos, nos primeiros momentos eu respondi a troca de olhares mas não me mantive muito e desviei os olhos pra lá, ela continuava a me encarar, olhava pra cá, e ela permanecia a me encarar, não resisti a uma tentativa de desestrutura-la na frente de seus súditos:
-Lindos olhos moça, se estiver tentando me conquis...
Antes que eu tivesse a oportunidade de concluir minha fala, ela enfeita seu rosto com um sorriso irônico me desferindo uma contrapalavra:
-Escuta aqui seu rato imundo, próxima vez que o senhor dirigir a palavra, sem ser convidado eu farei toda a questão do mundo de ser o seu carrasco e amanhã de manhã, seu asqueroso, acordará com a boca cheia de terra.
Naquele momento tive toda a certeza que os boatos eram reais, e o pior, eu era o inimigo na situação, teria que sobreviver aos ataques, desviar das acusações, e dar um jeito de sair com o pescoço daquele local. Era muito mais fácil roubar um caminhão no deserto.