God Only Knows (DEGUSTAÇÃO)

By liadeoliv

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SHORTLIST WATTYS 2018 Na bíblia, está escrito para não nos assentarmos a roda dos escarnecedores. Traduzindo... More

1 - Demônios Existem
2 - Anjo da Guarda

3 - Uma Lembrança Infeliz

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By liadeoliv


Todo o meu corpo estava travado como se eu tivesse sido congelada. Minha boca estava aberta pelo susto, e também por respirar ofegante. Eu me perguntava mentalmente como tudo aquilo acabou atraindo aquela pessoa para perto.

– Você se sente mal? – Um de seus braços passou por debaixo dos meus joelhos e o outro se apoiou nas minhas costas. Aaron me ergueu do chão com certa facilidade e eu me vi ali, nos seus braços sendo carregada no meio de uma viela. – Eu preciso que responda, caso contrário só pensarei duas coisas. Ou está em choque, ou está se aproveitando de mim.

– Me coloca no chão. – O repreendi firmemente, eu nem podia ao mesmo ficar perto dele depois daquelas palavras, aquele idiota.

Aproveitei e me lembrei do que ele me disse na porta da igreja, naquele mesmo dia, mais cedo. Eu podia sentir a raiva subindo em mim. Como ele ousava fazer piadinhas naquele momento, sem ao menos se preocupar com que tinha dito mais cedo? Droga, eu me sentia mal por ele apenas ter me tocado. Seus olhos procuravam um pingo de comédia no meu rosto, mas eu me mantive séria, afinal estava com raiva também não tinha do que dar risada. Nisso, ele provavelmente entendeu o recado e finalmente me colocou no chão.

– De nada, princesa. – Assim que meus pés tocaram o chão, eu tratei de dar alguns passos para trás, me distanciando o suficiente dele. – O que a filha do reverendo faz essa hora da rua? Não era para estar dormindo com os anjinhos? Ou rezando um pai nosso?

– Você não demonstra um pingo de respeito em nada do que fala? – A pergunta era retórica e só fez com que ele soltasse um riso. Já eu, estava ofegante passando as mãos nos cabelos sem parar. – Eu agradeço contra a minha vontade que tenha me ajudado, apesar de achar que você não merece a minha gratidão.

Ele soltou uma risada gostada levando a cabeça para trás no processo. Eu queria saber aonde estava a piada?

– Eu não preciso da sua gratidão, irmã. Podia nem mesmo ter ajudado, o novo boato nos bares dos arredores vai ser que estamos namorando. Foi como eu fiz ele te largar, lembra?

Balancei a cabeça irritada, aquilo era verdade, ele tinha dito que eu era sua namorada, foi assim que o demônio me soltou, mas tudo bem, era só aquilo nunca chegar aos ouvidos de meu pai e tudo ficaria bem. Merda, o que aquele garoto estava pensando?

– Eu não vou ficar aqui ouvindo você. Meu pai está em casa me esperando, então com licença – Me virei sorrindo ironicamente e dando passos longos para longe de Aaron, já ele continuava com uma risada baixa, idiota. Eu fiquei realmente irritada com aquilo, então me virei de uma só vez, já longe do mesmo e gesticulei com os braços. – Por que está rindo dessa maneira?

– Você é exatamente como eu imaginei, e como eu soube que era. Só para saber, qual o nome bíblico seu pai colocou em você? Aposto que sabe meu nome, mas eu não sei o seu. 

– Sinto muito em lhe desapontar, meu nome é Pietra. – Parece que eu tinha aprendido a arte do sarcasmo naquele momento, porque minha saliva pingava a ironia.

– Se fosse Dalila você tiraria a força do seu pai por mim? – Neguei com a cabeça não acreditando naquilo.

Apesar de não ser exatamente assim que as coisas aconteceram na história de Sansão e Dalila, eu havia entendido a referência, e achado um pequeno absurdo. Não estava gostando nada do rumo que aquela conversa estava tomando.

Meu cérebro já trabalhava em algo para retrucar, mas percebi que no fim ele tinha dito algo importante, ele citou uma história bíblica. Por mais conhecida que fosse, ainda era algo bíblico, então ele conhecia as histórias. Aaron não era um simples infeliz, tanto quanto parecia.

– Por que foi a igreja hoje de manhã? – Permiti deixar minha raiva um pouco de lado para satisfazer minha curiosidade. Eu me via tentando entender aquele ser humano.

– Acha que eu não acredito em Deus? É por isso que está perguntando? – Travei meu maxilar vendo ele sorrir de lado ao ver minha reação – Não é como se não fosse óbvio. Você olha para mim e vê um impuro, um qualquer. Não princesa, eu não acredito em Deus, nem em anjos, nem em graça divina, afinal, um dia a graça divina que você tanto adora tirou coisas de mim. Só fui a igreja para ver as ovelhinhas que vou poder pastorear.

– Obteve sucesso senhor Meyer? – Debochei dele. Nenhuma menina da igreja se arriscaria a um envolvimento amoroso com aquele homem.

– Você ainda está aqui falando comigo, não é mesmo?

Engoli em seco sentindo todo o meu corpo ferver de raiva, e me virei de uma vez indo para minha casa. Eu podia ouvir a risada de Aaron mesmo estando passos afastada dele, aquele idiota só podia ter o poder de tirar as pessoas do sério. Minha sorte era que minha casa não era mais tão afastada depois daquele beco, e pensar que eu tinha sido quase estuprada e acabei salva pelo Meyer. Essas coisas não deveriam acontecer.

Parei na porta da casa respirando fundo e me recompondo, estava tudo bem agora. Assim que abri a porta, olhei para a sala e vi a luz ligada, totalmente de propósito. Papai deveria ter feito aquilo para que eu pensasse que ele estava ali, queria me dar um susto porque eu tinha chegado tarde, muito divertido, mas eu já conhecia o truque. Soltei um sorriso e tranquei a porta me virando em direção a cozinha e levei um leve susto, ali estava meu pai. Em suas mãos tinha uma xicara, talvez com chá, já que era a bebida que ele tomava antes de dormir.

– Você demorou um pouco, Pietra. – Sua voz era séria e eu tive que engolir em seco para conseguir responder alguma coisa.

Na minha cabeça, um monte de explicação surgiu, e nenhuma delas tinha a parte onde Aaron tinha me ajudado a evitar um estupro. Essa parte eu definitivamente não podia continuar pro meu pai.

– Desculpe pai. Eu e Larissa ficamos conversando, e eu não vi a hora passar, de verdade. – Sorri o mais verdadeiramente possível, raramente eu conseguia fazer meu pai acreditar em uma mentira minha, talvez porque eu não tinha o costume nem a necessidade de fazer isso.

– Bom, de qualquer maneira, eu só esperei sua chegada por um motivo em particular que não podia esperar até amanhã. Eu preciso que arrume coisas para um almoço amanhã, convidei a família do reverendo Meyer para comer conosco. – Meu coração quase parou, eu iria ver Aaron novamente, com suas piadas idiotas? – Coloque três pratos a mais na mesa.

Tomei a cabeça para o lado contando mentalmente quantas pessoas estavam nos visitando, e vi que faltava alguém. Papai estava contando apenas o casal e um dos filhos, sendo que a família Meyer tem um casal de filhos também.

– Um dos filhos deles não vai vir comer conosco? – Perguntei no modo automático, nem reparei se ele ia entender isso de maneira ruim. – Aaron não virá?

A pergunta na verdade deveria ter sido se ele não tinha convidado o garoto, isso sim se encaixava mais no perfil de meu pai. Quando fiz a pergunta mal percebi que estava tratando aquele idiota pelo primeiro nome. Meu pai me olhou como quem podia enxergar minha alma, e de alguma maneira ver que haviam pecados ali, e principalmente que eu já tinha tido algum tipo de contato com o Meyer. Aposto que se meu pai pudesse, me daria um banho de água benta só para que eu ficasse puta novamente.

Mesmo que não fossemos católicos, as piadinhas e metáforas usando coisas dessa religião eram muito interessantes.

– Pietra... Sei que acha que Aaron pode ser salvo. Sei exatamente como sua cabeça funciona quando quer salvar uma alma, mas ele não pode ser salvo, porque ele não é um simples pecador. Aaron é um demônio. – Engoli em seco e suspirei tentando não transparecer minhas ideias através de caretas já que meu pai estava na minha frente. – Ele tem um passado que já o condena por si só.

– Mas... – Me aproximei de meu pai e toquei seu rosto – Todos têm salvação, e nós deveríamos ajudar, foi isso que o senhor me ensinou.

Meu pai soltou o ar com brutalidade e segurou minha mão deixando a xicara na outra, mas ele segurava aquela peça de porcelana tão forte que eu achei que fosse explodir em sua mão. Eu não deveria dizer, não deveria nem ao menos pensar daquela maneira, mas como um homem de Deus tinha pensamento tão ruins sobre alguém? Papai deveria ajudar todo mundo, não era assim?

– Fique longe dele. – Seus dentes estavam quase rangendo pela força que ele usou para não me bater.

Naquele momento eu pensei mesmo que ele fosse me bater, e estivesse se controlando.

Um arrepio chato subiu pela minha espinha. Ele estava nervoso naquele momento, e se eu tentasse falar mais alguma coisa, talvez ele me batesse, eu deveria mesmo aprender a me calar. Caso eu apanhasse, não seria a primeira vez.

Lembro que estava calor, muito calor. Eu estava chateada de ficar em casa, queria ter alguma coisa para fazer. Fazia alguns meses que eu tinha completado quinze anos, a famosa época onde queremos sair, e agir como se fossemos responsáveis, tendo experiências na vida. A famosa época de transição entre criança para adulto, e você não consegue se conter porque existe uma bolha de hormônios fervendo dentro de você. A maior parte do pessoal da escola iria para a casa de uma colega da escola, ela faria uma festa na piscina já que estava calor demais, e pediu que todos fossem. Me convidou pessoalmente e disse que apesar do meu pai ser religioso, ele iria deixar que eu tivesse minhas experiências, afinal ele pregava sobre o livre arbítrio, e não ia impedir que eu me divertisse com uns amigos. Claro, como as coisas aconteceram, foi bem diferente.

– Pretende sair? – Ouvi a voz de meu pai atrás da porta do meu quarto. Eu havia trancado para me arrumar devidamente para a festa, e ainda não tinha contato a ele que sairia e nem para onde.

Havia colocado um short soltinho alguns dedos acima de meu joelho e uma blusa de alças, deixando o biquíni por baixo. Tudo eu tinha comprado sem a autorização do meu pai, e com o dinheiro da mesada, que ele costumava me dar. Tinha que confessar que estava com medo do meu pai me ver daquela maneira. Mesmo assim, ele era meu pai, não faria nada. Respirei fundo e prendendo todo o ar nos meus pulmões caminhei até a porta colocando a mão na maçaneta.

– Vou a uma festa na piscina de uma colega da escola. – Abri a porta de uma só vez enquanto não conseguia levantar os olhos até o rosto de meu pai.

Ele me olhou de cima a baixo e fez uma careta logo depois, de nojo eu diria. Parecia que estava vendo um demônio, ou algo assim. Eu tentei andar, mas diante daquele olhar todo o meu corpo tinha travado.

– Você vai assim? – Sua pergunta era uma daquelas que ele não precisa que você responda, a reposta já está ali sendo esfregada na sua cara. Tudo o que seu olhar dizia sobre mim era que estar vestida assim era errado, e tudo estava errado. – Pietra, volte para dentro do quarto, tire tudo, e depois jogue fora, essas roupas não foram feitas pra você, é uma depravação. Você não deve andar vestida como a maior parte das meninas da cidade. Você não é uma puta.

– Pai... – Eu deveria estar ficando louca só de querer dizer alguma coisa naquele momento. Até parece que ele iria me escutar de algum jeito. – Sabe, uma roupa curta não vai levar ninguém pro inferno, igual uma roupa longa não leva ninguém pro céu. Você não deveria julgar as coisas assim, Jesus mesmo, salvou uma prostituta.

Eu queria ter mais argumentos do que aquilo, afinal parecia muito vazio diante de meu pai, mas tinha sido a primeira coisa a me vir na cabeça. No fundo, eu queria ser bem convincente, fazer o que ele acreditasse nas coisas que eu estava dizendo, e assim não me matasse com os olhos. Claro, porque até então eu não acreditava que meu pai poderia me bater em algum momento.

Então ele levantou a mão, e eu achei que estivesse prestes a clamar a Deus ou alguma coisa assim, como uma oração, talvez acreditasse que eu estivesse com demônios e queria expulsá-los dali. Mas não. Ele simplesmente abaixou a mão com tanta rapidez e força que quando tocou minha bochecha eu caí em cima da mesinha de canto que havia dentro do meu quarto, ao lado da porta. Meu raciocínio tinha ido pro espaço, não consegui digerir o que tinha acabado de acontecer. Meu coração se apertou doendo em meu peito mais do que minha bochecha depois da pancada que eu havia recebido. Eu não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo.

Minha garganta estava seca e meus olhos ameaçavam marejar com a chegada daquela lembrança. Não dava para esperar que aquilo não tivesse deixado uma marca profunda em mim. Lembro muito bem como tudo aconteceu, e aquele foi um dos momentos que você não consegue esquecer de jeito nenhum. Principalmente porque foi decepcionante saber que meu pai era capaz de bater em mim por uma coisa que ele acreditava estar certo, a deixar que eu tivesse minhas próprias decisões sobre tudo, até sobre coisas banais como a roupa que eu uso. Decepções só doem tanto porque ela nunca vem de gente desconhecida, ela sempre vem das pessoas que você mais confia.

Daquele dia em diante eu tentei nunca mais confrontar meu pai por nada, eu tinha medo do que poderia acontecer comigo. Mesmo que agora, eu estivesse mais velha, não duvidava que ele podia fazer a mesma coisa, então era melhor não provocar. Talvez até mesmo me colocasse para fora de casa, eu estava com um pé nos vinte e um e ele teria coragem disso sim. Eu iria começar a cursar literatura inglesa logo, essa matéria ele tinha aceito. Papai ficou mais orgulhoso quando eu escolhi o curso de literatura do que quando eu quis direito, afinal, ele alegou que mulheres não foram feitas para comandar, ou ficar em tribunais, eu não queria discutir então apenas mudei de ideia. Era fácil admitir que meu pai sempre foi do tipo fanático religioso machista, mas ainda era meu pai, então passar por cima dele não era tão simples assim.

Decidi não falar mais sobre o assunto, apenas suspirei e assenti com a cabeça, tomando o caminho do meu quarto. Eu tinha planos para sair de casa depois da faculdade então estava tudo bem, eu iria conseguir tudo sem criar uma confusão com meu pai, eu era paciente, sempre fui. Gostava de pensar que Deus estava vendo a minha luta, e estava guardando a minha vitória.

*AVISO*

Este é o último capítulo disponível dessa história. Para ler mais, por favor pesquise a história na plataforma DREAME ou acesse o link deixado nos comentários. A plataforma paga seus autories e esse foi o motivo de eu me mudar. Obrigada por acompanhar até aqui. E até a próxima <3 

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